SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28 issue4O envolvimento paterno de crianças a frequentar o jardim-de-infância author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Análise Psicológica

Print version ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.28 no.4 Lisboa Oct. 2010

 

Discurso das mães e participação das crianças na resolução de tarefas de seriação: Impacto do desenvolvimento cognitivo e da linguagem das crianças e escolaridade das mães

 

Zilda Fidalgo (*)

 

(*)   ISPA-IU, Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041 Lisboa; E-mail: zfidalgo@ispa.pt

 

RESUMO

Neste estudo foram observadas 50 díades mãe-criança durante a realização conjunta de duas tarefas de resolução de problemas. As idades das crianças situavam-se entre os 3 e os 5 anos. As díades mãe-criança foram observadas durante a realização conjunta de duas tarefas de resolução de problemas. As idades das crianças situavam-se entre os 3 e os 5 anos. As tarefas pretendiam evocar nas mães situações didáticas (construção de uma série de comprimento de dez réguas, com e sem modelo). O conteúdo do discurso das mães foi analisado, de acordo com as propostas de Wertsch (1985), considerando os mecanismos semióticos que estabelecem o funcionamento inter-psicológico (a abreviação e a perspectiva referencial), que permitem a mediação metacognitiva e cognitiva.

A participação das crianças foi avaliada a partir da sua responsabilidade pela resolução da tarefa e relacionada com o discurso de scaffolding (apoio) das mães, considerando as variáveis escolaridade formal das mães e desenvolvimento cognitivo e da linguagem dos filhos.

Os resultados revelam que as mães adoptaram um script geral de uma interacção de tutela, mas na seriação com modelo os desafios metacognitivos foram mais frequentes e na série sem modelo é a mediação cognitiva que é proporcionalmente mais elevada. Contudo, não se verifica qualquer relação significativa entre o discurso das mães que incluem desafios de nível superior, quer metacognitivos quer cognitivos, e o nível de participação das crianças nas tarefas. Estes resultados são discutidos em termos das variáveis das crianças e das mães, numa perspectiva sócio-construtivista do Representional Redescription Model de Karmiloff Smith (1992).

Palavras chave: Modelo de (re)descrição representacional, Resolução conjunta de problemas mãe-criança, Scaffolding, Zona de desenvolvimento potencial.

 

RESUME

Cinquante dyades mère-enfant ont été filmées lors de deux tâches de résolution conjointe de problèmes. L’âge des enfants se situait entre 3 et 5 ans. Ces tâches ont été conçues pour permettre l’émergence d’un cadre didactique (la construction d’une série de pièces de différentes longueurs, avec et sans modèle). Le discours des mères a été analysé quant à son contenu, selon la conception de Wertsch des dispositifs sémiotiques que les adultes utilisent pour établir le fonctionnement interpsychologique (abréviation et perspective référentielle), et en tenant compte de la médiation métacognitive et cognitive.

La participation des enfants a été évaluée compte tenu de leur part de responsabilité dans la résolution de la tâche et corrélée avec le discours d’étayage de la mère, en considérant les variables “niveau d’étude de la mère” et “développement cognitif et langagier de l’enfant”.

Les résultats ont révélé que les mères ont adopté un script général d’interaction de tutelle, mais que dans la sériation avec modèle les défis métacognitifs sont plus fréquents, alors que dans la sériation sans modèle, la médiation cognitive est plus impliquée. Aucun rapport significatif n’a toutefois été constaté entre le discours des mères, qui comporte des défis de niveau supérieur aussi bien métacognitifs que cognitifs, et le niveau de participation des enfants aux tâches. Ces résultats sont analysés en tenant compte des variables considérées pour les enfants et les mères, selon une perspective socio-constructiviste du modèle de redescription représentationnelle proposé par Karmiloff-Smith (1992).

Mots clé: Modèle de redescription representationel, Resolution conjointe de problèmes mère-enfant, Scaffolding, Zone proximale de developement.

 

ABSTRACT

The purpose of this research was to assess the relation between mothers’ guidance speech and children’s participation in the problem-solving tasks. Fifty mother-child dyads were videotaped during two joint problem-solving tasks. The children were aged between 3 and 5. The tasks were designed to elicit a didactic setting (the construction of a series of pieces of different lengths, with and without a model). The mothers’ speech was analysed according to its content, as per Wertsch’s (1985) view of the semiotic devices that adults use to establish inter-psychological functioning (abbreviation and referential perspective), and considering metacognitive and cognitive mediation.

The children’s participation was assessed on the basis of the extent to which they were responsible for solving the problem and was related to the mothers’ scaffolding speech, with consideration given to the variables mother’s formal schooling and the children’s cognitive and language development. The results reveal that the mothers adopted a general guidance speech script, but in the seriation with a model the metacognitive challenges were more frequent, while in the series without a model it was the cognitive mediation that was used relatively more often. However, there was no significant relationship between the discourse of the mothers who employed higher level metacognitive or cognitive challenges and the children’s participation in the tasks. These results are discussed in terms of the child and mother variables on the basis of the socio-constructivist perspective taken by Karmiloff Smith’s Representational Redescription Model (1992).

Key words: Mother-child joint problem-solving, Representational redescription model, Scaffolding, Zone of proximal development.

 

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, os psicólogos do desenvolvimento têm vindo a agrupar-se em duas grandes correntes. Os neo-nativistas que defendem que a evolução dotou a espécie humana de aptidões específicas para o conhecimento em áreas específicas, incluindo a matemática, a linguagem, a biologia e a psicologia (Fodor, 1992; Leslie, 2000). Noutra corrente situam-se aqueles que se centram nos aspectos culturais do desenvolvimento, em que o contexto cultural é considerado como a única condição que permite o desenvolvimento das estruturas cognitivas do ser humano.

Porém, no quadro teórico que adoptámos não encaramos o desenvolvimento como uma dicotomia entre individual e social, mas antes como a diferenciação Vygotskiana entre duas linhas de desenvolvimento, a individual (natural) e a cultural. Tal como é definida por Vygotsky (1934/1985), a linha individual de desenvolvimento diz respeito àquilo que o organismo consegue fazer sem a interferência directa do outro, enquanto a linha cultural de desenvolvimento consiste naquilo que o organismo conhece mas que tem origem nas acções em que tenta ver as coisas pela perspectiva do outro (Tomasello 1999, 2000), incluindo o uso de objectos, que se tornam símbolos.

Mas à medida que o desenvolvimento vai decorrendo estas duas linhas ficam interligadas de tal forma, que é difícil distinguir o que provem de uma ou de outra. Por exemplo, a primeira vez que um bebé de 6 meses tiver contacto com uma colher usá-la-á para bater ou qualquer outra actividade, que Piaget (1967) designa como reacção circular secundária, adquirindo um conhecimento individual sobre as suas propriedades, construindo classificações práticas. Usar a colher para comer, isto é, na perspectiva do outro, só é possível na relação com outros mais competentes do seu grupo cultural, através da comunicação, em que a imitação tem um papel relevante.

O desenvolvimento da linguagem na criança estaria igualmente relacionado com o tipo de apoio (scaffolding) verbal e não verbal proporcionado pelas mães durante os jogos nos dois primeiros anos de vida (Bruner, 1983; Snow, 1972; Rome-Flanders, Cronk, & Gourde, 1995), nomeadamente quanto à capacidade da criança em inferir as regras da comunicação. O momento de transição para a adaptação cultural humana dar-se-ia cerca dos 9/12 meses (Tomasello, 2000), quando a criança começa a envolver-se em jogos que implicam também um adulto e um objecto ou acontecimento externo, ao qual estão os dois intencionalmente atentos (atenção conjunta), estabelecendo níveis de “intersubjectividade” ou compreensão partilhada sobre a actividade (Rommetveit, 1971/1974). Mas nem todos os estudos demonstram a existência de uma relação significativa entre apoio materno e o nível de aquisição da linguagem nas crianças (Rome-Flanders et al., 1995), fazendo-nos crer que essa relação é apenas significativa entre os 12 e os 15 meses. Mais tarde os benefícios do apoio materno estendem-se a diferentes aspectos do desenvolvimento, que não é possível desligar da linguagem.

 

Conceito de mediação cognitiva e metacognitiva

O conceito de mediação é usado por Vygotsky (1934/1985) para explicar que todos os processos especificamente humanos seriam realizados através de instrumentos psicológicos, como a linguagem, os sinais e os símbolos, usados pelo adulto para atingir a atenção conjunta (simultânea), apropriados pela criança durante a actividade conjunta, posteriormente internalizados e usados autonomamente.

Karpov e Haywood (1998) distinguem em Vygotsky, dois tipos de mediação: a mediação cognitiva e a mediação metacognitiva. A mediação metacognitva inclui a facilitação de determinados processos de auto-regulação, utilizando instrumentos semióticos, nomeadamente a linguagem, que permitem o auto-planeamento, auto-controlo e auto-avaliação das acções em função do objectivo. A mediação metacognitiva dos processos psicológicos tem origem na comunicação interpessoal. O uso do discurso egocêntrico, ou privado, segundo Vygotsky (1934/1985), teria essa função a nível individual, traduzindo a internalização da função reguladora da linguagem, no início exercida pelo outro (Bruner, 1983; Cole, 1985; Rogoff, 1990; Wertsch, 1985; Wood & Middleton, 1975; Wood, Bruner, & Ross, 1976).

O segundo tipo de mediação, a mediação cognitiva, referir-se-ia à aquisição de instrumentos específicos necessários à resolução de problemas num determinado domínio e está mais relacionada com o conhecimento declarativo, verbalista, em que se incluem os conceitos definidos (Vygotsky 1934/1985).

Se o desenvolvimento de um conceito se inicia quando a criança aprende o termo ou significado da palavra que designa esse mesmo conceito (Vygotsky, 1934/1997), a aquisição de instrumentos psicológicos, incluindo os conceitos construídos ao longo da história do homem, implica não só a aquisição de algum conhecimento verbal, mas também de procedimentos e estratégias relacionados com esses conceitos, isto é, de mediação cognitiva e metacognitiva.

Bronckart (1992, 1995) considera, por seu lado, que a função ilocutória do discurso é a primeira significação que podemos atribuir à noção de mediação semiótica no sentido em que falar é agir no mundo externo e sobre o outro, para obter resultados determinados, ou seja, a mediação metacognitva exerce-se através de actos de linguagem. A mediação cognitiva teria que ver com o conteúdo proposicional, ou tópicos dos enunciados, que podem diferir, para um mesmo domínio de resolução de problemas, em função do conhecimento dos conceitos e significado das tarefas. Esta seria a segunda significação da noção de função semiótica, de acordo com o mesmo autor.

As expressões referenciais (Wertsch, 1985) utilizadas pelas mães para fazer convergir a atenção conjunta sobre um determinado objecto, constituem um indicador das características dos objectos consideradas cognitivamente pertinentes para a resolução da tarefa, impondo uma perspectiva e uma atitude sobre como as coisas devem ser vistas, constituindo oportunidades para a introdução de conceitos. Mas a criança só consegue compreender completamente a tarefa quando é capaz de ver o objecto pela perspectiva do adulto, sendo essa partilha de significados igualmente conseguida através da linguagem (Callaghan & Rankin, 2002; Tomasello 1999; Wertsch, 1985).

 

Resolução conjunta de problemas entre pais e crianças e área de desenvolvimento potencial (ou proximal)

Nos anos que precedem a entrada para o ensino pré-escolar, e poucos meses após o nascimento, a resolução conjunta de problemas, no contexto de situações experimentais, ou quase experimentais, tem sido cada vez mais utilizada com o objectivo de identificar a natureza dos processos instrucionais dos pais, em particular da mãe, e, por outro lado, para explorar a relação entre esses comportamentos e a participação e/ou desempenho das crianças, na aquisição de novas estratégias e significados.

Entende-se por resolução de problemas a necessidade de atingir um objectivo (goal). Uma definição restrita de objectivo pode ser um estado mental que representa uma situação desejada no estado do mundo. Para compreender e representar a estrutura de “um comportamento dirigido a um objectivo” é necessário que a criança seja capaz de compreender as relações causais entre pares de acções, ligar múltiplas acções numa estrutura coerente e organizada, e finalmente atribuir um estatuto particular a um elemento específico, que será usado como foco da representação (Travis, 1997). Para isso é necessário ultrapassar vários obstáculos, o que pode ser dificultado pelas estratégias adoptadas e/ou falta de conhecimento, que impedem igualmente a avaliação do resultado do processo de resolução (DeLoache, Miller, & Pierroutsakos, 1998). Assim, a resolução de problemas inclui uma actividade, uma tarefa concreta, e uma actividade cognitiva específica.

A apropriação de novas estratégias e significados, dar-se-ia na zona de desenvolvimento proximal, constructo definido como a diferença entre o que a criança é capaz de fazer sozinha e o que faz sob a orientação ou ajuda de um adulto (Vygotsky, 1934/1985). Esta área de desenvolvimento proximal seria construída na dinâmica da própria interacção, orientada para um objectivo determinado, normalmente estabelecido pelo adulto, e negociado com a criança no processo interactivo. A performance independente da criança dependeria largamente do tipo de orientação oferecida pelo adulto.

Vários estudos põem em evidência que os objectivos e estratégias de scaffoldingdesencadeados pelos adultos, qualquer que seja a idade das crianças, consistem essencialmente em aumentar o seu conhecimento, facilitar a execução de uma tarefa difícil e manter a atenção da criança, em função da percepção que têm das suas competências (Wood & Midddleton, 1975; Wood, Bruner, & Ross, 1976). Contudo o tipo e quantidade de scaffolding podem variar em função da actividade em causa e da cultura (Martin & Reutzel, 1996). Os resultados da ajuda dada pelas mães também não têm sempre o mesmo efeito, dependendo também das competências das crianças em determinados domínios, e o seu efeito pode não ser imediato.

 

Scaffolding e conhecimento implícito

Karmiloff-Smith (1992) propõe um modelo de desenvolvimento, que contribuiria para explicar os efeitos não imediatos da ajuda do adulto ou de outros mais competentes, o Representational Redescription Model (RR), ou Modelo Redescritivo Representacional, em que o processo de passagem do conhecimento implícito para conhecimento verbalmente explícito, na sua forma declarativa, consiste num processo de auto-organização endógeno que envolve uma tendência interna (internal drive) para uma melhor compreensão e controle.

O modelo RR pretende explicar como as representações das crianças se tornam progressivamente mais flexíveis. Este modelo envolve um processo cíclico em que a informação existente com uma finalidade (purpose) específica, se torna progressivamente disponível, “através de processos redescritivos” (Karmiloff-Smith, 1992, p. 25), para outros domínios do sistema cognitivo. Karmiloff-Smith distingue o conceito de domínio do conceito de modularidade (Fodor, 1992), considerando como domínios a linguagem, a física, a matemática e ainda micro domínios, enquanto subconjuntos dos grandes domínios do conhecimento. O RR considera três fases em que o conhecimento pode ser re-representado, ou recodificado: o conhecimento Implícito (1) e o conhecimento Explícito (2) e (3). A fase de conhecimento explícito 3 envolve o relato verbal dos processos cognitivos e entra, portanto, no domínio da metacognição. Na fase 2 as crianças têm acesso consciente às representações, mas ainda não fazem o relato verbal. A passagem de uma fase para outra implica uma recodificação da informação, que é essencialmente um processo endógeno.

No conhecimento implícito as representações têm a forma de procedimentos para analisar e responder a estímulos externos, são informação codificada sob a forma procedimental, são “aglutinadas” e por isso não é possível estabelecer ligações dentro do mesmo domínio ou entre domínios do conhecimento. Este conhecimento é difícil de transferir para tarefas semelhantes, e é pouco ou nada afectado pela informação externa. Pine e Messer (1998) afirmam que, de facto, quando as crianças estão ainda ao nível do conhecimento implícito, têm dificuldade em usar a informação e a ajuda externa.

Trata-se de um processo por fases (e não por estádios) que ocorrem num ciclo repetitivo (Karmiloff-Smith, 1992) em diferentes domínios, sendo possível passar directamente da fase 1 para a fase 3. Por outro lado, os comportamentos da fase 1 e 3 podem ser semelhantes, sendo necessário distinguir a mudança comportamental da mudança representacional.

Aparentemente este modelo opor-se-ia à perspectiva sócio-constructivista, derivada das teses de Vygotsky, e explicaria, pelo menos em parte, os resultados obtidos por Kontos (1983). Com efeito, Kontos (1983) e Kontos e Nicholas (1986), sugerem igualmente que a auto-directividade e as tentativas solitárias e repetidas para resolver um problema, teriam, pelo menos, tanta importância como o apoio em cooperação.

Na perspectiva sócio-construtivista Rogoff e Gardner (1984), Freund (1990), Gauvain (1995), Elllis e Gauvain (1992), Delgado-Gaitan (1993), por exemplo, põem em evidência o papel do adulto na eficácia do ensino em cooperação na posterior realização autónoma. Estes resultados são também confirmados por Doise e Mugny (1997), que mostram que a interacção entre pares, tal como o scaffolding do adulto, facilitam o desenvolvimento.

Também Murphy e Messer (2000), seguindo o modelo RR, mostraram que a maioria (76%) das crianças envolvidas numa situação de scaffolding com adultos obtiveram ganhos numa tarefa que não lhes era familiar, de equilíbrio/ /flexibilidade de pequenas varas de madeira, em particular as crianças que se encontravam no nível de conhecimento implícito, em comparação com as que trabalharam sozinhas ou com pares. O que é igualmente consistente com a abordagem sócio-construtivista. No entanto, no mesmo estudo, 100% das crianças que trabalharam sozinhas e se encontravam no nível 2 de Abstracção progrediram. Estes resultados implicam que haverá momentos e domínios do desenvolvimento em que trabalhar sozinho será tanto, ou mesmo mais eficaz do que com a ajuda de um tutor.

Tolmie, Thomson, Foot, Whelan, Morrison e McLaren (2005) confirmam estes resultados. Constatando que a aprendizagem de cor das regras de trânsito não contribuía para alterar os comportamentos das crianças (5 a 8 anos), verificaram que sob a orientação do adulto, melhoraram bastante o seu comportamento, e que este progresso ainda foi superior quando a interacção com o adulto foi complementada com a discussão entre pares. Além disso, constataram que esta melhoria era mediada pelo nível de representação (verbalmente explícito ou metacognivo), demonstrado pelas justificações das crianças para as tomadas de decisão. Este facto é atribuído ao tipo de scaffolding dado pelo adulto: os adultos, à medida que as crianças iam dando mais respostas correctas, aumentavam o número de explicações, aumentando assim o input conceptual. A discussão entre pares teria a função de desenvolver as representações explícitas adquiridas na interacção com o adulto, isto é, o efeito tutor.

Como já foi afirmado, os efeitos da mediação do adulto podem não ser imediatos (Connor & Cross, 2003). Tenebaum, Snow, Roach e Kurland (2005) verificaram apenas uma relação entre as conversas das mães com os filhos acerca de ciência e a compreensão de textos sobre ciência quando as crianças tinham 9, não se verificando esta relação com crianças de 5 anos. Estes resultados parecem confirmar que as crianças precisam, de facto, de avançar cognitivamente num domínio de conhecimento específico, para poderem beneficiar do input conceptual.

Na mesma linha de investigação, Philips e Tolmie (2007) verificaram também o impacto do scaffolding parental, em função do nível de explicitação (completamente, parcialmente ou minimamente explícito e implícito) do uso estratégias e explicação dos princípios, na performance e compreensão do equilíbrio da balança, em crianças de 6 a 8 anos. Neste estudo, não é só a linguagem enquanto reguladora da acção, mas também o seu conteúdo proposicional/referencial que está em causa, considerando que as explicações e input conceptual podem, pelo menos, acelerar e facilitar a aprendizagem e o desenvolvimento. Conclui-se que um apoio eficaz para que as crianças atinjam o nível superior da Redescrição Representacional (RR) exige a combinação de operacionalizações explícitas e explicações de nível conceptual superior. Por outro lado, a mediação linguística tem efeitos diferentes em função do nível de performance anterior da criança na tarefa (Conner & Cross, 2003).

Se a interpretação dos diferentes estudos tem sido objecto de controvérsia, a partir dos resultados obtidos podemos afirmar que também o modelo de Redescrição Representacional é mediado pela linguagem, implicando igualmente a capacidade de ter em conta a perspectiva do outro no seu próprio comportamento, capacidade esta que é desenvolvida no diálogo entre a criança e o adulto e que é provavelmente implicitamente continuado internamente nas tentativas e treinos solitários da criança.

 

Scaffolding e diferenças individuais

A importância dos contextos de educação informal, como o contexto familiar, tem sido cada vez mais posta em evidência enquanto promotora do desenvolvimento cognitivo e metacognitivo da criança, preparando-a simultaneamente para a colaboração e auto-regulação na educação formal. Mas os pais diferem na quantidade e tipo de scaffolding que dão aos seus filhos (Grusec & Goodnow, 1994; Rogoff, 1990). O apoio que permite a passagem para níveis superiores de autonomia, através da transferência da regulação pelo outro para a auto-regulação, seria o resultado de diferentes variáveis da família, reflectindo as características pessoais dos seus membros, objectivos e valores, partindo do princípio de que todas as mães/pais ajustam constantemente o seu próprio comportamento às competências dos filhos e à interpretação que fazem das suas respostas, e das suas próprias atitudes em relação à tarefa (Fidalgo & Pereira, 2005; Freund, 1990; Gauvain, 1995; Gauvain, de la Ossa, & Hurtado-Ortiz, 2001; Ossa & Gauvain, 2001; Rogoff, 1990; St-Laurent & Moss, 2002; Wertsch, 1985; Wertsch & Sammarco, 1985).

Por seu lado, Tolmie et al. (2005), consideram que o tipo de scaffolding exercido pelos pais depende mais das expectativas que têm em relação aos filhos e, por isso, é consistente ao longo do tempo, e pouco contingente em relação ao comportamento da criança durante a tarefa, contrariamente ao afirmado por Wood (1990), Heckhausen (1987), Connor e Cross (2003), entre outros. Com efeito, o scaffolding e as questões metacognitivas postas pelas mães são o resultado de um conjunto complexo de interacções de ordem social e individual, incluindo os estados emocionais (Thompson & Williams, 2006).

Outra questão em aberto, consiste ainda em perceber se o conceito de scaffolding se aplica apenas quando as crianças já têm algum conhecimento no domínio da tarefa. O próprio Wood (1990) defende que o conceito de área de desenvolvimento proximal é o mais adequado para explicar a mediação do adulto (ou de outro que saiba mais), quando o conhecimento e a competência da criança estão mais afastados das exigências actuais, tendo este apoio que assumir formas diferentes das inicialmente identificadas como as mais eficazes no scaffolding (Wood, Bruner, & Ross, 1976).

O estudo de Mulvaney, McCartney, Bub e Marshall (2006), mostra também que as características individuais da criança e das mães interferem no tipo de interacção. Dentre as variáveis da mãe destacam a intrusividade, que deverá ser distinguida de directividade, o conhecimento que a mãe tem do desenvolvimento do seu/sua filho(a), anos de escolaridade da mãe, sentimentos de afecto em relação à criança, o grau de estilo democrático e disponibilidade, e do modelo interno da relação (Moss 1992). Além disso, Neitzel e Stright (2003) encontraram igualmente correlações positivas e significativas entre os anos de escolaridade da mãe e o tipo de regulação da dificuldade da tarefa, disponibilidade de informação metacognitiva, encorajamento ou feedback positivo, enquanto a rejeição dos comportamentos da criança (intrusividade) apresenta uma correlação negativa.

No que respeita às variáveis das crianças, destacam-se o temperamento e o género. Por seu lado as mães com baixa escolaridade tendem a percepcionar os filhos como mais difíceis. A educação das mães aparece também com um efeito moderador das relações entre tolerância das mães e o temperamento da criança, e o regulamento da dificuldade da tarefa, e entre o temperamento das crianças e o encorajamento para que estas se envolvam activamente na tarefa. Quando as crianças são percepcionadas com temperamento difícil, os pais com níveis educativos superiores usam um repertório mais alargado de estratégias, acomodando-se com mais facilidade às dificuldades dos filhos.

No estudo de Mulvaney et al. (2006), quer a inteligência verbal das mães quer dos filhos aparecem como preditores do tipo de apoio fornecido. Além disso, a ajuda proporcionada pelas mães, conjuntamente com o desenvolvimento cognitivo anterior dos filhos, aparecem como preditores da sua adaptação no primeiro ano escolar, aumentando a receptividade das crianças à instrução formal.

No estudo de Wertsch, Minick e Arns (1984), foram observadas díades mãe-criança (as mães só tinham 4 anos de escolaridade formal) e díades educadora-criança. Os resultados mostraram que as mães usam mais a regulação directa e executam mais frequentemente as acções do que as educadoras. Este facto seria devido a uma orientação para a tarefa versus orientação para processo. Moss e Blicharski (1986) e Renshaw (1992) mostraram que as mães orientadas para o processo também são mais elaboradas e estruturantes, dando mais feedback metacognitivo.

Estes resultados aparecem confirmados por outros posteriores. Sigel (1997), Palácios, Gonzalez e Moreno (1992), Mendonza (1995), Sorsby e Martlew (1991), Deleau, Gandon e Taburet (1993), que analisaram o discurso regulador das mães em termos de estratégias de distancing (Sigel, 1997), constatando que quanto mais baixo era o nível de escolaridade das mães, mais baixos eram os níveis de distancing utilizados. Verificaram também que os níveis de distancing variavam em função da natureza da tarefa. Estes dados questionam a consistência das estratégias dos pais, ao longo do tempo, quando analisadas independentemente das tarefas, e contrariam a persistência de um mesmo tipo de scaffolding, como afirmam Tolmie et al. (2005).

Outros autores argumentam que estes resultados seriam também explicados pelo facto de as famílias de classe média incluírem no seu curriculum familiar mais tarefas e estilos de comunicação próximos dos usados na educação formal (Guberman & Greenfiel, 1991; Heath, 1986a,b; Rogoff, Mistry, & Göncü., 1993; Tudge, Putman, & Sidden, 1994).

No entanto, um envolvimento social responsivo e sensível entre os pais menos escolarizados e os seus filhos, funciona como um bom prognóstico para o desenvolvimento, atenuando os efeitos de uma experiência escolar menos vasta, podendo ser tão eficazes como os de classe média, em função da natureza das tarefas (Haden & Fivush, 1996), da dificuldade que apresentam para as crianças e do objectivo das mesmas (Delgado-Gaitan, 1993; Elllis & Gauvain, 1992; Gauvain, 1995). Por sua vez, o scaffolding das mães de nível de escolaridade superior também varia em função de se tratar uma tarefa doméstica ou de uma tarefa escolar. Nas tarefas domésticas (por exemplo, na cozinha a fazer bolos) o apoio é mais variado, predominando a modelagem sem palavras, sorrisos, tocar, enquanto nas tarefas escolares as mães usam estratégias mais activas, como a redução de passos estratégicos, feedback acompanhado de comentários e correcções explícitas. Por sua vez, as crianças (3/4 anos), nas tarefas domésticas respondem proporcionalmente com um nível superior de linguagem (Kermani & Janes, 1999).

Quanto ao uso de questões metacognitivas na interacção com os filhos, Neitzel e Stright (2003) encontraram igualmente uma correlação positiva entre o nível de escolaridade das mães, a transferência de responsabilidade pela tarefa para os filhos, o conteúdo metacognitivo dos seus enunciados e o suporte emocional. Contudo, Tenenbaum et al. (2005) constataram que as mães de níveis mais baixos de escolaridade formal são igualmente eficazes quando se envolvem em conversas sobre questões científicas com os filhos.

Concluindo, entre as famílias de baixo nível sócio-económico e baixa escolaridade podemos encontrar uma grande diversidade de técnicas de scaffolding que, sendo mal conhecida, conduziu a considerar-se que estas crianças estão menos expostas a desafios conceptuais através da linguagem, desafios esses que precedem a consciência metacognitiva, tal como auto-monitorização, planeamento e auto-avaliação. Esta diferenciação nos resultados varia em função das culturas. Kermani e Brenner (2000), por exemplo, mostraram que mães iranianas de classe média alta, vivendo nos Estados Unidos, foram tão directivas como as mães de níveis sociais mais baixos, mas americanas. Contudo, quando as crianças realizaram as tarefas de forma independente não mostraram diferenças significativas. Já Huntsinger e José (1995) tinham encontrado uma relação positiva entre o estilo directivo dos pais chino americanos e a aptidão das filhas para a matemática.

 

O discurso de scaffolding das mães

Sendo a mediação verbal a principal componente do scaffolding das mães na resolução conjunta de problemas com os filhos em idade pré-escolar, o discurso nem sempre é a estratégia mais eficaz, podendo os comportamentos não verbais, e em particular a execução da tarefa pela mãe, funcionar como comportamento a imitar.

O scaffolding implica sempre da parte do tutor o envolvimento numa rotina de instrução, em termos de intenções comunicativas. As mães usam actos de linguagem (Searle, 1972/1996) para Iniciar a interacção, como as directivas, e obter uma Resposta. Sempre que os pressupostos da directiva são conseguidos, esta é seguida de uma Avaliação (Mehan, 1998), ou de um Comentário, que podem tomar a forma de acto de linguagem expressivo ou assertivo, ou dos dois. Se o acto de Iniciação não obtém a resposta esperada, a mãe pode simplesmente fazer uma avaliação negativa, executar ela própria a acção acompanhada ou não de explicações, ou ainda simplificar e explicitar o conteúdo da directiva (Fidalgo & Pereira, 2005; Wertsch, 1985), até a criança ser capaz de lhe dar cumprimento.

Esta função ilocutória do discurso (Searle, 1972/1996) constitui o primeiro significado de mediação referido por Bronckart (1992, 1995), e estaria ligada à mediação metacognitiva (Karpov & Haywood, 1998), e, portanto ao fornecimento de estratégias de resolução e controle.

O conhecimento declarativo, ou informação conceptual, constitui a mediação cognitiva, segundo Karpov e Haywood (1998). Este domínio da mediação teria que ver com o conteúdo proposicional dos enunciados e é o segundo significado de mediação para Bronckart (1992, 1995), sendo certo que estes dois aspectos da mediação estão sempre presentes no scaffolding: o primeiro nas intenções comunicativas, e o segundo no conteúdo dos actos de linguagem, mais ou menos explícitos e sob a forma como são referidos ou descritos os objectos sobre os quais as acções incidem, ou perspectiva referencial (Fidalgo & Pereira, 2005; Wertsch, 1985).

 

Objectivos e hipóteses

O presente estudo tem como objectivo aprofundar a relação entre o scaffolding das mães e a transferência de responsabilidade para os filhos em duas tarefas do domínio da seriação. A utilização de duas apresentações diferentes no mesmo domínio, a construção de uma seriação de comprimentos, justifica-se pela necessidade de pôr em evidência a mediação metacognitiva e a mediação cognitiva.

De acordo com a revisão da literatura as diferenças nos discursos das mães, nomeadamente quanto ao uso da linguagem na actividade conjunta e suas consequências no desempenho dos filhos, têm sido muitas vezes atribuídas a variáveis sociais das mães e das famílias (nível de escolaridade, por exemplo), sem ter em conta o conhecimento prévio do domínio da tarefa pelas crianças e o seu nível de desenvolvimento.

O nosso objectivo consiste em mostrar a relação entre o nível de escolaridade e o discurso regulador das mães e a performance dos filhos em tarefas de seriação, mas considerando simultaneamente as variáveis das crianças, nomeadamente idade, desenvolvimento cognitivo e da linguagem.

Começámos por verificar se as características do discurso das mães variam, quer na mediação metacognitiva, na função ilocutória, quer na mediação cognitiva, parcialmente operacionalizada na perspectiva referencial, em função das características das tarefas e num domínio do conhecimento que está fora das competências das crianças entre os 3 e os 5 anos. Sendo o discurso das mães diferente em função da tarefa, analisámos, para cada uma delas, a relação entre as variáveis do discurso, o tipo de regulação, a escolaridade das mães, as características das crianças e a transferência de responsabilidade.

A nossa hipótese geral é que a escolaridade das mães estaria correlacionada com a transferência de responsabilidade, mas seria mediada pela sua idade e nível de desenvolvimento dos filhos, e que uma vez controladas as variáveis de desenvolvimento das crianças, não se verificará qualquer relação significativa entre o nível de escolaridade das mães e a participação das crianças na realização de cada uma destas tarefas específicas. Contudo, quando controlamos a escolaridade das mães, verificar-se-á uma relação significativa entre as variáveis de desenvolvimento e a participação das crianças na tarefa.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram neste estudo 50 díades mãe-criança. O número de anos de escolaridade das mães era, em média, de 11 anos (de 4 a 19 anos, d.p. 5,6), sendo a sua média etária de 33 anos (de 23 a 44 anos, d.p. 5,05), a média do número de filhos é de 1,64 (de 1 a 3, d.p. 0,66). A média de idades das crianças era de 53,16 meses (de 36 a 71 meses, d.p. 10,29), sendo igualmente distribuídas pelos dois géneros. A origem sócio-económica das famílias era de nível baixo a nível médio alto. As crianças frequentavam Jardins-de-infância privados e/ou subsidiados pelo Estado, na zona central de Lisboa.

 

Procedimento e descrição das tarefas

Cada díade mãe-criança foi observada enquanto realizavam três tarefas que exigiam diferentes estratégias de resolução, embora fossem todas tarefas de seriação.

A primeira tarefa serviu como introdução e treino. Consistiu na introdução de cinco círculos da mesma cor num encaixe, por ordem de dimensões.

A segunda (ou terceira tarefa) consistiu na construção de uma série de comprimentos de 10 réguas de madeira com duas cores alternados, com dimensões entre 20 e 1,2cm. Para a construção desta série, foi fornecido um modelo com uma série já construída. A instrução foi dirigida à criança, pedindo-lhe para fazer igual ao modelo com a ajuda da mãe. A construção da série com modelo teve por objectivo pôr em evidência o uso dos aspectos metacognitivos do discurso que integram a função do modelo enquanto mediador semiótico no processo de resolução.

A terceira tarefa também implicou a construção de uma série de comprimentos com réguas de madeira, com as mesmas dimensões que a anterior, mas cada régua com uma cor diferente e sem qualquer modelo. A instrução foi mais uma vez dirigida à criança: “Tens aqui um montinho de réguas, e eu gostava que as arrumasses da maior para a mais pequena ou da mais pequena para a maior, de modo a fazer uma escadinha, e a tua mãe vai ajudar-te”. O objectivo desta tarefa era provocar uma situação didáctica, em que as mães, devido à instrução dada pelo observador, fossem induzidas a fazer referência às dimensões das réguas e relações transitivas, e não às cores, isto é, pôr em evidência os aspectos do discurso ligados à mediação cognitiva, com a introdução de novos conceitos. Não é de esperar que as crianças nas idades observadas dominem, ou mesmo compreendam, essas referências. Contudo, o nosso objectivo é observar como as mães introduzem novos conceitos nas estratégias de resolução.

Estas duas tarefas de seriação foram experimentadas previamente em crianças de 5 anos que não participaram este estudo. A ordem de apresentação das séries foi balanceada.

Estas tarefas foram realizadas numa única sessão, que durou entre 6 a 8 minutos, e foi gravada em vídeo.

 

Codificação

Os enunciados das mães e das crianças foram transcritos dos vídeos, acompanhados com a descrição dos comportamentos não verbais relevantes, tais como apontar ou a execução da acção pela mãe ou pela criança. No entanto, apenas o discurso da mães foi codificado, verificando-se também que as crianças pouco falaram.

 

Discurso regulador das mães (scaffolding)

Mediação metacognitiva e função ilocutória do discurso

O discurso das mães foi segmentado em enunciados, tendo em conta os seguintes critérios: (1) mudança de conteúdo específico e/ou (2) pausa de, pelo menos, 2 segundos.

Seguidamente cada um enunciados foi codificado em função das suas intenções comunicativas em (Searle, 1972/1996):

Directivas: são enunciados que induzem a criança a executar uma acção. Considerámos directivas de regulação geral do comportamento da criança, de encorajamento e de interdição. As primeiras solicitavam a participação activa (“Vá, começa lá!”) enquanto as de interdição impedem a criança de prosseguir uma acção (“Pára de brincar com isso!”).

Para codificar as directivas dirigidas especificamente à execução das operações inerentes à tarefa adoptámos o conceito de abreviação de Wertsch (1985), por sua vez inspirado na análise do discurso interno feita por Vygotsky. A abreviação, neste contexto, é uma redução de uma representação linguística completa e explícita de uma situação determinada, em que todos os aspectos da situação podem ser integralmente ou explicitamente representados no discurso, ou então são apenas representados apenas alguns. Codificadas (Fidalgo & Pereira, 2005; Wertsch, 1985). Codificámos assim as directivas da mãe em directivas abreviadas (DA) e não abreviadas (DNA), em função do nível de implicatura das estratégias de resolução contidas nas directivas, sendo o nível de concordância entre dois codificadores independentes de K=.82 (Cohen).

Segundo Wertsch, a abreviação é um dos mecanismos semióticos usados pelo adultos para dar ordens de carácter metacognitivo de modo a estabelecer níveis de intersubjectividade entre os adultos e as crianças, e assim favorecer a transição do funcionamento inter-individual para o intra-individual.

Quando a criança consegue responder adequadamente a uma directiva abreviada da mãe, quer dizer que partilha com esta o mesmo nível de intersubjectividade (Rommetveit, 1971/1974; Wertsch, 1985) sobre as estratégias de resolução, visto não precisar que estas sejam verbal e completamente explicitadas.

Expressivos: enunciados que comunicam o estado afectivo ou cognitivo (positivo ou negativo) das mães sobre a acção das crianças (“Muito bem”; “Conseguiste”; “Não é assim!”).

Assertivos: enunciados que representam o estado do mundo, dando explicações ou descrevendo o resultado da acção (“Estão os dois iguais” – apontando para a cópia e o modelo, na seriação com modelo; “Estás a ver, é uma grande e depois a mais pequena a seguir” – apontando a série sem modelo já construída.

A combinação de dois actos de linguagem foi considerada quando o tópico era o mesmo e os enunciados estavam separados por menos de dois segundos.

Doze transcrições foram codificadas de forma independente e os níveis de acordo situaram-se entre .71 e .80 (K de Cohen).

 

Mediação cognitiva e perspectiva referencial

A forma como o locutor identifica o referente tem que ver com a perspectiva conceptual que pretende introduzir na execução da tarefa. As expressões referenciais utilizadas podem minimizar ou maximizar a informação sobre o referente. Seleccionámos expressões que apresentam três níveis diferentes de informação, que podem ser usadas isoladamente ou agregadas (Fidalgo & Pereira, 2005; Wertsch, 1985): (1) deícticos, sinais indexicais verbais ou não verbais, tais como apontar, “esta”, “aquela”, “aqui”, “ali”, que introduzem a informação mínima para identificar o referente tal como deve ser percepcionada na situação discursiva; (2) expressões comuns de referência, o nome ou categorização mais comum para o objecto em questão, mas que pode ser usado noutros contextos e não apenas no contexto específico da tarefa (Ex.: a expressão “a verde”, pode ser usada para referir a régua que da dimensão seguinte na série, mas não é específico da tarefa); e (3) as expressões específicas do contexto, que introduzem mais informação na situação discursiva que as duas anteriores, isto é, categoriza o referente na perspectiva em que o adulto considera que deve ser considerado na situação específica (Ex.: a expressão “o mais pequeno a seguir”), em que os deícticos e as expressões comuns de referência não dão indicações específicas sobre a tarefa, a não ser que a criança já a domine cognitivamente, o que não é manifestamente o caso.

Estes três tipos de expressões podem ser usados isoladamente ou agregados, e a partir dessa agregação estabelecemos três níveis hierárquicos, de acordo com a prevalência de uma função meramente instrumental para atingir a atenção conjunta ou, se além disso, introduzem mais informação conceptual directamente com o problema específico (Deleau, 1989, 1990; Fidalgo & Pereira, 2005; Wertsch, 1985):

Nível 1: sinais indexicais verbais e não verbais (apontar, dar); expressões comuns de referência acompanhadas de sinais indexicais verbais ou não verbais.

Nível 2: Expressões comuns de referência: expressões comuns de referência ou sinais indexais não verbais acompanhados de expressões informativas do contexto.

Nível 3: Expressões informativas do contexto sem qualquer outra expressão referencial.

Os níveis de concordância (K de Cohen) obtidos por duas codificações independentes foram os seguintes; sinais indexicais .98; expressões comuns de referência .87; expressões informativas do contexto .88. Para os 3 níveis de agregação os níveis de concordância foram os seguintes: nível 1: .90; nível 2: .79, nível 3: .86.

 

Regulação directa e acções executadas pelas mães

As tarefas foram divididas em episódios, considerando-se um episódio, o conjunto de todas as acções necessárias para colocar correctamente cada uma das réguas no local adequado. Foram identificadas, para cada tarefa, as acções executadas pela mãe, sem qualquer interferência física da criança, mas em que esta mantinha a atenção focada na acção.

As acções realizadas pelas crianças, mas precedidas por directivas não abreviadas (DNA), ou qualquer outra indicação não verbal, são consideradas sob regulação directa.

 

Transferência de responsabilidade para a criança

Para a avaliar o nível de participação da criança durante a resolução das tarefas foram consideradas todas as acções da criança realizadas sem qualquer interferência da mãe, isto é, autonomamente, ou sob regulação indirecta. Considera-se que uma acção é executada sob regulação indirecta quando é precedida por uma directiva abreviada (DA). O somatório destas acções traduz o nível de transferência de responsabilidade da tarefa para a criança.

 

Avaliação do desenvolvimento cognitivo e da linguagem das crianças

A fim de controlar a relação entre o desenvolvimento das crianças e o apoio prestado pelas mães, na semana seguinte à observação foram aplicados às crianças participantes as Matrizes Progressivas de Raven (versão caderno colorido) e a Escala de Compreensão do teste de linguagem de Reynell.

 

RESULTADOS

O discurso das mães

Para que as crianças participem activamente na resolução da tarefa têm que representar previamente o seu objectivo. Enquanto representações mentais os objectivos das tarefas não são estritamente observáveis, tendo que ser inferidos (Gattis, Beering, & Wohlschlager, 2002), no caso presente, através do modelo, ou outro mecanismo semiótico como a observação do comportamento da mãe. Na seriação sem modelo o objectivo da tarefa é inferido a partir das acções executadas pela mãe e pela criança sob regulação directa, o que lhe permite construir/ /antecipar a configuração da série: as mães ordenam as primeiras réguas e a criança continua.

 

Mediação metacognitiva e função ilocutória do discurso

Foram aplicados testes não paramétricos, tendo sido utilizadas proporções, para controlar o efeito quantidade de fala em função do modo de apresentação da tarefa.

Com efeito os actos de linguagem (Searle, 1972/1996) emitidos pelas mães, em particular o tipo de directivas dirigidas à execução da tarefa variam em função da existência ou não de modelo.

Pudemos constatar, pelo teste de Wilcoxon (Tabela 1), que se verificam diferenças significativas entre as duas seriações nas directivas abreviadas (N=50, Z=-1,984, p=0,026), sendo estas mais frequentes na série com modelo (N=50, Z=-2,731, p=0,005), enquanto as directivas não abreviadas são mais frequentes na série sem modelo. Os actos expressivos positivos associados a assertivos (N=50, Z=-1,965, p=0,027) e a directivas abreviadas (N=50, Z=-1,804, p=0,042) são proporcionalmente mais frequentes na série com modelo. Porém, considerando que as frequências observadas nestas categorias são marginais, dada a sua dispersão, o resultado mais saliente consiste na inversão das proporções de directivas abreviadas e não abreviadas nas séries com e sem modelo (41% dos actos de linguagem proferidos pelas mães).

 

TABELA 1

Actos de linguagem por tarefa (proporções médias)

 

Mediação cognitiva – Perspectiva referencial

Quanto ao conteúdo proposicional, apresentamos a seguir as proporções médias dos diferentes níveis da perspectiva referencial em por cada uma das tarefas.

 

TABELA 2

Perspectiva Referencial – Proporções médias por tarefa

 

Verificámos, utilizando o teste de Wilcoxon, a existência de diferenças significativas nas expressões referenciais de nível 2 (N=46, Z=-4,745, p<0,001) e nível 3 (N=46, Z=-3,422, p<0,001), sendo a série sem modelo que suscita o uso mais frequente de palavras que referem as relações assimétricas (“mais pequeno do que...”, “maior do que...”, “maior a seguir...”), sem qualquer outra expressão referencial, enquanto na série com modelo são proporcionalmente mais referidas a cor e a dimensão.

Em resumo, e a partir dos dados acima referidos, podemos dizer que a seriação com modelo mobiliza mais desafios metacognitivos, acentuando os procedimentos (directivas abreviadas), enquanto a seriação sem modelo evoca com mais frequência a mediação cognitiva através da utilização do nível superior de expressões referenciais (relações assimétricas).

 

Discurso, tipo de regulação, escolaridade das mães, variáveis nas crianças e transferência de responsabilidade

Uma vez que a transferência de responsabilidade da tarefa para a criança, e o tipo de regulação exercido pela mãe, decorrem dos mecanismos semióticos utilizados durante a actividade conjunta, apresentamos a seguir as correlações entre as categorias do discurso que variam em função das tarefas, a transferência de responsabilidade e a regulação directa, considerando os actos de linguagem directivos e os níveis 2 e 3 da perspectiva referencial. Acrescentámos ainda as acções executadas pela mãe, passíveis de serem imitadas, enquanto mecanismo semiótico.

O nível de escolaridade das mães está positiva e significativamente correlacionado com o desenvolvimento cognitivo e da linguagem das crianças (r=0,308 p<0,05 e r=0,447 p<0,01, respectivamente), mas apenas apresenta uma correlação positiva com a transferência de responsabilidade para a criança, na seriação com modelo (r=0,323 p<0,05). A transferência de responsabilidade pela tarefa para a criança é também superior na série com modelo (N=50, Z=-3,045, p<0,00).

Para separarmos os resultados derivados da escolaridade das mães e do desenvolvimento e idade dos filhos, passámos à realização de correlações parciais, para cada tarefa.

 

Seriação com modelo

Na primeira correlação parcial controlámos as variáveis relativas às crianças, idade, desenvolvimento cognitivo e da linguagem (Tabela 3).

 

TABELA 3

Série com modelo – Correlações parciais, controlando as variáveis idade, scores na Raven e Reynell das crianças, entre o discurso das mães, regulação directa,escolaridade das mães e transferência de responsabilidade para a criança

 

Quanto às variáveis de discurso das mães e o seu nível de escolaridade apenas se constata que quanto mais elevado o nível de escolaridade das mães maior a tendência para utilizar o nível 3 da perspectiva referencial (r=0,458, p<0,01), o que não interfere significativamente na transferência de responsabilidade para a criança (r=-,20).

A transferência de responsabilidade para a criança não apresenta correlações significativas com a escolaridade da mãe (r=0,179, p=0,228), mas apenas uma correlação negativa e significativa com as acções realizadas pelas mães (r=-,668, p<0,01), como seria de esperar. Verifica-se uma tendência não significativa para as mães com mais baixo nível de escolaridade usarem com mais frequência as acções para imitar.

Na segunda correlação parcial controlámos a variável escolaridade da mãe, e os resultados estão igualmente de acordo com a hipótese inicialmente colocada. Assim, as variáveis do discurso e regulação das mães (Tabela 4) aparecem negativa e significativamente correlacionadas com as transferência de responsabilidade para a criança, enquanto a idade (r=0,646, p<0,01), os scores da Raven (r=0,621, p<0,01) e Reynell (r=0,621, p<0,01) mostram correlações positivas e elevadas com a transferência de responsabilidade para a criança.

 

TABELA 4

Série com modelo – Ccorrelações parciais, controlando a escolaridade das mães, entre discurso das mães, regulação directa, idade, scores de Raven e Reynell nas crianças e transferência de responsabilidade

 

A regulação directa apresenta uma correlação positiva e significativa com as directivas abreviadas e não abreviadas (r=0,499, p<0,01 e r=0,757, p<0,01 respectivamente), e os níveis 2 e 3 da perspectiva referencial presentes no discurso materno (r=0,590, p<0,01 e r=0,578, p<0,01, respectivamente), o que mostra que a exposição da criança a directivas abreviadas, que depois são desdobradas em directivas não abreviadas contendo expressões referenciais de nível 3 (r=0,524 p<0,01) tem pouco impacto na transferência de responsabilidade para a criança, visto não se verificar qualquer correlação significativa. Por outro lado, a criança é confrontada com o input conceptual que acompanha os procedimentos.

 

Seriação sem modelo

Na correlação parcial com controlo das variáveis das crianças (idade, scores de Raven e Reynell, Tabela 5), tal como na seriação com modelo, a transferência de responsabilidade para as crianças não apresenta uma correlação significativa com a escolaridade das mães (r=0,119, p>0,05).

 

TABELA 5

Série sem modelo – Correlações parciais, controlando os scores Raven e Reynell nas criança, entre a escolaridade das mães, discurso das mães, regulação directa, idade e transferência de responsabilidade pela tarefa para a criança

 

A escolaridade das mães apenas apresenta uma correlação positiva e significativa com a utilização de expressões referenciais de nível 3 (r=0,289, p<0,05: quanto mais elevada a escolaridade das mães mais utilizam a linguagem das relações assimétricas, em particular no contexto das directivas não abreviadas (r=0,364, p<0,05). Constata-se igualmente uma correlação positiva e significativa entre a regulação directa e o uso de expressões de nível superior (r=0,415, p<0,01), independentemente do nível de escolaridade das mães. Constata-se uma correlação significativa entre a regulação directa e a inclusão nas directivas não abreviadas de expressões referenciais de nível superior (r=0,415, p<0,01).

Na segunda correlação parcial, quando controlamos a escolaridade das mães (Tabela 6), verificam-se correlações positivas e bastante significativas entre as variáveis idade (r=0,493, p<0,01), score da Raven (r=0,459, p<0,01) e da Reynell (r=0,397, p<0,01), e transferência de responsabilidade para as crianças.

 

TABELA 6

Série sem modelo – Correlações parciais, controlando a escolaridade das mães, entre discurso das mães, regulação directa, idade, scores de Raven e Reynell nas crianças e transferência de responsabilidade

 

Verificam-se correlações elevadas entre a utilização de expressões referenciais de nível 2 e 3 (r=0,413, p<0,01 e r=0,402, p<0,01, respectivamente) no contexto das directivas não abreviadas que constituem grande parte da regulação directa exercida pelas mães (r=0,640, p<0,01), mas sem impacto na transferência de responsabilidade para a criança: mais uma vez não se verifica qualquer correlação significativa entre as directivas abreviadas e transferência de responsabilidade para as crianças.

 

DISCUSSÃO

Os resultados globais da análise do discurso das mães mostram que estas modificaram os seus comportamentos ao longo da resolução de duas tarefas do mesmo domínio do conhecimento, mas apresentadas de forma diferente: a construção de uma série de comprimentos, com e sem modelo. Verificámos que, apesar das alterações na mediação metacognitiva e cognitiva, as mães mantêm o script geral (Iniciação, Resposta Avaliação) de uma interacção de resolução conjunta entre um que sabe mais e outro que sabe menos, isto é, começa pelo uso de actos de linguagem de iniciação e encorajamento, seguido de directivas para obter uma Resposta, seguida de uma Avaliação, sob a forma de um acto expressivo, com ou sem assertivo (Mehan, 1998).

No que respeita à função ilocutória do discurso, e à mediação metacognitiva, podemos constatar que existe um efeito da tarefa, o que contraria alguns estudos que defendem que a regulação exercida pelos pais é pouco contingente ao comportamento da criança durante a interacção e é consistente ao longo do tempo (Tolmie et al., 2005). Os nossos resultados vão no sentido de confirmar os resultados e afirmações de Wood (1990), Heckhausen (1987), Connor e Cross (2003) e Tenebaum et al. (2005).

Por outro lado, e dado que as tarefas propostas estão afastadas do conhecimento e competências actuais da maioria das crianças, a mediação do adulto assume formas diferentes, e nem sempre as mais indicadas para o que Wood, Bruner e Ross (1976), consideram scaffolding eficaz, mas que são adequadas ao nível de performance das crianças, como por exemplo usar directivas abreviadas na seriação com modelo, e as expressões que contêm apenas referências às relações assimétricas mas a que as crianças não respondem, criando uma nova área de desenvolvimento proximal, funcionando como estímulos externos. A existência do modelo na série exige da parte da mãe o uso mais frequente de directivas abreviadas, a partir das quais a criança tem que inferir qual a importância deste, enquanto mecanismo semiótico, no desempenho da tarefa. Com efeito, para que a criança compreenda a imagem ou o objecto protótipo enquanto dispositivo semiótico específico, é necessário efectuar uma série de relações e inferências, cuja natureza e ordem não estão indicadas, não bastando o processo de percepção das semelhanças. Estas operações podem ser expressas de forma figurativa, mas são necessários sinais indexicais e o estabelecimento de relações verbais (deícticos) que permitam a semiotização do ícone a nível pragmático.

No que diz respeito à mediação cognitiva (perspectiva referencial) é na série sem modelo que se regista uma proporção significativamente mais elevada de expressões de nível 3, isto é, expressões que referem as relações assimétricas sem qualquer outra expressão referencial menos específica no contexto da tarefa, como a cor. As mães interpretaram esta tarefa como didáctica, e embora os filhos não respondessem às directivas que continham apenas estas expressões de nível superior, as mães incluíram-nas directivas não abreviadas, nos actos expressivos negativos acompanhados de directivas abreviadas, e utilizaram as expressões referenciais de nível 2, expressões que incluíam simultaneamente a cor e a relações assimétricas.

Quando relacionamos as variáveis de suporte das mães, incluindo as acções executadas por estas, a regulação directa, as directivas não abreviadas e a utilização de expressões referenciais, verificam-se correlações negativas com a transferência de responsabilidade, o que quer dizer que as crianças realizam as tarefas sem intervenção das mães, o que não implica necessariamente a compreensão da operação em curso.

Assim, a transferência de responsabilidade para a criança não se apresenta correlacionada com as directivas abreviadas e as expressões referenciais de nível superior nas duas seriações. Esta constatação parece indicar que os desafios semióticos contidos nas directivas abreviadas e o input conceptual das expressões referenciais, não tiveram impacto no processo de resolução das crianças. Consideramos que tal se deve ao facto de ser a primeira (ou das primeiras vezes) vez que as crianças mais novas entram em contacto com os procedimentos e a linguagem própria das relações assimétricas em simultâneo, o que constituiria uma iniciação ao conhecimento implícito, em que a ajuda do adulto tem pouco ou nenhum impacto.

Os resultados obtidos apontam igualmente para a confirmação da nossa hipótese inicial, segundo a qual a transferência de responsabilidade para a criança é mediada pelo seu nível de conhecimento nestas tarefas específicas, podendo a escolaridade das mães funcionar como variável moderadora. Com efeito, as mães de nível superior de escolaridade mostram uma tendência para utilizar mais vezes expressões referenciais de nível superior, podendo pró-activar mais facilmente a articulação entre o procedimento da ordenação de comprimentos e o conceito de relações assimétricas.

Os comportamentos observados podem igualmente ser interpretados segundo o modelo de desenvolvimento proposto por Karmiloff-Smith (1992), o Modelo de Redescrição Representacional (MRR). Em qualquer uma das tarefas as crianças necessitam de construir um conhecimento implícito do que é uma seriação e dos procedimentos para chegar à configuração (fornecida pelo modelo ou pela ordenação das primeiras réguas pela mãe ou sob regulação directa).

Por outro lado, se a criança inicia a aprendizagem de um conceito a partir do momento em que entra em contacto com a palavra que refere esse conceito (maior do que e menor ou pequeno do que), o efeito do input conceptual não é imediato, como afirmam Connor e Cross (1983), além de que a mediação linguística tem efeitos diferentes consoante o conhecimento anterior no domínio em causa.

Outro pressuposto do MRR, segundo o qual a passagem do conhecimento implícito, de algum modo iniciado na interacção com as mães, precisa de um processo de auto-organização interna, que articule procedimentos e conhecimento conceptual, até chegar a um conhecimento verbal explícito (fase 3) não se verificou, o que na situação apresentada seria fazer intercalações de réguas e/ou explicar porquê, o que não aconteceu em qualquer das 50 díades observadas

Pelos dados obtidos neste estudo é possível afirmar que a relação entre o nível de escolaridade das mães e os desafios metacognitivos, e o input conceptual por elas fornecido na resolução conjunta de um problema, tem que ter em conta uma série de variáveis contextuais, que incluem os participantes e as características das tarefas. Por outro lado, o facto de a transferência de responsabilidade para as crianças não aparecer correlacionada com os mecanismos semióticos mais desafiantes, põe em evidência a importância do Modelo de Redescrição Representacional, em dois aspectos fundamentais, como já referimos, o desencadear de um conhecimento implícito num domínio determinado durante a actividade conjunta, em que a mediação combine simultaneamente operacionalizações explícitas e input conceptual, tendo em conta o nível de conhecimento da criança. A este processo segue-se a necessidade de um processo de auto-organização individual que radica na comunicação estabelecida durante a resolução conjunta, em que procedimentos e conceitos são indissociáveis e tornam possível que a criança codifique linguisticamente as representações das relações espaciais.

 

REFERÊNCIAS

Bronckart, J. P. (1992). El discurso como acción. Por un nuevo paradigme psicolinguistico. Anuário de Psicologia, 54, 3-48.         [ Links ]

Bronckart, P. P. (1995). Theories of action, speech, natural language, and discourse. In James V. Wertsch, Pablo del Rio, & Amelia Alvarez (Eds.), Sociocultural studies of mind (pp. 75-94). Cambridge: Cambridge University Press.

Bruner, J. (1983). Savoir faire savoir dire. Paris: Presses Universitaires de France.

Callagan, T., & Rankin, M. (2002). Emergence of graphic symbol functioning and the question of domain specificity: A longitudinal training study. Child Development, 73(2), 359-376.

Cole, M. (1985).The zone of proximal development: Where culture and cognition create each other. In James V. Wertsch (Ed.), Culture, Communication and Cognition (pp. 146-1619). Cambridge: Cambridge University Press.

Connor, D. B., & Cross, D. R. (2003). Longitudinal analysis of the presence, efficacy and stability of maternal during informal problem-solving interactions. British Journal of Developmental Psychology, 21, 315-334.

Deleau, M. (1989). L’actualité de la notion de meditatiom sémiotique de la vie mentale. Enfance, 42, 31-38.

Deleau, M. (1990). Les origines sociales du développement mental. Paris: Armand Colin, Ed.

Deleau, M., Gandon, E., & Taburet, V. (1993). Semiotic mediation in guiding interactions with young children: The role of context and communication handicap on distanciation in adult discourse. European Journal of Psychology of Education, 8(4), 473-486.

Delgado-Gaitan, C. (1993). Parenting in two generations of Mexican American families. International Journal of Behavioral Development, 16(3), 409-427.

Deloach, J. S., Miller, K. F., & Pierreoutsakos, S. L. (1998). Reasoning and problem solving. In W. Damon (Ed.), Handbook of child psychology: Volume 2: Cognition, perception, and language (pp. 801-850). Hoboken, NJ, US: John Wiley & Sons Inc.

Doise,W., & Mugny, G. (1997). Psychologie social et développement cognitif. Paris: Armand Colin.

Ellis, S., & Gauvain, M. (1992). Social and cultural influences on children’s collaborative ineractions. In Lucien T. Winegar, & Jaan Valsiner (Eds.), Children’s development within cultural contexts (vol. 2, pp. 155-180). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, Inc.

Fidalgo, Z., & Pereira, F. (2005). Socio-cultural differences and the adjustment of mothers’ speech to their children’s cognitive and language comprehension skills. Learning and Instruction, 15, 1-21.

Fodor, Jerry A. (1992). The modularity of mind. Cambridge, MA: MIT Press.

Freund, L. S. (1990). Maternal regulation of children’s problem-solving behavior and its impact on children’s performance. Child Development, 61, 113-126.

Gattis, M., Beering, H., & Wohlschlager, A. (2002). Goal-directed imitation. In A. Meltzzoff & W. Prinz (Eds.), The imitative mind (pp. 183-205). New York: Cambridge University Press.

Gauvain, M. (1995). Influence of purpose of an interaction on the adult-child planning. Infancia y Aprendizaje, 69-70, 141-155.

Gauvain, M., de la Ossa, J. L., & Hurtado-Ortiz, M. (2001). Parental guidance as children learn to use cultural tools: The case of pictorial plans. Cognitive Development, 16(1), 551-575.

Grusec, J. E., & Goodnow, J. J. (1994). Impact of parental discipline methods on the child’s internalization of values: A reconceptualisation of currents points of view. Developmental Psychology, 30(1), 4-19.

Guberman, S. R, & Greenfield, P. M. (1991). Learning and transfer in everyday cognition. Cognitive Development, 6(3), 233-260.

Haden, C. A., & Fivush, R. (1996). Contextual variation in maternal conversational styles. Merrill-Palmer Quarterly, 42(2), 200-227.

Heath, S. (1986a). Taking a cross-cultural look at narratives. Topics in Language Disorders, 7(1), 84-94.

Heath, S. (1986b). Sociocultural contexts of language development. In C. Cortes (Ed.), Beyond language: Social and cultural factors in schooling language minority students (pp. 143-186). Los Angles, CA: Descrimination, Dessimination, and Assessment Center, California State University.

Heckhausen, J. (1987). Balancing for weakenesses and challenging developmental potential: A longitudinal study of mother-infant dyads in apprenticeship relations. Developmental Psychology, 23, 762-770.

Huntsinger, C., & Jose, P. E. (1995). Chinese American and Caucasian American interaction patterns in spatial rotation puzzle solutions. Merrill-Palmer Quarterly, 41(4), 471-496.

Huntsinger, C., & Jose, P. E. (1997). Cultural differences in early mathematics learning: A comparison of Euro-American, Chinese-American, and Taiwan-Chinese families. International Journal of Behavioral Development, 21(2), 371-388.

Karmiloff-Smith, A. (1992). Beyond modularity A developmental perspective on cognitive science. Cambridge, MA: MIT Press.

Karpov, Y. V., & Haywood, H. C. (1998). Two ways to elaborate Vygotsky’s concept of mediation. American Psychologist, 53(1), 27-36.

Kermani, H., & Janes, H.A. (1999). Adjustment across Task in maternal in low-income latino immigrant families. Hispanic Journal of Behavioral Sciences, 21(2), 134-153.

Kermani, H., & Brenner, M. E. (2000). Maternal in the child’s zone of proximal development across tasks: Cross-cultural perspectives. Journal of Research in Childhood Education, 15(1), 30-52.

Kontos, S. (1983). Adult-child interaction and the Origins of metacognition. Journal of Educational Research, 77(1), 43-54.

Kontos, S., & Nicholas, J. (1986). Independent problem solving in the development of metacognition. The Journal of Genetic Psychology, 147(4), 481-495.

Leslie, A. (2000). Theory of mind” as a mechanism of selective attention. In Michael S. Gazzaniga & Emilio Bizzi (Eds.), The New Cognitive Neurosciences (pp. 1235-1247). Cambridge, MA: MIT Press.

Martin, L. E., & Reutzel, D. R. (1996). Books for children: Mothers’ metacognitive decisions. Reading Psychology, 17(2), 159-180.

Mehan, H. (1998). The study of Social Interaction in Educational Settings: Accomplishements and unresolved issues. Human Development, 41, 245-269.

Mendonza, O. (1995). Developmental changes and socioeconomic differences in mother-infant picture book reading. European Journal of Psychology of Education, 10(3), 261-272.

Moss, E. (1992). The socioaffective context of joint cognitive activity. In L. Winegar & J. Valsiner (Eds.), Chidren’s development within social context (vol. 2, pp. 117-154). London: Lawrence Erlbaum Associates, Publishers.

Moss, E., & Blicharski, T. (1986). The observation of teaching and learning strategies in parent-child and teacher-child interaction. Canadian Journal of Research in Early Childhood Education, 1(2), 21-36.

Murphy, N., & Messer, D. (2000). Differential benefits from and children working alone. Educational Psychology, 20(1), 17-31.

Mulvaney, M. K., McCartney, K., Bub, K. L., & Marshall, N. L. (2006). Determinants of dyadic and cognitive outcomes in first graders. Parenting: Science and Practice, 6(4), 297-320.

Neitzel, C., & Stright, A. D. (2003). Mothers’ of children’s problem solving: establishing a foundation of academic self-regulatory competence. Journal of Family Psychology, 17(1), 147-159.

Ossa, J., & Gauvain, M. (2001). Joint attention by mothers and children while using plans. International Journal of Behavioral Development, 25(2), 176-183.

Piaget, J. (1967). La psychologie de l’intelligence. Paris: Armand Colin.

Pine, K. J., & Messer, D. J. (1998). Group collaboration effects and the explicitness of children’s knowledge . Cognitive Development, 13, 109-126.

Philips, S., & Tolmie, A. (2007). Understanding of the balance scale problems: The effects of parental support. Infant and Child Development, 16, 96-117.

Renshaw, P. (1992). Reflecting on the experimental context: Parents’s interpretations of the educaton motive during teaching episodes. In L. Winegar & J. Valsiner (Eds.), Children’s development within social context (vol. 2, pp. 53-74). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates Publishers.

Rogoff, B. (1990). Apprenticeship in thinking. New York: Oxford University Press.

Rogoff, B., & Gardner, W. (1984). Adjustment of adult-child instruction according to child age and task. Developmental Psychology, 20(2), 193-199.

Rome-Flanders, T., Cronk, C., & Gourde, C. (1995). Maternal in mother-infant games and its relation to language development: A longitudinal study. First Language, 15, 339-335.

Rommetveit, R. (1971/1974). Deep structures of sentences versus message structure: Some critical remarks about current paradigms, and suggestions for an alternative approach. Problèmes Actuels en Psycholinguistique, 206, 507-523.

Searle, J. (1972/1996). Les actes de langage. Paris: Editeurs des Sciences et des Arts.

Sigel, I. E. (1997). Modelo de distanciamento y desarollo de la competencia representative. Infância y Aprendizaje, 78, 13-20.

Sorsby, A., & Martlew, M. (1991). Representational demands in mothers’ talk to preschool children in two contexts: Picture book reading and a modelling task. Journal of Child Language, 18, 373-395.

Snow, C. E. (1972). Mothers’ speech to children learning language. Child Development, 43, 549-565.

St-Laurent, D., & Moss, E. (2002). Le Développement de la planification. Enfance, 4, 342-362.

Tenebaum, H. R., Snow, C. E., Roach, K. A., & Kurland, B. (2005). Talking and reading science: Longitudinal data on sex differences in mother-child conversations in low-income families. Applied Developmental Psychology, 26, 1-19.

Thompson, R. B., & Williams, D. (2006). Diversity among low SES families: An exploration of predictive variables for mothers’ metacognitive questions to their children. Human Development, 3(4), 191-209

Tolmie, A., Thomsom, J. A., Foot, H. C., Whelan, K., Morrison, S., & McLaren (2005). The effects of adult guidance and peer discussion on the development of childrens representations: Evidence from the training of pedestrian skills. British Journal of Psychology, 96, 181-204.

Tomasello, M. (1999). The cultural origins of human cognition. Cambridge: Harvard University Press.

Tomasello, M. (2000). Culture and cognitive development. Current Directions in Psychological Science, 9(2), 37-40.

Travis, L. L. (1997). Goal-based organization of event memory in toddlers. In P. W. van den Broek, P. J. Bauer, & T. Bourg (Eds.), Developmental spans in event comprehension and representation: Bridging fictional and actual events (pp. 111-138). Mahwah, NJ: LEA.

Tudge, J., Putman, S., & Sidden, J. (1994). Everyday activities of American preschollers: Lessons and work in two socio-cultural contexts. In A. Alvarez & P. del Rio (Eds.), Socio-cultural studies: Vol. 4, Education as cultural construction (pp. 110-121). Madrid: Fundación Infancia y Apendizaje.

Vygotsky, L. (1934/1985). Pensée et langage. Paris: Editions Sociales.

Vygotsky, L. (1934/1997). Pensée et langage. Paris: La Dispute.

Wertsch, J. (1985). Vygotsky and the social formation of the mind. Cambridge: Harvard University Press.

Wertsch, J., & Sammarco, J. (1985). Social precursors to individual cognitive functioning: The problem of units of analysis. In R. Hinde, A. N. Perret-Clermont, & J. Hinde (Eds.), Social relationships and cognitive development (pp. 276-293). Oxford: Clarendon Press.

Wertsch, J., Minick, N., & Arns, F. (1984). The creation of context in joint problem solving. In B. Rogoff & J. Lave (Eds.), Everyday cognition: Its development in social context (pp. 151-171). Cambridge: Harvard University Press.

Wood, D. (1990). How children think and learn. Cambridge: Basil Blackwell.

Wood, D., & Middletone, D. (1975). A study of assisted problem solving. British Journal of Pschology, 66, 181-191.

Wood, D., Bruner, J., & Ross, G. (1976). The role of tutoring in problem solving. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 17, 89-100.

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License