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Análise Psicológica

Print version ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.29 no.1 Lisboa Jan. 2011

 

A avaliação das práticas como contributo para a promoção da qualidade dos programas de intervenção precoce1

Júlia Serpa Pimentel*; Nélia Rodrigues Correia**; Susana Marcelino***

*Psicóloga, Professora Auxiliar no ISPA – Instituto Universitário;

**Psicóloga, Unidade de Desenvolvimento do Hospital de Santa Maria – CHLN, EPE;

***Psicóloga, Escola Secundária de Santa Maria

Correspondência

 

RESUMO

As práticas actuais em Intervenção Precoce na Infância (IPI) recomendam uma intervenção centrada na família e nos contextos naturais de aprendizagem e rotinas de vida. Neste artigo apresentamos dois estudos de caso cujos programas foram avaliados por observação, entrevistas e análise documental. No primeiro caso, com apoio domiciliário, a educadora especializada actuou de acordo com as práticas recomendadas, enfatizando a resposta às necessidades expressas pela mãe e capacitando-a para a promoção do desenvolvimento do bebé. No final do programa, a mãe mostrava-se mais confiante e autónoma na procura de respostas para a sua família. No segundo caso, com apoio no jardim-de-infância, avaliado em dois anos lectivos, nenhuma das educadoras implementou uma intervenção centrada na família. No primeiro ano a intervenção implementada foi dirigida à criança fora do seu contexto natural de aprendizagem. No segundo ano o apoio foi parcialmente prestado em contexto da sala de JI, podendo ter contribuído para uma maior participação da criança em situações de interacção com a educadora e os seus pares. Embora as percepções dos profissionais sobre as práticas implementadas refiram a partilha destes princípios, estes dois casos de observação de práticas mostram que os profissionais têm, ainda, dificuldades em implementar uma intervenção centrada na família e nos contextos naturais de aprendizagem.

Palavras-chave: Contextos de intervenção precoce, Estudos de caso, Observação de práticas.

 

ABSTRACT

Recommended practices in Early Intervention are family-centered and based on the learning opportunities that occur within natural settings and family routines. In this paper we present two case-studies with data collected from observation, interviews and documental analysis. In the first, home-based, the early intervention professional implemented family-centered and routine-based practices. As a result, mother considered that she could have a better interaction with her child and that family life was improved. In the second, centered-based, services were child-focused and the family was not involved. During the first year all services were provided outside the natural learning environment. During the second year, the integrated support may have contributed to a greater involvement of the child in interactive situations both with peers and classroom teacher. Data on professionals’ perceptions show that they agree with family-centered early intervention philosophy but these case-studies, with data from observation, show that family centered and routine based practices are still an issue in early intervention.

Key-words: Case studies, Contexts in early intervention, Observation.

 

INTRODUÇÃO

De acordo com os modelos Bioecológico (Bronffenbrenner & Morris, 1998) e Transaccional (Sameroff & Fiese, 2000), que fundamentam as actuais práticas de Intervenção Precoce na Infância (IPI), as variáveis contextuais e as interacções entre os adultos e as crianças assumem particular importância no seu desenvolvimento, pelo que qualquer intervenção que tenha como objectivo a sua promoção deverá ter em conta essas variáveis e interacções. Shonkoff (2010) apresenta-nos um modelo biodesenvolvimental que, segundo o autor, permite uma nova e integrada abordagem na compreensão das diferenças nos domínios do desenvolvimento, aprendizagem, comportamento e saúde e que tem implicações relevantes para a intervenção precoce. Refere, especificamente, que é urgente incorporar as evidências da investigação no campo das neurociências no delineamento de programas de intervenção para que estes se tornem, efectivamente, responsivos às diferenças quer biológicas quer contextuais das crianças e famílias.

Os princípios conceptuais do Modelo Centrado na Família estão amplamente documentados nos trabalhos de Dunst (2005). Para este autor, o apoio com vista à capacitação e fortalecimento dos pais deverá constituir-se como o principal objectivo da intervenção precoce, sendo também realçado o papel que as experiências e oportunidades de aprendizagem informais, ocorrendo nos contextos naturais, têm no desenvolvimento da criança e na capacitação da família.

Parece actualmente evidente que foi acumulado um conhecimento científico sobre a incapa cidade e suas repercussões na família que é urgente reflectir nas práticas de intervenção precoce. Decorrentes do modelo desenvolvimental de sistemas para a Intervenção Precoce proposto por Guralnick (2005), Guralnick e Colon (2007) enunciam dez princípios que devem estar presentes nos programas de qualidade: (1) abordagem desenvolvimental e centrada nas famílias; (2) integração e coordenação em todos os níveis do sistema; (3) inclusão e participação das crianças e famílias; (4) identificação e sinalização precoces; (5) monitorização dos resultados; (6) indivi dua lização em todas as etapas; (7) avaliação sistemática; (8) parceria famílias/profissionais; (9) recomendações e práticas baseadas na evidência e (10) manutenção de uma perspectiva sistémica.

A prestação de serviços em contextos naturais e integrados nas rotinas da vida diária da criança e da família é, actualmente, considerada a prática que melhor assegura que as crianças tenham a máxima intervenção: esta ocorrerá ao longo de todo o dia em todos os contextos e actividades da criança e da família (Dunst, Bruder, Trivette, Raab, & McLean, 2001). Para que seja efectivamente implementada, envolve obrigatoriamente os elementos da família e dos contextos em que a criança participa.

De acordo com Turnbull et al. (2007), a investigação relacionada com os objectivos de intervenção precoce centrada na família, tem-se focado, sobretudo, em estudar como (how) devem os profissionais e famílias interagir (processo de prestação de serviços) e não tem havido investigação suficiente para conhecer o que (what) é oferecido à família em termos de apoio e quais os benefícios que daí advêm. Assim, e considerando que: (1) a legislação sobre IP assume que a participação da família lhe traz benefícios; (2) os benefícios para a criança e para a família estão intimamente interligados; (3) ajudar as famílias tem implicações directas nos benefícios que as crianças obtêm; (4) a existência de uma criança com incapacidades tem implicações em toda a família, Bailey et al. (2006) consideram essencial que sejam objectivamente avaliados os benefícios que a família tem como resultado dos serviços recebidos.

Numa perspectiva de intervenção baseada nos contextos naturais de aprendizagem, mais importante do que o local onde a intervenção precoce ocorre é a forma como esta é implementada. Assim, Childress (2004) dá particular ênfase ao papel de consultor que o profissional de intervenção precoce deverá ter junto da família, nos programas domiciliários e junto dos educadores, nos programas em contexto educativo.

O contexto domiciliário parece ser, por excelência, o que permite uma intervenção mais individualizada e responsiva às necessidades da criança e da família. Rydley e O’Kelley (2008) e Keilty (2008) consideram crucial, para o sucesso da intervenção precoce que, no apoio domiciliário, se promova: o envolvimento e participação da criança nas rotinas; o envolvimento da família e a sua aprendizagem de estratégias específicas de intervenção; a competência da família na mobilização dos recursos necessários para a promoção do desenvolvimento da criança e sua participação plena na vida da comunidade.

Considerando a escassez de dados sobre o que se passa no decorrer das visitas domiciliárias (VD), McBride e Peterson (1997) realizaram um estudo em que foram observadas as VD de quinze profissionais de Intervenção Precoce a vinte e oito famílias/crianças, com o objectivo de analisar os parceiros e conteúdos de interacção e o papel do visitador domiciliário. Os dados da observação mostram que cerca de 50% das interacções se passam entre a criança e o profissional em actividades de ensino, num modelo claramente centrado na criança e oposto ao que se concluía pela análise de conteúdo das entrevistas dos profissionais que se auto-avaliavam como desempenhando um papel de modelos para a família. Conclusões em tudo semelhantes foram encontradas em estudos recentes (Campbell & Sawyer, 2007; Peterson, Luze, Eshbaugh, Jeon & Kantz, 2007) em que dados de observação permitiram verificar que as intervenções directas do profissional com a criança ocupavam a maior parte do tempo das visitas domiciliárias e que os profissionais raramente assumiam uma função de modelo para a família que, frequentemente, se mantinha numa atitude de observadora passiva. As conclusões do National Early Intervention Longitudinal Study (Bailey et al., 2006; Hebbeler et al., 2007) apontam no mesmo sentido: as famílias estão mais satisfeitas com os serviços centrados na criança do que com os apoios e serviços que têm para si próprias e cerca de um terço considera não ter informação suficiente para apoiar a aprendizagem ou lidar com os problemas de comportamento dos seus filhos. Dados do National Early Childhood Technical Assistance Center a partir da análise de Planos Individualizados de Apoio à Família, referidos por Turnbull et al. (2007), mostram também que, mesmo em contexto domiciliário, os serviços prestados são, frequentemente, focados nas crianças.

Analisando as interacções verbais entre profissionais e famílias, Brady, Peters, Gamel-McCormick e Venuto (2004) concluíram que comportamentos verbais mostrando que o profissional aceitava as ideias e sentimentos, questionava e encorajava a família estavam correlacionados com maior participação da família, e que comportamentos verbais em que o profissional dá informação, dirige ou critica a família não se correlacionam com o envolvimento desta. No entanto não foram encontrados dados que permitissem concluir quais os tipos de interacção que evidenciam uma intervenção centrada na família.

As creches e os jardins-de-infância são um outro contexto de atendimento em que estão frequentemente inseridas crianças com incapacidades até aos seis anos. No entanto, para que a inclusão seja bem sucedida, tem de ser assegurada a colaboração entre todos os profissionais, de tal forma que a intervenção seja baseada não só nas forças e competências da criança e família mas também na dos técnicos e na destes contextos. De acordo com Craig (1997), muitos profissionais de apoio mantêm uma intervenção directa com a criança e não usam uma abordagem de consultoria por medo de perder o seu poder ou por pensarem que os prestadores diários de cuidados não têm as competências necessárias. Também Gottwald e Pardy (1997) e McWilliam (1996) referem que, quando as crianças estão incluídas no jardim-de-infância, se torna crucial o trabalho de cooperação entre os vários profissionais sempre com o envolvimento da família.

Qualquer que seja o contexto da intervenção, é hoje uma evidência que as crianças aprendem ao longo do(s) dia(s), através das interacções repetidas e das oportunidades de aprendizagem que partilham com a sua família ou prestadores diários de cuidados (entre as intervenções) e não em momentos/apoios concentrados (durante as intervenções pontuais do técnico especializado). McWilliam (1996) refere um conjunto de investigações que comprovam que o apoio inserido no contexto é eficaz e promove um maior envolvimento e participação da criança com os seus pares. Assim, e sendo a família e os educadores quem mais influencia o desenvolvimento da criança, as intervenções mais eficazes serão, em contexto domiciliário, as que promovem a competência, auto-confiança e autonomia da família e a ajudam a proporcionar melhores oportunidades de apren di zagem nas rotinas familiares; em contexto educativo, as que, através de estratégias de consultoria ao educador da sala (apoio indirecto à criança), promovem a intervenção específica e especializada, sempre integrada nas rotinas da sala (McWilliam, 2010). De facto, segundo o mesmo autor, a criança com incapacidades precisa da máxima intervenção (a que ocorre durante todo o dia no seu contexto de vida e rotinas) mas não de muitos serviços e apoios (descontextualizados e pontuais).

Em Portugal, para além do número temático da revista Psicologia sobre Investigação e Intervenção Precoce, organizada por Joaquim Bairrão em 2003, foram publicados, na última década, diversos trabalhos de investigação nesta área (Almeida, 2009; Bairrão & Almeida, 2002; Pereiro, 2000; Pimentel, 2005; Serrano, 2007). Focam-se nas percepções de profissionais e de pais e não no que se passa, efectivamente, no decorrer dos programas. Assim, e embora não tenham sido publicados, merecem-nos referência alguns estudos de caso realizados com esse objectivo. No estudo realizado por Marques (2003) verificou-se que, apesar do profissional de apoio considerar que implementava uma intervenção centrada na família, no decorrer das 11 sessões observadas, 61% do tempo total de interacção foi com a criança, em actividades de ensino estruturadas. No seu trabalho, Cordeiro (2004), analisou o apoio a cinco crianças ao longo de doze sessões de apoio educativo, implementado em contexto pré-escolar, desenvolvido em modalidade de apoio integrado (na sala). Verificou que as educadoras de apoio tentam integrar os objectivos a atingir para cada criança nas actividades e rotinas do dia-a-dia do jardim-de-infância, adequando algumas estratégias mais estruturadas de treino e ensino de competências específicas. Verificou, também, que o tempo de apoio é repartido entre as actividades de grande grupo e actividades mais individualizadas, em apoio directo com a educadora de apoio. Constatou, ainda, que não era adequadamente promovida a participação e interacção da criança com os seus pares e que havia pouco envolvimento da família.

A componente de observação de práticas do estudo de Mendes (2010) incidiu sobre um vasto conjunto de programas de Intervenção Precoce de todo o distrito de Portalegre. Dá-nos uma visão do que ocorreu em 92 sessões observadas referentes a 62 casos, em vários contextos de intervenção implementada por profissionais de diferentes áreas de especialização com crianças/famílias em diferentes situações de risco. No entanto, pelas opções da autora no que se refere à recolha de dados, não permite que se aprofunde o que se passa efectivamente nas sessões observadas.

Os estudos de caso que são apresentados neste trabalho representam, assim, uma pequena contribuição para avaliar o que ocorre, na realidade, em dois contextos diferentes de Intervenção Precoce. Formulámos a seguinte questão de investigação: Será que o trabalho de intervenção precoce, em contextos diferentes, se rege pelos mesmos princípios de intervenção centrada na família, nos contextos naturais de aprendizagem e na cooperação pais-profissionais e entre profissionais?

Os objectivos de ambos os estudos são semelhantes: avaliar (1) se as práticas implementadas pelas educadoras de apoio são centradas na família; (2) se o Plano Individualizado de Apoio à Família (PIAF), o Plano Educativo Individualizado (PEI) ou Plano Individual de Intervenção Precoce (PIIP) têm em conta a avaliação realizada e as necessidades da criança/família; (3) se existe uma efectiva cooperação entre os profissionais e a família e (4) se o programa corresponde às recomendações internacionais no que se refere à Intervenção Precoce.

O primeiro estudo irá analisar e descrever o acompanhamento que é feito num programa domiciliário de intervenção precoce, a uma criança com atraso global de desenvolvimento e sua família.

O segundo estudo irá analisar e descrever o acompanhamento que é feito num programa de intervenção precoce em contexto de jardim-de-infância com uma criança com síndroma de Down.

MÉTODO

Em consonância com os nossos objectivos, optámos, em ambos os estudos, por uma abordagem qualitativa de estudo de caso, por ser aquela que permite uma exploração aprofundada quer do “objecto de estudo” quer das condições contextuais que são relevantes para a sua compreensão, particularmente no caso da intervenção precoce (Sandall, Smith, McLean, & Ramsey, 2002).

Apesar de ser habitual fazer uma clara distinção entre métodos quantitativos e qualitativos, concordamos com Stake (2009) quando refere que, apesar de uma ênfase diferente, ambos os métodos são uma mistura de abordagens. Nas investigações qualitativas, o contexto natural é a fonte directa dos dados e toda a investigação se baseia na compreensão do fenómeno, a partir dos pontos de vista daqueles que nele actuam. Utilizam-se métodos de observação naturalista, próxima dos sujeitos e dos dados, assumindo-se que quer os processos quer os produtos finais são igualmente importantes. Na maioria das investigações qualitativas, não existe uma hipótese inicial e os investigadores usam métodos indutivos para chegarem a conclusões.

O rigor científico de um estudo qualitativo estará garantido sempre que satisfaça critérios de: credibilidade (assegurando a conformidade dos dados com a realidade estudada), confirmação (assegurado por corroborações directas e regulares do que o investigador escuta, vê ou experimenta), confiabilidade (assegurando a estabilidade dos dados). Embora o objectivo da investigação qualitativa não seja produzir generalizações, mas sim compreender, em profundidade, fenómenos particulares, deverá ainda ser assegurada a possibilidade de transferência a outro contexto (Lincoln & Guba 1985, cit. Baxter & Jack, 2008).

Stake (2009) considera que, nas investigações de estudo de caso, existem sempre múltiplas perspectivas de abordagem, nem sempre sendo possível determinar qual a mais correcta. Assim, caberá ao investigador seleccionar as que poderão ser mais relevantes para o caso específico em estudo (e.g., análise documental, análise de vídeos, entrevistas, observação directa ou participante, etc.). A fim de assegurar o rigor das suas conclusões, e numa perspectiva de triangulação, deve o investigador procurar recolher dados a partir de diferentes fontes, recorrer à sua análise por diferentes observadores ou usar diferentes métodos para analisar o mesmo fenómeno. Num estudo de caso, tão relevante como a fonte e confirmação dos dados é a interpretação do seu significado. É nesse sentido que Stake (2009) fala de “conhecimento construído” e não de “conhecimento descoberto”.

Os dois estudos que iremos apresentar foram realizados numa perspectiva exploratória e descritiva (Baxter & Jack, 2008). Em ambos os casos os dados foram recolhidos através de observação, entrevistas semi-estruturadas a pais e profissionais e análise documental. Dado que as idades das crianças e os contextos de apoio eram diferentes, as grelhas de registo dos dados da observação e os documentos analisados são também diferentes, pelo que serão apresentados separadamente.

ESTUDO 1 – PROGRAMA DE INTERVENÇÃO PRECOCE EM CONTEXTO DOMICILIÁRIO

Participantes

Este programa de Intervenção Precoce (Correia, 2004), em contexto domiciliário, foi implementado por uma educadora de infância especializada, pertencente a uma equipa multidisciplinar de intervenção precoce de um centro de saúde do Distrito de Lisboa, que trabalhava em intervenção precoce há 16 anos. O bebé, de sexo masculino, nascido de termo e parto eutócico, em 1-11-02, fora sinalizado à equipa por um atraso em todas as áreas do desenvolvimento psicomotor, aos 12 meses, tendo iniciado o programa de intervenção precoce (PIP) um mês depois. A mãe de 22 anos, de nacionalidade brasileira, tinha o 10º ano de escolaridade, era empregada de balcão e esteve presente em todas as sessões.

Medidas e procedimentos

Observação

As sessões do programa de intervenção precoce avaliadas decorreram ao longo de 6 meses. A educadora deslocava-se semanalmente a casa dos pais e cada sessão durava entre 60 a 90 minutos. A investigadora manteve-se como observadora, participando apenas quando para tal era solicitada.

Antes de se iniciar o registo e cotação das observações, foi feito o registo escrito completo das duas primeiras sessões, o registo em vídeo nas duas sessões seguintes e ainda outro registo escrito na sessão posterior. A grelha de observação foi testada durante duas sessões e validada com o visionamento, por 2 investigadores independentes, de um dos vídeos filmados na intervenção, durante 20 minutos, utilizando a mesma técnica de observação e registo. Os acordos interobservadores, calculados para todos os comportamentos cotados, foram de 76%. Utilizou-se um método de registo por intervalos de tempo: 30 segundos de observação, seguido de um período de registo dos comportamentos ocorrido nesse período (não contabilizado), voltando depois a observar-se durante 30 segundos, e assim sucessivamente até ao final da sessão.

Os dados obtidos, referentes a 11 sessões de observação, foram sintetizados numa grelha de observação dividida em quatro categorias e diferentes subcategorias que abrangem todos os comportamentos observados.

A grelha de observação foi utilizada semanalmente para registo das frequências de comporta mentos em cada sessão. Dos comportamentos registados na grelha de observação foi realizada uma análise quantitativa de frequências.

 

 

Entrevistas

Foram realizadas 4 entrevistas semi-estruturadas, duas à mãe e duas à educadora, no início e no fim do programa. A entrevista inicial à mãe tinha como objectivo analisar o conhecimento e expectativas relativamente ao programa de intervenção precoce e a forma como se adequava à sua vida familiar; a entrevista final pretendia analisar os resultados que a mãe sentia ter obtido com o programa e a sua satisfação global. As entrevistas realizadas à educadora seguiram um guião paralelo ao das entrevistas da mãe: a inicial tinha como objectivo compreender os objectivos e implementação daquele programa específico e a final analisar a implementação do programa e os resultados que a educadora considerava terem sido alcançados.

As entrevistas foram gravadas em áudio e ulteriormente transcritas. Após essa transcrição foram analisadas qualitativamente, tendo sido construídas categorias e sub-categorias, com base em incidentes idênticos. Paralelamente, foram escritos memorandos para explicar e exemplificar a ideia referida na categoria criada.

Análise documental

O Plano Individualizado de Apoio à Família (PIAF) foi elaborado em conjunto pela educadora e a mãe no decorrer das sessões. Depois de completo e analisado pelos pais e pela educadora, o PIAF foi também objecto de uma análise qualitativa.

Resultados

Dados da observação

Em 57% do tempo no total das 11 sessões, a educadora e a mãe interagiram verbalmente, falando sobre diversos assuntos. Ao longo das 11 sessões foram sendo abordadas, cada vez mais frequentemente, preocupações da mãe relacionadas com a família alargada, o atendimento da criança na ama, o regresso ao Brasil, o trabalho e/ou opções de actividades de organização diária, trabalho do marido e interacção entre o casal, tópicos que preencheram um total de 82% do tempo das sessões, relacionando-se directamente com a situação da criança apenas em 18% desse tempo. Quando a iniciativa verbal partiu da mãe, os assuntos mais frequentemente abordados foram as informações (78%) relativamente a consultas, características da criança e novas aquisições, sendo as informações sobre actividades recomendadas pela educadora e sobre o desenvolvimento da criança dadas com menor frequência. A mãe também “pede opiniões/ajuda/informações” à educadora em menor percentagem (22%). Quando a iniciativa de interacção verbal partiu da educadora houve, em maior percentagem de tempo, prestação de informações à mãe (54%), sendo o comportamento “dá sugestões” e “pede informações” muito similar (20% e 21%). A educadora também “pede colaboração e opinião da mãe”, mas em muito menor frequência (4% e 2%, respectivamente).

A interacção foi, ao longo dos meses, essencialmente entre a mãe e a educadora. Durante as 11 sessões, a mãe e a educadora interagiram em 92% do tempo, tendo a interacção entre a educadora e a criança ou entre a mãe e a criança ocorrido apenas em 8% do tempo das sessões. Analisando apenas o tempo em que houve interacção directa com a criança, esta foi protagonizada essencialmente pela educadora (56% deste tempo). A mãe e a educadora interagiram, ambas, com a criança em 34% deste tempo e apenas em 10% do tempo de interacção directa com a criança esta interacção foi protagonizada pela mãe. No tempo em que houve interacção directa com a criança, os comportamentos mais frequentemente observados foram situações de ensino e brincadeira livre.

No início e no final do PIP, observámos, também, a avaliação do desenvolvimento da criança, feita pela educadora, com a escala de avaliação das competências no desenvolvimento infantil, “Schedule of Growing Skills”, o que nos permitiu comprovar a evolução do seu desenvolvimento nas várias áreas.

Dados das entrevistas

A análise e comparação dos dados das entrevistas realizadas à mãe permitiu verificar que, entre a primeira e a segunda entrevista, houve alterações no discurso da mãe, sendo possível perceber a sua evolução, adaptação e satisfação com o programa de intervenção precoce. Assim, e para melhor se entender esta evolução, no Quadro 2 salientam-se os principais temas das duas entrevistas com algumas frases da mãe que ilustram as suas ideias.

 

 

A análise da primeira e segunda entrevista realizada à educadora permitiu-nos perceber e descrever o funcionamento e a evolução deste programa de intervenção precoce. No Quadro 3, salientam-se os principais temas das duas entrevistas, também ilustradas por frases da educadora.

 

 

Dados da análise documental

Análise do Plano Individualizado de Apoio à Família

O PIAF foi elaborado pela educadora com a participação activa da mãe e contempla as necessidades de desenvolvimento da criança e as necessidades da família. Em relação à criança, menciona os objectivos já atingidos e a atingir, nomeadamente, aspectos do desenvolvimento motor (pois este era um aspecto muito importante para esta mãe) e da relação mãe-bebé. Em relação à família, mais precisamente à mãe, o PIAF refere as necessidades mais importantes no momento da elaboração do plano. A educadora disponibilizou-se para apoiar a mãe em vários aspectos da sua vida, nomeadamente os seus direitos no emprego (justificação de faltas) e legalização em Portugal e consequente acesso a subsídios da Segurança Social. Com base nestas informações, os pais poderiam decidir qual a melhor solução para a família: ficar mais tempo em Portugal ou regressar ao Brasil.

ESTUDO 2 – PROGRAMA DE INTERVENÇÃO PRECOCE EM CONTEXTO DE JARDIM-DE-INFÂNCIA

Este estudo (Marcelino, 2008) apresenta dados recolhidos no decorrer de dois anos lectivos, 2006/2007 e 2007/2008, já que, a pedido da investigadora, e por razões relacionadas com o trabalho académico que estava a realizar, o apoio especializado foi prestado de forma diferenciada (fora e dentro do contexto da sala de JI, respectivamente).

Participantes

A criança em Intervenção Precoce nasceu em Dezembro de 2001 e tinha trissomia 21. Vivia com a mãe e o companheiro desta. À data da primeira recolha de dados, a mãe tinha 36 anos, e o seu companheiro 39 anos. A mãe era empregada de limpeza e o companheiro estava desempregado.

No Quadro 4 podemos ver a caracterização dos profissionais envolvidos nos dois anos em que decorreu o estudo bem como o contexto de atendimento e apoio.

 

 

Medidas e procedimentos

Observação

No ano lectivo 2006/2007 foram observadas 17 sessões (10 nas sessões de apoio, 3 na terapia da fala e 4 no jardim-de-infância sem a educadora de apoio) e no ano lectivo 2007/2008 14 sessões (6 em contexto de JI com a educadora de apoio presente, 8 em contexto de JI sem a educadora de apoio). Utilizou-se um método de registo por intervalos de tempo: 30 segundos de observação, seguido de um período de registo dos comportamentos ocorrido nesse período (não contabilizado), voltando depois a observar-se durante 30 segundos, e assim sucessivamente até ao final da sessão. Num primeiro momento foi feita a selecção, codificação e classificação dos dados, que foram posteriormente agrupados por categorias e subcategorias de análise, o que permitiu uma interpretação quantitativa, com base na frequência dos indicadores.

Antes de se iniciar a cotação das observações, foram sempre observadas três sessões nos contextos onde decorreria a observação (jardim-de-infância, com e sem a presença da educadora de apoio, apoio especializado e terapia da fala) a fim de ser construída uma grelha de registo contemplando aspectos como: (1) a participação da criança nas actividades da sala e no contexto do apoio individual; (2) as estratégias de mediação usadas pelas profissionais envolvidas; (3) a relação entre os objectivos do Plano Educativo Individual (PEI) ou Plano Individualizado de Intervenção Precoce (PIIP) e o trabalho desenvolvido e (4) a relação entre os vários técnicos intervenientes e entre estes e a família. Posteriormente, procedeu-se a uma descrição qualitativa das várias ocorrências e ao registo quantitativo das frequências.

Entrevistas

Estas entrevistas foram realizadas em momentos diferentes, a fim de analisar a opinião dos participantes relativamente a todo o processo de avaliação, planificação e intervenção: duas entrevistas à família (Fevereiro de 2006 e Junho de 2007); duas entrevistas à primeira educadora de apoio (Fevereiro de 2006 e Julho de 2006); uma entrevista à terapeuta da fala e uma à educadora do ensino regular (Março de 2006); uma entrevista à nova educadora de apoio (Fevereiro de 2007).

Análise documental

Foram analisados o PEI referente a 2006/07, elaborado em Julho de 2007, e o PIIP referente a 2007/08, elaborado em Janeiro de 2008. O objectivo desta análise foi verificar a qualidade da formulação dos objectivos, nomeadamente no que diz respeito à sua relação com os dados da avaliação inicial e com a avaliação efectivamente implementada. A análise documental foi realizada ao longo dos dois anos lectivos.

Resultados

Dados da observação

No ano lectivo 2006/2007, as observações realizadas mostram que as práticas de apoio especializado e de terapia da fala se basearam exclusivamente em estratégias desenvolvimentais/ /instrucionais e foram muito semelhantes. Com estas duas técnicas observámos a implementação de actividades estruturadas e a utilização de estratégias de mediação semelhantes. A mais frequentemente utilizada é o questionamento que reenvia para respostas de identificação, evocando a memorização da criança para o vocabulário apresentado nos materiais (24,5% no apoio educativo e 23,7% na terapia da fala). A intervenção foi sempre implementada individualmente e num ambiente artificial (fora da sala do grupo), tendo pouco em conta as motivações, os interesses e as capacidades funcionais da criança, com repetição sistemática de perguntas, ocorrendo frequentemente comportamentos de desinteresse/afastamento da criança, sobretudo na terapia da fala (33,3%). Alguns dos materiais utilizados em jogos de identificação e associação foram usados por ambos os técnicos, parecendo assim haver uma duplicação de apoios, sem nenhuma diferenciação.

Nunca presenciámos qualquer reunião de equipa com partilha de objectivos e estratégias, nomeadamente com a educadora de ensino regular e/ou com a família, nem qualquer sessão para realizar uma avaliação formal do desenvolvimento da criança.

As sessões de apoio que observámos em 2007/2008 apresentam características diferentes, quer no que se refere ao contexto em que foram desenvolvidas quer nas estratégias utilizadas e papel das técnicas em relação à criança. Como já referimos, a educadora de apoio passou a intervir no contexto das rotinas do jardim-de-infância e, neste segundo ano, essas foram as sessões de apoio que observámos. Sabemos no entanto que, no mesmo período de tempo, houve outras sessões em que a educadora de apoio retirou a criança da sala e lhe prestou apoio individual.

Analisando os dados da observação de 2007/08 verificámos que houve apoio nas seguintes actividades: marcação diária das presenças e reunião entre as crianças e a educadora do ensino regular, onde combinam o que vão fazer; actividade livre em pequeno grupo – casinha; actividade estruturada em pequeno grupo – pintura; reforço alimentar a meio da manhã e almoço. A educadora de apoio procurou promover as interacções entre as crianças, organizando os ambientes de forma que estes fossem apropriados e permitissem interacções sociais positivas.

Como podemos verificar no Quadro 5, no ano lectivo 2007/2008, a interacção entre a criança e os seus pares passou a ser mais igualitária, com uma percentagem idêntica de iniciativas da criança e dos colegas (37,5%). Não observámos iniciativas de interacção da criança sem resposta por parte dos colegas, como ocorrera no ano anterior. Este “sucesso” nas interacções levou a criança a permanecer mais tempo nas actividades em que se envolveu.

 

 

Durante os dois anos lectivos, as interacções entre a criança e a educadora regular ocorreram de forma natural e semelhante ao que aconteceu com as restantes crianças. As interacções foram normalmente iniciadas pela educadora, no entanto, em 2007/2008 registou-se um aumento das interacções iniciadas pela criança (de 27,6% para 38,9%) e uma diminuição das interacções iniciadas pela educadora (de 65,5% para 44,4%).

Dados das entrevistas

Através da análise dos dados das entrevistas pudemos verificar que ambas as educadoras de apoio partilham a mesma opinião relativamente à importância do envolvimento da família e da educadora do ensino regular em todo o processo e que esta coincide com as práticas recomendadas. No entanto, nenhuma as põe em prática, apresentando como justificação que não têm tempo suficiente devido ao elevado número de crianças que apoiam.

Através da análise das entrevistas à família, verificou-se também que esta desconhece totalmente quer os dados da avaliação quer o tipo de intervenção planeada e implementada.

Dados da análise documental

Pela análise da documentação existente verificámos que a avaliação, no ano 2006/07, não envolve a família, é feita apenas no contexto do JI, pela educadora de apoio educativo, e não dá origem a um registo formal das áreas de competências e dificuldades da criança nem das preocupações e necessidades da família. Apenas no final do ano lectivo (Julho de 2007) foi feito o PEI, nele constando, exclusivamente, objectivos para a criança. No ano lectivo 2007/08, houve envolvimento da educadora de ensino regular na avaliação inicial, entrevista à família e preenchimento da lista de verificação de comportamentos baseada na Classificação Internacional da Funcionalidade (CIF). O PIIP foi elaborado em Janeiro de 2008, com definição de objectivos e estratégias maioritariamente centrados na criança, embora também tenham sido definidos alguns objectivos para a família (e.g., “ajudar a família na escolha de escola para o próximo ano lectivo e dar a conhecer as diversas realidades existentes). Até ao final do ano foram ainda elaborados dois relatórios: o primeiro, em Maio, baseado na CIF e, em Julho, um relatório de reavaliação, descritivo, com base na evolução da criança e na análise dos objectivos alcançados.

Constatou-se ainda que, nos dois anos lectivos, a avaliação das competências e necessidades da criança/família foi feita informalmente e registada em termos vagos e gerais (e.g., “desinibida em termos de actividade motora global da sua idade”), com objectivos formulados em termos pouco claros e não operacionalizados (e.g., “manter a actividade própria da idade da criança”), sendo as estratégias/actividades pouco objectivas (e.g., “actividades próprias da sua idade”).

Os objectivos propostos são definidos, maioritariamente, de forma global e não quantificável (e.g., melhorar os movimentos finos”, “aumentar o interesse por situações mais complexas” e “maior dinâmica, melhor produção verbal, mais vocabulário”). A própria formulação dos objectivos, utilizando verbos como “melhorar, aumentar” e expressões como “maior e mais”, inviabiliza uma avaliação rigorosa.

Nos dois anos lectivos, os objectivos precisos (e.g., “nomear círculo, quadrado, triângulo”, “nomear cores principais” e “distinguir pesado e leve”) são em número bastante inferior (18,76% em 2006/07 e 5,26% em 2007/08), comparativamente com a totalidade dos objectivos definidos.

DISCUSSÃO

Os dados da observação do Programa de Intervenção Precoce em contexto domiciliário (primeiro caso), das entrevistas da mãe e da educadora e do processo de delineamento e implementação da Intervenção tal como constam no PIAF, mostram a existência de uma relação de cooperação e parceria entre a educadora e a mãe e permitem concluir que a educadora participante neste estudo adoptou as práticas recomendadas: em vez de focar a sua intervenção na estimulação da criança, partilhou com a mãe as suas experiências e práticas profissionais e providenciou informação e modelos necessários apresentando à mãe um modelo de intervir com o filho. Os objectivos definidos para a mãe parecem ter sido alcançados já que esta refere que o apoio alterou a sua atitude com o filho e com o marido, considerando que a educadora especializada contribuiu para aumentar o seu conforto e segurança. No final da intervenção, a mãe decidiu voltar para o Brasil, de modo a encontrar o suporte informal no âmbito da sua família alargada. Informou ainda a educadora que, quando chegasse ao seu país, iria procurar um programa de apoio desta natureza, já tendo feito uma busca na Internet sobre vários sítios de apoio na sua área de residência no Brasil. Por estes dados podemos constatar os bons resultados do programa de intervenção precoce, em relação à autonomia e capacitação da mãe. Parece assim poder concluir-se que esta intervenção domiciliária foi, efectivamente, centrada na família, que promoveu as competências e deu à mãe o poder para tomar as decisões mais adequadas para o bem-estar da família e o aumento da qualidade de vida familiar.

Estes resultados divergem dos que são reportados nos estudos internacionais que referimos (Brady et al., 2004; Campbell & Sawyer, 2007; Keilty, 2008; McBride & Peterson, 1997; Peterson et al., 2007; Rydley & O’Kelley, 2008; Turnbull et al., 2007), que revelam ser a maioria das interacções entre os profissionais e as crianças, mantendo-se as famílias, frequentemente, não envolvidas. Divergem, também dos dados reportados por Marques (2003) num estudo com método e medidas semelhantes, que mostram uma intervenção muito centrada no bebé, não promovendo a autonomia da família.

Ao contrário do que sucedeu no programa domiciliário, podemos afirmar que, no segundo estudo de caso, nos dois anos lectivos, foi desenvolvido um programa de intervenção precoce centrado na criança e não na família. O trabalho realizado no ano lectivo 2006/2007 caracterizouse por um conjunto de acções educativas descontextualizadas, que incidiam directamente na criança, centrado na educadora, estruturado e directivo. Esta intervenção enfatizava a planificação das actividades e dos objectivos para a criança, no sentido de estimular os processos de aprendizagem no âmbito sensorial, motor e da linguagem, sem qualquer envolvimento da família ou dos prestadores de cuidados diários. Estes dados são semelhantes aos reportados por Craig (1997) sobre o trabalho de muitos profissionais de apoio. A intervenção directa com a família surge apenas no apoio de ordem social e no acompanhamento a consultas de especialidade mas não tem como objectivo a sua capacitação e autonomia. Pode concluir-se que, neste segundo caso, a intervenção implementada se afasta das práticas orientadoras da intervenção precoce. De facto, e tal como Gottwald e Pardy (1997) sugerem, as práticas recomendadas postulam a implementação de programas de inclusão e a utilização de estratégias que possam ser utilizadas nos contextos naturais de aprendizagem das crianças, com o envolvimento dos prestadores diários de cuidados.

No ano lectivo 2007/2008, embora não na totalidade das sessões, o apoio educativo foi implementado no contexto natural do jardim-de-infância, numa intervenção que se caracterizou pelo desenvolvimento de estratégias funcionais, inseridas nas rotinas e actividades do dia-a-dia da criança, tendo em conta as suas motivações e interesses, tal como tinha sido constatado no trabalho de Cordeiro (2004).

A existência de algumas alterações no comportamento interactivo da criança, da(s) educadora(s) e dos seus pares poderão ter sido influenciadas por essas práticas de apoio. Neste segundo ano, a intervenção foi mais próxima daquilo que é, actualmente, recomendado (McWilliam, 2010). No entanto, o facto de a educadora ter mantido sessões de apoio descontextualizado mostra que não terá compreendido os benefícios da intervenção baseada nos contextos naturais de aprendizagem e nas rotinas da criança.

No que se refere ao envolvimento da família, no 2º ano, para além do apoio social e acompanhamento a consultas de especialidade, a educadora de apoio refere ter sugerido à mãe estratégias relacionadas com a preparação da entrada para o 1º ciclo. No entanto, nunca observámos interacções entre a educadora especializada e os pais e não há qualquer registo da forma como o fez nem dos efeitos que essa intervenção teve. Apesar das percepções de todos os profissionais envolvidos neste caso serem de práticas centradas na família, os dados da observação não confirmam a implementação deste modelo de intervenção.

Entre o primeiro e o segundo ano de apoio todos os profissionais mudaram. Assim, não é possível, através dos dados das entrevistas, avaliar as percepções relativas ao impacto que a estratégia de apoio integrado no contexto do JI que foi implementada no ano 2007/08 terá tido no comportamento da criança e seus pares.

A dificuldade em estabelecermos uma relação entre os objectivos definidos e as estratégias/actividades verificou-se nas diferentes áreas do desenvolvimento da criança e na avaliação da família, em ambos os anos lectivos. Como já referimos, os elementos da avaliação são insuficientes e muito genéricos, tornando-se difícil relacioná-los com a intervenção efectivamente implementada.

O estudo de caso em contexto domiciliário mostra práticas de qualidade com uma intervenção centrada na família e nos contextos naturais de aprendizagem que deveriam ser difundidas. Pelo contrário, o estudo realizado em contexto de jardim-de-infância mostrou, sobretudo no primeiro ano, os apoios especializados fora do contexto e sem qualquer envolvimento dos prestadores diários de cuidados ou da família.

A formação das educadoras de apoio dos dois casos era diferente: a do primeiro estudo, para além da licenciatura em educação de infância e especialização em educação especial, tinha um mestrado em educação especial com tese em Intervenção Precoce; no segundo estudo, apenas a educadora do 1º ano tinha formação em educação especial e a do 2ºano, embora trabalhando há longos anos em intervenção precoce, não era especializada (tinha licenciatura em psicologia educacional). Será que, embora todas tivessem vasta experiência em equipas interdisciplinares de IPI, as suas diferentes formações estão na base das diferentes práticas implementadas? Será que a prestação de apoio em dois contextos diferentes influenciou as práticas, nomeadamente no envolvimento da família? Numa perspectiva de estudo de caso, em que este trabalho foi feito, não poderíamos ter dados suficientes para o comprovar. Considerando a importância destas questões e a escassez de dados sobre as práticas efectivamente implementadas em Portugal, considera-se que esta é uma área de investigação prioritária.

Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos da América, onde há uma distinção entre Programas de Intervenção Precoce (0-2 anos, com programas maioritariamente domiciliários) e Programas de Educação Infantil Especializada (>3 anos, maioritariamente em contextos educativos), em Portugal, quer o Despacho-conjunto 891/99, em vigor à data da recolha de dados nos dois estudos e entretanto revogado, quer o Decreto-Lei 281/2009, regulamentam a intervenção precoce para as crianças dos 0 aos 6 anos, qualquer que seja o contexto em que estejam a ser cuidadas ou atendidas (domicílio/creche ou jardim-de-infância). Este facto poderá explicar, em parte, alguma confusão nos modelos de referência seguidos pelas educadoras já que, para além do envolvimento da família, quando as crianças estão incluídas em contextos educativos, o envolvimento e participação dos educadores das salas é também essencial.

Ainda assim, é difícil explicar as profundas divergências entre as percepções das educadoras do programa em contexto de jardim-de-infância sobre o apoio que prestam (coincidentes com as recomendações internacionais de intervenção centrada na família) e as práticas que efectivamente implementam.

A grande limitação de ambos os estudos reside no facto de não ter havido codificação das observações por mais do que um observador. Considera-se, no entanto, que a divulgação destes dados poderá contribuir para uma reflexão sobre as práticas reais de IPI no contexto nacional que se nos afigura essencial para a promoção da qualidade na prestação de serviços de intervenção precoce.

 

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Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Júlia Serpa Pimentel, ISPA – Instituto Universitário, Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041 Lisboa. E-mail: jpimentel@ispa.pt

 

NOTAS

1O artigo baseia-se nos estudos realizados pelas duas co-autoras no âmbito da monografia da Licenciatura e Mestrado Integrado em Psicologia, área de Psicologia Educacional.

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