30 3 
Home Page  

  • SciELO

  • SciELO


Análise Psicológica

 ISSN 0870-8231

     

 

Escolha intertemporal: Enquadramento, sinal e diferimento das suas consequências

Pedro Le Mattre de Carvalho*; Marc Scholten*; Duarte Pimentel*; Gui Gonçalves*; Manuela Faia Correia**

* ISPA – Instituto Universitário;

** Universidade Lusíada

Correspondência

 

RESUMO

De acordo com o modelo normativo da escolha intertemporal, o Modelo de Utilidade Descontada (Samuelson, 1937), a utilidade de uma consequência futura é descontada exponencialmente consoante o diferimento. Há âmpla evidência de que as pessoas não cumprem este pressuposto. Neste estudo, 280 sujeitos realizaram uma tarefa de emparelhamento (ou matching) de forma a verificar a presença de uma nova anomalia ao desconto exponencial, bem como quatro anomalias mais conhecidas na literatura: O efeito de diferimento, o efeito de magnitude, o efeito de sinal e a assimetria adiamento-adiantamento. A nova anomalia é uma interacção entre o enquadramento, o sinal, e o diferimento das consequências: Em ganhos, o efeito de diferimento é mais pronunciado num enquadramento de adiamento do que num enquadramento de adiantamento; em perdas, o inverso acontece. Todas as anomalias foram verificadas. Avançamos uma explicação do efeito interactivo em termos de sensibilidade decrescente a diferimentos.

Palavras-chave: Adiamento-adiantamento, Diferimento, Escolha intertemporal, Interacção, Magnitude, Sinal.

 

ABSTRACT

According to the normative model of intertemporal choice, the Discounted Utility Model (Samuelson, 1937), the utility of a future outcome is discounted exponentially as a function of its delay. There is ample evidence that people do not comply with this proposition. In this study, 280 subjects performed a matching task in order to verify a new anomaly to exponential discounting, as well as four well known anomalies in the literature: The delay effect, the magnitude effect, the sign effect, and the delay-speedup asymmetry. The new anomaly is an interaction between the framing, sign, and delay to the outcomes: In gains, the delay effect is more pronounced in the delay frame than in the speedup frame; in losses, the reverse occurs. All anomalies were verified. We advance an explanation of the interaction effect in terms of diminishing sensitivity to delays.

Key-words: Delay, Delay-speedup, Interaction, Intertemporal choice, Magnitude, Sign.

 

ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Introdução

As escolhas intertemporais podem ser definidas como “decisões que envolvem um compro misso entre custos e benefícios que ocorrem em diferentes momentos” (Frederick, Loewenstein, & O’Donoghue, 2002) e apresentam-se como uma área de estudo particularmente abrangente, dado que a maior parte das decisões, económicas e não só, envolvem consequências diferidas. Como e quanto poupar ou investir, aceitar ou não uma proposta de emprego, o nível de escolari dade a obter ou o tipo de regime alimentar a seguir são alguns exemplos deste tipo de escolhas. Como tal, embora fruto de reflexão e consequente objecto de estudo da ciência económica, as escolhas intertemporais têm também vindo a ser abordadas em áreas como a saúde (Redelmeier & Heller, 1993), o ambiente (Hardisty & Weber, 2009), consequências intergeracionais (Chapman, 2001), desempenho escolar (Kirby, Winston, & Santiesteban, 2005), dependência de substâncias como o tabaco (Baker, Johnson, & Bickel, 2003) ou cocaína (Woolverton, Myerson, & Green, 2007) e mais recentemente no âmbito das neurociências (Carter, Meyer, & Huettel, 2010).

As análises formais de decisões intertemporais têm sido desde o início da sua aplicação baseadas no conceito de “desconto”, que na ciência económica está relacionado com a taxa marginal de substituição entre o consumo corrente e o consumo futuro (Benzion, Rapoport, & Yagil, 1989) e, embora os estudos efectuados sobre escolha intertemporal englobem uma vasta variedade de contextos e objectos de escolha, existe um consenso alargado na literatura de que as consequências futuras são descontadas (ou desvalorizadas) comparativamente a consequências imediatas (Soman et al., 2005). Este efeito é normalmente designado como preferência intertemporal positiva e, apesar de ter sido inicialmente fundamentado por pouco mais que a introspecção e observações pessoais (Frederick et al., 2002), tornou-se uma das bases de reflexão sobre a temática.

A próxima secção fará uma breve revisão dos métodos de estudo e a alguns termos relevantes para a compreensão deste trabalho abordando-se de seguida o modelo normativo da escolha inter temporal, o Modelo de Utilidade Descontada de Samuelson (1937). As seguintes secções discutem as anomalias encontradas na literatura que contestam a validade do modelo, que serão o foco deste trabalho, e um dos principais modelos alternativos propostos, o Modelo de Desconto Hiperbólico, introduzindo a literatura relevante e respectiva lógica que culmina nas hipóteses deste estudo.

O estudo da escolha intertemporal

Uma grande parte dos estudos sobre escolha intertemporal pode ser dividida em dois grupos. O primeiro, onde este estudo se inclui, estuda o desconto implícito nas escolhas dos indivíduos quando confrontados com opções que envolvam uma dimensão temporal de forma a descrever padrões e tendências de preferência consoante configurações específicas dessas opções ou identificar mecanismos que expliquem as escolhas intertemporais. O segundo grupo de estudos foca-se no desenvolvimento, axiomatização ou testagem de modelos descritivos que procuram descrever o comportamento face a estas escolhas. Estes modelos tomam por base as evidências identificadas no primeiro grupo de estudos de forma a poderem contabilizá-las e assim descrever como as escolhas intertemporais são efectuadas.

Embora o desconto seja uma das dimensões mais estudadas na escolha intertemporal, Berns, Laibson e Loewenstein (2007) nomeiam três outros mecanismos que segundo a literatura têm-se demonstrado relevantes para a compreensão da temática: A “antecipação”, o “auto-controlo” e a “representação”. A antecipação refere-se à capacidade dos indivíduos em imaginar e experienciar sensações na antecipação de eventos futuros, o auto-controlo diz respeito às tensões experienciadas pelos sujeitos quando tentam implementar uma decisão com consequências futuras na presença da tentação do consumo imediato e a representação refere-se à forma como a pessoa interpreta ou enquadra um conjunto de opções. Este estudo considera o desconto juntamente com a representação das opções. Nesta secção será feita uma breve revisão dos métodos de estudo, modelos, mensuração do desconto e termos associados que serão relevantes para a compreensão deste trabalho.

Escolha intertemporal sobre valores monetários. Devido à sua conveniência e aplicabilidade, um dos métodos mais utilizados para estudar o desconto em escolhas intertemporais é através de escolhas que envolvam valores monetários onde os investigadores tipicamente pedem aos sujeitos para escolher entre recompensas menores e imediatas ou maiores e experienciadas mais tarde (Magen, Dweck, & Gross, 2008). Neste estudo serão utilizadas duas opções monetárias: Uma consequência menor mas mais imediata e uma consequência maior mas mais tardia, como, por exemplo, “receber €100 daqui a 1 mês” e “receber €150 daqui a 6 meses”. Estas opções serão referidas respectivamente como SS (smaller, sooner) e LL (larger, later). A sua designação formal é SS=(xS, tS) e LL=(xL, tL), onde x é a consequência e t é o tempo até à consequência.

O procedimento experimental de matching e o enquadramento temporal. Considerando duas opções monetárias, dois dos procedimentos experimentais mais comuns para investigar o desconto intertemporal são as chamadas tarefas de Escolha e tarefas de Matching. Nas tarefas de Escolha são apresentadas opções que envolvam uma dimensão temporal e é pedido ao sujeito que escolha a opção preferível entre elas. Numa tarefa de Matching, como as utilizadas neste estudo, é pedido aos sujeitos que ao serem confrontados com uma opção de base, por exemplo SS, “preencham” uma segunda opção, neste caso LL, de forma a que ambas as opções tenham um “valor” semelhante. Um exemplo concreto desta tarefa seria preencher a seguinte afirmação:

“Em vez de receber €120 hoje, aceito adiar o recebimento se receber no mínimo € _____ daqui a 9 meses”.

O exemplo descrito descreve uma tarefa com o tipo de enquadramento designado na literatura como de “adiamento”, ou seja, em que a opção base se situa no imediato e é pedido ao sujeito para considerar o valor dessa opção “adiada”, no entanto nem todas as decisões intertemporais consistem em adiar e um enquadramento de “adiantamento” poderá ser operacionalizado pelo preenchimento da opção SS tendo por base a opção LL, o inverso do exemplo anterior:

Em vez de receber €120 daqui a 9 meses, aceito adiantar o recebimento se receber no mínimo € _____ hoje.

Medidas de desconto. No que concerne ao cálculo e análise do desconto intertemporal implícito em escolhas, estudos anteriores têm utilizado dois termos para capturar o grau de desconto: A taxa de desconto e o factor de desconto (Soman et al., 2005). A taxa de desconto representa a proporção em que a utilidade ou valor de uma opção diminui por unidade de tempo e é designada no presente texto como ρ. A fracção de desconto representa o inverso da taxa de desconto, ou seja, a proporção da utilidade ou valor que permanece por unidade de tempo e será designada como δ. Assim temos:

     (1)

É de notar que valores mais elevados de ρ representam mais desconto, enquanto que valores mais elevados de δ representam menos desconto. Este estudo utilizará como medida de desconto a fracção de desconto δ e o grau de desconto será sempre discutido em termos do seu valor e respectivas variações.

O Benchmark Model e o cálculo do desconto. Segundo Scholten e Read (2010) é prática comum assumir-se que as pessoas fazem escolhas intertemporais descontando o valor de consequências futuras, atribuindo valores descontados às opções e posteriormente comparando estes valores descontados. A maioria dos modelos descritivos formulados na literatura sugerem que este efeito do tempo na utilidade ou valor de um momento ou sequência de consumo pode ser capturado por uma função de desconto d(t). Esta função de desconto especifica assim o peso que será atribuído às consequências de escolhas experienciadas em diferentes momentos no tempo, sendo que d(0)=1 representando ausência de desconto para uma consequênca imediata. A função de desconto mais utilizada é a chamada função de desconto exponencial (Chabris, Laibson, & Schuldt, 2008) em que:

Os modelos de desconto exponencial assumem que o valor presente decresce numa proporção fixa por unidade de tempo em que se tem que esperar por uma recompensa, ou seja que o valor futuro é descontado exponencialmente consoante o diferimento (Kirby, 1997). Por outras palavras, a ideia principal destes modelos é que a função de desconto é constante ao longo do tempo, portanto quanto mais diferimento associado a uma opção de consumo proporcionalmente menor o peso que lhe será atribuído (a função de desconto decresce em proporções constantes). Tendo em conta duas opções SS=(xS, tS) e LL=(xL, tL), os seus respectivos valores descontados poderão ser representados como:

Numa tarefa de Matching, procura-se o ponto de indiferença entre SS e LL, isto é, o ponto em que os valores descontados são iguais:

     (2)

Este modelo empírico de desconto exponencial sobre valores monetários, também designado Benchmark Model, permite-nos obter a fracção de desconto δ:

     (3)

A título de exemplo, se um indivíduo é indiferente entre receber €100 hoje e €150 daqui a ½ ano ao realizar uma tarefa de Matching, temos:

pelo que a fracção de desconto implícita na sua resposta é:

Considerando a equação (1) podemos a partir do valor da fracção de desconto δ obtido através da equação (3) calcular a taxa de desconto ρ:

Ou seja, neste exemplo, o indivíduo desconta consequências futuras em 56% por ano.

A equação (3) é utilizada para calcular a fracção de desconto num enquadramento de “adiamento” e de “adiantamento”. No primeiro caso, xS é fornecido pelo experimentador e xL pelo sujeito; no segundo caso, xL é fornecido pelo experimentador e xS pelo sujeito.

O Modelo de Utilidade Descontada (MUD)

Uma das principais aplicações do Benchmark Model é a validação das implicações do modelo normativo da literatura económica, o Modelo de Utilidade Descontada de Samuelson (1937). Um dos principais objectivos na formulação deste modelo foi criar um modelo de escolha intertemporal generalizável que pudesse ser aplicado a múltiplos horizontes temporais e implementar a ideia de que a análise de compromissos intertemporais requeria uma medida cardinal de utilidade (Frederick et al., 2002).

Desde a sua introdução, embora não apresentado como um modelo com validade descritiva pelo autor, o MUD tem dominado as análises económicas de escolha intertemporal (Loewenstein & Prelec, 1992) principalmente pela sua simplicidade e pelo facto de condensar todas as possíveis determinantes psicológicas da escolha intertemporal num único parâmetro: A função de desconto. Outra das razões do sucesso do MUD foi a sua axiomatização por Koopmans (1960) que em conjunto com a própria formulação de Samuelson levou os economistas a considerar algumas características ou pressupostos na análise da escolha intertemporal assumidas pelo próprio modelo.

O MUD assume que as pessoas avaliam os prós e contras resultantes de uma decisão da mesma forma que os mercados financeiros avaliam ganhos e perdas, descontando exponencialmente o valor de uma situação de acordo com o seu diferimento no tempo (Berns et al., 2007), desta forma, os custos e benefícios distribuídos no tempo podem ser comparados através do desconto da utilidade futura por um factor constante. O MUD, segundo a terminologia até agora utilizada, pode ser representado por:

Neste modelo, δ t representa uma função de desconto exponencial, como expresso no Benchmark Model. Por outro lado, u(c+xt) é uma função côncava de utilidade instantânea onde c representa um nível de consumo base. Tendo em conta duas opções SS e LL, as suas respectivas utilidades descontadas segundo o modelo serão dadas por:

Embora o MUD tenha em conta a utilidade, o método comum de calcular o desconto assume que a função de utilidade é linear tendo em conta a magnitude do objecto de escolha (Frederick et al., 2002). Considerando valores monetários relativamente baixos como os utilizados neste estudo e tendo em conta que uma função de utilidade côncava como pressuposta pelo MUD é aproximadamente linear para consequências de pequena magnitude, podemos assim assumir que qualquer variação da fracção de desconto na equação (2) seria igualmente identificada numa fracção derivada da igualdade entre U(SS) e U(LL), dado que U(c+x) – U(c-x) ≈ U(c).

Anomalias ao desconto exponencial

A investigação sobre escolhas intertemporais tem encontrado diversos exemplos de que as pessoas violam os pressupostos do MUD quando confrontadas com configurações específicas de escolhas (Prelec & Loewenstein, 1991). O presente estudo foca-se em quatro destas anomalias: O efeito de diferimento, o efeito de magnitude, o efeito de sinal e a assimetria adiamento-adiantamento, bem como a interacção entre o diferimento, sinal e adiamento-adiantamento.

Efeito de diferimento. O efeito de diferimento foi inicialmente testado por Thaler (1981) e posteriormente verificado em vários estudos (ex., Kirby & Herrnstein, 1995; McAlvanhah, 2010; Scholten & Read, 2006). Segundo este efeito, também designado como o efeito da diferença comum, as preferências entre duas opções diferidas alteram-se quando ambos os diferimentos são aumentados por um período constante (Loewenstein & Prelec, 1992). Num exemplo dado por Thaler (1981), um sujeito pode preferir uma maçã hoje a duas amanhã mas preferir duas maçãs daqui a um ano mais um dia a uma maçã daqui a um ano. Esta inversão de preferência é designada na ciência económica como inconsistência dinâmica (Strotz, 1955-1956). Representando o exemplo e medindo t em dias:

no entanto,

Segundo o MUD a preferência deveria manter-se idêntica, dado que, segundo os pressupostos do modelo, o grau em que as consequências futuras são descontadas sobre um determinado intervalo é independente do diferimento até ao início do intervalo.

No seu estudo, Thaler (1981) observou esta inconsistência aos pressupostos normativos, dado que o valor médio de δ identificado apresentou-se menor (mais desconto) para adiar curtos espaços de tempo do que para longos, num enquadramento de adiamento. O tipo de desconto demonstrado por este efeito, também por si só considerado uma anomalia é denominado de desconto hiperbólico e pode ser considerado o primeiro padrão de comportamento observado que é inconsistente com o MUD (Berns et al., 2007).

Efeito de magnitude. Também inicialmente verificado por Thaler (1981) e provavelmente a anomalia mais robusta na escolha intertemporal (Scholten & Read, 2010), o efeito de magnitude consiste no facto de quantias mais pequenas serem mais descontadas do que grandes quantias, isto é, menor δ para menores magnitudes, como observado no estudo de Thaler. Um exemplo deste efeito é alguém ser indiferente entre receber €100 no imediato e €200 em 6 meses mas preferir receber €2000 em 6 meses do que €1000 no imediato:

no entanto,

Segundo os pressupostos do MUD ambas as preferências deveriam ser semelhantes (para pequenas magnitudes dada a função de utilidade aproximadamente linear) dado que a proporção de aumento no valor em ambas as situações é idêntica.

Efeito de sinal. O terceiro efeito encontrado no estudo de Thaler (1981) é o designado como efeito de sinal, que sugere como observado pelo autor que as situações que envolvem ganhos são mais descontadas (menor δ) que as situações que envolvem perdas. Este efeito foi também identificado por outros estudos (Redelmeier & Heller, 1993; Xu, Liang, Wang, Li, & Jiang, 2009; Yates & Watts, 1975). Um exemplo deste efeito é um indivíduo ser indiferente entre ganhar €100 no imediato e €200 em 6 meses e também ser indiferente entre pagar €100 no imediato e €150 em 6 meses:

     (6)

portanto:

     (7)

O MUD assume implicitamente, ao não distinguir ambos os tipos de “sinal”, que o grau de desconto devia ser semelhante nas duas situações o que levaria a que as preferências fossem idênticas nas equações (6) e (7), o que não se verifica neste exemplo.

Assimetria adiamento-adiantamento. Inicialmente verificada por Loewenstein (1988), a anomalia designada como assimetria adiamento-adiantamento tem particular relevância neste estudo. A ideia principal do autor foi verificar como seria a variação no grau de desconto em diferentes tipos de enquadramento e para esse efeito construiu uma tarefa que consistia em três tipos de questões formuladas de forma a identificar as preferências relativas dos sujeitos entre o consumo imediato e o consumo diferido (Shelley, 1993): Um enquadramento de “adiamento” em que era pedido aos sujeitos que preenchessem o valor que pagariam por um tipo de consumo imediato e a quantia mínima que aceitariam para adiar esse consumo, um enquadramento de “adiantamento” em que era pedido aos sujeitos que preenchessem o valor actual de um tipo de consumo futuro e a quantia máxima que pagariam para eliminar a espera por esse consumo e um enquadramento “neutro” onde era pedido o valor actual de um tipo de con-sumo tanto no imediato como no futuro. O verificado por Loewenstein (1988) foi que o desconto era mais pronunciado (menor δ) no enquadramento de adiamento do que no de adiantamento. Esta preferência assimétrica entre os dois enquadramentos demonstra a chamada assimetria adiamentoadiantamento, outro efeito não contabilizado pelo MUD. Outra observação dos resultados de Loewenstein (1988) é que o enquadramento neutro suscitou o menor desconto (maior δ) dos três enquadramentos propostos. No estudo do autor apenas foram contabilizados ganhos. Estes resultados, e a assimetria adiamento-adiantamento verificada, foram explicados por Loewenstein (1988) tendo por base a existência de alterações nos pontos de referência suscitados psicologicamente pelo enquadramento. Em ambos os enquadramentos de adiamento e adiantamento os sujeitos “colocamse” temporalmente no momento de consumo inicialmente proposto e quando lhes é sugerida uma alteração, o desvio da expectativa inicial é interpretado ou como um ganho ou como uma perda consoante o ponto de referência inicial, ou seja, adiar um ganho é interpretado como uma perda imediata e adiantá-lo é interpretado como um ganho imediato. Como, segundo a Prospect Theory (Kahneman & Tversky, 1979), existe uma tendência para a aversão às perdas, adiar um ganho suscitará um maior desconto (menor δ) do que adiantá-lo.

O Modelo de Desconto Hiperbólico

Tendo em conta as anomalias encontradas na literatura e a consequente incapacidade do MUD em prevê-las, diversos modelos alternativos foram sugeridos. Entre os primeiros e mais conhecidos encontram-se o modelo hiperbólico (Loewenstein & Prelec, 1992; Mazur, 1987; Myerson & Green, 1995). Uma das principais vantagens descritivas do modelo hiperbólico relativamente aos modelos exponenciais é que as suas funções de desconto contabilizam o padrão de desconto hiperbólico encontrado na literatura. Uma das funções de desconto hiperbólico mais simples é a de Mazur (1987) que pode ser representada por:

Nesta função, onde k representa um parâmetro que reflecte o grau de desconto, a principal diferença relativamente às funções de desconto exponenciais é que o valor de t está no denominador da fracção (quanto menor o valor inicial de t, maior o impacto de diferimento adicional). Este tipo de modelo hiperbólico tem um parâmetro. Modelos de dois parâmetros foram também sugeridos, como o de Loewenstein e Prelec (1992), que é o seguinte:

Nesta função, β representa um parâmetro que reflecte o grau de desconto e α é o desconto hiperbólico (i.e., grau de desvio relativamente ao desconto exponencial). Quando β=α e α=κ temos a função anterior.

De acordo com o modelo de Loewenstein e Prelec (1992), os indivíduos não avaliam utilidade como assumido no MUD mas sim “valor”, e como tal é adoptada uma versão da função de valor introduzida por Kahneman e Tversky (1979). Considerando esta função de valor, o modelo assume cinco pressupostos que contemplam as anomalias descritas na secção anterior: Dependência de um ponto de referência (as pessoas não avaliam c + x, mas apenas x), sensibilidade decrescente (o equivalente de desconto hiperbólico), aversão às perdas (contemplando a assimetria adiamento-adiantamento), maior elasticidade em perdas do que em ganhos (contemplando o efeito de sinal) e elasticidade crescente com consequências maiores (contemplando o efeito de magnitude).

De uma forma geral os modelos de desconto hiperbólico têm demonstrado descrever melhor os resultados experimentais que os modelos exponenciais (Green, Fristoe, & Myerson, 1994; Kirby & Marakovic, 1995; Rachlin, 1989), no entanto, alguns outros modelos têm surgido na literatura que contabilizam o crescente número de evidências que desafiam os pressupostos normativos (e.g., Scholten & Read, 2010).

Enquadramento, sinal e diferimento

Embora os efeitos de sinal, diferimento e enquadramento tenham sido documentados inúmeras vezes na literatura, poucos estudos discutiram a relação entre eles. Este será o foco deste trabalho, particularmente os efeitos de sinal e diferimento tendo em conta a variação do enquadramento temporal.

Enquadramento e sinal. Benzion et al. (1989) foram os primeiros autores a verificar a existência dos efeitos documen tados por Thaler (1981) incorporando o enquadramento adiamento-adiantamento proposto por Loewenstein (1988). O que os autores observaram foi que a fracção de desconto, como verificado por Loewenstein (1988), era inferior numa situação de adiamento do que numa situação de adiantamento para ganhos. No entanto, em situações de perda, a tendência invertia-se, ou seja, a fracção de desconto era superior em situações de adiamento. Os efeitos de magnitude e diferimento apresentaram-se idênticos aos encontrados por Thaler em ambos os enquadramentos. Estes resultados apoiam a explicação de Loewenstein para a assimetria adiamento-adiantamento, pois se adiar um ganho representa uma perda imediata e adiantar um ganho representa um ganho imediato, o inverso irá suceder-se numa situação de perda, ou seja, adiar uma perda representa um ganho imediato e adiantar uma perda representa uma perda imediata gerando a variação no desconto inversa em ambos os enquadramentos para ganhos e perdas. Este será o primeiro objectivo deste estudo: Averiguar como o enquadramento temporal modera a fracção de desconto em situações de ganhos e em situações de perdas e replicar os resultados de Benzion et al. (1989), hipotetizando a assimetria adiamento-adiantamento inversa em ganhos e perdas como observado pelos autores.

Embora estes resultados demonstrem uma possível relação entre enquadramento temporal e o efeito de sinal, Benzion et al. (1989) e Thaler (1981) discutiram o efeito de sinal como um efeito independente do enquadramento. A terceira condição de enquadramento proposta por Loewenstein, o enquadramento neutro, também não foi explorada. Shelley (1993) discutiu esta possível relação entre efeito de sinal e enquadramento. A ideia principal da autora foi averiguar se as diferenças encontradas no grau de desconto por Benzion et al. (1989) e Thaler (1981) se deviam exclusiva mente às diferenças de sinal ou a uma interacção entre sinal e enquadramento. Se estas diferenças fossem exclusivamente um resultado do sinal proposto, situações de ganhos deveriam suscitar fracções de desconto inferiores do que situações de perdas mesmo que não fosse proposta uma alteração ao momento de consumo (Shelley, 1993), por outras palavras, o efeito de sinal deveria também ser observado num enquadramento temporal neutro. O que Shelley (1993) verificou foi que, como previa, os valores de δ no enquadramento neutro se situavam entre os valores do enquadra mento de adiamento e de adiantamento tanto para ganhos como perdas. Este será o segundo objectivo deste estudo: Averiguar as implicações do enquadramento temporal na fracção de desconto numa situação onde não seja destacada explicitamente uma situação de adiamento ou de adiantamento (situação neutra) e replicar os resultados de Shelley (1993) hipotetizando que os valores da fracção de desconto na condição neutra se encontrarão entre os valores das outras duas condições tanto em ganhos como em perdas.

Um padrão inconsistente é que, no estudo de Loewenstein (1988), a fracção de desconto para ganhos no enquadramento neutro não se situou entre as outras duas condições (adiamento e adiantamento) como no estudo de Shelley (1993), mas obteve um valor mais elevado. A magnitude das quantias monetárias no estudo de Loewenstein (1988) foi a segunda maior quantia, de entre quatro, no estudo de Shelley (1993). O resultado de Loewenstein (1988) foi também observado no estudo de Shelley (1993), no entanto, apenas para as duas magnitudes altas. Neste estudo espera-se obter valores como os encontrados por Shelley (1993) dadas as quantias monetárias de pequena magnitude utilizadas, no entanto, permanece uma questão exploratória.

Enquadramento, sinal, e diferimento. Os estudos efectuados por Loewenstein (1988), Benzion et al. (1989) e Shelley (1993), embora foquem a moderação do enquadramento na escolha inter-temporal, não discutem explicitamente como as diferenças de ponto de referência nos enquadramentos de adiamento e adiantamento poderão influenciar o padrão de desconto e a preferência intertemporal positiva. Esta relação foi estudada por Malkoc e Zauberman (2006), que, no seu estudo verificaram uma nova anomalia: Numa situação de ganhos, a taxa de desconto decresce mais com o diferimento num enquadra mento de adiamento do que num enquadramento de adiantamento. Por outras palavras, a prefe rência intertemporal positiva demonstrou-se presente numa situação de adiamento, como identificada anteriormente na literatura (e.g., Thaler, 1981), no entanto, num enquadramento de adiamento, embora presente, este padrão revelou-se menos acentuado, demonstrando menor preferência pelo consumo imediato.

Os autores explicaram esta assimetria tendo por base um mecanismo cognitivo, a objectividade das representações mentais subjacente aos dois enquadramentos. Esta explicação tem por base dois construtos teóricos: A teoria dos níveis de construção e o “blocking”.

Segundo a teoria dos níveis de construção, a distância temporal afecta a resposta dos sujeitos face a eventos futuros devido a uma alteração na forma como estes representam mentalmente estes eventos (Trope & Liberman, 2003), os eventos próximos são representados a um nível mais concreto e os eventos distantes são representados a um nível mais abstracto. Segundo Malkoc e Zauberman (2006), este efeito levará a que uma situação em que o ponto de referência seja temporalmente mais próximo (enquadramento de adiamento) suscite representações mentais mais concretas do momento de consumo do que uma situação em que o ponto de referência inicial seja temporalmente mais distante (enquadramento de adiantamento). Esta objectividade das represen tações iniciais irá assim, segundo os autores, influenciar o processo de decisão através de uma forma de “blocking”, ou seja, as associações iniciais (mais acessíveis) vão bloquear a activação de associações posteriores. Numa situação de adiamento, as representações mentais concretas iniciais bloqueiam a activação de representações abstractas suscitadas pelo consumo futuro e na situação de adiantamento dá-se o inverso, as representações mentais abstractas iniciais bloqueiam a activação de representações mentais concretas suscitadas pelo adiantamento. Como numa situação de adiantamento as representações iniciais são menos concretas levam a uma preferência intertemporal positiva menos acentuada explicando os resultados.

Outra possível explicação para os resultados de Malkoc e Zauberman (2006) que não foi contabilizada pelos autores é a sensibilidade decrescente (Kahneman & Tversky, 1979) face ao diferimento. De acordo com a sensibilidade decrescente, o impacto marginal de uma consequência será menor quando esta estiver mais distante do ponto de referência, o que por si só pode explicar a assimetria verificada: O efeito de enquadramento será mais forte para diferimentos curtos do que para diferimentos longos levando a que o efeito de diferimento seja mais pronunciado num enquadramento de adiamento do que num enquadramento de adiantamento. No entanto, esta explicacão alternativa pressupõe um resultado diferente para uma situacão de perdas do que o expectável de acordo com a explicacão cognitiva de Malkoc e Zauberman (2006): Se em ganhos, o efeito de diferimento é mais pronunciado num enquadramento de adiamento do que num enquadramento de adiantamento; em perdas, o inverso irá acontecer. Enquanto, segundo Malkoc e Zauberman (2006), seria expectável que o padrão fosse semelhante nas duas situações dado que a objectividade das representações mentais permanece idêntica para ganhos e perdas.

O estudo de Malkoc e Zauberman (2006), no entanto, não contabilizou situações de perdas nem uma condição de enquadramento neutro. Este será o terceiro objectivo deste estudo: Averiguar de que forma o enquadramento temporal, incluindo um enquadramento neutro, modera o padrão de desconto tendo em conta diferentes horizontes temporais em situações de ganhos e de perdas.

Hipotetiza-se para ganhos verificar a assimetria no padrão de desconto no enquadramento de adiamento e adiantamento como encontrada por Malkoc e Zauberman (2006) no entanto em perdas espera-se encontrar um padrão inverso, ou seja, menos acentuado em adiamento do que adianta mento. Se este padrão inverso se verificar para perdas, a sensibilidade decrescente face ao diferi mento é demonstrada como o mecanismo explicativo da assimetria verificada e não a objectividade das representações mentais como inicialmente sugerido pelos autores.

A acentuação do padrão de desconto no enquadramento neutro será uma questão exploratória.

Hipóteses

Como discutido nas secções anteriores este trabalho foca-se particularmente na assimetria adiamento-adiantamento e sua interacção com os efeitos de sinal e diferimento e tem três hipóteses:

Hipótese 1: A assimetria adiamento-adiantamento será inversa em ganhos e perdas, isto é, os valores médios de δ serão menores no enquadramento de adiamento do que no enquadramento de adiantamento para ganhos, mas menores no enquadramento de adiantamento do que no enquadramento de adiamento para perdas.

Hipótese 2: Os valores médios de δ na condição neutra irão se situar entre os valores das outras duas condições (adiamento e adiantamento) tanto em ganhos como em perdas.

Hipótese 3: Para ganhos o efeito hiperbólico (menores taxas de desconto para diferimentos maiores) será mais acentuado no enquadramento de adiamento do que no de adiantamento, no entanto, para perdas, será menos acentuado no enquadramento de adiantamento do que no de adiamento, demonstrando uma interacção entre o diferimento, sinal e enquadramento das consequências.

MÉTODO

Contexto e procedimento

Este estudo experimental enquadra-se num contexto de campo, é transversal e de carácter confirmatório e exploratório. Foi realizado através de um questionário concebido e disponibilizado na plataforma online Qualtrics tendo por base uma amostragem por conveniência recrutada pessoalmente ou através de e-mail de forma a procurar obter homogeneidade entre versões do questionário respondidas e faixas etárias.

Instrumento

Foram construídas quatro versões de um questionário que consistia em 8 tarefas de Matching com realização por ordem aleatória (gerada pela plataforma online) tendo em conta um design de 3 (enquadramento: adiamento, adiantamento, neutro) x2 (diferimento: 0,5 anos; 2 anos) x2 (sinal: ganho, perda) x2 (magnitude: €100, €900) em que a variável enquadramento foi manipulada “between subjects” e as restantes “within subjects”. Procurou-se distribuir os participantes pelas quatro versões dos questionários que variavam de acordo com o enquadramento, uma versão para adiamento, uma versão para adiantamento e duas versões para o enquadramento neutro. As tarefas nas versões de adiamento e adiantamento estavam expostas no formato dos seguintes exemplos:

Adiamento: “Você tem o direito a receber €100 hoje. Pode, em vez disso, optar por adiar o recebimento, e receber mais daqui a 2 anos.

Abaixo, especifique a menor quantia que aceitaria receber daqui a 2 anos em vez de receber €100 hoje:

Em vez de receber €100 hoje, aceito adiar o recebimento se recebo no mínimo € ________ daqui a 2 anos. Se for menos, não aceito adiar.”

Adiantamento: “Você tem direito a receber €100 daqui a 2 anos. Pode, em vez disso, optar por adiantar o recebimento, e receber menos hoje.

Abaixo, especifique a menor quantia que aceitaria receber hoje em vez de receber €100 daqui a 2 anos:

Em vez de receber €100 daqui a 2 anos, aceito adiantar o recebimento se receber no mínimo € _____ hoje. Se for menos, não aceito adiantar.”

As tarefas neutras foram criadas de forma a não suscitar um ponto de referência inicial e como tal duas versões foram concebidas para efeitos de contra balanceamento trocando o estímulo (SS ou LL) inicial e por conseguinte alterando o enquadramento de adiamento ou adiantamento implícito. As tarefas nas versões neutras estavam expostas no seguinte formato:

“Considere a seguinte afirmação: “Para mim, receber €100 hoje é tão bom como receber X daqui a 2 anos”.

Abaixo, especifique o valor de X para o qual a afirmação se aplica melhor a si: Para mim, receber €100 hoje é tão bom como receber € _____ daqui a 2 anos.”

Participantes

Os questionários foram realizados por 280 sujeitos entre os 17 e os 65 anos de idade, sendo que 105 destes estavam na faixa etária dos 17 aos 25 anos (apenas 1 tinha 17 anos), 116 na faixa etária dos 26 aos 45 anos e 57 na faixa etária dos 46 aos 65 anos. 148 dos participantes realizaram os questionários com enquadramento neutro (74 participantes para cada versão) e 132 realizaram os questionários com enquadramento de adiamento ou adiantamento (66 participantes para cada enquadramento). 152 sujeitos eram do sexo feminino e 126 do sexo masculino. No que concerne a habilitações literárias 2 dos participantes tinham entre o 5º e o 9º ano de escolaridade, 41 entre o 10º e o 12º ano, 175 possuíam licenciatura, 46 possuíam mestrado e 14 eram doutorados. A nível de ocupação 94 sujeitos eram estudantes, 165 estavam empregados, 12 estavam de momento desempregados e 7 eram reformados. 2 dos participantes não revelaram idade, género, ocupação e habilitações literárias. Dos 280 participantes, 90 apresentaram maior desconto para o diferimento de 0,5 anos do que para o de 2 anos em pelo menos uma das tarefas (demonstrando uma preferência intertemporal negativa) o que demonstra não terem compreendido ou respeitado as tarefas e como tal, foram excluídos da análise estatística de forma a não enviesar os resultados. A análise estatística foi realizada para os restantes 190 participantes (N=190).

RESULTADOS

Os resultados são apresentados na Figura 1. A significância estatística foi avaliada através de uma ANOVA de design misto para os valores de log(δ), de forma a verificar a presença dos quatro efeitos em estudo e suas interacções (efeito de diferimento, efeito de magnitude, efeito de sinal e assimetria adiamento-adiantamento). A transformação logarítmica foi usada para alcançar uma variável intervalar. Para efeitos de análise os enquadramento de adiamento e adiantamento são referidos como “enquadramento enviesado” e o “tipo de enquadramento” refere-se ao enquadra mento enviesado e neutro.

 

 

Efeito de diferimento

O efeito de diferimento mostrou-se estatisticamente significativo, F(1,186)=81.41, p=.00. Os valores de log(δ) mostraram-se inferiores para o diferimento de 0,5 anos do que para o de 2 anos demonstrando maior desconto para o diferimento a curto prazo (Figura 1.1).

Efeito de magnitude

No que diz respeito ao efeito de magnitude, este mostrou-se estatisticamente significativo, F(1,186)=26.97, p=.00, sendo que para o montante de €100 os valores de log(δ) apresentaram-se menores do que para o de €900, exibindo um maior grau de desconto para o valor de menor magnitude (Figura 1.1).

Efeito de sinal

O efeito de sinal foi estatisticamente significativo, F(1,186)=13.66, p=.00, sendo que os valores de log(δ) para as tarefas que envolviam ganhos foram inferiores do que para as que envolviam perdas, revelando um maior grau de desconto para ganhos (Figura 1.1).

Assimetria adiamento-adiantamento e efeito de sinal

Relativamente à assimetria adiamento-adiantamento, esta foi estatisticamente significativa, F(1,186)=21.40, p=.00, sendo que o efeito apenas se verificou nos enquadramentos enviesados (adiamento e adiantamento) e não no enquadramento neutro (Figura 1.2). Em confirmação à Hipótese 1, os valores de log(δ) foram menores no enquadramento de adiamento do que no enquadramento de adiantamento para ganhos, no entanto, foram superiores no enquadramento de adiamento do que no enquadramento de adiantamento para perdas. Em confirmação à Hipótese 2, os valores médios de δ na condição neutra situaram-se entre os valores das outras duas condições (adiamento e adiantamento) tanto em ganhos como em perdas.

Interacção entre diferimento, sinal, e enquadramento

O efeito assimétrico no padrão de desconto foi estatisticamente significativo F(1,186)=15.52, p=.00. Os valores de log(δ) demonstram que o padrão de desconto para ganhos tendo em conta ambos os horizontes temporais (0,5 e 2 anos) foi mais acentuado no enquadramento de adiamento do que no de adiantamento, no entanto para perdas o efeito inverteu-se, demonstrando uma maior acentuação no enquadramento de adiantamento do que no de adiamento (Figura 1.2). Esta assimetria apenas foi verificada em ambos os enquadramentos enviesados (adiamento e adianta mento) e não no enquadramento neutro. Em suma, a Hipótese 3, central na nossa investigação, foi confirmada.

DISCUSSÃO

O principal foco deste estudo são algumas das anomalias do desconto exponencial, com principal ênfase na assimetria adiamento-adiantamento. Embora os restantes efeitos abordados (diferimento, magnitude e sinal) tenham sido demonstrados várias vezes na literatura sobre escolha intertemporal, o efeito de enquadramento e a sua interacção com os efeitos de sinal e de diferimento permanece menos explorado e como tal foi o principal objectivo deste trabalho.

As três primeiras anomalias descritas na literatura foram comprovadas nos resultados. O efeito de diferimento (Thaler, 1981) demonstrou-se presente dada a tendência geral dos participantes em terem descontado mais o diferimento de 0,5 anos do que o diferimento de 2 anos revelando um maior nível de impaciência para as consequências a curto prazo do que para as consequências a longo prazo. O efeito de sinal (Thaler, 1981) foi também identificado, já que o grau de desconto dos sujeitos mostrou-se superior para ganhos do que para perdas, mostrando uma maior impaciência para consequências positivas e uma aversão às perdas. Os níveis superiores de desconto para o montante de €100 do que para o montante de €900 nos resultados ilustram o efeito de magnitude (Thaler, 1981), revelando uma maior impaciência para consequências de menor magnitude.

Relativamente à assimetria adiamento-adiantamento (Loewenstein, 1988), os resultados demonstram que o efeito se verificou para o enquadramento enviesado em ganhos como identifi cado inicialmente por Loewenstein (1988), isto é, verificou-se um maior grau de desconto no enquadramento de adiamento do que no enquadramento de adiantamento. Para perdas, foi identifi cada a tendência contrária como demonstrada por Benzion et al. (1989), ou seja, os participantes descontaram mais as perdas no enquadramento de adiantamento do que no enquadramento de adiamento, comprovando a Hipótese 1. Com a introdução de um enquadramento neutro, os resultados demonstram que a assimetria adiamento-adiantamento assim como o efeito de sinal não se verificaram neste tipo de enquadramento, notando-se mesmo a tendência inversa (i.e., as perdas foram mais descontadas que os ganhos) como verificado por Shelley (1993), o que demonstra que o efeito de sinal como considerado por Thaler (1981) foi gerado por uma interacção do sinal com o enquadramento de adiamento implícito utilizado pelo autor, comprovando o estudo de Shelley (1993) e a Hipótese 2, pois se o efeito de sinal fosse um efeito isolado iria ocorrer mesmo na ausência de um enquadramento enviesado, o que não se demonstrou. O efeito de sinal pode assim ser entendido como o resultado da interacção do sinal com o próprio enquadramento, já que qualquer escolha que envolva uma combinação de ambos os elementos resulta num sinal implícito, adiar um ganho é uma perda, adiantar um ganho é um ganho, adiar uma perda é um ganho e adiantar uma perda é uma perda.

Comparando os resultados deste estudo no que diz respeito à assimetria adiamentoadiantamento com os resultados de Shelley (1993) e os de Loewenstein (1988) é de notar que no estudo de Shelley (1993) ambos os valores de δ para perdas e ganhos no enquadramento neutro se situaram entre os valores de δ para os enquadramentos de adiamento e de adiantamento. No estudo de Loewenstein (1988), feito com um enquadramento neutro apenas para ganhos, o enquadramento neutro demonstrou o menor grau de desconto (maior δ) de todos os enquadra mentos. É interessante verificar que Shelley (1993) explicou esta diferença de resultados com a magnitude dos valores incluídos nas tarefas de ambos os estudos, sendo que o mesmo efeito encontrado por Loewenstein (1988) se encontrava no estudo de Shelley (1993) mas apenas para magnitudes maiores. Neste estudo apenas o valor de δ para perdas no enquadramento neutro se situou entre os enquadramentos enviesados, sendo que o enquadramento neutro para ganhos demonstrou o menor grau de desconto (maior δ) de todos os enquadramentos como no estudo de Loewenstein (1988), no entanto pode-se assumir que as magnitudes em causa (€100 e €900) são relativamente pequenas, o que não coincide com a variação encontrada nos resultados de Shelley (1993) e sua explicação. Outra observação dos resultados obtidos é que neste estudo o maior grau de desconto (de qualquer combinação enquadramento/sinal) foi atribuído a perdas no enquadramento de adiantamento, enquanto no estudo de Shelley (1993) e Benzion et al. (1989) o maior grau de desconto foi atribuído a ganhos no enquadramento de adiamento.

No que diz respeito à Hipótese 3, os resultados de Malkoc e Zauberman (2006) foram confirmados, já que o padrão de desconto tendo em conta ambos os diferimentos em estudo foi mais acentuado para ganhos no enquadramento de adiamento do que no enquadramento de adiantamento, demonstrando uma assimetria. Neste estudo, o mesmo efeito foi explorado numa condição de perdas, e comprovando a hipótese avançada, a acentuação mostrou-se inversa, ou seja, na situação de perdas o padrão de desconto foi mais acentuado no enquadramento de adiantamento do que no enquadramento de adiamento. Este resultado revela que a explicação adiantada pelos autores de que a assimetria no padrão de desconto é o resultado da objectividade das representações mentais associadas a cada enquadramento não se demonstra suficiente, pois embora possam existir factores cognitivos associados à forma que as escolhas intertemporais são processadas e efectuadas, a assimetria na acentuação do padrão de desconto tendo em conta ambos os sinais não deveria ser diferente já que a objectividade das representações mentais permanece idêntica com a variação de sinal. O que este resultado demonstra é que a assimetria no padrão de desconto pode ser explicada através da sensibilidade decrescente associada ao diferimento, já que esta irá acentuar o efeito da assimetria adiamento-adiantamento no diferimento mais longo atenuando o padrão de desconto e assim gerando a assimetria em causa.

Em suma, embora algumas pequenas variações nos resultados em comparação com outros estudos, as três hipóteses foram confirmadas. Metodologicamente poder-se-á considerar a amostragem por conveniência e a própria realização online dos questionários como uma possível limitação deste trabalho. Tendo em conta o recrutamento directo dos participantes é de considerar uma restrição considerável de aspectos demográficos ou socioculturais da amostra. A própria natureza do questionário (tarefas repetitivas e de escolhas monetárias fictícias) como o facto de ter sido realizado online podem também ter contribuído para uma realização das tarefas pouco ponderada, o que pode explicar a percentagem considerável de questionários removidos da análise estatística (32%). Uma outra limitação a considerar neste tipo de estudo é também os factores cognitivos que possam gerar as respostas dos participantes, o que é impossível de contabilizar no tipo de metodologia utilizada. Embora pouco aprofundado na literatura, a própria tendência para a sobrevalorização de SS em detrimento de LL pode não resultar de simples “impaciência” ou ser uma demonstração de preferência intertemporal positiva, isto porque o dinheiro é um bem “multiplicável”. Como tal, embora possamos assumir que não seja uma prática generalizada, o sujeito pode calcular o consumo imediato não pelo consumo imediato em si, mas pelo consumo futuro que o consumo imediato lhe irá permitir através de ferramentas de investimento ou outros cálculos da mesma natureza que visem consequências mais vantajosas na perspectiva do sujeito do que a opção diferida como inicialmente apresentada na tarefa (e que possam implicar o não consumo do bem imediato preferido).

Concluindo, este estudo não só contribuiu para a confirmação de algumas das anomalias do desconto exponencial mais discutidas na literatura: O efeito de diferimento (Thaler, 1981), o efeito de magnitude (Thaler, 1981), o efeito de sinal (Thaler, 1981) e a assimetria adiamento-adiantamento (Loewenstein, 1988) como abordou as relações entre alguns destes efeitos menos exploradas, mais concretamente as interacções entre a assimetria adiamento-adiantamento com o efeito de sinal e o efeito de diferimento. Os resultados obtidos suportam a existência do efeito da assimetria adiamento-adiantamento inverso para ganhos e para perdas (i.e., maior desconto no enquadramento de adiamento para ganhos e menor desconto no enquadramento de adiantamento para perdas) como inicialmente verificado por Benzion et al. (1989). Com a adição de um enquadramento neutro, os resultados suportam a hipótese de Shelley (1993) de que o efeito de sinal não é um efeito independente mas sim o resultado de uma interacção entre enquadramento e sinal. Com a adição do sinal “perdas” na análise da relação entre o enquadramento e o diferimento, os resultados obtidos não só comprovam a existência de uma assimetria no padrão de desconto em adiamento e adiantamento na condição de ganhos como demonstrado por Malkoc e Zauberman (2006), como demonstram a assimetria inversa no padrão de desconto para perdas (i.e., maior acentuação no enquadramento de adiamento do que no de adiantamento para ganhos e maior acentuação no enquadramento de adiantamento do que no de adiamento para perdas) o que revelou a sensibilidade decrescente associada ao diferimento como mecanismo explicativo deste efeito. A objectividade das representações mentais, mecanismo inicialmente adiantado pelos autores como a explicação do fenómeno é desta forma revelada como uma explicação incompleta.

 

REFERÊNCIAS

Baker, F., Johnson, M. W., & Bickel, W. K. (2003). Delay discounting in current and never-before cigarette smokers: Similarities and differences across commodity, sign, and magnitude. Journal of Abnormal Psychology, 112, 382-392.         [ Links ]

Benzion, U., Rapoport, A., & Yagil, J. (1989). Discount rates inferred from decisions: An experimental study. Management Science, 35, 270-284.         [ Links ]

Berns, G. S., Laibson, D., & Loewenstein, G. (2007). Intertemporal choice – Toward an integrative framework. Trends in Cognitive Sciences, 11(11), 482-488.

Carter, R. M., Meyer, J. R., & Huettel, S. A. (2010). Functional neuroimaging of intertemporal choice models: A review. Journal of Neuroscience, Psychology, and Economics, 3(1), 27-45.         [ Links ]

Chabris, C. F., Laibson, D. I., & Schuldt, J. P. (2008). Intertemporal choice. In S. Durlauf & L. Blume (Eds.), The New Palgrave Dictionary of Economics (2nd ed.). London: Palgrave Macmillan.         [ Links ]

Chapman, G. B. (2001). Time preferences for the very long term. Acta Psychologica, 108, 95-116.         [ Links ]

Frederick, S., Loewenstein, G., & O’Donoghue, T. (2002). Time discounting and time preference: A critical review. Journal of Economic Literature, 40, 351-401.

Green, L., Fristoe, N., & Myerson, J. (1994). Temporal discounting and preference reversals in choice between delayed outcomes. Psychonomic Bulletin & Review, 1, 383-389.         [ Links ]

Hardisty, D. J., & Weber, E. U. (2009). Discounting future green: Money versus the environment. Journal of Experimental Psychology, 138(3), 329-340.         [ Links ]

Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect theory: An analysis of decision under risk. Econometrica, 47(2), 263-291.         [ Links ]

Kirby, K. N. (1997). Bidding on the future: Evidence against normative discounting of delayed rewards. Journal of Experimental Psychology: General, 126(1), 54-70.         [ Links ]

Kirby, K. N., & Herrnstein, R. J. (1995). Preference reversals due to myopic discounting of delayed reward. Psychological Science, 6(2), 83-89.         [ Links ]

Kirby, K., & Marakovic, N. (1995). Modeling myopic decisions: Evidence for hyperbolic delay-discounting within subjects and amounts. Organizational Behavior and Human Processes, 64, 22-30.         [ Links ]

Kirby, K. N., Winston, G. C., & Santiesteban, M. (2005). Impatience and grades: Delay-discount rates correlate negatively with college GPA. Learning and Individual Differences, 15(3), 213-222.         [ Links ]

Koopmans, T. C. (1960). Stationary ordinal utility and impatience. Econometrica, 28(2), 287-309.         [ Links ]

Loewenstein, G. (1988). Frames of mind in intertemporal choice. Management Science, 34(2), 200-214.         [ Links ]

Loewenstein, G., & Prelec, D. (1992). Anomalies in intertemporal choice: Evidence and an interpretation. The Quarterly Journal of Economics, 107(2), 573-597.         [ Links ]

McAlvanah, P. (2010). Subadditivity, patience, and utility: The effects of dividing time intervals. Journal of Economic Behavior and Organization, 76, 325-337.         [ Links ]

Magen, E., Dweck, C., & Gross, J. (2008). The hidden zero effect, representing a single choice as an extended sequence reduces impulsive choice. Psychological Science, 19(7), 648-649.         [ Links ]

Malkoc, S. A., & Zauberman, G. (2006). Deferring versus expediting consumption: The effect of outcome concreteness on sensitivity to time horizon. Journal of Marketing Research, 43, 618-627.         [ Links ]

Mazur, J. E. (1987). An adjustment procedure for studying delayed reinforcement. In Commons, Mazur, Nevin, & Rachlin (Eds.), Quantitative analyses of behaviour (vol. V): The effect of delay and intervening events on reinforcement value (pp. 55-73). New Jersey: Lawrence Erlbaum.         [ Links ]

Myerson, J., & Green, L. (1995). Discounting of delayed rewards: Models of individual choice. Journal of the Experimental Analysis of Behaviour, 64, 263-276.         [ Links ]

Prelec, D., & Loewenstein, G. (1991). Decision making over time and under uncertainty: A common approach. Management Science, 37(7), 770-786.         [ Links ]

Rachlin, H. (1989). Judgment, decision and choice. New York: W. H. Freeman and Company.         [ Links ]

Redelmeier, D., & Heller, D. (1993). Time preference in medical decision making and cost – Effectiveness analysis. Medical Decision Making, 13(3), 212-217.

Samuelson, P. (1937). A note on measurement of utility. Review of Economic Studies, 4, 155-161.         [ Links ]

Scholten, M., & Read, D. (2006). Discounting by intervals: A generalized model of intertemporal choice. Management Science, 52, 1426-1438.         [ Links ]

Scholten, M., & Read, D. (2010). The psychology of intertemporal tradeoffs. Pscyhological Review, 117(3), 925-944.         [ Links ]

Shelley, M. K. (1993). Outcome signs, question frames and discount rates. Management Science, 39(7), 806-815.         [ Links ]

Soman, D., Ainslie, G., Frederick, S., Li, X., Lynch, J., Moreau, P., Mitchell, A., Read, D., Sawyer, A., Trope, Y., Wertenbroch, K., & Zauberman, G. (2005). The psychology of intertemporal discounting: Why are distant events valued differently from proximal ones? Marketing Letters, 16(3-4), 347-360.         [ Links ]

Strotz, R. H. (1955-1956). Myopia and inconsistency in dynamic utility maximization. The Review of Economic Studies, 23(3), 165-180.         [ Links ]

Thaler, R. (1981). Some empirical evidence on dynamic inconsistency. Economics Letters, 8, 201-207.         [ Links ]

Trope, Y., & Liberman, N. (2003). Temporal construal. Psychological Review, 110(3), 403-421.         [ Links ]

Woolverton, W. L., Myerson, J., & Green, L. (2007). Delay discounting of cocaine by rhesus monkeys. Experimental and Clinical Psychopharmacology, 15(3), 238-244.         [ Links ]

Xu, L., Liang, Z.-Y., Wang, K., Li, S., & Jiang, T. (2009). Neural mechanism of intertemporal choice: From discounting future gains to future losses. Brain Research (1261), 65-74.         [ Links ]

Yates, J. F., & Watts, R. A. (1975). Preferences for deferred loss. Organizational Behavior and Human Performance, 13, 294-306.         [ Links ]

 

Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Marc Scholten, ISPA – Instituto Universitário, Rua Jardim do Tabaco 34, 1149-041 Lisboa, Portugal. E-mail: scholten@ispa.pt

 

Trabalho financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), programa POCI 2010 e projecto PTDC/PSI-PCO/101447/2008.

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License