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Análise Psicológica

Print version ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.28 no.3 Lisboa Sept. 2010

 

Programa de intervenção nas interacções pais-filhos “Desenvolver a Sorrir” – Estudo exploratório

 

M. Zuzarte (*), M. Calheiros(**)

 

(*) Mestre em Psicologia Comunitária e Protecção de menores; E-mail: michellezuzarte@gmail.com.

(**) Centro de Investigação e Intervenção Social/ Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.

 

RESUMO

Este artigo descreve um Programa de intervenção nas interacções pais-filhos, em contextos lúdicos de aprendizagem, o qual é direccionado para famílias “de risco” com crianças até aos 3 anos. Apresenta ainda, um estudo de carácter exploratório onde se avalia a eficácia do programa.

O Programa, que tem por objectivo desenvolver competências parentais através da modelagem e experimentação de interacções positivas em sete sessões, foi aplicado a 19 díades pais (Idade M=28.5; DP=9.48) criança (Idade M=21 meses; DP=0.99) em contexto domiciliário.

As interacções das 19 díades foram avaliadas com o NCATS – Teaching Scale e o HOME utilizando-se um desenho de avaliação pré-pós teste.

Os resultados indicam diferenças significativas em todas as áreas do meio da criança (estimulação diária, materiais lúdicos, ambiente, envolvimento e responsividade emocional e verbal dos pais) e da qualidade da interacção das díades (sensibilidade aos sinais, resposta ao descontentamento, promoção do desenvolvimento, clareza dos sinais e responsividade ao adulto). Não obstante o carácter exploratório do estudo, considera-se que quer a adesão e satisfação dos pais, quer os efeitos positivos do programa nas interacções das díades apontam para a pertinência da prossecução do seu estudo de validação com vista à sua generalização.

Palavras chave: Desenvolvimento infantil, Famílias de risco, Interacção, Pais-filhos, Programa de intervenção.

 

ABSTRACT

This article describes a Program for intervention in parent-child interactions, in playful learning contexts, aimed at “at-risk” families, with children up to age 3. An exploratory study is also presented, wherein the efficiency of the program is evaluated.

The Program, whose activities aim to develop parental competencies, through modeling and experimentation of positive interactions in seven sessions, was applied to 19 parent (Age M=28.5; S.D.=9.48) child (Age M=21 months; S.D.=0.99) dyads, in the home environment.

The pre-post test design evaluated the interactions of 19 parent-child dyads, using the NCATS Teaching Scale and HOME.

Significant differences were found in all the areas of the child’s environment (daily stimulation, play material, physical and temporal environment, emotional and verbal responsiveness of the parents) and in the quality of the dyad’s interaction (sensitivity to signs, response to distress, promoting development, clarity of child’s signs and responsiveness to adult). Even though this is an exploratory study, the parent adherence and satisfaction, as well as the positive effects of the program on the dyads interactions suggest the importance of continuing studies to validate the Program, in order to generalize it’s application.

Key words: At risk families; Child development, Intervention program, Parent-child interactions.

 

INTRODUÇÃO

Os cuidados parentais e a interacção pais-filhos nos primeiros meses de vida da criança, especialmente no que se refere ao grau de sensibilidade e de responsividade dos pais para com o bebé, são determinantes no processo de vinculação e na promoção de um bom desenvolvimento emocional, intelectual e comportamental da criança (Ainsworth, Blehar, Waters, & Wall, 1978; Jenning & Connors, 1989).

Assim, se a intervenção na interacção precoce se constitui como pertinente ao nível universal, a sua relevância da intervenção nesta fase, afigura-se como urgente e essencial no que concerne às famílias consideradas “de risco”, dados os factores de disfuncionalidade que as caracterizam. A este respeito refira-se que a revisão de literatura aponta para que muitas crianças inseridas em famílias de risco ficam sem qualquer estimulação/interacção durante longos períodos de tempo, estando sujeitas a um nível de negligência física grave (Brophy-Herb, Gibbons, Omar, & Schiffman, 1999), que frequentemente se deve a desconhecimento dos adultos no que respeita às necessidades da criança, ou, em alternativa, por indisponibilidade emocional dos mesmos (Sydsjo, Wadsby, & Svedin, 2001).

Tendo em conta a necessidade de uma intervenção precoce, o Despacho Conjunto nº891/99, de 19 de Outubro, que foi aprovado em Portugal, pelos Ministérios da Educação, da Saúde, do Trabalho e da Solidariedade com o objectivo de regulamentar este tipo de intervenção, assume uma importância indiscutível, constituindo-se como um primeiro passo para uma intervenção mais eficaz a este nível. No entanto, ainda que de acordo com o referido despacho, a intervenção precoce tenha como destinatários “crianças até aos 6 anos de idade, especialmente dos 0 aos 3, que apresentem deficiência ou risco de atraso grave do desenvolvimento”, apenas 25% das crianças com dificuldades são referenciadas para intervenção antes dos 3 anos de idade (Almeida, 2004).

Esta situação traduz o facto da intervenção precoce “de natureza preventiva e habilitativa, no âmbito da educação, da saúde e da acção social”, conforme descrita no Despacho Conjunto nº891/99, nem sempre se afigurar como uma realidade, sendo um recurso apenas em situações de atraso de desenvolvimento com níveis de gravidade bastante acentuados e enquadráveis somente nas áreas da saúde e/ou da educação. De facto, ainda que um dos objectivos gerais do Despacho referente à intervenção precoce seja o de “potenciar a melhoria das interacções familiares”, estando este princípio também previsto na legislação da protecção de menores (Decreto-Lei nº 12/2008), constata-se a inexistência de programas estruturados e direccionados para a intervenção precoce ao nível das interacções nas situações de mau trato e negligência em meio natural de vida com crianças sinalizadas no Sistema de Protecção de Crianças. O trabalho das instituições que intervêm em situações de mau trato e negligência de crianças no Sistema de Protecção de Menores em Portugal é, na generalidade, efectuado com recurso a estratégias de sensibilização dos pais, utilizadas de forma não estruturada, sem suporte teórico ou empírico quanto à sua especificidade e pertinência. As dificuldades de articulação entre os diferentes Ministérios e a falta de um investimento político claro nesta área dificultam a evolução na resposta dada pelos técnicos, verificando-se, como já antes se referiu, a inexistência de programas de intervenção estruturados, assim como a falta de formação específica dos técnicos para o efeito pretendido em termos da referida legislação.

A nível internacional já se identificam vários programas de intervenção com pais (e.g., Healthy Families América; Parents as Teachers; Comprehensive Child Development Program; Early Head Start), salientando-se na análise efectuada por Olds, Sadler, e Kitzman (2007) que os programas implementados em domicílio numa fase precoce da interacção em famílias de risco, com o objectivo de intervir na área da saúde, do desenvolvimento da criança e na auto-suficiência económica dos pais da criança evidenciaram bons resultados.

No entanto, a mesma revisão de literatura refere algumas limitações, as quais importa ter em conta na elaboração de novos programas. Entre as mais importantes destacam-se as dificuldades em manter o envolvimento dos progenitores nos programas (especialmente quando as mudanças pretendidas não são sentidas como necessidades dos pais); dificuldades em alterar o padrão de vinculação nas crianças; e poucas ou nenhumas alterações no meio ambiente que os progenitores providenciavam à criança (Olds et al., 2007).

Tendo em conta a inexistência desta natureza a nível nacional, e considerada a importância das interacções positivas na relação precoce pais-filhos para o desenvolvimento da criança em contextos de risco, o trabalho desenvolvido teve por objectivo desenvolver um programa de intervenção, nas interacções pais-filhos com crianças entre os 0 e os 3 anos, teoricamente fundamentado que contribua para a redução das limitações identificadas nos programas a nível internacional, assim como iniciar o estudo da sua validação. O Programa, aplicado no domicílio, é direccionado para famílias “de risco” sinalizadas no Sistema de Protecção de Crianças e Jovens em Portugal, nas quais sistematicamente se verifiquem acentuadas dificuldades ao nível das interacções precoces (Calheiros, 2006; Lourenço, Rosário, & Zuzarte, 2006).

Apesar de não se considerar o programa de intervenção proposto de carácter intensivo, os estudos que analisam os efeitos de Programas de interacção precoce já existentes a nível Internacional, destacam os seus efeitos positivos mesmo nas intervenções de carácter pontual (e.g., intervenção precoce com bebés e famílias – Neonatal Behavioural Assessment Scale – NBAS (Eshel, Daelmans, Cabral de Mello, & Martines, 2006). Estas intervenções revelam-se úteis na demonstração das características dos recém-nascidos, assim como do comportamento dos pais e/ou da criança, permitindo que os pais fiquem a conhecer melhor as capacidades dos seus filhos, os percepcionem como capazes de interacção e, subsequentemente, interajam com eles em conformidade (Britt & Myers, 1994).

 

A INTERACÇÃO PRECOCE E O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

A família é o principal contexto no qual as crianças exercitam competências que vão adquirindo com o apoio dos adultos de referência, pelo que o desenvolvimento da criança é influenciado por factores individuais da criança, factores familiares e outros aspectos do meio (Belsky, 1980; Bronfenbrenner, 1977). Neste contexto, a relação pais-filhos constitui-se como o recurso emocional e cognitivo que permite que a criança explore os ambientes sociais e físicos, assumindo-se a interacção precoce como o veículo de satisfação das necessidades dos recém-nascidos, sendo este processo bidireccional, pois é construído com base nas necessidades básicas das crianças e nas respostas dos pais às mesmas.

No entanto, importa ressaltar que, para que as interacções pais-filhos possam ser bem sucedidas e englobem os contributos individuais de ambos os intervenientes, algumas características são imprescindíveis, incluindo: (a) um elevado grau de sintonia, em que o comportamento individual de ambos os parceiros na díade é mutuamente interdependente; (b) o envolvimento mútuo, no qual cada parceiro está disponível para, e responde ao outro. (c) as características do parceiro adulto, incluindo a sua disponibilidade emocional; a sensibilidade aos sinais emocionais do bebé e as respostas contingentes às emoções e às cognições emergentes através da vocalização, do olhar e das acções (McCollum, Ree, & Chen, 2000).

Relativamente ao contributo do adulto, são várias as propostas apresentadas na literatura relativamente às dimensões a ter em conta no estabelecimento de uma interacção pais-filhos de qualidade (Anders, Halpern, & Hua, 1992; Birch, 1990; Oppenheim, Nir, Warren, & Emde, 1997; Rozin, 1990), dando-se destaque aqui somente àquelas que sustentam a construção do programa apresentado.

Solomon e George (1999) referem quatro variáveis de interacção interdependentes, que promovem uma vinculação segura na criança: a sensibilidade (definida como a reacção imediata e apropriada aos sinais do bebé), a aceitação, a cooperação e a disponibilidade psicológica.

A responsividade do adulto é outro conceito importante para um “cuidar saudável”, sendo conceptualizada através de três passos processuais, nomeadamente: (a) a observação – o adulto observa os sinais da criança, incluindo os movimentos e as vocalizações; (b) a interpretação – interpreta esses sinais de forma correcta (e.g., percebe que um bebé irritado, está cansado) e (c) a acção – reage de forma rápida, consistente e eficaz para responder à necessidade da criança (Eshel et al., 2006).

Para além da responsividade, as estratégias de restrição e/ou castigo utilizadas pelo adulto também influenciam a qualidade da interacção e determinam os estilos parentais. A este respeito importa salientar que em famílias identificadas como multiproblemáticas, os pais controlam os comportamentos dos seus filhos bebés, revelando menor tendência para recorrer a estratégias de gestão de comportamento caracterizadas como “controlo-e-orientação” (Belsky, Woodworth, & Crnic, 1996). As referidas estratégias afiguram-se assim como um aspecto essencial a ser trabalhado dado que as crianças destas famílias, por sua vez, desafiam mais frequentemente os pais e é experienciada uma maior escalada de afectos negativos nestas situações de controlo parental.

A experiência precoce de interacção social, na presença de um adulto sintonizado com a criança e sensível às micro-alterações das emoções e dos comportamentos, é imprescindível para o desenvolvimento da capacidade simbólica, da empatia, da ressonância emocional e da auto regulação (Dekovic & Janssens, 1992; Dishion, 1990; Feldman, 2007; Hart, DeWolfe, Wozniak, & Burts, 1992; Mize & Pettit, 1997). Os parâmetros da sintonia criam um processo de ligação inter-pessoal e familiar especifico a cada díade, mas permitem, em simultâneo, uma margem de imprevisibilidade onde a criatividade e a variabilidade possibilitam o desenvolvimento autónomo do relacionamento social (Feldman, 2007) preparando as bases para a posterior capacidade da criança para estabelecer relações gratificantes com os pares e relações de intimidade ao longo da sua vida.

No entanto, a interacção não influencia apenas o desenvolvimento sócio-emocional da criança, constituindo-se como importante para outras áreas de desenvolvimento, como a área de desenvolvimento cognitivo. A este respeito, importa referir que, segundo Vygotsky (1978), o desenvolvimento das crianças ocorre na “zona de desenvolvimento proximal”, que representa a diferença entre o nível de desenvolvimento actual da criança (capacidade de resolver problemas sozinha) e o nível de potencial de desenvolvimento (capacidade de resolver problemas com a orientação do adulto, visto serem capacidades que estão na fase de maturação mas que ainda não estão na fase de serem utilizadas pela criança sem o apoio do meio). Para além disso, as crianças são participantes activas do ponto de vista social através da observação, da prática, do apoio do adulto e da vivência de actividades partilhadas (Rogoff, 1990), aspectos integrantes da interacção, sendo os progenitores as figuras mais importantes nesta interacção e na sua vida. Eles servem de modelo e de “guias” na selecção das estratégias eficazes para a resolução de problemas (Rogoff, 1990). Assim, os pais (e as mães em particular) trabalham dentro da “zona de desenvolvimento proximal”, ajustando a informação que dão à criança para que esta consiga resolver tarefas simples, em função do seu nível de desenvolvimento e do grau de apoio que necessita.

Visto que a criança só beneficia de actividades cognitivas conjuntas quando essas actividades são dirigidas para o seu “nível de potencial de desenvolvimento”, de forma a avançar o seu “nível de desenvolvimento actual”, a natureza interactiva da instrução que ocorre dentro da “zona de proximidade” constitui-se como essencial. Este conceito é conhecido como “scaffolding” (Rogoff, 2003) e inclui a provisão de regulação, orientação e feedback por parte do adulto durante a tarefa que a criança tenta executar. Uma vez que em idades precoces quer o conteúdo, quer a estrutura da tarefa são essencialmente fornecidos pelos adultos, a competência da criança, apesar de ser influenciada pela sua capacidade inicial, é sobretudo resultado das práticas, instruções e comportamentos instrutivos dos cuidadores principais. Assim, as mudanças progressivas no “scaffolding”, são utilizadas pelos adultos na interacção com os filhos para desenvolver uma variedade de capacidades das crianças, incluindo as capacidades de resolução de problemas, o desenvolvimento da memória, as referências discursivas e as capacidades de comunicação, inerentes ao processo de desenvolvimento (Peterson & McCabe, 1994).

No entanto, não são somente as dimensões de uma interacção de qualidade que devem ser analisadas nos programas de intervenção parental. Com efeito, tendo em conta a dificuldade da adesão dos pais aos programas de intervenção, referida repetidamente na literatura (e.g., McCollum et al., 2000; Olds, 1997) afigura-se como pertinente analisar factores que têm sido descritos como importantes para uma intervenção que pretenda melhorar a qualidade da interacção pais-filhos. Destacam-se os seguintes objectivos, referidos por Bromwich (1990) dado que podem diminuir a resistência dos pais: (a) apoiar a autoconfiança parental, identificando e reconhecendo as potencialidades e capacidades dos mesmos, numa abordagem de resolução de problemas, (b) avaliar a percepção que o adulto tem de si e da criança, (c) promover a sensibilidade dos pais nas suas observações da criança, (d) estimular o interesse por actividades lúdicas com a criança através de estratégias como a modelagem e a experimentação, (e) apoiar a comunicação recíproca pais-filhos, (f) identificar fontes de apoio e de stress, (g) desenvolver uma relação com ambos os progenitores, se tal for possível, (h) apoiar a interacção positiva da criança ou do adulto com outros elementos da fratria, visto que a intervenção poderá ter um impacto negativo na relação do cuidador com as outras crianças (i) e aliviar a sobrecarga do adulto de referência, com sugestões e estratégias que facilitem as rotinas familiares.

 

PROGRAMA “DESENVOLVER A SORRIR”

 

OBJECTIVOS E ESTRATÉGIAS DO PROGRAMA

Foi com base nos aspectos referidos como essenciais nos modelos teóricos de intervenção precoce – a sensibilidade, a responsividade, a proximidade afectiva e o conhecimento parental, que o Programa “Desenvolver a Sorrir” foi construído, organizando-se em três vectores:

1)  Uma vez que as intervenções direccionadas para os pais e criança em simultâneo parecerem ser mais eficazes do que aquelas que focam apenas um dos elementos da díade, e que os “participantes” se mantêm juntos para além do tempo da intervenção (Bromwich, 1990), podendo continuar a influenciar-se mutuamente e a dar sequência à intervenção já efectuada, o Programa “Desenvolver a Sorrir” foi sistematizado de forma a possibilitar: (1) o aumento de tempo de interacção estimulante entre pais e filhos; e, (2) a promoção da aproximação na díade, através de interacções pais-filhos de qualidade.

2)  Tendo em conta a bidireccionalidade do processo de interacção, o Programa centrou-se, por um lado, na promoção da resposta da criança aos comportamentos dos pais e na estimulação de uma maior clareza dos sinais enviados pelo bebé e, por outro, no aumento da atenção e na interpretação dos sinais do bebé por parte dos pais e na promoção da qualidade das respostas dos mesmos às solicitações da criança, tanto nas verbalizações como na demonstração de afectos.

3)  Finalmente, dada a importância da “aproximação” dos pais ao nível de desenvolvimento actual da criança, este programa não só utiliza estratégias de modelagem e estratégias educativas activas para a promoção do conhecimento parental sobre os comportamentos normais e adaptativos da faixa etária na qual o(a) filho(a) se encontra, como a sensibilização destes para a implementação de estratégias de promoção do desenvolvimento cognitivo da criança através da diversificação das experiências de estimulação diária da criança (variedade de estímulos e de materiais lúdicos adequados para o desenvolvimento dos filhos), e ainda da organização do meio físico e da implementação de rotinas do bebé.

Acrescenta-se que, para além dos 3 vectores acima referidos, o Programa “Desenvolver a Sorrir” foi construído com o objectivo de facilitar o envolvimento dos pais e, consequentemente, diminuir as resistências que são referidas de forma sistemática no que concerne à adesão aos programas de intervenção precoce já existentes a nível internacional (Olds et al., 2007). Para este efeito, na elaboração das sessões recorreu-se à personificação da criança, como estratégia de recurso para promover e manter a motivação e o envolvimento dos pais relativamente à intervenção. Para além disso, a valorização do papel parental e a auto estima dos pais foram aspectos priorizados tanto na construção do programa como na aplicação do mesmo.

O Programa, aplicado em contexto de domicílio, é composto por sete sessões (uma sessão introdutória e seis sessões específicas), as quais transmitem aos pais “segredos” na “voz” da criança, relativamente ao desenvolvimento e à interacção positiva, de acordo com a estrutura descrita no Quadro 1.

 

QUADRO 1

Planeamento e objectivos específicos das sessões do programa

 

A sessão introdutória do programa serve para apresentar os objectivos do programa aos pais e para se combinarem aspectos funcionais da sua aplicação. Nesta sessão são ainda abordadas questões de desenvolvimento geral da criança, tendo em conta a sua faixa etária. Cada uma das restantes seis sessões aborda dois segredos com aspectos relacionados e interdependentes, sendo através destas sessões que a criança “diz” aos pais o que lhe está a acontecer em termos do seu desenvolvimento, fornecendo-lhes estratégias sobre a forma mais adequada de interagir com ela. Os 12 segredos que constituem o conteúdo das sessões abordam aspectos considerados relevantes na literatura para a promoção de uma interacção precoce de qualidade, incluindo as estratégias de uma interacção positiva, a comunicação bidireccional entre a díade, aspectos valorizados num meio estimulante e organizado, a importância do envolvimento e das regras para a criança, bem como estratégias para a promoção do seu desenvolvimento cognitivo e sócio-emocional. Cada uma das seis sessões é apresentada, por um técnico, em 3 fases: (1) Início – reflexão sobre as actividades da sessão anterior; (2) Corpo da sessão – são apresentados e discutidos os conteúdos da sessão, em forma de leitura, como se fosse a própria criança a partilhar os seus pensamentos e sentimentos com o cuidador; (3) Experimentação – são apresentadas actividades para serem executadas com a criança, de modo a colocar em prática as estratégias de interacção positiva abordadas no momento anterior da sessão, constituindo-se como um veículo de experimentação dos aspectos abordados. Estas actividades, propostas pela criança, através da voz do adulto que aplica o Programa, são efectuadas ainda na presença do técnico, de forma a possibilitar a modelagem ou a sensibilização dos adultos relativamente às reacções e comportamentos da criança. As propostas de actividades a desenvolver em cada faixa etária estão organizadas em função dos seguintes nove grupos etários: 0-3 meses, 3-6 meses, 6-9 meses, 9-12 meses, 12-15 meses, 1518 meses, 18-21 meses, 21-24 meses e 2-3 anos.

As sessões, com uma duração prevista de 45 minutos, deverão ser realizadas no domicílio, num local da casa escolhido pelos pais, no qual haja condições (ex.: sem distracções, como televisão ou animais domésticos) para efectuar actividades com a criança. Um vez que um dos objectivos da intervenção é trabalhar no meio ambiente natural da criança, nas sessões em que há irmãos mais velhos em casa, estes deverão ser envolvidos nas actividades efectuadas com a criança.

No final de cada sessão é fornecido aos pais o material escrito da sessão (protocolo da sessão), as actividades referentes à faixa etária da criança a que diz respeito a intervenção da semana, bem como todo o material lúdico necessário para executar as actividades propostas. Na parte final do protocolo de cada sessão existe um espaço em branco para que os pais registem opiniões e sentimentos relativamente aos conteúdos das sessões, bem como todos os registos relativos à execução dos trabalhos de casa (actividades sugeridas para aplicação durante a semana) e ainda registos relativos às observações/avaliações.

Foi ainda construído um certificado de participação, para ser entregue no final da aplicação do Programa, como uma estratégia para valorizar os pais e a sua relação com os filhos, pretendendo-se assim contribuir para o aumento dos sentimentos de competência parental dos participantes e aumentar a probabilidade dos mesmos darem continuidade às actividades lúdicas iniciadas durante o programa.

 

AVALIAÇÃO DO PROGRAMA

 

MÉTODO

 

Participantes

Para a avaliação do Programa foram utilizadas 19 díades (mãe/pai-filho) que participaram no programa e cujas características se encontram abaixo descritas.

Os participantes foram recrutados e seleccionados através das equipas de intervenção comunitária das instituições locais que acompanham famílias sinalizadas como de risco e nas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens na zona da Grande Lisboa, tendo sido respeitados os seguintes critérios de inclusão: (a) a criança ter até 3 anos de idade; (b) a criança/família estar sinalizada e em processo de acompanhamento numa equipa de intervenção comunitária de “risco” ou numa Comissão de Protecção de Crianças e Jovens; (c) a criança ser vitima de mau trato e/ou de negligência parental. A avaliação do mau trato e da negligência foi efectuada através do Questionário de Avaliação do Mau Trato, Negligência e Abuso Sexual (Calheiros, 2006), o qual foi preenchido pelos técnicos que acompanham a situação da família na qual a criança se encontra inserida. Foram ainda recolhidos pelos técnicos os dados sócio-demográficos da criança e do seu agregado familiar.

 

Características das crianças e famílias

Participaram no Programa 19 díades pais-filhos, 36,9% em acompanhamento nas equipas de intervenção comunitária com famílias de risco e 63,1% acompanhadas nos Serviços da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens. Da totalidade das famílias sinalizadas 42,1% já estavam referenciadas como uma situação de risco e/ou perigo há mais de um ano1, sendo que apenas 63% dos bebés incluídos no programa estavam integrados em equipamentos de infância.

As idades das crianças situavam-se entre os 3 meses e os 3 anos de idade (M=21 meses; DP=0,99), sendo 58% do sexo masculino e 42% do sexo feminino; mais de metade das crianças ocupavam o 1º ou o 2º lugar na fratria.

As famílias nucleares (42,1%) e monoparentais femininas alargadas (35,8%) eram as mais representadas, sendo 79% das díades de descendência lusa e as restantes (21%) de descendência africana. As idades dos pais variavam entre os 14 e os 48 anos de idade (M=28,5; DP=9,48), sendo 89,5% da amostra mães. A escolaridade dos pais é baixa e mais de metade encontravam-se desempregados, subsistindo com rendimentos irregulares e ajudas públicas ou privadas, e cerca de metade residem em casas mal conservadas com condições impróprias em bairros sociais degrados ou de lata (47,4%).

No que concerne ao nível de mau trato e/ou negligência da criança, as médias e os desvios padrão verificados nas dimensões2do instrumento foram as seguintes: Negligência ao Nível dos Cuidados Básicos (M=1.16; DP=0.77); Negligência Educacional ou de Estimulação (M=0.67; DP=0.90); Mau trato (M=0.22; DP=0.40). As médias mais elevadas foram verificadas em itens da primeira dimensão, destacando-se que a mais elevada foi observada no item relações com as figuras de vinculação (2.39 com DP=1.13).

 

PROCEDIMENTO DA APLICAÇÃO DO PROGRAMA

Após selecção dos participantes, foi explicado aos pais o objectivo do Programa e o facto de este estar integrado num estudo de avaliação para validação do Programa, tendo-lhes sido solicitado que assinassem um documento de consentimento de participação. As seis sessões, realizadas semanalmente após a sessão introdutória e com duração média de 45 minutos, foram efectuadas no espaço do domicílio, em datas e horários combinados previamente com os pais, respeitando cada sessão os 3 momentos já descritos.

Com os pais sem escolaridade ou com maior dificuldade de compreensão e escrita, o terceiro momento, para além de ser utilizado para desenvolver as actividades propostas, foi também utilizado para o técnico anotar os comentários dos pais sobre a sessão e as actividades apresentadas, sempre com o seu consentimento, dado não lhes ser possível realizar o trabalho de casa escrito de forma autónoma.

 

AVALIAÇÃO DO PROGRAMA

 

MÉTODO

 

Participantes

Para a avaliação do Programa foram utilizadas as 19 díades (mãe/pai-filho) que participaram no programa e cujas características se encontram acima descritas.

 

Desenho da avaliação e instrumentos

O Programa “Desenvolver a Sorrir” foi avaliado com um desenho pré, pós-teste de avaliação da qualidade das interacções no grupo de díades (N=19) que foi sujeito à intervenção.

Foram utilizados dois instrumentos de avaliação.

O Home Observation for Measurement of the Environment (HOME) (Sumner & Spietz, 1994) foi utilizado para avaliar o meio da criança, através das seguintes sub-escalas: responsividade emocional e verbal do cuidador; evitamento de restrição e castigo; organização do ambiente físico e temporal da criança; provisão de materiais lúdicos apropriados; envolvimento materno com a criança; oportunidades para estimular diariamente a criança de forma variada.

O NCATS – Teaching Scale (Sumner & Spietz, 1994) foi utilizado para avaliar a qualidade da interacção da díade cuidador-criança. As quatro sub-escalas do instrumento que avaliam o comportamento parental incluem: sensibilidade aos sinais; estimulação do desenvolvimento cognitivo; estimulação do desenvolvimento sócio-emocional; e resposta ao descontentamento. As duas sub-escalas que avaliam o comportamento da criança são: clareza dos sinais; e responsividade ao cuidador.

Foi ainda elaborado um guião de entrevista para os pais responderem no final do Programa, com o objectivo de recolher a sua opinião relativamente às sessões e ao programa em geral (aspectos positivos e negativos, conforto/desconforto nas sessões; benefícios para os próprios e para os filhos na participação no programa, bem como os aspectos que os levariam a aconselhar/desaconselhar a participação de outros pais no programa).

 

Procedimento de avaliação

A avaliação inicial do ambiente familiar da criança e da interacção da díade, foi efectuada numa visita domiciliária antes da aplicação do programa. Esta sessão foi combinada com os pais com antecedência, por via telefónica, tendo-lhes sido solicitado que a criança estivesse presente visto que iria ser pedido que fizessem uma pequena tarefa com o filho(a). Após ter sido explicado aos pais que a sua participação no estudo seria completamente anónima e todos os dados fornecidos seriam confidenciais, a avaliação iniciou-se com a aplicação do HOME, que remete para a recolha directa de informação junto dos pais e para a observação da dinâmica espontânea entre a díade. De seguida foi observada a interacção da díade num contexto lúdico de aprendizagem, através do NCAST. Desta forma foi solicitado ao adulto que ensinasse a criança a efectuar uma tarefa nova, adequada à sua faixa etária, tendo-lhe sido fornecido o material necessário à sua execução (e.g., ensinar a criança a procurar um objecto que o adulto esconde debaixo de um pano enquanto ela está a observar, a rabiscar de forma horizontal, ou a empilhar cubos de madeira, etc.).

Após a realização da sexta sessão do programa, foi realizada uma sessão para efectuar a avaliação pós intervenção, cujo procedimento foi igual ao da avaliação inicial. Nesta sessão foi ainda realizada a entrevista, com o objectivo de obter a opinião dos pais relativamente aos conteúdos e às actividades do programa.

 

RESULTADOS

O meio da criança

Para comparar os dados recolhidos na amostra em estudo, antes e após a implementação do programa, e com a intenção de avaliar o seu impacto na qualidade das interacções pais-filhos recorreu-se ao teste não paramétrico Wilcoxon.

Os resultados obtidos no HOME apontam para diferenças significativas nas médias em todas as dimensões da qualidade do meio ambiente da criança avaliadas (Quadro 2). Em termos globais, verificou-se um aumento significativo (z=-3.71; p=.000) entre os resultados médios do pré-teste (M=21.11; DP=5.84) e os resultados médios do pós-teste (M=33.32; DP=4.84) num total possível de 45 pontos.

 

QUADRO 2

Médias e desvio padrão da qualidade do meio ambiente obtidas pré e pós a aplicação do programa

 

Mais especificamente, na sub-escala referente aos materiais lúdicos disponíveis, verificou-se o aumento mais acentuado entre o pré-teste (M=2.74; DP=2.21) e o pós-teste (M=6.47; DP=1.26) (z=-3.84; p=.000). Salienta-se no entanto que, para além desta sub-escala, as sub-escalas de responsividade emocional e verbal do adulto (pré-teste M=7.00; DP=2.26; pós-teste=9.16; DP=1.38) (z=-3.42; p=.001), envolvimento materno (pré-teste M=1.58; DP=1.26; pós-teste M=3.89; DP=1.05) (z=-3.61; p=.000), estratégias de restrição e castigo (pré-teste M=4.26; DP=1.85; pós-teste M=5.95; DP=1.31) (z=-3.45; p=.001) e organização do ambiente físico e temporal (pré-teste M=3.47; DP=1.12; pós-teste=4.89; DP=1.20) (z=-3.02; p=.003) apresentaram também alterações significativas. Refira-se ainda os resultados na dimensão “variedade na estimulação diária”, onde ainda que ligeiramente inferiores aos das restantes sub-escalas (pré-teste M=2.05; DP=1.18; pós-teste M=2.95; DP=1.13) continuam a evidenciar-se como significativos (z=-2.50; p=.013).

 

A interacção da díade

À semelhança do que ocorreu na avaliação do meio ambiente da criança, também foi utilizado o teste não paramétrico Wilcoxon com o objectivo de comparar os dados recolhidos antes e após a aplicação do programa.

Verificaram-se diferenças significativas (p≤.05) entre as médias das avaliações pré e pós-teste, em todas as áreas de interacção observadas. Verificou-se um aumento global significativo (z=-3.62, p=.001) nos comportamentos de interacção positiva do adulto (pré-teste M=23.58; DP=7.90; pós-teste M=38.95; DP=5.03), tendo todas as sub-escalas revelado alterações significativas, nomeadamente a sensibilidade (pré-teste M=4.84; DP=1.98; pós-teste M=8.79; DP=1.62) (z=-3.47; p=.001), respostas ao descontentamento da criança (pré-teste M=5.79; DP=2.68; pós-teste M=9.63; DP=1.89) (z=-3.27; p=.001) e estratégias de promoção do desenvolvimento cognitivo (pré-teste M=7.21; DP=2.92; pós-teste M=12.00; DP=1.67) (z=-3.63; p=.000) e sócio-emocional (pré-teste M=5.74; DP=2.13; pós-teste M=8.53; DP=1.58) (z=-3.30; p=.001). Relativamente às acções da criança, também se verificou um aumento global significativo (z=-3.39; p=.001) entre a média das sub-escalas no pré-teste (M=12.11; DP=3.28) e no pós-teste (M=16.79; DP=2.76), mais especificamente na clareza dos seus sinais (z=-3.14; p=.002) e na sua responsividade ao adulto (z=-3.41; p=.001). Globalmente verificou-se um aumento significativo (z=-3.62; p=.000) entre a média da qualidade da interacção no pré-teste (M=35.68; DP=9.75) e no pós-teste (M=55.74; DP=7.18).

 

QUADRO 3

Médias e desvio padrão de qualidade de interacção obtidas pré e pós a aplicação do programa

 

A avaliação do programa pelos pais

Da análise efectuada às entrevistas aos pais após a conclusão do programa, salienta-se que foram unânimes a responder que gostaram de ter participado no programa e que aconselhariam a participação no programa a amigos ou familiares com crianças nesta faixa etária.

Analisando os aspectos positivos referidos, ressalta-se que quando os pais foram questionados relativamente ao que mais gostaram no programa, o aspecto que foi mais referido foi o facto de verem o filho a divertir-se enquanto fazia actividades que promovem o seu desenvolvimento (26%), seguido pela avaliação positiva que fazem das interacções que tiveram com os filhos, pois “faziam coisas que estes mostravam gostar” (26%) e o facto dos filhos terem partilhado “segredos” com eles (21%). No que concerne aos aspectos do programa que mais os motivaram, ressaltaram a reacção dos filhos face às actividades que para eles eram novidade (42%), os momentos de partilha com os filhos (26%) e terem tido a oportunidade de perceber capacidades nos filhos que ainda lhes eram desconhecidas (21%).

No que diz respeito aos benefícios que percepcionaram devido à sua participação no programa, os pais referiram ter aprendido a brincar com os filhos, utilizando actividades que os ajudavam a desenvolver, redução na agitação que caracteriza os comportamentos de algumas das crianças na amostra (42%), o terem ficado a perceber melhor os comportamentos dos filhos e a influência que têm sobre os mesmos (37%), bem como o aumento no tempo de qualidade que passaram com os filhos (32%).

Relativamente aos benefícios do programa para os filhos, os pais consideraram que estes tiveram novas experiências/sensações (47%), se divertiram (37%) e tiveram uma maior atenção da mãe/do pai como resultado do programa (32%). Os motivos pelos quais referiram que aconselhariam outras pessoas a participar no programa englobaram aspectos associados, na sua maioria, ao conhecimento que ganhariam relativamente às necessidades e aos pensamentos dos filhos (68%), sendo ainda destacada a “diversão” e consequente aumento na disponibilidade para brincarem com os filhos (42%) e o apoio no que se refere à interpretação dos comportamentos dos filhos e às estratégias para lidar com /gerir os mesmos (42%).

Passando aos aspectos mais negativos referidos pelos pais na avaliação do Programa, uma percentagem importante não referiu nenhum aspecto que tivesse gostado menos no programa (47%). Houve, no entanto, alguns pais que referiram não terem gostado “das actividades nas quais as crianças se sujavam”, como foi o caso das actividades que envolveram a utilização de tintas ou de plasticina (21%), tendo também havido a mesma percentagem de pais que referiram não ter gostado “da parte do registo escrito” que lhe foi solicitada no programa (21%).

Mais de metade dos pais referiram nunca se terem sentido desconfortáveis durante a aplicação do programa (53%). No entanto, nos que referiram desconforto, o mesmo prendeu-se essencialmente com a primeira sessão, altura em que se sentiram tímidos e inseguros por não saberem o que poderiam esperar do Programa no qual iriam participar (37%). Nenhum dos pais referiu motivos pelos quais pudesse desaconselhar a participação no programa a um amigo ou familiar com filhos pequenos. Quando questionados relativamente aos aspectos que alterariam no programa de forma a melhorá-lo, alguns referiram que fariam com que as sessões tivessem continuidade durante mais tempo (32%), outros alterariam a parte que envolveu o registo escrito (16%), ainda que uma grande parte tivesse respondido que não alterava nada (47%).

 

CONCLUSÕES E DISCUSSÃO

Ainda que as intervenções pontuais iniciem um processo positivo entre o adulto e a criança, o facto de não resultarem em efeitos a longo prazo (Britt & Myers, 1994), supõe uma utilização continuada e uma intervenção mais intensiva e não isolada.

Após análise inicial da situação das crianças da amostra, mais especificamente no que se refere ao nível de negligência e de mau trato, conclui-se que as mesmas se encontravam sobretudo sujeitas a um contexto de negligência ao nível dos cuidados básicos, tanto ao nível físico como relacional, situação tanto mais grave tendo em conta a idade precoce das crianças e a elevada dependência que a mesma pressupõe. Esta negligência, mais acentuada no que se refere à relação com as figuras de vinculação, já era esperada, tendo em conta tratar-se de uma amostra recolhida no Sistema de Protecção de Crianças e Jovens, precisamente a população para a qual o Programa “Desenvolver a Sorrir” foi elaborado.

Este trabalho pretende descrever e contribuir para a validação do Programa “Desenvolver a Sorrir” enquanto uma intervenção que seja eficaz nas interacções precoces pais/filhos. Os resultados indicam melhorias em todos os aspectos que influenciam o meio no qual as crianças se encontravam inseridas, mais especificamente, na variedade da estimulação diária e nos materiais lúdicos adequados e disponíveis para a criança, nos aspectos associados à organização do ambiente físico e temporal da criança, bem como nos indicadores de maior envolvimento e responsividade emocional e verbal dos pais para com os seus filhos. A este respeito importa referir que todo o material básico à execução das actividades propostas foi providenciado aos pais que participaram no estudo, aspecto que possibilitou a evolução verificada em alguns dos níveis referidos. No que concerne à interacção da díade, também se registaram alterações significativas em todas as áreas observadas, tanto no comportamento dos pais (sensibilidade aos sinais, resposta ao descontentamento e estratégias para promover o desenvolvimento cognitivo e sócio-emocional), como na clareza dos sinais da criança e na responsividade da mesma ao adulto.

Para além dos resultados já mencionados, importa ainda destacar as opiniões verbalizadas pelos pais relativamente ao Programa. Este foi avaliado de forma muito positiva por todos os pais que participaram. Os aspectos negativos referidos parecem estar associados a algumas limitações do estudo e que importa descrever, com vista a serem ultrapassadas em futuros estudos de validação do Programa.

Todos os resultados obtidos na avaliação do programa “Desenvolver a Sorrir” parecem encorajadores, apoiando a pertinência da implementação desta intervenção junto da população para a qual foi concebida. Contudo, importa reflectir sobre algumas questões, quer de carácter metodológico que possam ter interferido com os resultados encontrados no estudo, quer relativas a aspectos que sobressaíram no processo de avaliação de monitorização do programa.

A nível metodológico não foi possível constituir um grupo de controlo para analisar os efeitos específicos do programa de intervenção em estudo, eliminando a possibilidade dos resultados obtidos poderem estar a ser influenciados por outros factores. Uma outra questão prende-se com o facto de a observação da interacção das díades, efectuada com o NCAST Teaching Scale, não ter sido realizada por dois observadores para garantir a validade das mesmas. Para além disso, seria importante efectuar uma avaliação de follow-up após alguns meses, para avaliar os efeitos do programa a longo prazo. Esta necessidade prende-se não só com o facto de se prever, pela experiência adquirida no trabalho em meio natural de vida, que os resultados obtidos possam não ser mantidos no tempo, mas também porque a revisão de literatura que analisa o impacto de programas de intervenção deste tipo, indica que as intervenções pontuais iniciam um processo positivo entre o adulto e a criança mas que poderão não resultar em efeitos a longo prazo (Britt & Myers, 1994).

Tendo isto em conta, e com base na avaliação de processo (monitorização do programa), considera-se que a intervenção poderá ser mais eficaz, sobretudo para facilitar a manutenção dos resultados obtidos a longo prazo, se a aplicação do programa for prolongada no tempo, com as sessões organizadas de forma a permitirem uma maior integração das experiências de interacção possibilitadas pela intervenção. Assim, consideramos que cada sessão deveria abordar apenas um dos doze segredos, resultando a organização do programa em 12 sessões de intervenção, em vez das seis que foram aplicadas no presente estudo. Além disso, sugere-se a aplicação quinzenal de cada uma destas 12 sessões de trabalho, sendo que as semanas alternadas seriam utilizadas para a experimentação das actividades com a criança, garantindo a supervisão do técnico para a adequação de expectativas e a identificação de resistências. O programa teria a duração de cerca de 6 meses (24 semanas), período que possibilitaria trabalhar e adequar aspectos nos quais surgiram resistências por parte dos pais (actividades que provocam sujidade como as tintas, a plasticina, o creme de barbear), assim como outros aspectos da dinâmica familiar, igualmente importantes neste tipo de situações (e.g., circunstâncias sociais desfavoráveis, relações conflituosas entre os pais, parentalidade precoce e rejeição da gravidez (Sydsjo et al., 2001).

Relativamente à componente de registo escrito, que encontrou resistência por parte da maioria dos pais, a organização acima proposta facilitaria este aspecto visto que o aumento do tempo de proximidade permitiria trabalhar as situações enquanto elas ocorriam em vez de tal ser feito através dos registos elaborados.

Em conclusão, considera-se que as mudanças encontradas através da aplicação do programa apresentado no estudo são bastante significativas. As limitações encontradas no programa parecem estar sobretudo associadas ao período de tempo planeado para o desenvolver. Neste sentido é desejável que estudos futuros possam colmatar as fragilidades metodológicas do Programa e contribuir para avaliar de forma consolidada as mudanças encontradas na qualidade das díades. Desta forma poder-se-á generalizar a sua aplicação a populações de risco, pelos técnicos que trabalham na comunidade, com o objectivo não só de contribuir para a diminuição da lacuna que se verifica no acompanhamento efectuado em meio natural de vida ao nível das interacções pais-filhos, mas sobretudo para diminuir o potencial de negligência e/ou de mau trato dos pais para com a criança. Não obstante o estudo desenvolvido apresentar um carácter exploratório, o Programa “Desenvolver a Sorrir” parece revelar-se um importante recurso na intervenção com famílias de risco sinalizadas no Sistema de Protecção de Crianças, constituindo-se como um instrumento pertinente de intervenção comunitária, podendo ser um instrumento de intervenção ao nível da prevenção primária e secundária no que diz respeito ao desenvolvimento de díades pais-filhos de qualidade.

 

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NOTAS

1Em Portugal, o Sistema de Protecção de Crianças e Jovens encontra-se organizado em três níveis de intervenção: 1º nível – a criança encontra-se numa situação de risco e a família é acompanhada por instituições da comunidade; 2º nível – a criança encontra-se numa situação de perigo e é aberto processo na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da zona de residência, ainda que a situação familiar não deixe de ter o acompanhamento ao 1º nível de intervenção; 3º nível – a criança encontra-se numa situação de perigo que não foi possível diminuir ao 2º nível por falta de consentimento dos progenitores ou por ineficácia da intervenção, sendo o processo da criança remetido para o Tribunal de Família e de Menores.

2Foram alteradas as dimensões definidas por Calheiros (2006) tendo em conta a especificidade das características das crianças na faixa etária incluída no presente programa. Assim, o total dos itens do questionário foram reagrupadas em 3 dimensões: Negligência ao Nível dos Cuidados Básicos =0,81) – higiene pessoal, alimentação, higiene – espaço habitacional, acompanhamento saúde física, acompanhamento saúde mental, relação com as figuras de vinculação, acompanhamento alternativo suplementar e segurança do meio; Negligência Educacional ou de Estimulação =0,86) – necessidades de desenvolvimento e acompanhamento escolar, supervisão, autonomia apropriada à idade, métodos disciplinares coercivos e padrões de avaliação; Mau trato =0,78) – métodos violência física e interacções físicas/verbais agressivas, abuso sexual e desenvolvimento sócio-moral.

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