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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.30 no.3 Lisboa jul. 2012

 

O prolongamento da transição para a idade adulta e o conceito de adultez emergente: Especificidades do contexto português e brasileiro

Tânia Brandão*; Luísa Saraiva*; Paula Mena Matos*

* Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

Correspondência

 

RESUMO

A diminuição da regulação normativa das trajectórias de transição para a vida adulta, nas sociedades da modernidade tardia, favoreceu o prolongamento da condição juvenil até ao final da terceira década de vida e a progressiva privatização e flexibilização dos percursos biográficos. As novas características das sociedades pós-industriais levaram à definição de novos conceitos e perspectivas no âmbito da Psicologia do Desenvolvimento, das quais se destaca a teoria da adultez emergente. Neste artigo discute-se a pertinência e a utilidade do conceito de idade adulta emergente enquanto período de desenvolvimento, interpretando-o à luz das dinâmicas de interacção entre agência individual e as condições que configuram a estrutura de oportunidades, para uma melhor compreensão do estatuto dos jovens na sociedade contemporânea. Procura-se, ainda, analisar a aplicabilidade das novas perspectivas de transição para a vida adulta ao contexto português, considerando que este período de exploração e experimentação é vivido pela maioria dos jovens no seio da família de origem, principal fonte de apoio num clima de crescente precariedade. Finalmente, estabelece-se uma comparação com a realidade brasileira, explorando semelhanças e diferenças entre os dois países.

Palavras-chave: Brasil, Idade adulta emergente, Portugal, Transição para a vida adulta.

 

ABSTRACT

In late modern societies, the normative regulation of life courses in the transition to adulthood has become more lenient, delaying the fulfillment of adult roles up to the end of the third decade of life, and thus creating the conditions for more flexible and private life trajectories. The transformations occurred in post-industrial societies lead to the emergence of new concepts and theories in the realm of Developmental Psychology, from which we selected the theory of emerging adulthood for further exploration and discussion. In this article, the importance and utility of emerging adulthood as a new developmental period is discussed, considering the dynamic interactions between personal agency and the macro-structures that allow a better understanding of young people’s status in post-modern societies. The characteristics of this theory are also explored in the light of Portuguese society, since emerging adulthood is mainly experienced inside the parental home, as family is the main source of support in an increasingly precarious environment. Finally, a comparison between the Portuguese and Brazilian reality is established, discussing the similarities and differences between both countries.

Key-words: Brazil, Emerging adulthood, Portugal, Transition to adulthood.

 

TRANSFORMAÇÕES SOCIOCULTURAIS E O PROLONGAMENTO DA TRANSIÇÃO PARA A VIDA ADULTA

O século XX caracterizou-se por transformações económicas e sociais que modificaram irremediavelmente as sociedades ocidentais. Assistiu-se à queda da importância das meta-narra tivas inclusivas que davam sentido e significado à vida e que permitiam a construção de um mundo ordenado e previsível, e a uma agudização do processo de individualização da sociedade (Coimbra, 2005). Pode-se afirmar que, a partir dos anos 70 do século XX, existiu uma diminuição da regulação normativa das trajectórias de transição para a vida adulta, associada a uma valorização da autonomia acima da interdependência comunitária e das obrigações sociais (Dougalss, 2007). Como refere Arnett (2006a), há 40 anos um jovem de 22 ou 23 anos esperava tornar-se adulto, assumindo como ponto de referência o casamento, a paternidade e a obtenção de um emprego estável. Actualmente, pela desinstitucionalização dos marcadores sociais que definiam os modos de transição entre as etapas de vida, os indivíduos têm que assumir a responsabilidade de construir significado para a sua trajectória de vida (Bauman, 2001). De acordo com Pais (2001), as transições do jovem no pós-guerra eram como viagens de comboio, em que cada um entrava onde podia (dependendo da classe, género e qualificações), mas o destino já estava pré-definido. Hoje, as transições são como as viagens de automóvel, em que é a experiência do condutor que determina a escolha do caminho perante uma infinidade de itinerários possíveis. Assim, Bauman (2001) elege como as marcas fundamentais da modernidade tardia a insegurança, a incerteza e o risco que se reflectem numa crescente desregulação, privatização e flexibilização das trajectórias individuais.

Estas transformações de ordem social, económica e cultural traduziram-se num aumento consistente da idade média ao primeiro casamento, da idade média ao nascimento do primeiro filho, na presença de percursos escolares mais longos e consequente inserção mais tardia no mercado de trabalho, na liberalização das relações sexuais e a um aumento da coabitação, bem como numa maior instabilidade residencial (Arnett, 2006a, 2007a). Assim, a ausência de controlo, expectativas e prescrições sociais levaram ao prolongamento da condição juvenil e tornaram a regulação normativa das trajectórias de transição para a vida adulta cada vez mais lenientes (Billari, 2004), proporcionando um período mais ou menos extenso de exploração de futuros possíveis e de instabilidade até ao compromisso em investimentos a longo prazo (Arnett, 2006a).

A constatação de que a transição para a vida adulta se prolongou até quase ao início da terceira década de vida levou vários autores da área da psicologia do desenvolvimento a conferir especial atenção a esta fase, procurando denominá-la e distingui-la de outros períodos do ciclo vital. Foram vários os termos sugeridos: adolescência, adolescência prolongada, juventude, jovens adultos, transição para a idade adulta e adultos emergentes (Arnett, 2000; Erikson, 1976; Keniston, 1971; Levinson, 1986). No entanto, apesar de não existir consenso em relação ao termo a utilizar, a maioria dos autores salienta como marcas deste período como a exploração, a experimentação, a mudança e a instabilidade. Erikson (1976) fala-nos de uma adolescência prolongada nas sociedades industrializadas, marcada pela oportunidade de explorar papéis e valores, provocando um adiamento dos compromissos que caracterizam a idade adulta. Além disso, refere a importância de existir uma moratória psicossocial, ou seja, defende a existência de um “período de espera concedido a alguém (...) que se caracteriza por uma tolerância selectiva por parte da sociedade e uma actividade lúdica por parte do jovem” (p. 157). Assim, o jovem tem uma certa liberdade para ensaiar papéis e valores, profissões e relacionamentos, antes de assumir compromissos e responsabilidades para a vida futura, que o transformariam num adulto. Por seu lado, Levinson (1986) refere que o período dos 17 aos 33 anos, a que dá o nome de estádio principiante de desenvolvimento, é marcado por uma série de mudanças e instabilidade, quer a nível profissional, quer a nível afectivo, partilhando a ideia de Erikson em relação ao período de experimentação e à moratória concedida pela sociedade para a construção da identidade. O autor (Levinson, 1986) dá ênfase ao processo de individuação e separação da família de origem que acontece durante este período de vida, bem como à autonomia e responsabilidade que devem ser desenvolvidas. Keniston (1971), por sua vez, criou o termo juventude para designar esta fase do desenvolvimento. Num contexto americano, marcado por conflitos entre jovens e sociedade, o autor caracteriza este período como um momento de grande tensão e instabilidade existindo uma resistência por parte dos jovens em relação às normas sociais.

Mais recentemente, Arnett (2000, 2007a) propõe, não apenas o aparecimento de um novo conceito, mas a definição de um novo período de desenvolvimento nas sociedades industriais que se situa entre os 18 e os 25 anos e implica tarefas e características distintas. Justifica a necessidade de uma nova terminologia pela plasticidade, volatilidade e heterogeneidade que caracteriza este período e o torna distinto da adolescência, sem que, ao mesmo tempo, se tenham assumido por completo todas as responsabilidades da vida adulta. Nesta proposta está implícita, porém, e em nosso entender, uma componente cultural e histórica que é indispensável para compreender por que razão este período da vida não é universal, ou seja, não é vivenciado do mesmo modo, nem tem a mesma duração, em todas as culturas, aspecto a que voltaremos mais adiante.

Esta nova etapa de desenvolvimento é definida como a idade da instabilidade, a idade das possibilidades, a idade em que não se é adolescente nem adulto, mas algo entre os dois, a idade em que se está centrado em si próprio e a idade das explorações identitárias (Arnett, 2000, 2006a). As dimensões da instabilidade e das possibilidades estão relacionadas, principalmente, com a diversidade de percursos que procedem da conclusão do ensino secundário e da saída de casa dos pais e que proporcionam as condições para os jovens explorarem o domínio da educação, do amor e do trabalho, já que os pais não exercem tanto controlo e os indivíduos ainda não ocupam papéis institucionais como o de marido ou mulher, pai ou mãe que colocam constrangimentos à mobilidade (Arnett, 2006c). Para além disso, estudos com adultos emergentes americanos revelam a manifestação de um sentimento subjectivo de não se sentir nem adolescente nem adulto, sendo que na esfera social existem significados ambíguos e indefinidos associados a este período. De facto, a definição do estatuto de adulto parece reportar-se, cada vez mais, à aquisição de aspectos psicológicos (capacidade de aceitar responsabilidade por si próprio, tomar decisões e tornar-se financeiramente independente) e menos de carácter sociológico (como aspectos socio-demográ ficos, de responsabilidade familiar, transições legais/cronológicas ou de papel) (Arnett, 2001; Facio & Miccoci, 2003; Mendonça, 2007; Petrogiannis, 2011; Shulman & Ben-Artzi, 2003). Finalmente, os adultos emergentes são descritos como indivíduos centrados em si próprios, livres para explorar e realizar escolhas independentes e investidos em compreender qual é o seu lugar no mundo e os objectivos que pretendem atingir (Arnett, 2006a). É esta conjuntura socio-cultural e a emergência de novas estruturas cognitivas que permitem uma maior compreensão e reflexão acerca de si próprios e a exploração identitária, antes de se realizarem compromissos e escolhas mais definitivas (Labouvie-Vief, 2006). Neste sentido, a integração supra-ordenada das identificações do passado de modo a construir continuidade e unicidade de significado (Erikson, 1976), não é mais uma tarefa primordial apenas da adolescência, sendo que aspectos fundamentais da formação da identidade têm lugar nesta nova etapa de desenvolvimento que constitui mais um passo na transição para a vida adulta.

IDADE ADULTA EMERGENTE: ESTÁDIO DE DESENVOLVIMENTO OU SINTOMA DE UMA NOVA SOCIEDADE

Embora as mudanças nos padrões sociais, culturais e demográficos tenham, indiscutivelmente, levado ao enfraquecimento das macro-estruturas e marcadores sociais e demográficos que definiam os processos de transição para a vida adulta e provocado transformações profundas na transição entre o sistema de ensino e o mercado de trabalho (Côté, 2006), justificando a emergência de um período de desenvolvimento com características distintas, é possível encontrar algumas fragilidades e limitações na perspectiva de Arnett (2006a). A crítica formulada por Bynner (2005) prende-se com a tónica colocada na instabilidade e liberdade, alertando para a existência de constrangimentos estruturais e mecanismos de exclusão e desigualdade social que marcam a vivência dos adultos emergentes. Assim, defende que as características definidas por Arnett têm implicações e significados distintos para os jovens, sendo que o conceito de heterogeneidade das trajectórias de vida não é suficientemente compreensivo. Além disso, torna-se essencial perceber se este contexto de transformação, em que se privilegiam os recursos pessoais em detrimento dos sociais, pode contribuir para o aumento ou para a diminuição das desigualdades sociais, tendo em conta o carácter de reorganização e de reestruturação de projectos de vida que estas mudanças provocam (Coimbra, 2008). No entanto, Arnett (2006b, 2007a) defende que os factores estruturais têm apenas um peso relativo na vivência de ser um adulto emergente, o que não significa deixar de reconhecer que o prolongamento da transição para a vida adulta tem consequências ambiva lentes para o indivíduo e para a sociedade.

Bynner (2005) acrescenta, também, que considerar que a idade adulta emergente corresponde a um adiamento das tarefas normativas da entrada na vida adulta implica continuar a definir o estatuto de adulto através de marcadores socio-demográficos, sendo que se pode afirmar que esta definição dos marcadores como objectivos para a entrada na idade adulta não tem em conta a enorme diversidade das experiências individuais nas trajectórias biográficas. Para além disso, ao incluir a idade adulta emergente como um estádio intermédio de desenvolvimento, parece assumirse que a idade adulta é algo estável e plenamente atingido nalgum momento da vida, não tendo em conta a plasticidade e reversibilidade dos processos de desenvolvimento (Hendry & Kloep, 2007). Assim, Côté e Bynner (2008) questionam o valor explicativo do conceito de adultez emergente, descrevendo-o como uma metáfora que expressa uma mudança subjectiva na percepção da transição para a vida adulta, mas que se constitui apenas como uma reacção a mudanças estruturais e económicas nas sociedades individualizadas. De facto, todas as mudanças descritas na primeira secção deste trabalho são de ordem socio-económica, sendo que as transformações no plano psicológico podem ser interpretadas como um mecanismo de coping para lidar com a instabilidade do mercado de trabalho e a anomia social na regulação da sociedade, em que o significado de ser adulto se alterou profundamente. Deste modo, admitir a adultez emergente como um novo período de desenvolvimento, ao mesmo tempo que se defende que este período é social e culturalmente determinado (não é experienciado por todos os jovens nem com a mesma duração para todos) seria admitir que existem jovens que “saltam” uma etapa do ciclo vital sem que isso se traduza necessariamente num prejuízo desenvolvimental. No entanto, Arnett (2007b) defende que a especificidade histórica e cultural da adultez emergente não retira valor explicativo ao conceito, pois este traduz um fenómeno actual e que, com maior ou menor expressão, é experimentado globalmente.

Por esta razão, parece relevante analisar o contexto em que a maioria dos estudos sobre adultez emergentes foi desenvolvida. A maioria dos estudos existentes (cf. Arnett 2000, 2001, 2006a) é realizada com estudantes universitários da classe média branca, podendo-se questionar a generalização destas características a jovens de diferentes meios socio-económicos e educacionais. Um conceito relevante para compreender a variabilidade e heterogeneidade de percursos possíveis na transição para a vida adulta parece ser o de capital identitário (Côté, 2006), que dá conta da desigualdade nos recursos e possibilidades para construir deliberada e intencionalmente um sentido para a existência. De facto, nem todos temos os mesmos recursos e possibilidades para construir deliberadamente e intencionalmente um sentido para a existência. Isto implica que fomos individualizados mas não somos indivíduos, o que significa que a individualização desenvolvimental de que fala Côté é, na maioria das vezes, uma individualização por defeito. A diferença reside, precisamente, na ausência de escolha, já que a total liberdade para escolher resulta quase sempre na abstenção da escolha (Bauman, 2001). Os jovens são arrebatados pelo leque de opções e confrontados com um fardo demasiado pesado para uma pessoa só, procurando soluções biográficas para contradições sistémicas (Beck, 1992).

De facto, estudos realizados em Portugal demonstram que, a par dos jovens da “nova classe média”, que usufruem de um “estatuto de estudante” e de um estilo de vida com características semelhantes às salientadas na teoria de Arnett, Portugal ainda conta com uma larga percentagem de jovens que têm uma entrada precoce no mercado de trabalho, marcada pelo insucesso escolar e por poucas perspectivas de emprego, quase sempre temporário e/ou mal remunerado (Guerreiro & Abrantes, 2004; Pais, 2001). Embora a volatilidade da hiper-modernidade possa ser benéfica para aqueles equipados para lidar com a moratória – proporcionando-lhes possibilidades e liberdade sem precedentes – para a grande maioria dificilmente se pode dizer que a instabilidade seja reflexo de uma escolha pessoal ou associada ao desejo de experimentação, mas é antes resultado de constrangimentos socio-económicos que configuram a estrutura de oportunidades disponível e têm contribuído para a diminuição do estatuto social dos jovens e para um aumento de trajectórias de vida precárias (Côté & Bynner, 2008; Hendry & Kloep, 2007; Pais, 2001). Por esta razão, o debate entre o peso das estruturas e o papel da agência individual tem estado no centro na análise das trajectórias de transição para a vida adulta, e parece ser necessário considerar a articulação entre estas duas dimensões para uma melhor compreensão do estatuto dos jovens nas sociedades contemporâneas (Pais, Cairns, & Pappámikail, 2005). De facto, uma investigação realizada em Portugal com adultos emergentes de níveis socioeconómicos e habilitações académicas distintas revelou que o capital identitário acumulado parece depender de variáveis como o género, idade e habilitações académicas e estar associado à aquisição de um sentido de maturidade adulta. Porém, a antecipação de papéis e responsabilidades adultas (medido através das crenças de auto-eficácia) parece influenciar a resolução da identidade adulta, independentemente das condições estruturais em que se inserem os jovens (Oliveira, 2008).

Por esta razão, considerou-se relevante analisar a aplicabilidade e utilidade deste novo conceito na análise das especificidades do contexto europeu, mais concretamente o português, fazendo uma referência comparativa com o contexto brasileiro, tendo em conta a importância dos factores institucionais e estruturais nos modos de transição para a vida adulta.

OS ADULTOS EMERGENTES NA EUROPA – O CASO PORTUGUÊS

Apesar de a proposta de Arnett (2000) resultar de estudos com jovens americanos, o autor defende o alargamento deste fenómeno cultural a todas as sociedades pós-industriais, sendo que existe uma forte convergência entre a Europa e os Estados Unidos da América, ambos caracterizados por um sistema económico neo-liberal globalizado. No entanto, existem diferenças nas políticas institucionais, sociais e económicas dos diferentes países europeus que levam à heterogeneidade nas trajectórias de transição para a vida adulta, sendo pertinente considerar o caso específico de Portugal, inserindo-o no conjunto dos países do Sul da Europa (Arias & Hernández, 2007; Billari, 2004; Buhl & Lanz, 2007; Douglass, 2007).

Os regimes políticos dos países mediterrânicos são caracterizados pela ausência de medidas sociais de apoio à autonomia, o que contribui para o acentuar dos laços fortes entre a família, constituindo esta a principal fonte de suporte para os seus membros num ambiente de crescente pre cariedade (Billari, 2004; Guerreiro & Abrantes, 2004; Petrogiannis, 2011). Em Portugal, pode-se considerar que estas mudanças levaram a uma (re)organização e (re)configuração das dinâmicas familiares num regime de welfare family, suscitando, por isso, a emergência de novas culturas de relacionamento intergeracional e novas modalidades de apoio familiar às trajectórias juvenis e processos de transição para a vida adulta (Pais, 2001; Pappámikail, 2004).

Dados do Eurostat (2009) demonstram que, em 2007, as mulheres saem em média de casa aos 28.5 anos e os homens aos 29.5, valores que revelam uma realidade distinta de países como a Holanda e a Finlândia em que isto tende a ocorrer entre os 20 e 24. Assim, em 2005, 84% das mulheres e 89% dos homens entre os 18 e os 24 anos vivem com os pais, e entre os 25 e os 29 anos, 44% das mulheres e 60% dos homens continuam em casa (Eurostat, 2008). Para além disso, a grande maioria parece sair de casa para casar (Portugal tem uma taxa bruta de nupcialidade de 4.1‰, I.N.E., 2010c), pelo que o período de instabilidade e experimentação residencial (em que o indivíduo vive só, com amigos, ou coabita com um parceiro romântico) parece conhecer uma expressão muito mais reduzida. De facto, embora sejam dados com mais de 10 anos, resultados do Eurostat de 1996 dizem-nos que 31% dos jovens europeus entre os 16 e os 29 vivem em união de facto, sendo que em Portugal apenas 11% o fazem (Leite, 2003). Por outro lado, em 2005, das mulheres e homens que saem de casa entre os 25 e os 29 anos, apenas 5% das mulheres e 7% dos homens foram viver sozinhos (62% das mulheres e 50% dos homens vivem em casal com filhos) (Eurostat, 2008). Por último, é necessário referir a tendência, nas últimas décadas, para o aumento da idade média ao primeiro casamento (30.2 anos para os homens e 28.6 para as mulheres, I.N.E., 2010c) e a diminuição acentuada da fecundidade em Portugal, com valores inferiores ao limiar de substituição de gerações, que é de 2.1 filhos por mulher (entre 2005 e 2008, o índice sintético de fecundidade ajustado aos efeitos de tempo1 é de 1.51, Oliveira, 2009).

Para interpretar este conjunto de dados estatísticos à luz das dinâmicas familiares no contexto português, parece ser especialmente relevante considerar os estudos realizados em outros países mediterrânicos como Grécia (Petrogiannis, 2011) e Itália (Scabini, Marta, & Lanz, 2006). As autoras italianas referem que nas famílias mediterrânicas a transição para a vida adulta ocorre no interior da família, podendo ser entendida como um processo lento e progressivo de reestruturação da relação com os pais baseado na crença da necessidade de prolongar a coabitação, quer por factores objectivos (dificuldade em conseguir o primeiro emprego e a insegurança económica), quer devido à possibilidade de pais e filhos obterem vantagens recíprocas deste “atraso” na transição. Da perspectiva dos jovens ter dentro de casa espaços de autonomia e liberdade permitelhes uma experiência “controlada” da vida adulta, contando com o apoio e segurança da família durante a formação e na entrada num mercado de trabalho precário e instável (Eurostat, 2009; Scabini, 2000). Por outro lado, os pais estão hoje disponíveis para apoiar os filhos por um período mais alargado, prolongando a sua função generativa, já sem os problemas relacionais comummente associados à adolescência. Dentro da família tendem a adoptar uma postura participativa e mais igualitária com os filhos, sendo que as representações de incerteza e insegurança em relação ao futuro são partilhadas entre gerações. Deste modo, é possível que a geração dos adultos e idosos, que usufrui de uma estabilidade financeira, procure proporcionar maior liberdade aos jovens para investir nos estudos, na carreira e no lazer, promovendo a permanência em casa dos pais por opção, mesmo quando já dispõem de rendimento próprio (Pais, 2001). Apesar do carácter extremamente positivo deste apoio no desenvolvimento de uma ética de experimentação e exploração para a construção da identidade num contexto familiar seguro, esta família “longa” pode trazer uma perigosa estabilidade e cristalização que impede a individuação bem sucedida ao quebrar a continuidade geracional quando desencoraja os jovens de “deixar o ninho” (Scabini, 2000; Scabini et al, 2006).

Outro aspecto que é interessante destacar é que, tal como se verifica na sociedade italiana, em Portugal grande parte dos jovens parece sair de casa para casar. Assim, nos países do sul da Europa, o envolvimento numa relação romântica pode constituir-se quase como um passaporte para a vida adulta, facilitando o desenvolvimento de projectos futuros (Lanz & Tagliabue, 2007), sendo que parece existir uma associação cultural entre esta transição e a capacidade para o desenvolvimento de uma relação íntima estável com um par romântico. Um estudo de Petrogiannis (2011) com estudantes universitários gregos revelou que, a par da utilização de critérios individualistas (p. ex., viver sozinho, ser financeiramente independente) para a definição do que é ser adulto, os jovens parecem valorizar mais a importância dos laços familiares e do respeito e consideração pelos outros do que os jovens da América do Norte (Arnett, 2001). O autor considera que estas diferenças reflectem, por um lado os efeitos da globalização na adopção de uma identidade europeia, mas ao mesmo tempo a manutenção de diferenças culturais que levam à integração de aspectos distintos da cultura mediterrânica nas trajectórias de transição para a vida adulta.

O prolongamento dos estudos e a instabilidade do mercado de trabalho parecem estar, igualmente, associados ao adiamento da saída de casa dos pais. Ao nível da educação, em 2009, 56% dos jovens portugueses (20-24) tinham completado 12 anos de escolaridade (50% dos homens e 61% das mulheres), valor inferior à média da Europa dos 27, que foi de 79% (I.N.E., 2010c). Este valor representa uma subida relevante na escolaridade da população portuguesa, e favorece a criação de condições para a vivência de uma transição para a vida adulta cada vez menos linear, mais individualizada, e em que as tarefas desenvolvimentais do adulto emergente ganham protagonismo. A percentagem dos jovens desempregados no conjunto da população desempregada é das mais elevadas da U. E. (os jovens entre os 15 e os 24 correspondem a 20% da população desempregada em 2009), o mesmo acontecendo com o emprego temporário, cujo crescimento tem sido 10 vezes superior ao do emprego permanente (Guerreiro & Pegado, 2006; I.N.E., 2011). Para além disso, Pais (2001) defende que as estatísticas de desemprego não têm correspondência directa com o desemprego real, já que é “difícil” alcançar o estatuto de desempregado (é preciso que na semana em que foi inquirido tenha procurado activamente trabalho e, por isso, não contempla, por exemplo, os que estão disponíveis e à espera, os que desistiram de procurar, os que foram estudar porque não arranjavam emprego). Por esta razão, se considerarmos, por exemplo a taxa de não emprego no ano 2000, 16.5% (que é dada pelo quociente entre os excluídos do sistema de educação e do mercado de trabalho e o total da população, excluindo estudantes e reformados) esta é mais do dobro da taxa de desemprego, 6.4%, para os jovens entre os 15 e 24 anos.

Uma investigação de Aassve, Billari, Mazzuco e Ongaro (2002), realizada através de dados do European Community Household Panel (ECHP), revelou que o emprego e o salário tendem a ser factores cruciais para os jovens dos países do Sul da Europa relativamente à decisão de sair de casa dos pais, ao contrário dos jovens de outros países europeus, por exemplo, dos países nórdicos para quem estes factores têm peso fraco. Segundo dados do Eurostat (2009), quando inquiridos sobre as principais razões para o prolongamento da co-residência com os pais, os adultos emergentes portugueses dão ênfase a razões relacionadas com a dependência económica e a decisão de casar mais tarde, mas também com o conforto da casa dos pais sem ter de assumir grandes responsabilidades.

A análise destes dados demográficos permite concluir que, para estudar o conceito de adultez emergente em Portugal, é necessário considerar a co-residência de duas gerações de adultos, sendo que os filhos vivem o período de exploração e instabilidade, salientado por Arnett, dentro da família de origem, colocando desafios e exigências particulares às relações entre os elementos e à família enquanto sistema. Para além disso, sugere-se que este período definido para a idade adulta emergente (entre os 18 e os 25 anos) não é suficientemente compreensivo para o contexto europeu e português, já que as transições demográficas como, por exemplo, a idade média ao primeiro casamento, tendem a ocorrer mais tardiamente (Buhl & Lanz, 2007).

OS ADULTOS EMERGENTES NO BRASIL: UMA REALIDADE (NÃO) TÃO PRÓXIMA

O fenómeno do prolongamento da condição juvenil também tem sido objecto de investigação nos países da América do Sul (cf. Galambos & Martínez, 2007), especialmente no Brasil (p. ex., Henriques, Jablonski, & Féres-Carneiro, 2004; Silveira, 2004; Wendling & Wagner, 2005) e na Argentina (p. ex., Facio & Micocci, 2003). Embora com características socioeconómicas distintas do contexto europeu e da América do Norte, parece ser possível identificar traços comuns que justificam a emergência de um novo estatuto de adulto, especialmente em determinados estratos sociais. Tendo Arnett (2000, 2007a) definido a adultez emergente como um período culturalmente construído e baseado no adiamento das responsabilidades antes associadas à entrada na vida adulta, parece ser relevante questionar a existência deste novo período de desenvolvimento em sociedades cujas políticas de apoio social e educacional não são, ainda, generalizadas a toda a população.

De facto, a maioria dos estudos consultados que remetem a emergência deste fenómeno, utilizam como referência as classes médias urbanas e escolarizadas de grandes cidades brasileiras – Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre (cf. Henriques et al., 2004; Silveira, 2004) – cujas características, expostas a seguir, são semelhantes às descritas para as sociedades do Sul da Europa.

Henriques e colaboradores (2004) sugerem que com a aculturação dos valores individualistas ocidentais na sociedade brasileira está a emergir uma nova geração de jovens que se distingue da geração dos seus pais pelo adiamento da saída de casa, apelidando-a, por isso, de “geração canguru”, pela analogia com a bolsa marsupial. Estes jovens caracterizam-se por um elevado investimento educacional e na vida profissional que não é acompanhado pelas oportunidades de inserção no mercado de trabalho, percepcionado como competitivo, inseguro e instável (Silveira, 2004). Deste modo, a permanência na casa dos pais é justificada pela vontade de manter o nível de conforto e o estatuto social e favorecida por um clima de permissividade (p. ex. a existência de liberdade sexual no interior da casa parental) e de relações familiares mais igualitárias, baseadas no diálogo e numa postura de companheirismo (Henriques et al., 2003; Wendling & Wagner, 2005). Tal como na sociedade portuguesa, parecem existir vantagens recíprocas para a convivência prolongada, em que a família funciona como refúgio e fonte principal de apoio, num clima em que a falta de confiança nas estruturas políticas leva ao fortalecimento dos laços relacionais (Facio & Micocci, 2003; Henriques et al., 2004; Pais, 2001). Um estudo realizado na Argentina, em todo semelhante ao já descrito anteriormente realizado por Petrogiannis (2011), revelou que, tal como nas sociedades mediterrânicas, as capacidades familiares e os valores associados ao respeito e consideração pelos outros são mais valorizados pelos jovens argentinos do que pelos da América do Norte na definição do estatuto de adulto.

Assim, a permanência no seio familiar parece ser vista como uma oportunidade para a exploração e o investimento pessoal, baseada numa ética de experimentação e hedonismo, apenas possível através do apoio parental devido às dificuldades financeiras e de inserção em cargos profissionais que permitam a reprodução do nível social da família de origem (Galambos & Martínez, 2007; Henriques et al., 2003, Silveira, 2004). Por esta razão, pode-se afirmar que a vivência deste período de instabilidade e exploração está intimamente relacionada com as estruturas socio-económicas de cada país, e no modo como estas configuram as trajectórias possíveis de transição para a vida adulta. Nas sociedades mediterrânicas e sul-americanas, os valores familiares, associados à ausência de políticas de apoio à emancipação, favorecem a emergência de padrões distintos na aquisição de um estatuto de adulto descritos por Arnett (Andrade, 2010; Galambos & Martínez, 2007).

Dados estatísticos referentes à educação no Brasil revelam, não só, uma baixa média de escolarização, como também disparidades consideráveis entre diferentes estados e regiões. Em 2009, o brasileiro médio de 15 ou mais anos de idade tem 7.5 anos de estudo, o que é inferior, inclusive, à escolaridade obrigatória. No que diz respeito aos jovens dos 18 aos 24 anos, apenas 38% completaram os 11 anos de estudo, sendo que a maioria frequenta um nível de ensino abaixo do recomendado para a sua faixa etária. A título de comparação, em 2009, tal como foi referido acima, 56% dos jovens portugueses entre os 20 e os 24 anos completaram pelo menos 12 anos de escolaridade, sendo que a taxa real de escolarização2 para o ensino secundário é de 68% (I.N.E., 2010c). No entanto, é necessário salientar que existe uma disparidade entre regiões do Brasil expressa, por exemplo, na distribuição dos jovens estudantes entre os 18 e os 24 anos por níveis de ensino: enquanto 64% dos estudantes da região Sul frequentam o ensino superior, apenas 30% dos estudantes do Nordeste o fazem, encontrando-se a maioria a frequentar o ensino médio. Ainda assim, a participação dos jovens entre os 18 e os 24 no ensino superior aumentou de 22% para 48% em 10 anos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010). Embora não dispondo de dados idênticos para a realidade portuguesa, as estatísticas que se referem à percentagem de jovens entre os 18 e os 22 que se encontram a frequentar a ensino superior, tendo como referência a população portuguesa na mesma faixa etária, também revelam disparidades regionais em Portugal. Verifica-se que 31% de jovens portugueses entre os 18 e os 22 anos frequentam a universidade, sendo que, por exemplo, na região de Lisboa esta percentagem ascende aos 44%, mas apenas 9% nos Açores (I.N.E., 2010a).

No que diz respeito a dados estatísticos relacionados com a vida familiar, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2007), as mulheres tendem a casar mais cedo, sendo que a idade média ao primeiro casamento é de 26 anos para as mulheres e 29 anos para os homens e a taxa de fecundidade se situa em 1.94 filhos. As estatísticas mostram que as jovens com mais anos de escolaridade têm metade do número de filhos das jovens com menos anos de escolaridade, sendo que as primeiras têm, em média, 1.68 e as segundas, 3.19 filhos em 2007. Além disso, as jovens com mais escolaridades são mães mais tarde, em média aos 27.8 anos, comparativamente à média de 25.2 anos das jovens com menos escolaridade (I.B.G.E., 2010). Deste modo, parece ser possível afirmar que factores como a escolaridade parecem estar associados à adopção de padrões demográficos distintos que configuram realidades mais ou menos próximas em relação à que foi descrita na secção anterior. A título de exemplo, se for considerada a taxa de nupcialidade em 2008 no Brasil, esta é de 6.7, valor superior ao encontrado em Portugal e noutros países europeus (cf. I.N.E., 2010b), mas uma análise mais fina a partir da síntese de indicadores sociais realizada pelo I.B.G.E. (2010) revela que, enquanto no estado do Acre a taxa de nupcialidade é 12, no Rio Grande do Sul é apenas 4.5, valor muito próximo do português.

Estes exemplos pretendem evidenciar que grande parte da bibliografia disponível apenas parece apreender as experiências e vivências de uma camada reduzida e privilegiada da população brasileira, correndo-se o risco, ao considerar a adultez emergente como período de desenvolvimento, de classificar a vivência da maioria dos jovens de contextos mais desfavorecidos como marginal ou não normativa. De facto, a idade é uma variável relevante para conseguir prever mas não explicar fenómenos desenvolvimentais, já que esta é indissociável de outras como a cultura, a classe social e o género que introduzem um viés na leitura de processos normativos de desenvolvimento (Hendry & Kloep, 2007).

Neste sentido, seria interessante tentar explorar as consequências da incerteza e insegurança das sociedades individualizadas nos significados de se tornar adulto para jovens com menos recursos pessoais e financeiros. Isto não significaria, necessariamente, que o conceito de adultez emergente não se aplica à maioria dos jovens brasileiros, mas antes que a exclusão social e a precariedade também podem ser vistas como uma consequência das mudanças estruturais nas sociedades contemporâneas, em que o adiamento da transição para a vida adulta pode corresponder a uma dificuldade de integração social e profissional (Côté & Bynner, 2008; Hamilton & Hamilton, 2006). Tendo em conta que a individualização radical levou a uma transformação nos objectivos da sociedade, cada vez menos inclusivas e mais exclusivas, pode-se afirmar que a certeza dos pobres e dos miseráveis levam a valorizar a importância da incerteza, da instabilidade e do risco (características salientadas por Arnett na descrição da teoria da adultez emergente), em que a possibilidade de mobilidade se apresenta como a nova fonte de poder (Gane, 2001; Rezende, 2007). Nos países sul-americanos, nos quais se registam as maiores desigualdades entre ricos e pobres, pode-se afirmar que a pobreza limita francamente as possibilidades de exploração, empurrando os jovens para assumir papéis e responsabilidades de adulto com vista à subsistência (Galambos & Martínez, 2007).

CONCLUSÃO

Nas últimas décadas tem-se assistido a um prolongamento da transição para a vida adulta, fundado em mudanças no sistema educativo e laboral e transformações na esfera da vida privada, como a idade média ao primeiro casamento e à paternidade. O aparecimento de teorias como a da adultez emergente reflectem a necessidade de descrever e compreender as novas formas de atribuir sentido e significado ao conceito de adulto em diferentes contextos. No entanto, se a globalização permitiu a difusão e partilha de valores entre jovens de diversos pontos do globo, as dinâmicas entre a agência individual e as estruturas políticas e económicas não se processam de igual modo em todas as sociedades. Por esta razão, parece ser mais relevante considerar que a idade adulta emergente é um sintoma (Côté & Bynner, 2008), já que o que é idêntico nas diferentes sociedades são as mudanças socioeconómicas a que foram sujeitas. Assim, mais do que definir características e tarefas gerais para os adultos emergentes, talvez seja pertinente explorar quais as respostas possíveis elaboradas pelos jovens para se integrarem num clima de incerteza e anomia sem precedentes. Admitir esta fase como um novo período de desenvolvimento, seria admitir que as motivações, objectivos e a experiência subjectiva da necessidade de exploração assumem um significado semelhante através de diferentes culturas e estratos sociais. As mudanças observadas a um plano global parecem traduzir-se na progressiva agudização da individualização e dificuldade em generalizar e categorizar trajectórias de vida, pela diminuição da linearidade na adopção de diferentes papéis e da resolução de tarefas de desenvolvimento anteriormente conotadas com a idade adulta.

Por estas razões, dificilmente se pode considerar este período etário como aquele em que o indivíduo está mais liberto de normas, constrangimentos e regulações sociais na construção de uma identidade, podendo-se afirmar que as trajectórias biográficas correspondem às escolhas possíveis no seio das oportunidades estruturais. Utilizando uma perspectiva ecológica e sistémica do desenvolvimento, os guetos em que cada um se insere determinam a capacidade para construir e imaginar selves possíveis em futuros possíveis (Law, 1991), sendo que o papel da Psicologia procura centrar-se no alargamento desse conjunto de selves através de uma exploração reconstrutiva do investimento da relação com o mundo (Coimbra, Campos, & Imaginário, 1994). Capacitar os jovens para construir um sentido de self flexível num mundo contraditório, ambíguo e imprevisível pretende evitar leituras genéricas e simplistas que traduzem políticas de culpabilização das vítimas. Deste modo, para promover a capacidade de agência individual, e uma verdadeira individualização desenvolvimental (cf. Côté, 2006), é pertinente utilizar uma lógica de empoderamento na intervenção psicológica (cf. Menezes, 2007), para dotar os adultos emergentes de ferramentas para elaborar uma perspectiva crítica e de mudança em relação aos seus contextos.

 

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Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Tânia Brandão, Luísa Saraiva ou Paula Mena Matos, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Rua Dr. Manuel Pereira da Silva, 4200-392, Porto, Portugal. E-mail: taniabrandao60@hotmail.com

 

NOTAS

1“O índice sintético de fecundidade clássico indica a descendência média final das mulheres, caso as taxas específicas de fecundidade permanecessem constantes durante toda a vida fértil das mulheres; o índice ajustado segundo os efeitos de tempo indica qual o número médio de filhos que as mulheres teriam no final da sua vida reprodutiva se o adiamento da fecundidade se mantiver constante” (Oliveira, 2009, p. 20).

2 A taxa real de escolarização corresponde à relação percentual entre o número de alunos matriculados num determinado ciclo de estudos, em idade normal de frequência desse ciclo, e a população residente dos mesmos níveis etários (I.N.E., 2010c).

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