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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica v.28 n.2 Lisboa abr. 2010

 

Entrevista com o Professor Irving Kirsch – Uma conversa acerca da hipnose clínica e experimental

 

Cláudia Carvalho (*)

 

RESUMO

O artigo apresenta uma entrevista com o psicólogo, investigador e autor de referência na área da hipnose clínica e experimental Irving Kirsch. Esta entrevista foi realizada aquando de uma das visitas de Irving Kirsch a Portugal, e cobre os tópicos essenciais para uma introdução ao tema da hipnose clínica e experimental, permitindo a profissionais e público uma melhor compreensão do que é a hipnose clínica, quais as suas aplicações, particularmente em contextos de saúde e qual o estado da arte da investigação em hipnose experimental. São ainda abordados os cuidados a ter na decisão de usar a hipnose em saúde e na selecção de entidades legítimas de formação em hipnose

Palavras-chave: Formação, Hipnose, Hipnoterapia, Utilização em saúde.

 

ABSTRACT

This article presents a transcript of an interview with the psychologist, researcher and reference author in the field of hypnosis Irving Kirsch, PhD. The interview took place in one of his visits to Portugal, and covers the main topics for a basic introduction to the theme of clinical and experimental hypnosis, allowing both professionals and public to better understand what is hypnosis, its applications in clinical and health contexts, and the state of the art of the research in the field. Professional issues such as the decision about using hypnosis in health care as well as how to choose legitimate opportunities of training are also addressed.

Key-words: Health care utilization, Hypnosis, Hypnotherapy, Training.

 

De origem norte-americana, Irving Kirsch, doutorado em Psicologia e investigador, é um autor de referência na área da hipnose clínica e experimental. Foi presidente da Divisão 30 (Society for Psychological Hypnosis1) da American Psychological Association no período de 1993-94, e faz parte da sua comissão executiva desde 1983, onde para além da posição de Presidente, já assumiu os cargos de Membership Chair, Nominations Chair, and Awards Chair. É autor de 9 livros, de onde se destacam Handbook of Clinical Hypnosis (1993) e Essentials of Clinical Hypnosis: An Evidence-based Approach (Dissociation, Trauma, Memory, and Hypnosis Book Series), ambos em co-autoria com S.J.Lynn (2006), How Expectancies Shape Experience (1999), Hypnosis: Theory, Research And Application (2006) e The Emperor’s New Drugs: Exploding the Antidepressant Myth (2009): É ainda autor de 40 capítulos de livros e mais de 180 artigos científicos que versam, entre outros temas, sobre hipnose, sugestão e efeito placebo. O seu trabalho tem sido publicado em revistas como PLoS Medicine, American Psychologist, Psychological Bulletin, Psychological Science, Journal of Consulting and Clinical Psychology, Journal of Neuroscience, Journal of Personality and Social Psychology, Journal of Abnormal Psychology, Pain, Journal of Experimental Psychology: Applied, British Medical Journal, Annals of Behavioral Medicine, Psychopharmacology, Biological Psychiatry, Behavioral Neuroscience, Archives of General Psychiatry, e Journal of Neuroscience, bem como em revistas especializadas no tema da hipnose, como o International Hournal of Clinical and Experimental Hypnosis (do qual é consultor editorial) e do Contemporary Hypnosis (do qual é editor associado). Detentor de vários prémios de mérito, entre os quais se salienta o Ernest R. Hilgard Award for Scientific Excellence da International Society of Hypnosis (2003), o Scientific Contributions in Hypnosis Award da American Psychological Association Division 30 (2003), e o Presidential Award da Society for Clinical & Experimental Hypnosis (1999).

Desde 2005 esteve já quatro vezes em Portugal a convite do ISPA para ministrar conferências e pequenos cursos, bem como arguir a dissertação de doutoramento da autora destas linhas. O texto que aqui se transcreve resulta de uma conversa gravada aquando de uma dessas visitas, onde Irving Kirsch explica de forma acessível a todos os públicos o que é a hipnose, quais as suas aplicações clínicas, particularmente em contextos de saúde, e quais os cuidados a ter na decisão de usar a hipnose em saúde e na selecção de entidades legítimas de formação em hipnose. Actualmente Irving Kirsch é professor na Universidade de Hull no Reino Unido.

 

Cláudia Carvalho

(CC) De que falamos quando falamos de hipnose?

Irving Kirsch

(IK) Em primeiro lugar deixe-me deixar claro que o que vamos falar é de hipnose clínica e não de hipnose de palco, que é uma coisa muito diferente. A hipnose clínica consiste numa situação em que uma pessoa, um hipnotizador ou um terapeuta, faz sugestões de mudanças específicas na experiência de um sujeito ou paciente. Estas sugestões poderão ser por exemplo, a sugestão de que vai sentir menos dor, ou menos ansiedade numa situação particular. Trata-se de uma ferramenta terapêutica que pode ser usada em conjunto com qualquer terapia em que o terapeuta tenha competência. Assim poderemos usar a hipnose num quadro de referência cognitivo-comportamental, psicanalítico, ou qualquer outro. Qualquer abordagem terapêutica pode ser incrementada com a adição da hipnose.

CC É do conhecimento geral que a hipnose foi utilizada e posteriormente abandonada por Freud, o que levou à noção generalizada de que esta não é uma boa ferramenta terapêutica...

IK Sabemos actualmente que a hipnose é uma ferramenta terapêutica útil, e possuímos este conhecimento a partir dos estudos empíricos acerca da eficácia da psicoterapia. Têm sido publicadas várias meta-análises2e estudos empíricos que demonstram que a hipnose aumenta a eficácia da terapia psicanalítica e da terapia cognitivo-comportamental, e o efeito do ponto de vista estatístico é bastante grande.

CC Mas Freud abandonou a hipnose...

IK Freud estava consciente do facto de que as pessoas não são todas sugestionáveis da mesma forma, i.e., há pessoas mais sugestionáveis do que outras. Freud abandonou a hipnose em favor da associação livre, que é uma situação onde não é necessário possuir nenhum grau particular de sugestionabilidade. Freud estava também preocupado com a possibilidade de sugestionar demasiado os seus pacientes. No seu esforço para descobrir experiências, ideias e desejos provenientes do passado, ele começou a ficar preocupado com a possibilidade de algumas das memórias que ele estava a ajudar a revelar nos seus pacientes poderiam ter sido sugeridas no processo terapêutico, o que o levou a preocupar-se com a utilização de procedimentos sugestivos. Não sabemos com exactidão, mas é bastante possível. E certamente se ele tinha esta preocupação, ela era legítima porque se há uma situação onde a hipnose não é uma boa ferramenta é na recuperação de memórias, uma vez que há o enorme perigo de que aquilo que se recupere seja uma falsa memória. A questão é que a hipnose envolve largamente a imaginação e a fantasia, pelo que quando se pede a alguém para fazer alguma coisa sob hipnose, inclusive quando se pede para recordar alguma coisa, é muito provável que a pessoa fantasie e imagine coisas que podem ter ou não acontecido. As pessoas acreditam incorrectamente que a hipnose é uma forma de aceder às memórias inconscientes e consequentemente acreditam erradamente que algo que imaginaram realmente aconteceu. Esse não é de todo a utilização apropriada da hipnose3.

CC Quais as aplicações clínicas da hipnose?

IK Tudo o que se pode fazer num contexto clínico pode fazer-se utilizando a hipnose. Por exemplo, se se vai utilizar técnicas de relaxamento num contexto de intervenção clínica, por exemplo para tratar um distúrbio do sono (de origem psicológica) ou de ansiedade, o procedimento de relaxamento pode utilizar a hipnose e pode-se ensinar aos pacientes auto-hipnose, i.e, a administrar hipnose a si mesmos e usá-la como uma forma de relaxamento. Sabemos a partir dos estudos empíricos que a hipnose aumenta a eficácia das intervenções, ou seja as pessoas experimentam ainda menos ansiedade do que se lhes apresentarmos o procedimento apenas como relaxamento. Do mesmo modo pode-se explorar temas pessoais no contexto da hipnose, situação em que a hipnose fornece uma atmosfera relaxada e facilitadora da introspecção pessoal onde o paciente se poderá sentir mais confortável ou compreender melhor qual o seu papel no contexto da psicoterapia.

CC E no âmbito da Psicologia da Saúde?

IK Um dos mais estudados, melhor avaliados e mais úteis aspectos da hipnose no campo da Psicologia da Saúde é a sua capacidade para reduzir a dor. Isto é algo que é conhecido e estudado há mais de 150 anos. Sabemos que quanto mais sugestionável a pessoa for, mais benefício poderá retirar de uma redução de dor através da hipnose. Sabemos também que cerca de 75% da população pode alcançar uma redução da dor significativa através da utilização da hipnose e da sugestão auto hipnótica. A hipnose tem sido estudada em muitos contextos de doenças que envolvem dor, como a doença oncológica, queimaduras e dor pós-operatória e em todos estes contextos tem-se conseguido obter uma redução substancial da dor, que iguala ou ultrapassa qualquer outro procedimento psicológico conhecido para controlo da dor. As pessoas, depois de aprender hipnose e auto-hipnose, não só referem sentir menos dor, como também consomem menos medicação para redução da dor. Uma outra aplicação bastante bem documentada é a do tratamento da obesidade. Coadjuvar hipnose com tratamentos para perder peso, aumenta a eficácia destes, quer a curto quer a longo prazo. Sabemos que um dos principais problemas no controlo do peso reside no facto de que as pessoas que perdem peso tornam a recuperá-lo rapidamente. De acordo com a investigação realizada até à data em programas de controlo do peso coadjuvados com hipnose, esta parece prevenir a recuperação do peso, tendo-se verificado a manutenção do peso desejado ao fim de dois anos4.

CC É necessário que uma pessoa seja muito sugestionável para beneficiar dos efeitos da hipnose?

IK Não necessariamente. De uma forma geral as pessoas mais sugestionáveis têm maior probabilidade de obter mais benefícios da adição da hipnose a um tratamento, mas esta correlação apesar de estatisticamente significativa é relativamente baixa. Por outro lado, existem muitas pessoas que são pouco sugestionáveis mas que retiram benefícios da utilização da hipnose. Claro que há algumas sugestões hipnóticas que requerem mais competências hipnóticas por parte do sujeito. Por exemplo, uma alucinação visual negativa (não ver algo que está presente à vista do sujeito) não é passível de ser experimentado por pessoas não sugestionáveis. Já outras sugestões, como por exemplo a sugestão para relaxar, pode ser experimentada por praticamente toda a gente. Por exemplo a sugestão utilizada para demonstração da hipnose e avaliação da sugestionabilidade em que se sugere ao indivíduo que as suas mãos estão a ser atraídas uma para a outra por uma força irresistível, pode ser experimentada por 80% da população. Assim há muitas coisas que não requerem sugestionabilidade por parte do sujeito, outras que sim. Por exemplo num trabalho realizado por Cláudia Carvalho, Giuliana Mazzoni e eu próprio acerca da adesão a prescrições de saúde5, a sugestionabilidade hipnótica parece influenciar negativamente a adesão: a utilização de hipnose com indivíduos pouco sugestionáveis levou a uma redução na eficácia de uma intervenção que visava aumentar a adesão a uma prescrição de exercício físico. Contudo em muitas outras situações não existe esta associação.

CC A investigação empírica em hipnose tem já uma longa história de cerca de 75 anos. Quais as questões de investigação que já estão respondidas, e quais as que permanecem por responder?

IK Os efeitos da hipnose na memória foram já bem estabelecidos. Nós sabemos que a hipnose aumenta os relatos mnésicos, mas metade dessas novas memórias não são precisas, ou seja a hipnose não aumenta a precisão com que nos recordamos das coisas. Sabemos também que há fortes diferenças individuais na responsividade à hipnose: a maior parte das pessoas é capaz de responder a algumas sugestões hipnóticas mas não a outras, há algumas pessoas que são capazes de responder a praticamente qualquer sugestão, e algumas pessoas não respondem a nenhuma (não são passíveis de ser hipnotizadas), e esta característica tem uma distribuição normal, como a maioria das características pessoais. Sabemos que a responsividade à hipnose é bastante estável, tem uma correlação teste-reteste de cerca de .75 num período de 25 anos6, o que é bastante impressionante. Por outro lado, ainda não fomos capazes de encontrar correlatos fiáveis da sugestionabilidade ou hipnotizabilidade (i.e., traços que estejam correlacionados com esta característica), apesar de 15 anos de investigação sobre este tema. O melhor correlato da hipnotizabilidade é a expectativa7. A crença da pessoa de que vai ser capaz de experimentar a hipnose é um bom predictor da extensão com que ela a experimenta. Não é uma correlação muito alta, mas é a mais alta correlação encontrada para um predictor da resposta hipnótica. O segundo melhor predictor é a motivação, que adiciona um pouco de poder predictivo. Em terceiro lugar temos um conjunto de variáveis que estão altamente correlacionadas entre si e que medem coisas como a tendência à fantasia, isto é a capacidade para se deixar envolver em actividades imaginativas, como por exemplo, deixar-se envolver a ver o pôr do sol. Esta capacidade está correlacionada com a hipnotizabilidade, mas esta correlação, apesar de significativa, é muito baixa. Quando se controla vários artefactos consegue-se uma correlação de cerca de .15. Então estamos a falar de 1%, 2% da variância, o que é uma associação muito baixa. Mesmo assim, tendo em conta que a hipnotizabilidade em si mesma parece ser um traço estável, deve estar associada a alguma coisa, pelo que os investigadores continuam a procurar encontrar correlações. Sabemos também alguma coisa acerca dos determinantes sociais da resposta hipnótica. Estes factores sociais são as expectativas, as crenças e a motivação. As crenças das pessoas determinam como é que elas vão responder à hipnose, se vão ou não ficar relaxadas, e o que é que vai acontecer quando elas estão hipnotizadas. As crenças parecem ser o maior determinante do que acontece quando se está hipnotizado. Este tema está bastante estudado e é bem conhecido. O que é menos bem conhecido, e eu penso que esta é talvez a área mais importante na investigação de base em hipnose é, quais são os processos cognitivos pelos quais as pessoas são capazes de ter as experiências alteradas que têm quando respondem a uma sugestão hipnótica. Por exemplo, sabemos que se dermos uma sugestão a uma pessoa para olhar para algo e não ver esse algo (talvez ter três bolas em cima de uma mesa e dizemos-lhe que só estão duas), as pessoas muito sugestionáveis verão apenas duas bolas, não verão a terceira bola, e nós podemos verificar que elas não estão a mentir por meio de estudos em que se utiliza imagiologia cerebral, que é uma área em franco crescimento e de grande utilidade quer em si mesma quer na hipnose. Nós sabemos que as pessoas são capazes disto, mas não sabemos como o fazem. Provavelmente está relacionado com um fenómeno similar que tem lugar fora da hipnose e que é a cegueira não intencional, i.e., um fenómeno no qual a pessoa não vê algo que é claramente visível porque a sua atenção está dirigida para outro lado. A cegueira não intencional é muito similar ao que os hipnotizadores chamam de alucinação negativa, i.e., uma sugestão para não ver algo que está lá. É provável que os dois processos estejam ligados, mas não sabemos como é que este fenómeno, ou outros como a redução da dor, ou a alucinação positiva, são produzidos. Esta é a tarefa actual para a investigação de base em hipnose e é muito importante.

CC Há alguma situação em que não devemos considerar a utilização da hipnose?

IK Sim. Certamente não deveremos utilizar a hipnose para recuperar memórias, particularmente memórias reprimidas, devido ao grande perigo de confabulação e desenvolvimento de falsas memórias que hipnose pode exacerbar. Do mesmo modo que a hipnose aumenta o benefício terapêutico de praticas clínicas adequadas, pode também aumentar o dano de práticas terapêuticas perigosas, e a recuperação de memórias, parece ser uma dessas práticas. Em alguns casos, essas práticas têm sido levadas a extremos, como a prática terapêutica de recuperação de memórias de vidas passadas, o que sabemos ser uma impossibilidade fisiológica. Evidentemente que as fantasias não são perigosas em si mesmas, mas a crença nessas fantasia significa que se perde contacto com a realidade e isso pode ser perigoso.

CC A hipnose deve ser evitada em determinadas patologias ou personalidades?

IK Não. Contudo eu evitaria usar a hipnose em qualquer pessoa que tenha medo ou atitudes negativas face à hipnose. Teria também precauções relativamente ao seu uso em pessoas que têm a expectativa de uma cura mágica, ou que acham que a hipnose vai fazer o trabalho todo por elas, porque como sabemos, a terapia significa trabalho não apenas para o terapeuta, mas também para o paciente. Nesta situação podemos obter o efeito contrário, ou seja, a pessoa como espera que a hipnose resolva tudo sozinha não faz o trabalho terapêutico necessário. Nestas situações é necessário uma educação e preparação do paciente durante o processo de tomada de decisão relativamente à utilização da hipnose. É importante salientar que a hipnose não é algo que é feito pelo terapeuta. O terapeuta assume um papel de professor onde ensina ao paciente como se hipnotizar a si próprio. Nesse sentido, toda a hipnose é efectivamente auto-hipnose, e o terapeuta é apenas um guia, um facilitador, que ensina auto-hipnose ao paciente.

CC Quais deverão ser os cuidados a ter por parte de uma pessoa que esteja interessada em utilizar a hipnose para tratar uma determinada condição clínica?

IK Em primeiro lugar deverá procurar um terapeuta que deverá estar qualificado para fazer o tratamento que a pessoa procura, e não possuir apenas formação em hipnose. Ter uma pessoa que apenas sabe hipnose mas que não está qualificada para uma intervenção clínica, é como ter alguém que apenas sabe dar uma injecção de novocaína e a seguir faz um tratamento dentário, o que é evidentemente insuficiente, pois é preciso ter estudado medicina dentária para se poder praticar intervenções dentárias. Já agora é útil referir que muitos dentistas utilizam a hipnose para controlar a ansiedade e a dor que algumas pessoas sentem durante os tratamentos dentários. É importante compreender que a hipnose não é uma terapia, é uma ferramenta que se usa no contexto de uma terapia. Por essa razão não existe hipnoterapia isoladamente. Um psicólogo clínico ou da saúde pode usar a hipnose, tal como um médico ou um enfermeiro ou outro profissional de saúde qualificado pode considerar a utilização da hipnose útil para incrementar um tratamento. A chave para saber se alguém está a usar a hipnose de forma legítima é perguntar “está esta pessoa a fazer um tratamento para o qual estaria qualificada se não estivesse a usar hipnose?” Se a resposta for sim, trata-se de um uso legítimo e a hipnose é potencialmente muito útil. Se a resposta for não, então está perante uma pessoa que está a praticar a psicologia ou a medicina (ou outra profissão no âmbito saúde) sem possuir as credenciais para tal.

CC É pois imprescindível que se trate de um profissional de saúde devidamente credenciado e habilitado para exercer numa determinada área da medicina ou da psicologia. E onde pode um profissional de saúde aprender hipnose clínica?

IK Um profissional de saúde interessado em aprender hipnose deverá procurar entidades que sejam pertença de universidades ou entidades afiliadas em sociedades internacionais de hipnose devidamente acreditadas, como a International Society of Hypnosis (ISH), que tem disponível (no seu web site8) uma lista das associações afiliadas nos vários países, que promovem cursos de formação e outras actividades devidamente acreditadas pela ISH. No website da Divisão 30 da American Psychological Association também é possível encontrar ligações para as associações profissionais de hipnose que promovem acções de formação em hipnose clínica em território Norte-Americano. É necessário ser cauteloso porque há várias organizações de hipnotizadores leigos que oferecem formação em hipnose e credenciam pessoas como hipnoterapeutas, sem que estas possuam qualquer formação clínica. Sabemos que existem as mais variadas situações, desde a possibilidade de mandar algum dinheiro pelo correio e receber um “diploma” de hipnotizador, até formações leigas bastante longas, mas que carecem de fundamentação científica e de conhecimentos específicos para a área da saúde.

CC E o profissional de saúde interessado em ler acerca da hipnose clínica onde poderá encontrar informação legítima?

IK Em primeiro lugar deverá procurar ler autores que tenham publicado em revistas científicas de boa reputação, o que inclui as principais revistas científicas da área da psicologia e da medicina, mesmo que estes não sejam particularmente orientados para a hipnose. Revistas científicas como o Journal of Abnormal Psychology e o Journal of Personality and Social Psychology, ambos publicados pela American Psychological Association. Revistas científicas publicadas pela American Medical Association, pela American Psychiatric Association, todas essas revistas científicas publicaram artigos acerca da hipnose cujos autores são cientistas da psicologia e da psiquiatria que se envolveram na investigação acerca da hipnose. Cientistas de relevo que estudaram a hipnose sob o ponto de vista científico podemos citar Clark Hull, Ernest Hilgard, Theodore Sarbin, T. X. Barber, John Kihlstrom, são tantos que tenho receio de deixar alguém de fora... Andre Weitzenhoffer, Charles Tart, Joseph F. Hilgard, que também escreveu acerca da hipnose, Martin Orne, que fez um excelente trabalho teórico e de investigação na área da hipnose, William Coe, Nicholas Spanos, que fazia investigação de uma forma espantosa, publicando 14, 15 estudos por ano sobre hipnose (eu sempre pensei que ele escrevia mais depressa do que eu conseguia ler!) Steven Jay Lynn...

CC E cientistas contemporâneos?

IK Cientistas contemporâneos para além do Steven Jay Lynn, Michael Nash, Antonio Capafons, James Council, David Patterson, que fez um excelente trabalho acerca da utilização da hipnose para a redução da dor, Guy Montgomery, Amanda Barnier, Kevin McConkey, Leonard Milling, David Oakley, Richard Brown, Erik Woody...

CC Que passos têm ainda de ser dados em Portugal para promover a utilização adequada da hipnose por parte dos profissionais de saúde contribuindo assim para um reconhecimento inter pares e por parte do público desta técnica terapêutica?

IK Deverá ser facilitado o reconhecimento da hipnose nos departamentos das universidades, através nomeadamente do ensino da hipnose nos departamentos universitários, particularmente de psicologia clínica, psicologia da saúde e medicina. Dever-se-á promover também o desenvolvimento a nível nacional de organizações científicas de hipnose, o que implica que as pessoas que queiram fazer parte dela deverão possuir uma afiliação a uma unidade de investigação ou uma acreditação como terapeutas. Finalmente conseguir que as sociedades profissionais existentes (ordem dos médicos e dos psicólogos) reconheçam a hipnose e criem uma subdivisão que agrupe as pessoas que utilizam a hipnose no contexto da sua profissão no âmbito da saúde.

 

REFERÊNCIAS

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NOTAS

A autora agradece à Drª Filipa Pimenta, o trabalho de transcrição desta entrevista.

(*)  Unidade de Investigação em Psicologia e Saúde, ISPA – Instituto Universitário. Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041 Lisboa, Portugal. E-mail: claudia.carvalho@ispa.pt

1 Para mais informações sobre a Divisão 30 da APA, visitar http://www.apa.org/divisions/div30/homepage.html

2 Ver as meta-análises em Kirsch (1996) e Kirsch, Montgomery, e Sapirstein (1995).

3 Para mais informação acerca de hipnose e falsas memórias ver Mazzoni e Lynn (2007), Mazzoni, Loftus, e Kirsch (2001) e Scoboria, Mazzoni, Kirsch, e Milling (2002).

4 Para uma revisão da literatura recente acerca da eficácia da hipnose ver Mendoza e Capafons (2009). Ver também os números especiais do International Journal of Clinical and Experimental Hypnosis, vol. 48(2), 2000, vol. 55(2 e 3), 2007.

5 Ver Carvalho, Kirsch, Mazzoni, Meo & Santandrea (2008) e também Carvalho (2008).

6 Ver Piccione, Hilgard, e Zimbardo (1989).

7 Ver Braffman e Kirsch (1999, 2001).

8 Sítio da International Society of Hypnosis: http://www.ish-web.org/

 

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