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Análise Psicológica

 ISSN 0870-8231

     

 

Manual de Psicologia Comunitária, José Ornelas, 2008

 

 

Fátima Jorge-Monteiro

 

Mais fortes e melhores comunidades...

O que é a Psicologia Comunitária? Qual é o campo de acção? Quais são os objectivos? O que a distingue? Estas, são perguntas que muitos (tanto estudantes como profissionais e académicos) colocam quando estabelecem os primeiros contactos com este campo teórico ou com muitos programas e projectos de intervenção que beneficiam desta inspiração orientadora.

O Manual de Psicologia Comunitária de autoria de José Ornelas, um recurso em língua portuguesa que faltava no nosso país, entre outros méritos, vem contribuir para esta clareza. Por analogia com outros ramos da psicologia (eventualmente também redutoramente), a psicologia comunitária é conotada exclusivamente a determinados contextos, neste caso, o social, o da solidariedade, por exemplo. Sendo que, devido à preocupação central de contrariar o mal-estar social junto de determinados grupos populacionais (pouco beneficiados por mudanças reais por outros domínios), muitas intervenções e investigações paradigmáticas sobre este assunto, valorizaram esta característica. Contudo, devendo manter-se este propósito, muitas vezes não valorizado por outras disciplinas, agir com o enfoque da “comunidade” tem um significado e uma abrangência que não se reduz às intervenções junto de populações vulneráveis.

Precisamente, a psicologia comunitária, devido à forte ligação com a acção para a mudança, tem vindo a desenvolver modelos teórico-práticos potentes e significativos para muitos dos desafios contemporâneos das comunidades e das sociedades actuais. Esta resposta às necessidades, tem sido, em parte, responsável pelo reconhecimento e interesse crescente por parte da comunidade científica e técnica.

Esta disciplina refere-se ao planeamento, à implementação e à avaliação das mudanças transformadoras para o bem-estar das pessoas, organizações ou comunidades. Contudo, as necessidades de transformação e mudança devem reflectir uma visão de uma sociedade mais justa (Prilletensky, cit. por Ornelas, 2008) e esta visão advém de um conjunto de princípios e valores que são basilares na psicologia comunitária.

Deste modo, para além do enquadramento histórico e das origens da psicologia comunitária, o autor começa por dedicar uma secção completa ao conjunto de sete valores fundamentais tal como Dalton, Elias e Wandersman sistematizaram em 2001, partindo dos trabalhos seminais de importantes académicos tal como Julian Rappaport entre outros (Ornelas, 2008). Importa enunciar aqui estes valores que são o referencial base de toda e qualquer acção ou investigação da psicologia comunitária: o bem-estar individual, o sentimento de comunidade, a justiça social, a participação cívica, a colaboração e fortalecimento comunitário, o valor da diversidade humana e a fundamentação empírica.

Para este manual, José Ornelas seleccionou ainda grandes domínios, como sejam, o aprofundamento de fundamentos da psicologia comunitária tais como a teoria de empowerment, o sentimento de comunidade e capital social, a perspectiva ecológica e a ajuda mútua, bem como a abordagem de domínios como o suporte social, a prevenção, a investigação e avaliação colaborativa e a intervenção e mudança social (para a melhor compreensão desta última temática, são apresentadas três situações concretas de programas nacionais com vista à mudança tendo por base os construtos da psicologia comunitária).

Sobre a realização da mudança, podemos encontrar a proposta de Marc Zimmerman organizada de acordo com quatro modelos: o envolvimento comunitário, a mudança da comunidade, o modelo da influência e o fortalecimento comunitário. Estas diferentes formas de abordar a mudança diferem quanto ao facto da intervenção se focar mais nos indivíduos ou mais nas organizações a que pertencem ou na comunidade ela própria.

Em relação aos fundamentos, a perspectiva ecológica, aqui desenvolvida, permite compreender e interpretar os problemas e as intervenções sociais de forma inovadora. Os problemas são vistos contextualmente e como tendo uma multiplicidade de influências e interacções, isto é, todos eles têm efeitos a diversos níveis e portanto as intervenções também têm de realizar-se a diversos níveis de modo a serem eficazes. Assim, são apresentadas as principais teorias que explicam a interacção entre o comportamento e as características dos contextos, a analogia e os princípios ecológicos e a sua relação com qualquer intervenção comunitária, estas últimas perspectivas pensadas e trabalhadas por James Kelly e Murray Levine. Segundo Ornelas (2008), a teoria ecológica possibilita o aprofundamento da interacção entre os indivíduos e os contextos comunitários, em especial, as implicações do valor da diversidade, ao integrar as diferenças humanas (culturais, sociais, físicas e mentais, religiosas, ...) nas diversas práticas sociais, organizacionais, políticas, entre outras.

Esta ideia de diversidade aparece, na psicologia comunitária, de uma forma singular, já que não se refere apenas às preocupações relacionadas com a visibilidade e reconhecimento do estatuto da diferença dos grupos populacionais minoritários mas sobretudo com a contribuição fundamental que estes têm para as comunidades. Ou seja, por exemplo, a inclusão de utentes ou familiares em comités ou conselhos, reconhece o estatuto mas, o resultado ou impactos da participação nesses contextos organizativos será substancialmente diferente, a existência de diversidade nos contextos organizacionais ou comunitários requer a adaptação a esse mesmos contextos mas estes, por força das múltiplas interdependências, transformam-se também. Uma alavanca de mudança pode ser, por exemplo, a introdução de diversidade num contexto.

Esta visão combina-se também com a perspectiva colaborativa e participativa da psicologia comunitária tanto em termos de investigação como de intervenção (as parcerias, por exemplo) e pode também ser conhecida num dos capítulos deste manual. Nesta primeira edição, existe também um capítulo dedicado à intervenção em saúde mental comunitária, constituindo-se como um contributo de actualidade significativa para a implementação de novos modelos de organização e funcionamento tendo em consideração a reestruturação em curso das respostas e serviços dirigidas aos jovens e adultos com doença mental no nosso país.

Globalmente, o livro, apresenta de forma clara e estruturada uma introdução aos principais campos da psicologia comunitária, podendo os interessados obter um conhecimento bastante abrangente sobre este campo de estudo e intervenção. Tendo iniciado com uma nota auto-biográfica, onde o autor pretende dar a conhecer as motivações e percursos pessoais que o levaram a aderir a esta abordagem de pensamento, termina com um capítulo de biografias dos mais conceituados investigadores, de organizações e revistas científicas e de programas académicos internacionais que, para além de fornecerem uma perspectiva da envergadura do campo académico, podem servir de guia orientador para a pesquisa futura de todos os interessados em conhecer mais sobre a acção e a investigação em psicologia comunitária.

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