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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.29 no.2 Lisboa abr. 2011

 

“Os Inempregáveis”: Estudos de caso sobre os impactos psicossociais do não-emprego em licenciados portugueses

Patrícia Araújo*; Filomena Jordão**

* Universidade Jean Piaget, Benguela, Angola;

** Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

Correspondência

 

RESUMO

Mundialmente, as relações laborais transformam-se e emerge uma nova categoria de trabalhadores licenciados: Os “inempregáveis” ou sem-emprego. Estes reúnem experiência profissional, mas nunca tiveram uma relação jurídica de emprego (contrato de trabalho sem termo). Enquanto os estudos sobre desemprego são abundantes, estudos sobre o “inemprego” são escassos. Pretendemos neste estudo explorar os impactos psicossociais do não-emprego involuntário em licenciados portugueses e as estratégias de coping utilizadas para lidar com esses impactos. Optou-se pelo método de estudo de caso múltiplo e pela entrevista para traçar a história de vida de seis licenciados “inempregáveis”, involuntariamente em situação precária ou sem-actividade laboral. Recorreu-se ao NVivo para análise dos dados. Os resultados evidenciam mais impactos (negativos e positivos) nas situações laborais precárias do que na não-actividade laboral e, mais impactos positivos do que a literatura indiciava. A “focalização activa” é a estratégia de coping mais utilizada pelos sujeitos. Finalizamos propondo pistas para futuras investigações e de combate ao não-emprego.

Palavras-chave: Coping, Emprego, Impactos Psicossociais, Não-emprego, Precariedade laboral, Trabalho.

 

ABSTRACT

World-wide, labour relations change and a new category of higher educated workers emerges: The nonemployable, that although congregate years of professional experience, never had employment in the sense of a juridical relationship (employment contract without term). While studies about nonemployment are scarce, abond studies on job-loss. Thus, in this study we intend: To explore the psychosocial impacts of involuntary nonemployment in Portuguese higher educated workers the coping strategies used to deal with those impacts. We selected the multiple case study and the interview to trace the life history. The six cases are nonemployable, involuntarily in a precarious work situation or without work activity. We use the software Nvivo to analyse data. The results show more impacts (negative and positive) in the condition of precarious work than in nonwork activity and we found more positive impacts than those indicate by the literature. The “active focalization” is the most used coping strategy. We finalize proposing clues for future investigation and initiatives to stop nonemployment.

Key-words: Coping, Employment, Nonemployment, Precarious work, Psychosocial impacts, Work.

 

Durante milhares de anos, ninguém soube o que era um emprego, pois “o emprego é um fenómeno da modernidade” (Woleck, 2002: 2). Todos sabiam o que significava trabalhar. “As pessoas não tinham empregos no sentido fixo e unitário, faziam serviços na forma de um fluxo constantemente mutante de tarefas” (Woleck, 2002: 8), sem saber o significado de hierarquia, benefícios sociais ou subsídios. É na revolução industrial que surgem os empregos, enquadrados na figura de contrato de trabalho. Em menos de 200 anos, todos parecem desejá-los, rendidos à ilusão do pleno emprego (Gonçalves & Coimbra, 2002). Em 1776, Adam Smith (1999) afirmou que a sociedade transformou o ser humano, necessariamente, num detentor de emprego, e na realidade assim é, sendo o emprego o caminho “para a segurança, sucesso e satisfação das necessidades de sobrevivência” (Woleck, 2002: 8).

Recentemente, o “emprego decresceu em, praticamente, todas as nações” (Woleck, 2002: 9), e os trabalhadores têm de se adaptar a novas formas de organização do trabalho que, na realidade, são neologismos para velhas práticas (Kovács, 2004). Referimo-nos por ex., ao empreende dorismo, Networking, Alliances, Spin-off’s e New ventures (Kallerberg, 2000), formas que apesar de darem respostas úteis à economia, fazem emergir variadas situações laborais precárias indesejadas pelos trabalhadores, que já fundaram movimentos contra estas (ex.,“FERVE”, a organização europeia “May DAY”, etc.).

As pessoas sempre esperaram que, estudando mais tempo, teriam garantia de emprego (Castro & Pego, 2000) mas, na verdade, a construção da carreira de jovens licenciados é hoje feita de uma forma diferente do que aconteceu até aqui e assiste-se, principalmente em licenciados, ao aparecimento de uma nova forma categoria de trabalhadores: Os Sem-Emprego, ou adoptando a expressão de Castel (1998, cit. in Brandão, 2002: 144), os inempregáveis ou “inempregados”. Trata-se de indivíduos com qualificações que, apesar de possuírem experiência profissional, nunca tiveram – apesar de o desejarem – um vínculo laboral sem termo, ou seja, uma relação jurídica de emprego. Como refere Kovács (2004: 63) “parece existir um desencontro entre as expectativas dos trabalhadores e as políticas de emprego. Os estudos indicam que as expectativas da maior parte dos trabalhadores incidem sobre a estabilidade do emprego, mas os meios políticos e empresariais tentam impor as formas flexíveis (sobretudo precárias)”.

Dado que se trata então de uma temática recente e que carece de análise cuidada, o objectivo do nosso estudo é estudar os impactos do não-emprego em licenciados em situação de nãoemprego ou inemprego.

ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Trabalho, emprego, “inemprego” e carreira

Comecemos por clarificar os conceitos chave para abordagem da nossa problemática. Trabalho, do latim tripaliu (“três paus”) designava “um aparelho para sujeitar os cavalos que não se deixavam ferrar” (Priberam, s/d). Na ciência humana podemos defini-lo por “qualquer acção sobre a natureza, pessoas ou ideias com objectivos de aumentar o seu valor para uso futuro” (Roberts et al., cit. in Fryer & Payne, 1986: 236). Muitas acções são trabalho (doméstico, estudar, etc.) mas não são emprego. Emprego é a “troca contratual, institucionalmente regulamentada, entre duas partes, em que uma vende, e a outra compra trabalho, normalmente por dinheiro, mas também poderá ser por bens ou serviços” (idem: 236). A relação jurídica de emprego é contratualizada por um “contrato de trabalho”, escrito ou oral, que além de definir as condições do emprego, é também um contrato psicológico (Rousseau, 1997). A palavra emprego surge na língua inglesa em 1400 e, até ao século XVIII, era “uma determinada tarefa e nunca se referia a um papel ou a uma posição numa organização” (Woleck, 2002: 7) e só a partir do século XIX, passou a designar “o trabalho realizado nas fábricas ou nas burocracias das nações em fase de industrialização” (ibidem).

O Desemprego é definido como “falta de emprego” (Priberam, s/d), e desempregado como “sem-emprego; desocupado” (ibidem). O prefixo “des” faz-nos crer que se trata de alguém que já teve emprego e o perdeu, mas na língua portuguesa, designa indistintamente quem o perdeu e quem nunca o teve. A definição como “desocupado” não está plenamente correcta, pois ser desempregado não é não ter trabalho, já que muitas actividades de trabalho continuam (Fryer & Payne, 1986).

Nesta investigação consideramos como conceitos diferentes o desemprego, ou seja, a perda de um emprego conquistado anteriormente, e “inemprego” ou não-emprego, situação em que se encontra a pessoa que nunca teve uma relação jurídica de emprego (contrato de trabalho sem termo). O “inemprego” integra então a não-actividade laboral (a pessoa está actualmente sem actividade laboral, mas pode já ter trabalhado precariamente) e as situações laborais precárias ou trabalho precário (cf. Quadro 1). Do latim Precarius é “aquele que pede, suplica, implora” (Ferreira, 1994: 925) e encontram-se terminologias diversas, em Portugal e noutros países, como trabalho flexível, atípico, precário (Treu, 1992), ou contingente (Contingent Work) que Polivka e Nardone (1989) definem como todo o trabalho que não é a tempo inteiro, não é permanente, não possui remuneração fixa e não possui vínculo laboral. Segundo Kovács (2004: 35) “a precariedade refere-se “ao trabalho mal pago, pouco reconhecido, à instabilidade do emprego, à ameaça do desemprego, à restrição dos direitos sociais e também à falta de perspectivas de evolução profissional”. Vaz (2002: 2) define diversos tipos de trabalho precário como o trabalho “a tempo parcial, temporário, o trabalho independente e no domicílio”, aos quais acrescentamos outras (cf. Quadro 1).

 

 

Para Kovács (2004: 37) existe flexibilidade “precarizante e a qualificante”, sendo que a precarizante se subdivide em “estável e transitória”. Estamos interessados nas situações de flexibilidade precarizante estável, a situação em que se permanece quando não se consegue escalar para o emprego, ficando anos em trabalho precário e intermitente (Kovács, 2004). Desenvolvemos cinco exemplos de flexibilidade precarizante, por serem aqueles que emergiram na nossa recolha de dados; (a) o trabalho ilegal, não-enquadrado, ou seja, fora de situações contratualizadas, muitas vezes esquecidas pela investigação (Jahoda, 1981); (b) os contratos a prazo, a termo, ou por tempo determinado, que durante décadas funcionou como “uma fase de experimentação uma espécie de processo de pré-recrutamento de trabalhadores efectivos” (Kovács, 2004: 37), mas que hoje “resulta sim, muitas vezes, numa nova situação precária” (ibidem); (c) Os programas de estágios ou semelhantes, como programas de ocupação de tempos livres, emergem como um novo tipo de precariedade, pois não trazem benefícios sociais e muitos são os jovens que permanecem nestas situações, quando na realidade já são profissionais; (d) O trabalho independente e o falso independente. O primeiro está enquadrado juridicamente através do contrato de prestação de serviço que “é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual” (Capítulo IX, Artigo 1154.º do Código Civil Português). Porém, se a actividade é desenvolvida mensalmente na mesma entidade com remuneração igual, considera-se juridicamente, que existe uma relação de emprego, e são estes os falsos independentes, que laboram como se de contratados a termo se tratassem, para que as empresas se esquivem de encargos fiscais e sociais; (e) Por último, o subemprego. Os jovens são estimulados à obtenção de uma licenciatura mas não encontrando emprego, ingressam no subemprego, definido como “a situação em que o empregado desempenha funções que requerem habilitações inferiores às que possui” (Priberam, s/d).

Os licenciados vão assim, encontrando formas de construir a sua carreira, conceito que começa a ganhar novos significados. A carreira seria a “soma das experiências relacionadas com o trabalho que se desenvolvem ao longo da vida de uma pessoa(Greenhaus, 1987, cit. in Castro & Pego, 2000: 14). Mas a realidade do desenvolvimento da carreira é “hoje brutalmente diferente” (Castro & Pego, 2000: 14) para os licenciados que alternam emprego, desemprego e não-emprego para os quais ninguém os preparou, não deixando, entretanto, de desenvolver um “moderno” tipo de carreira que se aproxima “do seu sentido etimológico primário, no qual a carreira era uma vereda, um caminho estreito e difícil de percorrer” (idem: 18).

A importância da pertença a uma organização laboral (de estar empregado)

O trabalho “é um motor da integração social” (Durkheim, 1985, cit. in Brandão, 2002: 143) e ser trabalhador equivale “não só a um status função específica na sociedade, mas também a um conjunto de protecções sociais que se foram desenvolvendo durante o século XX” (Brandão, 2002: 143).

O trabalho é o nosso facto social total, já que estrutura a nossa relação com o mundo e as nossas relações sociais e, por isso, somos uma sociedade baseada no trabalho, ainda que muitos nos queiram fazer-nos sair dela (Habermas, 1985, cit. in Méda, 1999). A função social das organizações vai mais além, já que as pessoas passam grande parte das suas vidas nestas e são imbuídas pelos valores organizacionais (e vice-versa).

Clarke e Critcher (1985, cit. in Glyptis, 1989) referem cinco necessidades satisfeitas pelo emprego: (a) a estruturação do tempo; (b) a partilha de experiências fora do contexto familiar; (c) a união de indivíduos em torno de objectivos que ultrapassam os seus próprios; (d) a obtenção de status e identidade e, (e) o reforço da actividade, isto é, sentir que o que faz “vale a pena” e contribui para algo maior. A pertença a uma organização laboral poderá ser mais importante para os licenciados, pois desenvolvem expectativas vocacionais elevadas e, logo, poderão sentir mais impactos pois a “instabilidade profissional (...) gera nos jovens a amarga sensação de não saber o que fazer com tanta escolaridade e/ou qualificação” (Castro & Pego, 2000: 14).

Impactos psicossociais do “inemprego” ou não-emprego

O não-emprego é então a situação em que se encontram os licenciados que não conseguem conquistar uma relação jurídica de emprego acabando por ser um “não-acontecimento” (Menezes, Matos, & Costa, 1989: 95), ou seja, um acontecimento esperado mas que acaba por não se verificar. A tarefa de documentar os impactos psicossociais destas situações fica, desde logo, dificultada pois a literatura mescla as situações de perda de emprego com as de não-conquista de emprego. Não encontrando estudos sobre não-emprego, basear-nos-emos na literatura existente acerca de fenómenos semelhantes, como é o caso do desemprego, trabalho não-permanente, insegurança no trabalho e outros.

A vivência do não-emprego jamais poderá ser generalizada, pois a forma como cada um vivencia esta situação varia com as suas características pessoais (locus de controlo, auto-conceito, valor atribuído ao trabalho, expectativas vocacionais, características sóciodemográficas, etc.). Pessoas com emprego poderão também experienciar a insatisfação, porém, a remuneração mensal permite alcançar uma liberdade económica que o “inempregável” poderá não desfrutar.

Pensamos que um dos impactos psicossociais do não-emprego será o adiamento de projectos pessoais como, por exemplo, o “retardamento da decisão de ter filhos (...) fruto de questões económicas e sociais como são o prosseguimento dos estudos, a necessidade sentida pelos jovens de se estabilizarem economicamente antes de casarem ou terem filhos e as dificuldades de inserção laboral” (Ferreira, Fernandes, Vieira, Puga, & Barrisco, 2006: 74) e, por outro lado, o adiamento da independência, já que a saída de casa dos pais faz-se cada vez mais tarde (Agência Lusa, 2006: 1).

Impactos da não-actividade laboral

O interesse psicossocial no desemprego remonta aos estudos clássicos realizados durante guerras (Strandh, 2002). Um dos mais antigos artigos é o de Eisenberg e Lazarsfeld (1938) que mostra as reacções negativas das pessoas face ao desemprego, e é certo que provoca graves repercussões psicológicas e sociais (Rodrigues & Rodrigues, 1987). Em pessoas de classe média e com maior qualificação, é visto como algo a esconder, pois é considerado mais estigmatizante do que noutras classes (McFadyen, 1995), já que o facto de possuírem mais qualificações leva a supor que arranjam emprego mais facilmente (Fineman, 1987, cit. in McFadyen, 1995).

Destacamos três grandes teorias acerca dos efeitos psicológicos do desemprego (Winefield, 2002): A teoria da privação, a teoria do desânimo aprendido e a teoria da inibição à agência Pessoal. A teoria da privação, de Jahoda (1981, 1987) defende que a ausência de emprego tem dois grandes efeitos principais: (a) o minar do estatuto social e identidade e (b) a exclusão de um propósito maior na sociedade; Distingue benefícios manifestos do emprego (ex., obtenção de rendimentos) de benefícios latentes, que servem para manter os laços com a realidade e que são: (a) estrutura temporal, (b) contacto social, (c) objectivos externos, (d) status e identidade, e (e) actividade obrigatória. Já a teoria do desânimo aprendido (Peterson, Maier, & Seligman, 1993) afirma que os desempregados têm maior probabilidade de desânimo e perda de auto-estima e depressão, se tiverem locus de controlo interno. Finalmente, a teoria da inibição à agência Pessoal de David Fryer (1986), uma alternativa à teoria de Jahoda, assume que as pessoas são agentes intrinsecamente motivados, fundamentalmente próactivos e independentes e as consequências negativas do desemprego prendem-se com o facto de ele inibir o exercício da agência pessoal.

Outras teorias identificam estádios na vivência da perda de um emprego (Eisenberg & Lazarsfeld, 1938; Kübler-Ross, 1992), em suma, caracterizados por: (a) choque inicial; (b) optimismo, com procura de emprego intensa, (c) pessimismo, ansiedade e dúvida, quando os esforços falham e, (d) resignação, deterioração fisico-psíquica e fatalismo. No caso do “inem prego” ou não-emprego não existe choque inicial, mas julgamos que as outras fases se adequam. Quanto a sentimentos associados os estudos focam-se maioritariamente na baixa auto-estima (McFadyen, 1995). Kaufman (1982) cita agressividade, desânimo, desespero, inibição, apatia, culpabilidade, perda de identidade, desorientação e Waters (2000) refere sintomas psiquiátricos, desesperança, diminuição do controle percebido, auto-estima e moral e satisfação com a vida. Podemos acrescentar sentimentos de degradação, vergonha, falhanço e inadequação (Kelvin, 1980, cit. in Glyptis, 1989), ansiedade acrescida (Rousseau, 1997), e stresse causado pela culpa, preocupação com a perda do rendimento e dificuldades em planear o futuro (Glyptis, 1989).

Argolo (2001) prova uma forte associação entre dificuldades financeiras advindas do desemprego e o sofrimento emocional e Fryer e Payne (1986: 259) referem que a relação com a família e amigos poderá “tornar-se emocionalmente mais carregada, stressante e problemática”. São os jovens que sofrem de maior frustração e confusão de identidade (Gurney, 1980) e que têm maior tendência a autoculpabilizar-se (Hutson & Jenkins, 1989, cit. in McFadyen, 1995: 12). O desemprego está relacionado com risco de impactos adversos na saúde e estilos de vida menos saudáveis (Benach, Muntaner, Amable, & Benavides, 2002), e com separação e divórcio (Liem & Liem, 1988), negligência e abusos infantis (Steinberg, Catalano, & Dooley, 1981), alcoolismo (Catalano, Dooley, Wilson, & Houch, 1993) e impactos na saúde física (Kessler, House, & Turner, 1987), comportamento criminal (Allan & Steffensmeier, 1989), morte causada por acidentes rodoviários (Leigh & Waldon, 1998, cit. in Vinokur, 1997: 58) e suicídio (Orellano, 2005).

A inexistência do vínculo laboral poderá causar desvinculação emocional (Desgarramiento emocional) traduzida em perda de vitalidade, sensação de inferioridade e depressão (Matraj, 2000, cit. in Orellano, 2005) e “poderá ter como consequência a desaprendizagem e a perda de qualifi cações” (Kovács, 2004: 62).

Vejamos perspectivas positivas. A psicologia positiva surge “em reacção à preocupação que a psicologia tem tido com aspectos negativos e patológicos do comportamento humanos” (Luthans, 2002: 58) e porque “pouca atenção estava a ser dada aos pontos fortes e às características positivas das pessoas” (ibidem). Julgamos que a situação de não-actividade laboral poderá ser um momento de reflexão, reorientação e reconversão profissional, e uma oportunidade para se dedicar a outras áreas que não a profissional.

Estudos organizacionais prevêem que as transições serão cada vez menos disruptivas à medida que as pessoas desenvolvem capacidades de adaptação à mudança (Weick, 1995, cit. in Rousseu, 1997) e que as expectativas pessoais e definições de sucesso colocam o desemprego como uma oportunidade para evolução pessoal (Mirvis & Hall, 1994).

Impactos das situações laborais precárias

São poucos os estudos sobre o impacto do trabalho ou contratos temporários (Parker, Griffin, & Sprigg, 2002) e muitos iniciaram-se através do constructo da insegurança no trabalho que actua como um stressor crónico (Benach et al., 2002), pois colaboradores expostos a constante insegurança no trabalho são mais susceptíveis a doenças (idem) Em Portugal, a Comissão do Livro Branco das Relações Laborais (2007: 78) afirma que “os “recibos verdes” demonstraram menos optimismo perante o futuro do que outros precários, como os contratados a termo”, denunciando diferenças ao nível dos impactos dos vários tipos de precariedade.

O trabalho flexível pode trazer perigos para a saúde do trabalhador (Benach et al., 2002), (idem), efeitos negativos ao nível da saúde mental (Burchall, 1994, cit. in Parker, Griffin, & Sprigg, 2002) e também dos seus cônjuges e filhos (Vinokur, Schul, Vuori, & Price, 2000), instabilidade no trabalho e menor envolvimento nas decisões da empresa (Parker, Griffin, & Sprigg, 2002). Por outro lado, mudanças nas relações laborais podem conduzir a maiores exigências no desempenho profissional (Herriot & Pemberton, 1995).

Quanto ao subemprego, julgamos que o impacto negativo mais claro é o baixar o nível de expectativa e aspiração profissional e já em 1938, Eisenberg e Lazarsfeld (1938: 367) afirmavam que “a necessidade de evitar o falhanço tornar-se-á maior do que a necessidade de manter o seu nível de aspiração o mais elevado possível, e consequentemente o nível de aspiração baixará”. Economistas e gestores defendem que o trabalho contingente é necessário para enfrentar flutuações de mercado, mas outros (Polivka & Nardone, 1989) defendem que conduzirá a (a) degradação de salários (b) diminuição de benefícios, (c) perda de segurança, (d) não acesso à formação profissional, (e) perda de posição de força dos trabalhadores (e movimentos sindicais), (f) baixa lealdade organizacional e, (e) diminuição de qualidade e produtividade dos trabalhadores.

Poucos são os impactos positivos documentados já que estudos “acerca de como o trabalho facilita os propósitos humanos estão em falta e são raros os estudos sobre seus efeitos positivos na saúde” (Ryff & Singer, 1998: 8). Gonçalves e Coimbra (2002), numa amostra maioritária de licenciados (64,9%), encontraram uma “dimensão emocional positiva do trabalho”, na qual se inclui a “Satisfação”, “Interessante”, “Prazer” e “Ocupar”. Ainda, o trabalho flexível pode significar uma menor pressão no trabalho (Russell-Gardner & Jackson, 1995, cit. in Parker, Griffin, & Sprigg, 2002). Para Miner e Robinson (1994) no futuro, as mudanças laborais serão banais e promoverão a aprendizagem individual e organizacional. Uma nova expressão designa estes trabalhadores com grande capacidade de adaptação e (muitas vezes, involuntariamente) em constante mudança de organizações: os “Portfolio Workers” (Handy, 1990, cit. in Kalleberg, 2000).

Apesar das perspectivas negativas sobre estas novas formas de estruturar a vida e o trabalho (Sennet, 2001), estas poderão conduzir a uma mudança pois “hoje, e de forma contraditória, uma das marcas do sucesso é a mudança de profissão, de emprego ou empresa” (Castro & Pego, 2000: 16). Por fim, partilhámos da opinião que estas diferentes classes de trabalhadores poderão conduzir a uma polarização: “trabalhadores de tempo integral vs. trabalhadores com menos segurança” (Singer, 1995, cit. in Woleck, 2002: 9).

Coping com o não-emprego ou “inemprego”

Santos, Ribeiro e Guimarães (2003) definem coping como o conjunto de esforços realizados, mais centrados no problema ou nas emoções, para lidar com uma situação, independentemente do seu resultado. Apesar do interesse crescente no coping com o desemprego (Waters, 2000) são escassas as teorias sobre este (McFadyen, 1995), e quanto ao não-emprego são inexistentes, por isso, utilizaremos perspectivas sobre coping com o desemprego.

Num primeiro momento, em que o coping era visto como estático, Jahoda (1972) apresenta a 4 estilos de coping com o desemprego: (a) recuperado, (b) resignado, (c) desesperado (d) apático”. Posteriormente, entendeu-se que os esforços de coping estão sempre em evolução e, logo, as influências do meio envolvente e a avaliação cognitiva que a própria pessoa faz da situação têm um papel determinante (Waters, 2000).

Leana e Feldman (1990) referem outros tipos de coping: (a) “centrado no problema” ou seja, procura activa de emprego, e (b) “centrado nos sintomas” que inclui procurar apoio financeiro e suporte social. Kinicki e Latack (1990) contribuem definindo (a) o coping pelo controle (métodos activos de redução do stress) e (b) o coping pela fuga ou evitamento (ignorar ou fugir do foco do stress), sendo este comum em pessoas de classe média e com qualificações (McFadyen, 1995).

Alguns estudos demonstraram que (a) as pessoas tendem a usar mais do que uma estratégia de coping para fazer face a uma situação stressora (Folkman & Lazarus, 1985); (b) as pessoas que se consideram religiosas, têm um sofrimento menor face à situação de desemprego (Argolo, 2001), (c) o apoio social, da família, colegas de profissão e grupos da comunidade minimiza o stress associado ao desemprego (Rodrigues & Rodrigues, 1987: 124); (d) o coping centrado nas emoções é mais comum em grupos que percepcionam a situação como incontrolável (McFadyen, 1995).

Por último, encontramos uma perspectiva integradora, construída a partir de uma análise crítica de diversas escalas de coping, que decidimos utilizar na nossa investigação: O modelo de Esparbés, Sordes-Ader e Tap (1996, cit. in Tap, Costa, & Alves, 2005), que articula as três componentes humanas (cognitiva, afectiva e comportamental) e considera seis grandes estratégias de coping: (a) Focalização, (b) Suporte Social, (c) Retraimento, (d) Conversão, (e) Controle e (f) Recusa. Estas estratégias subdividem-se em “coping percebido como positivo” e “coping percebido como negativo” tendo em conta a desejabilidade social (Pronost & Tap, 1996, cit. in Tap, Costa, & Alves, 2005: 51)., pois “o controle, suporte social e focalização eram percebidas como positivas, enquanto o retraimento e recusa como negativas (...), as negativas podem ser eficazes a curto-prazo, pois permitem uma dada distância face um contexto insuportável” (ibidem).

“Inemprego” e desemprego em licenciados portugueses

Apresentaremos algumas estatísticas actuais relevantes que ajudam a enquadrar a temática no contexto nacional. Comparado com a Europa, Portugal tem um número de licenciados baixo – por exemplo, o Norte de Portugal possui apenas 7.2% de licenciados (Eurostat, 2005) – e tem menos empregados com habilitação superior – apenas 13%, contra os 31% de Espanha e os 24% da média europeia (ibidem).

Os licenciados representam 9% do total de desempregados (mais de 50% destes têm entre 25 e 34 anos) e é a área de “Ciências sociais e do comportamento” que regista mais inscritos na procura do 1.º emprego (Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais1, 2007).

Quanto à precariedade, Portugal apresenta também uma taxa de precariedade superior à média europeia, que era de 14,5% em 2005, ocupando o terceiro lugar do ranking dos mais precários, a seguir à Espanha e Polónia (Mateus, 2007). Ainda segundo Mateus (idem), em 2000 o Instituto Nacional de estatística reportava que 27% dos trabalhadores portugueses (1,3 milhões) tinham um contrato a termo ou desempenhavam funções a recibos verdes e, em 2006, este número aumentou para 29%. AAdministração Pública Central possui também 117 mil trabalhadores com vínculos precários (ibidem).

Segundo um inquérito a licenciados do ano de 2006 da Universidade do Porto (Gonçalves, Menezes, & Martins, 2009): (a) 9,3% afirmavam-se desempregados e 70,1% em situação de precariedade contratual; (b) 7,4% encontravam-se em formação ou estágios (excluindo os inscritos em estudos pós-graduados); e (c) 29,3% exerceram ou ainda exercem trabalhos esporádicos, maioritariamente em “Serviços Administrativos, Informáticos e Call Centers” (idem: 22).

Ainda assim não temos um panorama realista da situação nacional por variados motivos como, por exemplo, (a) não existem estatísticas sobre cada situação precária particular, (b) nem todos os licenciados se inscrevem em Centros de Emprego, (c) muitos licenciados encontram-se em estágios, subemprego ou outras situações e, logo, não são contabilizados como “inempregados”.

Existem 4 mil licenciados inscritos como desempregados, e seria ousado afirmar que existem também milhares de “inempregados” licenciados, mas é certo que “as condições de empregabili dade dos diplomados têm-se deteriorado seja em termos salariais, seja no vínculo laboral a que se submetem seja ainda na possibilidade de promoção, ao passo que os empregadores têm tido a oportunidade de aumentar as exigências ao recrutar pessoas cada vez mais qualificadas a custos menores” (Marques, 2004: 171).

MÉTODO

Objectivos de estudo e questões de investigação

O objectivo deste estudo é documentar, identificar e reflectir sobre os impactos do não-emprego, procurando responder a duas questões de investigação: (a): Qual o impacto psicossocial do não-emprego ou “inemprego”, na forma de não-actividade laboral ou situação laboral precária involuntárias, em licenciados portugueses? e (b): Quais as estratégias de coping que utilizam para lidar com essas consequências?

Método

Perante uma temática pouco estudada e até ao momento não explorada em pormenor, optámos pela utilização do método de estudo de caso múltiplo do tipo descritivo e exploratório (Yin, 1994). Estamos assim interessados na análise aprofundada de um número restrito de casos e não na obtenção de resultados generalizáveis. Utilizamos a “História de Vida”, de cariz psicobiográfico, na qual a “pessoa se conta no interior de um trama de acontecimentos” (Poirier, Clapier-Valladon, & Raybaut, 1999: 32), e o entrevistador recolhe o saber específico de que o entrevistado é portador, “explorando uma parte da sua vida e focalizando-se em determinadas situações vividas” (idem: 51).

Casos

O estudo desenvolveu-se a partir de contactos angariados numa fase preliminar (questionário online) e, foram encontradas, com dificuldade, pessoas dispostas a dar o seu contributo voluntariamente. Participaram neste estudo seis licenciados (Casos 1, 2, 3, 4, 5, e 6: Por Exemplo “c3”) que nunca tiveram uma relação de emprego e se encontravam, no momento da entrevista, sem-actividade laboral ou em situação laboral precária. Têm entre 25 e 33 anos de idade, 2 pertencem ao sexo masculino e 4 ao sexo feminino e habitam nas áreas de Porto e Braga. Todos possuem uma licenciatura obtida em áreas científicas (Educação, Psicologia, Informática de Gestão, Secretariado de Gestão, Engenharia Ambiental e Educação Social) e instituições distintas, entre 1998 e 2007. Todos estão em situação de “inemprego”, tendo vivenciado já vários tipos desta situação (cf. Quadro 2). Quanto à sua caracterização profissional “oficial”, três estão sem actividade laboral e os outros três são trabalhadores independentes. No entanto, ao apurar a situação “real”, apenas um está sem actividade laboral, dois são falsos independentes e outro é colaborador não enquadrado.

 

 

Técnica de recolha de dados

A técnica eleita para a recolha a história de vida foi a entrevista semi-estruturada, tendo como ponto de partida um guião construído numa investigação anterior (Araújo, 2003). Esse guião foi enriquecido com perguntas específicas sobre não-emprego, principalmente relacionadas com as situações precárias. Para apurar se “o conteúdo do instrumento era relevante para o objectivo formulado” (Leite, 2008: 180), realizámos uma entrevista de pré-teste a uma licenciada que não foi tida em conta para a análise dos dados, concluindo que o instrumento apurava o que se desejava (validade de conteúdo) e era totalmente funcional no decorrer da entrevista. No final, o guião de entrevista apresentava um total de 13 perguntas/partes, subdivididas em sub-questões específicas e uma tabela para preencher dados sociobiográficos. As primeiras questões do guião recolhiam a história de vida (ex., Conte-me, em breves linhas, como decorreu a sua infância? E a adoles cência?) e, de seguida, colocavam-se questões relacionadas com a história profissional (ex., Em que empresas/funções trabalhou e sob que regimes legais?). Numa última parte do guião explorava-se os impactos do “inemprego” (ex., Que áreas da sua vida sente que foram afectadas? O que sente perante a estas situações?) e questionava-se os entrevistados sobre a sua forma de lidar com essas consequências.

Procedimento

Depois de reunir os contactos dos entrevistados através do questionário online da fase preliminar, as entrevistas foram marcadas. Realizaram-se entre Maio e Julho de 2008 e foram integralmente gravadas após o consentimento escrito de cada participante (totalizando mais de 10 horas de gravação).

Técnica de análise de dados

Foi escolhida a análise de conteúdo, do tipo descritivo, que “tem por finalidade enumerar ou descrever as características dos fenómenos” (Ferrari, cit. in Leite, 2008: 208). Numa primeira fase, as entrevistas foram transcritas e introduzidas no NVivo (QSR Nvivo Version 7.0), depois foi feita uma leitura exploratória de todos os documentos e finalmente foram analisados, codificados e categorizados todos os dados.

REDUÇÃO DOS DADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO

Redução dos dados

Após a recolha dos dados, apurámos seis histórias de vida. Segundo Vala (1986: 126) “não há modelos ideais em análise de conteúdo [pois] as regras do processo inferencial que subjaz à análise de conteúdo devem ser ditadas pelos referentes teóricos e pelos objectivos do investigador” e, por isso, utilizou-se uma técnica mista, tripartida, de categorização. Em primeiro lugar, os diversos referenciais teóricos serviram para definir algumas categorias a priori (ex., impactos provindos da revisão teórica). No caso das estratégias de coping utilizámos todas as definições do modelo de Esparbés et al. (1996, cit. in Tap, Costa, & Alves, 2005), apenas efectuando uma (ligeira) mudança na categoria “suporte social”, a qual alargamos para incluir não só a procura de apoio junto de familiares e amigos, como também junto de serviços à comunidade como sugeriu McFadyen (1995) e o apoio de grupos da mesma categoria social ou redes sociais de apoio, como sugere Breakwell (1986, cit. in McFadyen, 1995)2. Em segundo lugar, usamos as questões do próprio guião de entrevista. Por último, em caso de ausência de referências teóricas, baseámo-nos nos dados recolhidos para a geração das categorias (ex., alguns impactos psicossociais).

O sistema de categorias foi sendo aperfeiçoado, à medida que os dados indiciavam a necessidade criar, reformular ou juntar categorias, e no final, contámos com um sistema de 93 categorias. Destas categorias, 8 são free nodes/categorias livres, e 85 são tree nodes/categorias interligadas, sendo 3 as categorias “Mães” e 82 as categorias “Filhas”. As categorias livres não serão alvo de análise, bem como algumas categorias interligadas, uma vez que não correspondem a nenhuma das nossas questões de investigação, antes serviram para enriquecer a entrevista e aprofundar a relação entrevistador-entrevistado. As categorias interligadas “Mães” são: (a) Coping com o não-emprego, (b) História profissional e (c) História de vida. As categorias que serão alvo de análise são o (a) Coping com o não-emprego, com treze categorias e 878 unidades de registo e (b) as 45 categorias relativas ao impacto do não-emprego, com 1832 unidades de registo. As categorias analisadas totalizam assim 59 categorias, com um total de 2825 unidades de registo (cf. Apêndice 1).

ANÁLISE DAS QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO

Impacto psicossocial do “Inemprego” ou não-emprego em Licenciados

Impactos positivos e negativos da não-actividade laboral: No Quadro 3 apresentam-se os resultados relativos a: (a) Impactos negativos, com 6 categorias (a categorias “sentimentos” subdivide-se em 3 subcategorias), e (b) Impactos positivos, onde surgem 3 categorias.

 

 

Os impactos negativos mais verbalizados são a “Perda de Benefícios Sociais e Outros” e a “Dificuldade em planear o Futuro”, enquanto que o sentimento dominante é o de “Tristeza, injustiça”. Os impactos positivos são bastante menos, porém é a “Evolução Pessoal” a mais referida e, nos sentimentos positivos, uma entrevistada refere “Esperança, Atitude positiva”.

Algumas verbalizações dos participantes ilustram os impactos negativos da não-actividade laboral: (a) “Senti aquela frustração, aquela ansiedade e já me bateu a tristeza mesmo (...) é um investimento que é feito, uma pessoa estuda, dedica-se a uma coisa e as coisas não surgem. É complicado” (c1); (c) “Mesmo sentimentos de tristeza (...) de injustiça porque depois não vejo ninguém a fazer nada por nós” (c1); (b) “Filhos aí sem dúvida, isso deixámos completamente porque ainda não temos qualquer estabilidade” (c5); (c) “Sinto-me injustiçada, sinto-me injustiçada” (c6).

Impactos positivos e negativos das situações laborais precárias: Foram codificadas 13 categorias como impactos negativos e, 4 subcategorias de categoria sentimentos (cf. Quadro 4). Em primeiro lugar surge a categoria “Instabilidade ou Degradação de salários”, seguida por “Perda de Benefícios e Impostos acrescidos” e por “Procurar, aceitar ou Acumular Outros Trabalhos”. O sentimento negativo mais referido é a “Injustiça, Frustração, Insegurança”, seguido da “Insatisfação, desmotivação”.

 

 

Escolhemos algumas frases essenciais para ilustrar os impactos negativos face às situações precárias: (a) “Pensar em vida futura, nem pensar! Como a situação está (...) é complicado (...) não estou a fazer descontos, não estou com nada legalizado” (c1); (b) “Quer trabalhe quer não tenho de pagar à Segurança Social (...) se todos trabalham na mesma empresa (...) deviam de ter a mesma lei, não é?” (c2); (c) “Era muito injusto (...) comecei a desmotivar, porque via em relação a outros colegas, eu não tinha direito a férias (...) Injustiçada, chateada, pensava...Porque é que estive tanto tempo a estudar não faz sentido, realmente, não faz sentido!” (c4); (d) “Se me centrasse só na situação em que eu vivia, entrava numa depressão mesmo muito profunda porque eu sentia-me mesmo... achava que... aquilo não podia estar a acontecer” (c4).

Quanto a impactos positivos encontrámos 10 categorias (cf. Quadro 5). Os impactos positivos mais percepcionados são a “Satisfação no trabalho”, seguida da “Aprendizagem Individual e Organizacional”, a “Experiência e Reconhecimento Profissional” e, em quarto lugar, a “Obtenção de rendimentos, Independência”. Quanto aos sentimentos positivos, surge a categoria “Esperança, Optimismo” em 5 dos 6 casos.

 

 

Vejamos algumas afirmações dos entrevistados no âmbito dos impactos positivos das situações precárias: (a) “Eu gostei da experiência, é bom. Foi uma experiência na altura agradável (...) Esperava conseguir o reconhecimento” (c2); (b) “Não tenho contrato mas também se aparecer outra coisa não tenho que avisar” (c3); (c) “Isto trouxe-me experiência profissional que era coisa que não tinha, não é? Deu-me (...) algum sentido de vida, de realização também pelos trabalhos que fiz e pronto envolveu-me um bocado no mundo do trabalho coisa que não tinha noção do que era e passei a ter” (c5).

Impactos do “Inemprego” ou não-emprego: Síntese

Encontramos impactos e sentimentos negativos semelhantes na situação de não-actividade laboral e situações laborais precárias (cf. Quadros 6). No entanto, as situações precárias revelam mais impactos negativos (13 categorias) do que a não-actividade laboral (6 categorias). Seleccionámos propositadamente três casos em situação de não-actividade laboral e outros três em situação laboral precária, porém, estas diferenças podem ser também explicadas pelo facto de todos terem vivenciado diversas situações laborais precárias e, logo ter tido muito mais a dizer sobre os impactos negativos destas, do que sobre não-actividade laboral.

 

 

A condição que maior diferença apresenta é a dos impactos positivos, dos quais emergem mais categorias nas situações precárias (10 categorias) do que nas de não-actividade laboral (3 categorias). Encontramos sentimentos positivos semelhantes nas duas situações.

Coping com o “inemprego” ou não-emprego

Adaptando o já referido modelo integrador de Esparbés et al. (1996, cit. in Tap, Costa, & Alves, 2005), decidiu-se analisar o coping face ao não-emprego como um todo, devido ao facto dos entrevistados terem já vivenviado diversas situações de inemprego e se referirem às formas de lidar com a não-actividade e com as situações laborais precárias de forma indistinta. As estratégias mais presentes nas verbalizações são a Focalização, seguida da Conversão e, em terceiro lugar, o Suporte Social. Incluindo os subtipos de estratégias de coping, é a Focalização activa que reúne maior número de verbalizações (74), seguida da Focalização cognitiva (62) e, em terceiro lugar, surge o Suporte social (50), em quarto lugar surge a Focalização emocional e só depois, em quinto lugar, surge a estratégia de Conversão comportamental (cf. Quadro 7).

 

 

Apresentamos excertos de frases para ilustrar as estratégias utilizadas: (a) Conversão Comportamental “Há aqui estratégias que eu utilizava, mediante o tipo de emprego eu adaptava o meu currículo (...) quando pediam o 12º ano, eu já não dizia que tinha pós graduação e a Licen ciatura(c4); (b) Focalização Activa: “Fui respondendo aos anúncios do jornal que apareciam (...) Internet, fui directamente inscrever-me às empresas (...) a empresas de trabalho temporário (...) Mais! À volta de 1000 [candidaturas]” (c4); (c) Focalização Cognitiva: “Passa por decisões políticas (...), é a mentalidade dos empresários (...), dos gestores, porque se criam cursos que não são necessários (...) Portugal é o país com menos licenciados e com mais licenciados no desem prego, portanto deve ser um problema de gestão (c2)”; (d) Retraimento “Quando tenho um problema tento não pensar nele (c3)”; (e) Suporte Social “Vou morar porque o meu namorado também tem um emprego estável (...) a minha mãe diz que isto não é vida para ninguém (...) o meu namorado diz que eu já devia ter arranjado outra coisa (c3)”.

DISCUSSÃO

Impactos da não-actividade laboral

Como referiu Jahoda (1981, 1987), existe perda de benefícios latentes do emprego, como é o caso do minar do estatuto social e a exclusão de um propósito maior na sociedade, que conseguimos entrever pela categoria “frustração, inutilidade”. A perda de benefícios manifestos é óbvia ao observar as categorias de “instabilidade financeira e perda de benefícios sociais”.A depressão (Matraj, 2000, cit. in Orellano, 2005) e baixa auto-estima (Waters, 2000) também se podem aqui entrever na categoria: “Tristeza, Injustiça”. No entanto, a expressão “injustiça” nunca foi encontrada na literatura e talvez seja mais visível na nossa amostra por se tratar de licenciados. A categoria “incapacidade de planear o futuro”, indicia inibição da agência pessoal (Fryer, 1986) e são muitas as afirmações que demonstram esta inibição como, por exemplo, o adiamento da parentalidade, como afirmava Ferreira (Ferreira et al., 2006). Também Glyptis (1989) havia associado as dificuldades em fazer planos para o futuro ao stresse associado ao desemprego. Um outro impacto que a literatura nos indicava era a degradação da relação com a família ou amigos (Fryer & Payne, 1986: 259). Apesar dos entrevistados não o terem verbalizado dessa forma, a categoria “Dependência de familiares ou outros” sugere potencial alteração das relações familiares, por exemplo, pelas palavras da c1 “Tive de comprar outro [computador] para trabalhar e tiveram de ser os meus pais, mais uma vez são os meus pais”. Sobre o impacto negativo “aceitar outros trabalhos” abaixo das suas qualificações, não existiam estudos, daí que é fácil concluir que o subemprego e os seus impactos têm sido pouco estudados. Por último, surge a categoria “culpabilização”, também referida na literatura (Glyptis, 1989; Kaufman, 1982), em que o próprio ou outros o culpabilizam, neste caso por não ter actividade laboral.

Quanto aos impactos positivos, algumas verbalizações confirmam o facto de ver esta situação como uma oportunidade de evolução pessoal. A categoria com mais verbalizações é “Esperança, atitude positiva”. A psicologia positiva está ainda em evolução mas a esperança é um dos contructos estudados. Snyder (2000, cit. in Luthans, 2002: 62) explora este conceito de forma mais abrangente referindo que “ter esperança (being hopeful) é acreditar que se pode planear objectivos, descobrir como atingi-los e motivar-se a si próprio para os atingir”. A categoria “tempo livre”, ou mais tempo livre disponível, não havia sido referida na literatura, porém os entrevistados sentem que se trata de um impacto positivo de pouca dura, como refere a c6 “Ao princípio sabe bem o primeiro dia, o segundo, a primeira semana, poder ir passear, ir dar uma volta...”.

Quanto à oportunidade de reorientação e reconversão profissional, por um lado, pode não ser uma hipótese para as pessoas que até gostam da sua profissão. Por outro, arriscamos dizer que não é fácil obter esse tipo de apoio, baseando-nos em algumas unidades de registo: “No Centro de Emprego também tinha inscrito, não é. É um local referenciado. Nunca fui chamado para nada” (c); “Centros de emprego é quase nula, é quase nula... porque se calhar estão lá para preencher estatísticas. Nunca fui chamado” (c5). Pelo contrário, estes serviços acabam até por promover algumas situações precárias como os estágios consecutivos (c5) e até o subemprego, como foi o caso da c4: “Fui chamada pelo Centro de emprego (...) eles pediam uma pessoa com o 12º ano, na área administrativa, falaram nas condições, no salário e, e eu tive de aceitar, não é?”

Por último, é possível entrever semelhanças entre as teorias dos estádios na vivência da perda de um emprego (Eisenberg & Lazarsfeld, 1938; Kübler-Ross, 1992) e os nossos casos “inempregáveis”. Estes, não apresentando o choque inicial, apresentaram também atitudes pessimistas e resignação; Porém, pensamos que os licenciados correm o risco de viver mais prolongadas fases de optimismo, com procura de emprego intensa, mesclada com momentos das outras fases, como, por exemplo, a sensação de frustração.

Impactos das situações laborais precárias

Uma grande parte dos impactos previstos na revisão teórica como negativos, para qualquer situação precária, surgiram nos nossos resultados. A “Instabilidade ou degradação de salários” é a categoria com mais verbalizações, referida por todos os casos, o que já esperávamos pela literatura revista (Parker, Griffin, & Sprigg, 2002; Polivka & Nardone, 1989).

A categoria “perda de benefícios sociais e impostos acrescidos”, referida por todos os casos, havia sido parcialmente documentada na revisão teórica, porém os impostos acrescidos (porque pagam mais do que um trabalhador a contrato de trabalho sem termo ou até a prazo!) não foram referidos na literatura. Um trabalhador precário em Portugal paga segurança social, imposto sobre o rendimento (IRS), eventualmente IVA e nem sequer tem direito a subsídio de desemprego, o que não acontece em todos os países da Europa, como, por exemplo, em Espanha (Branco, 2007). As categorias “Injustiça, frustração, insegurança” e “Procurar, aceitar ou acumular outros trabalhos”, não aparecem documentadas na revisão teórica, mas como vimos os nossos casos já incorrem em práticas surpreendentes como omitir a licenciatura do seu Curriculum Vitae e aceitar trabalho muito abaixo das suas qualificações (subemprego), por vezes, para evitar pagar a carga de impostos exagerada do trabalho precário na sua profissão, acumulando por vezes dois ou mais trabalhos (como foi o caso da c6). A categoria “Incapacidade de planear o futuro”, referida por todos os entrevistados, espelhada de novo a inibição da agência pessoal (Fryer 1986) e apesar da teoria de Fryer ter sido concebida para explicar os efeitos do desemprego, a inibição da agência pessoal é também aqui notada seja por abdicar de comprar casa, casar ou constituir família.

Algumas unidades de registo codificadas corroboram as perspectivas de que o trabalho flexível poderia trazer perigos para a saúde do trabalhador (Benach et al., 2002) como, por exemplo, a c3 afirma “Não consigo fazer exercício físico (...) não tenho tempo para mim, nem para estar com a minha família, (...) vou de fim-de-semana, estou com a cabeça lá mas com a mente noutro sítio”, enquanto a C6, que sempre a alternou situações precárias, diz “Fiquei muito cansada, foi desgastante. Para mim foi muito desgastante”.

Na literatura havíamos encontrado uma referência ao facto de algumas mudanças nas relações laborais levarem a maiores exigências no desempenho profissional (Herriot & Pemberton, 1995) e aqui surge algo semelhante: A categoria “Maior Responsabilidade ou Tarefas”. Vejamos a afirmação da c4, licenciada, contratada a prazo numa categoria menor do que as suas habilitações, como administrativa, “Como eu tinha habilitações superiores começaram a dar-me mais responsa bilidades porque viam que conseguia fazer e continuava”. Ora, sendo precária, poderia esperar-se o impacto positivo de menor pressão no trabalho, porém em vez disso, são-lhes exigidas maiores responsabilidades, logo, podemos pensar que até terá maior qualidade e produtividade uma vez que é sobrequalificada, o que não deixa de ser “exploração” advinda do subemprego.

As “Deslocações constantes” são também um impacto novo dos nossos resultados. Estas deslocações não se referem a mudar de organização por exemplo, de mês em mês ou ano em ano, mas sim à própria situação precária em que o sujeito está naquele momento que implica, por exemplo, para o c2, andar na sua própria viatura a fazer entrevistas, no caso da c3 e c4 ministrar formação em vários sítios e, no caso da c6 trocar constantemente de transportes públicos para manter as várias situações precárias que possuía no momento.

A categoria “Dependência Familiar ou de outros” não havia sido referida porém este impacto parece-nos de elevada importância pois, por exemplo, a c3 irá viver com o namorado por ele ter um emprego, o c5 está mais descansado por a mulher ter um emprego e o c2 ainda vive na casa dos pais e necessita do seu apoio.

A baixa lealdade organizacional tinha sido referida na literatura (Polivka & Nardone, 1989). No caso da c3, esta baixa lealdade está em parte relacionada com o facto de lhe ter sido prometido um contrato que nunca chegou e no caso da c6, deve-se à entrevistada observar injustiças como contratação de pessoas sem licenciatura para a mesma função que exercia. Um impacto negativo novo é a “Exclusividade com a organização”, que poderá parecer irónico e injusto, por se tratar de uma situação precária. A entrevistada 4 foi contratada a prazo como administrativa pela própria instituição que lhe concedeu o grau de licenciada, e tratando-se de um contrato num organismo público, terá de pedir aprovação para poder ministrar formação (aos sábados) como licenciada, na sua área, para a qual a própria instituição a formou.

Apenas dois casos afirmaram se culpabilizar pela situação, porém a literatura não nos relevava este impacto negativo em trabalhadores precários, aparecendo apenas em estudos sobre desem prego (Glyptis, 1989; Kaufman, 1982: 124). A c4 culpabiliza-se porque nem sempre fez as escolhas mais acertadas, enquanto que o c2 culpabiliza-se por se ter acomodado à situação precária.

A categoria “Sensação de trabalho inacabado”, não referida na literatura, surge em dois casos, mas não é caso para descurá-la, uma vez que representa até impactos para a sociedade em geral. Um dos casos (c5) alternou estágios profissionais com trabalho não-enquadrado numa autarquia em projectos ambientais e a outra (c6) em projectos de intervenção social. Estas temáticas de elevada importância social, uma vez que se relacionam com intervenções sociais junto de populações carenciadas ou projectos ambientais, poderiam ter um maior grau de sucesso se mantivessem os mesmos profissionais a realizar as suas intervenções ao longo do tempo.

No que respeita aos impactos positivos, encontramos mais do que o que seria de esperar atendendo à revisão teórica, o que ser explicado pela maior capacidade de reflexão dos licenciados ou comprovar que realmente são quase inexistentes os estudos neste campo específico.

A categoria mais abordada, e que todos os casos verbalizaram, é a “Aprendizagem individual e organizacional” o que corrobora a opinião de Miner e Robinson (1994). Alguns impactos positivos percepcionados pelos entrevistados que são reveladoras (por ordem de frequência): (a) a “Satis fação no trabalho” (esta satisfação respeita ao trabalho que se desenvolve e não ao tipo de vínculo que possui), que já havia sido referida na literatura (Gonçalves e Coimbra (2002), (b) o “Reconhe cimento e experiência profissional” (c) a “obtenção de rendimentos”, (d) “Sentimentos de esperança e optimismo” e (e) a “Possibilidade de arranjar oportunidades”, por exemplo, através do alargamento da rede de contactos.

Kovács (2004: 51) referia que a precariedade poderia permitir escalar para “um emprego estável com perspectiva de carreira”, o que explica algumas destas categorias, pois os licenciados podem entender, e com algum fundo de verdade, que, para escalar para um emprego estável é necessário alargar a rede de contactos e obter experiência profissional. Porém, isto pode demonstrar uma outra predisposição – quiçá mais típica em licenciados: Estar disposto a submeter-se a situações precárias para trabalhar em algo que gostam.

Por último, 5 dos 6 casos mostram-se optimistas e esperançados com a situação (e note-se que na não-actividade laboral apenas um entrevistada demonstrava sentimentos de esperança). Não sabemos se esta esperança se mantém em licenciados no não-emprego (ou até no desemprego) há mais anos, pois os nossos casos, ao momento da entrevista, haviam obtido a sua licenciatura nos últimos 9 anos. Logo, o tempo de não-emprego poderá também influenciar a existência deste optimismo e esperança e, por isso, salientamos mais uma vez a necessidade de mais estudos no âmbito da psicologia positiva.

Um novo impacto positivo surge em 3 casos: “Benefícios sociais do contrato a prazo”. Apesar de precário, o contrato a prazo permite pagar menos impostos e possuir uma breve garantia de tempo de trabalho. A palavra “Ocupar” já havia surgido na nossa revisão teórica (Gonçalves & Coimbra, 2002), associada à “dimensão emocional positiva do trabalho”, e “Ter uma ocupação” é para 4 dos 6 casos um impacto positivo.

A “Ausência de vínculo”, referida por dois casos, é uma categoria complexa, pois é vista também como um impacto negativo. Aqui, é vista como um impacto positivo, pois quando o entrevistado arranjar melhor situação laboral não têm de dar pré-aviso à empresa (mesmo assim a c4 esperou que a entidade patronal encontrasse uma nova colaboradora e ainda treinou a nova “falsa independente” que foi ocupar a sua função).

Em último lugar surge a categoria “Menor contacto com a hierarquia” apenas da parte da c3. A c3, “falsa independente”, possui um ambiente de trabalho que considera desagradável e, por isso, o facto de não estar sempre na empresa é visto como uma oportunidade de não contactar tanto com a hierarquia, que, importa relembrar, segundo o código do trabalho nem sequer existe para os trabalhadores independentes...

Em jeito de conclusão, temos de reforçar que se trata de observar a realidade de uma forma qualitativa e atenta aos pormenores e, por isso, não nos devemos centrar nos resultados quantitativos. De facto, a partir do momento em que um caso sente esse impacto, ele merece a nossa reflexão. No entanto, é importante reflectir que nos casos de não-actividade laboral encontrámos 6 impactos negativos e 3 impactos positivos, enquanto que nas situações laborais precárias obtivemos 16 impactos negativos e 10 impactos positivos: Os impactos negativos são aproximadamente o dobro dos positivos em ambas as situações. Muitos impactos negativos são semelhantes aos do desemprego e alguns impactos positivos das situações laborais precárias poderão ser semelhantes aos verbalizados por colaboradores satisfeitos com o seu emprego. Não devemos, no entanto, cair na tentação de pensar que, dado isto, as situações laborais precárias são uma alternativa ao emprego, porque não são, são sim, alternativas ao trabalho, que deveriam ser provisórias e, principalmente, voluntárias.

Impactos do “inemprego” ou não-emprego: Uma síntese

Discutidos os resultados das duas situações, importa compreender o não-emprego no seu conjunto. A contribuição das três teorias que abordamos sobre os efeitos psicológicos do desem prego (como foi visto anteriormente, a teoria de Fryer, a teoria de Jahoda e a teoria de Seligman) foi valiosa para esta primeira tentativa de compreensão do “inemprego”, no entanto, pensamos que é necessária uma teoria aplicada e integradora para o “inemprego”, em especial, em licenciados.

A inibição da agência pessoal é bastante óbvia no “inemprego” e a teoria da privação de Jahoda parece enquadrar-se muito facilmente, uma vez que estão presentes a perda de benefícios manifestos do emprego apesar de, no caso das situações laborais precárias, estarem satisfeitos alguns dos benefícios latentes. Não parece que (para já) sofram de desânimo aprendido, uma vez que demonstram grande proactividade nas suas estratégias de coping. Porém, os licenciados podem ocultar esse desânimo aprendido, pois como vimos o desemprego em pessoas com maior qualifi cação, é percepcionado como algo que deve ser escondido pois é visto com mais estigmatizante do que noutras classes (McFadyen, 1995).

O desemprego, e pensamos que também o não-emprego, em idade jovem atrasa o desenvol vimento psicossocial saudável, pois impede o desenvolvimento da identidade ocupacional (Gurney, 1980). Nos nossos casos pouco podemos opinar, todavia, podemos reflectir que poderão não a ter tão bem definida como outros colaboradores com um emprego, dadas as constantes mudanças de trabalho. Poderíamos ir mais longe, afirmando que os licenciados poderão não resolver a crise “Generatividade vs. Estagnação” (Rabello & Passos, 2002), já que, nos nossos casos, estes licenciados não só não obtêm um emprego como têm dificuldade em se realizarem noutros âmbitos (casar, comprar casa, ter filhos).

Por último, havíamos reflectido acerca de um possível retardamento de uma série de projectos pessoais como, por exemplo, constituir família (Ferreira et al., 2006) e sabemos que “os jovens portugueses saem mais tarde de casa dos pais, adiam o casamento e os filhos e sujeitam-se a empregos precários” (Agência Lusa, 2006: 1). Pensámos que os nossos resultados vêm ao encontro destes dados, uma vez que apenas 2 dos nossos 5 entrevistados são casados, apenas um teve um filho recentemente e 2 ainda vivem em casa dos pais. É óbvio que este adiamento trará implicações sociais graves como a descida da natalidade e o aumento do índice de envelhecimento, cujos números são já preocupantes: “112 idosos por cada 100 jovens” (Instituto Nacional de Estatística, 2008: 1).

Coping com o “inemprego” ou não-emprego

Confirmámos que as pessoas tendem a usar mais do que uma estratégia de coping (Folkman & Lazarus, 1985), no nosso caso até, todos os casos recorrem a pelo menos 8 das 10 estratégias de coping. A mais utilizada é a focalização activa, ou seja centrada no problema e na procura activa de emprego que é que traz maior probabilidade de emprego (Leana & Feldman, 1990), logo parece-nos que os casos estão no bom caminho. Por outro lado, podemos reflectir criticamente, pois as pessoas com uma personalidade activa e trabalhadora são tão activas no emprego como no desemprego (Fryer & Payne, 1986). De seguida surge a focalização cognitiva (analisar a situação) e só depois a focalização emocional. Esta pode ser um elemento preocupante pois este tipo de coping é encontrado principalmente em grupos que percepcionam a situação como incontrolável (McFadyen, 1995). A conversão comportamental, é também muito utilizada, o que significa que os licenciados estão a mudar os seus comportamentos face ao problema, o que pode ser visto como positivo e adaptativo mas representa, em muitos casos, a omissão da licenciatura do seu Curriculum Vitae, passar a aceitar outros trabalhos (subemprego), concorrer para o estrangeiro, etc. As categorias de controlo, aceitação e conversão pelos valores têm menor adesão, e muitas verbalizações desta última coincidem com tentativas dos entrevistados em se manterem optimistas perante o não-emprego.

O pressuposto de McFadyen (1995) que o coping pela fuga ou evitamento é mais comum em pessoas de classe média e com qualificações não é observado, aliás são as estratégias menos utilizadas. Concluímos que os licenciados no “inemprego” ou não-emprego do nosso estudo estão a adoptar maioritariamente estratégias de “coping percepcionadas como positivas” (Pronost & Tap, 1996, cit. in Tap, Costa, & Alves, 2005: 51) e estratégias que poderão conduzir mais facilmente ao reemprego (Leana & Feldman, 1990), ao invés de adoptar estratégias negativas. Por outro lado, os casos podem estar a responder consoante a desejabilidade social e pelo estigma associado à rotulação de desempregado (McFadyen, 1995). Outra reflexão que poderíamos fazer é se pessoas com elevada qualificação, com pouco tempo de não-emprego ou com idades abaixo dos 33 anos, não terão mais tendência a utilizar estratégias de coping positivo, ao invés de negativo.

REFLEXÕES FINAIS

Limitações e pistas para investigações futuras

Reflectimos que poderíamos ter incluído no guião de entrevista, questões como, por exemplo:

(1) Se pudesse construir a sua carreira ideal, como seria? e (2) Quais são para si a vantagens e desvantagens de ter emprego? E trabalho? Estas questões permitir-nos-ia perceber exactamente o que cada entrevistado deseja do seu trabalho, da sua carreira e do seu emprego. Aproveitando para deixar uma pista para uma possível investigação futura, num estudo mais alargado, poder-se-ia inclusive fazer a comparação entre os impactos negativos e positivos de possuir emprego com os de nunca ter tido emprego (não-emprego) com os de perder um emprego (desemprego). Aliás, é fulcral que não só a investigação científica aborde estes campos em separado, como também os organismos oficiais ligados à promoção de emprego distingam as suas intervenções.

Em segundo lugar, o gravador pode ter sido inibidor mas é incontornável. Sugerimos que investigações futuras investiguem este tema utilizando uma abordagem mista, qualitativa e quantitativa, utilizando por exemplo, a entrevista focada na vivência do “inemprego” e, como complemento, a administração de escalas específicas (ex., escala de auto-estima, auto eficácia, optimismo, etc.).

Numa perspectiva ecológica (Bronfrenbrenner, 1979) e se a oportunidade se proporcionasse, seria interessante entrevistar uma ou mais pessoas próximas do entrevistado (por ex., o cônjuge, um amigo, etc.). Por outro lado, devido à sua complexidade, esta temática deveria ser abordada numa perspectiva multidisciplinar, recorrendo, por exemplo, a entrevistas com gestores e empregadores acerca da precariedade, a avaliações da saúde mental do indivíduo em “inemprego” e follow-up (estudo longitudinal), a comparação das avaliações de desempenho de colaboradores permanentes e não-permanentes, a avaliações do funcionamento familiar, a inquéritos sobre as representações sociais acerca de empregados, “inempregados” e desempregados, etc.

Sugestões de Iniciativas para promoção de emprego

Gostaríamos de aqui deixar algumas sugestões de iniciativas para promoção de emprego em Portugal; (a) Uma maior fiscalização das organizações, públicas e privadas, é urgente; (b) Maior incentivo à contratação sem termo e à contratação de quadros superiores licenciados; (c) Repensar a medida dos estágios profissionais para licenciados (e outras qualificações), impondo limites; (d) É urgente repensar a excessiva carga de impostos em trabalhadores precários ou implementar apoio social no desemprego para estes trabalhadores, como ocorreu em Espanha (Branco, 2007); (e) Incentivar os “falsos independentes” a recorrer a vias judiciais para provar que na realidade o que possuem é um contrato de trabalho sem termo não oficializado; (f) Mais medidas positivas, ao invés de remediadoras, devem ser tomadas. Por exemplo, incentivo à fixação dos licenciados no interior de Portugal, incentivos à natalidade, isenção de impostos na contratação de licenciados com filhos menores ou idosos a cargo; (g) Uma medida integradora e positiva, seria criar um “Centro de Inserção Profissional para Licenciados”, semelhante ao IEFP, mas ligado ao Ministério da Ciência e do Ensino Superior, já que este é que cria licenciados e cursos, deve também ser responsabilizado e apoiar na inserção dos mesmos; (h) Maior aposta no empreendedorismo, com medidas fiscais e de sensibilização desde tenra idade, por exemplo, aumentando os escassos Serviços de Psicologia e Orientação de escolas básicas e secundárias.

Comentários finais

Integrar a palavra “inemprego” no dicionário de língua portuguesa é realmente urgente, pois não faz sentido continuar a denominar “desemprego” as várias situações que partilham algumas pare cenças. O “inemprego”, demonstrou ter muitos mais caminhos para trilhar. Em todo o mundo “o nível de produtividade está a crescer enquanto decrescem os índices de emprego” (Woleck, 2002: 12), logo, compreende-se que perante isto rapidamente as organizações concluam que é mais rentável ter trabalhadores precários do que “empregados”.

Enquanto Azevedo (1999) considerou que iríamos ingressar em constantes voos de borboleta, uma entrevistada afirmou que “tinha de ser como a formiga”, amealhando e poupando enquanto tem trabalho porque logo ficarão sem trabalho e sem dinheiro. Os licenciados “inempregáveis”, apesar de não terem emprego não estão “desprofissionalizados”, pois possuem uma “identidade de trabalho” (McFadyen, 1995: 2) bem definida, o que os leva a se inserirem na categoria profis sional ao invés de se inserirem na categoria “desempregados” ou “inempregados”. Se o estatuto socio profissional confere ao sujeito o sentido da sua dignidade e da realização da sua cidadania” (Schnapper, 1998, cit. in Gonçalves & Coimbra, 2002), os “inempregados” mantêm o estatuto profissional, mas não o estatuto “sócio”-profissional. Os não-empregados “estão humilhados constituindo-se numa nova forma de exclusão social” (Schnapper, 1998, cit. in Gonçalves & Coimbra, 2002: 4). Esta exclusão social segundo Castel (1998, cit. in Brandão, 2002: 143), faz surgir a “desfiliação”, ou seja, a “condição caracterizada pela ausência de inscrição do sujeito em estruturas portadoras de sentido”. O desfiliado “não é um excluído, pois não está fora da sociedade, mas está distante do centro de coesão desta” (ibidem). Ademais se através do emprego que os jovens desenvolvem a sua identidade social (Eggleston, 1983, cit. in McFadyen, 1995), ficamos sem saber que identidade social estaremos a promover.

É urgente ponderar a situação sob todos os pontos de vista: Se estamos licenciar “inempregáveis” (a maioria em ciências sociais e humanas), das três, uma: (a) ou não incentivamos à obtenção da licenciatura, reduzindo as vagas no ensino superior ou (b) criamos empregos para todos, como diz Woleck (2002: 13) “se cada sociedade não criar estratégias e políticas adequadas ao trabalhador, corre-se o risco de retornar formas primitivas de exploração do trabalho e de aprofundamento do caos social” ou (c) criamos reais alternativas ao emprego, que não sejam precariedade. Destas duas últimas alternativas, a última parece a mais credível.

Mas o que mais limita a nossa compreensão dos impactos do “inemprego” é a ausência de um modelo integrador social e laboral. Winefield (2002) previa que, no futuro, as áreas de investigação do stress ocupacional e do desemprego unir-se-iam, e nós prevemos que, em breve, teremos de unir, mas estudar em separado, o “stress no emprego” com “stress no desemprego” e “stress no não-emprego”.

Neste panorama complexo e incerto, e sem dúvida numa fase de transição, resta-nos reafirmar a necessidade de aprofundar esta temática. As organizações parecem já estar prontas para estas mudanças, porém as pessoas ainda não estão preparadas para abandonar a ideia de pleno emprego e a mudança dos tempos parece não mudar tão facilmente as vontades.

 

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Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Patrícia Araújo, Universidade Jean Piaget, Benguela, Angola. E-mail: pattaraujo@gmail.com

 

NOTAS

1O GPEARI – Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais pertence ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e levou a cabo este estudo tendo em conta apenas as inscrições formalizadas por licenciados em Centros de Emprego, pertencentes ao IEFP.

2Incluímos serviços de apoio à comunidade de instituições públicas como Segurança Social, UNIVA’s, IEFP, redes sociais específicas de licenciados (Sites de emprego, associações profissionais, etc.), pois considerámo-los suportes bastante específicos, funcionando como centros de partilha de estratégias e reflexões.

 

 

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