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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica v.27 n.4 Lisboa out. 2009

 

Se sinto como familiar sinto como positivo! Interferência da familiaridade no processo avaliativo

Teresa Garcia-Marques (*)

 

RESUMO

Neste artigo abordamos a ideia de que o processamento fluente da informação associado a uma experiência subjectiva de familiaridade, sendo sentido positivamente, interfere com um processo avaliativo simultâneo. A estreita associação entre familiaridade e afecto positivo é aqui estudada num paradigma experimental de primação afectiva. Os participantes do estudo apresentado avaliaram um conjunto de alvos, previamente testados para a sua valência, com instruções de rapidez de resposta. Estes alvos eram imediatamente precedidos por um estímulo familiar ou não familiar. Em consonância com a hipótese de que o sentimento de familiaridade tem valência positiva, os estímulos familiares facilitaram (tornaram mais rápidas) as respostas a estímulos com congruência afectiva (os estímulos positivos).

Palavras chave: Familiaridade, Primação afectiva.

 

ABSTRACT

In this paper we approach the idea that, the ease or fluency of information processing being subjectively experienced as feeling of familiarity with a positive affective tone, interfere with evaluative processing. The close association of familiarity and positive affect is here addressed within a affective priming paradigm. Participants were asked to evaluate a set of target stimuli previously tested for their valence. These targets were immediately preceded either by a familiar or a unfamiliar stimuli. Congruently with the familiarity-positive affect association, familiar stimuli facilitated evaluations (generate faster responses) of affective consistent targets (positive targets).

Key words: Affective priming, Familiarity.

 

 

A hipótese de que a “facilidade ou o fluência de processamento de informação”, experimentada como um sentimento da familiaridade, é um sentimento afectivo com valência positiva (veja, por exemplo, Garcia-Marques, 1999; Jacoby & Kelley, 1990; Pittman, 1992; Tichener, 1910) é corroborada por um conjunto vasto de investigações. A primeira evidência favorável a esta hipótese é-nos fornecida pelos trabalhos de Zajonc (1968) sobre o efeito de “mera-exposição” e toda a investigação que daí adveio. Estes estudos demonstram que a mera apresentação preliminar de um estímulo alvo (repetição) aumenta a preferência por ele sentida (Harrison, 1977; veja Bornstein, 1989, para uma revisão; Zajonc, 1968). A função entre o número de apresentações prévias (repetições) e a avaliação positiva destes é linearmente positiva. Isto é, quantas mais vezes um estímulo for repetido (mais familiar for) mais o tendemos a avaliar positivamente (i.e., sentimos um afecto positivo pelo estímulo).

Desde o primeiros trabalhos de Zajonc (1968) centenas de estudos têm demonstrado que estímulos familiares activam reacções emocionais positivas, passando por gostar/preferência (e.g., Zajonc, 1968), avaliar como mais atractiva (e.g., Moreland & Zajonc, 1982), avaliar como mais semelhante (Moreland & Beach, 1992; Moreland & Zajonc, 1982), e, inclusivamente, avaliar como mais famosa (Jacoby, Kelley, Brown, & Jasechko, 1989) ou valida (e.g., Arkes, Hackett, & Boehm, 1989),

A ideia de que a fluência de processamento experiência como familiaridade é um sentimento positivo também recebe suporte indirecto dos dados que têm sugerido que ambos os sentimentos podem ser induzidos de forma similar em laboratório. Na realidade, se examinarmos os estudos de Stepper e Strack (1993), verificamos que eles manipulam a experiência subjectiva de recordação pedindo aos participantes que segurem uma caneta só com os lábios ou só com os dentes de forma a contraírem quer os músculos faciais corrugator quer o zygomaticus durante uma tarefa de recordação. A contracção do músculo corrugator (que produz o franzir de sobrancelhas) é vista como associada a esforço de recordação enquanto a contracção do músculo zygomaticus (que produz um sorriso) induz uma sensação de fluência na recordação. Os resultados obtidos neste estudo corroboraram esta associação. Relevante para o argumento aqui apresentado é o facto de que exactamente o mesmo padrão de actividade de muscular tem sido utilizado para induzir nos participantes de alguns estudos um sentimento de negatividade (corrugator) ou de positividade (zygomaticus) (e.g., Adelmann & Zajonc, 1989; Bodenhausen, Kramer, & Susser, 1994; Laird, 1984; Strack, Martin, & Stepper, 1988). Daqui se depreende que a contracção muscular de positividade se associa ao um processamento fluente, verificado para estímulos familiares, e que a contracção de negatividade se associa a um processamento dis-fluente, habitualmente verificado para estímulos não familiares.

Os trabalhos de Garcia-Marques e colaboradores (Garcia-Marques, 1999; Garcia Marques & Mackie, 2000) tornam este facto explícito definindo familiaridade como sendo um sentimento positivo. Fazem-no demonstrando que os indivíduos que foram expostos a estímulos familiares reportam estar mais contentes alegres e bem dispostos do que os que foram expostos a estímulos não familiares. Um estudo posterior de Monahan, Murphy, e Zajonc (2000) corrobora esses dados ao demonstrar que a exposição prévia a um estímulo, não gera um sentimento totalmente dirigido para o estímulo, mas que tem um impacte geral e difuso na forma como o indivíduo se sente no momento de exposição ao estímulo.

A hipótese da familiaridade ser um sentimento positivo é igualmente suportada por estudos que utilizam medidas fisiológicas. Harmon-Jones e Allen (2001) apresentaram fotografias familiares e não familiares aos participantes dos seus estudos enquanto registavam a actividade dos músculos faciais e de regiões cerebrais. Os estímulos familiares, contrariamente aos não familiares, associaram-se à activação zygomatica. Manipulando a fluência de processamento de estímulos, Winkielman e Cacioppo (2001) também nos fornecem dados a sugerir que o processamento facilitado de itens é acompanhado da activação do músculo facial associado ao sorriso (zygomaticus) não tendo qualquer efeito no associado a um estado mais negativo (corrugator).

Evidência suplementar à estreita associação entre familiaridade e um sentir positivo é fornecida pelos trabalhos de Garcia-Marques, Mackie, Claypool, e Garcia-Marques (2004) que revertem os efeitos da associação. Estes trabalhos demonstram que tal como a exposição a estímulos familiares (com apresentação supra ou subliminar) promove avaliações mais positivas, também a activação de sentimentos positivos promove avaliações de maior familiaridade com os estímulos. Nos seus estudos, a associação subliminar de uma happy-face com uma palavra induziu falsos reconhecimentos da palavra como tendo sido apresentada numa lista prévia. O facto de a familiaridade ser sentida como positiva, permite que a activação de um sentimento de positividade seja percebida como a activação de um sentimento de familiaridade para com essa palavra. A interpretação errónea de um sentimento positivo como advindo da familiaridade da situação chega mesmo a ser induzida quando esse sentir não está associado ao estímulo em si, mas ao indivíduo. Garcia-Marques et al. (2004) fornecem evidência para esta possibilidade ao demonstrar que a indução de um estado positivo nos seus participantes induziu a julgamentos de familiaridade. Tal “engano cognitivo” é apenas verificado se nenhuma pista do contexto chama atenção para a verdadeira fonte do sentimento induzido nos participantes (ver Claypool, Hall, Mackie, & Garcia-Marques, 2008).

De forma semelhante os estudos de Phaf e Rotteveel (2005) sugerem a associação de um estado positivo no participante como induzindo julgamentos de familiaridade. No seu estudo eles levam os participantes a contrair os músculos faciais (zygomaticus ou corrugator) com um procedimento semelhante ao utilizado por Stepper e Strack (1993) enquanto faziam uma tarefa de reconhecimento. Os falsos reconhecimentos, foram, como esperado, em maior número na situação indutora de sorriso.

As consequências da associação familiaridade poderão ser várias como o demonstram os três estudos relatados por Claypool, Hugenberg, Housley, e Mackie (2007). Nestes estudos, os participantes reportaram quão contentes ou zangados percebiam alvos familiares ou não familiares e os seus resultados sugerem consistentemente que os alvos familiares são sempre percebidos como mais felizes e menos zangados dos que os não familiares. Tal facto sugere que os nossos conhecidos terão sempre maior probabilidade de serem vistos como estando bem dispostos do que qualquer desconhecido.

Neste artigo adicionamos evidência empírica às implicações da associação de familiaridade com um afecto positivo. Procuraremos demonstrar que a familiaridade de um estímulo facilita a activação de atitudes positivas e que estímulos não familiares facilitam a activação de atitudes negativas. Tal facto sugere que será mais fácil reportarmos um aspecto positivo de um indivíduo conhecido do que de um desconhecido onde se verifica maior facilidade em reportar os aspectos negativos.

Para estudar este fenómeno utilizámos o paradigma de primação afectiva desenvolvido por Fazio e por seus colaboradores (Fazio, Sanbonmatsu, Powell, & Kardes, 1986; veja também Bargh, Chaiken, Govender, & Pratto, 1992; Bargh, Chaiken, Rayomond, & Hymes, 1996; ver também Garcia-Marques, 2005; Klauer, 1998). Fazio e colaboradores (1986) utilizaram este paradigma como forma de demonstrar que objectos aos quais se associam atitudes fortes induzem uma activação automática dessas atitudes. O paradigma permite, assim, inferir a valência de estímulo apresentado pelas suas consequências no processamento de um estímulo subsequente.

O pressuposto básico do paradigma de primação afectiva de Fazio (Fazio et al., 1986) é a de que a utilização de um estímulo primo com a mesma valência do estímulo alvo facilita a avaliação deste último, enquanto estímulos de valência contrária inibem as respostas aos estímulos alvo. Utilizando como primos estímulos aos quais se associam atitudes fortes favoráveis ou desfavoráveis, Fazio e colaboradores demonstram que estes promovem os efeitos de interferência (facilitação e inibição) postulados. Tal padrão de resultados corrobora a hipótese de que a mera presença do objecto atitudinal activa a sua valência.

O raciocínio aqui apresentado é idêntico ao de Fazio. Por pressupormos que a presença de um estímulo familiar activa afectos positivos, pressupomos que estes irão facilitar respostas de valência congruente e dificultar respostas de valência incongruente. Assim, se a familiaridade é um sentimento positivo, a utilização de estímulos primos familiares produzirão avaliações mais rápidas de estímulos positivos e avaliações mais lentas de estímulos negativos.

Nos estudos de Fazio pressupõe-se que os estímulos primos activam uma atitude que seria positiva ou negativa. No nosso estudo, porque pressupomos que familiaridade sentida tem esta valência positiva, trabalhamos apenas com estímulos de valência neutra. Além disso, pressupondo que a mera apresentação do estímulo envolve a activação do sentimento de familiaridade, mesmo quando o indivíduo não se apercebe do estímulo em si. Assim, os nossos estímulos primos são subliminares (10msc) e associados a dois níveis de SOA (Stimulis Onset Asynchrony) baixos (10 e 110 msc). O SOA refere-se ao tempo que medeia o início da apresentação do estímulo primo e o início da apresentação do estímulo. Esperamos que os níveis de interferência sejam superiores nas condições de SOA mais baixas, dada a natureza automática do processo em estudo.

MÉTODO

Participantes

Um total de 40 estudantes do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (31 mulheres), participaram na experiência definida por plano factorial 3 (níveis da familiaridade) x 2 (alvos: positivos vs. negativo) x 3 (conjuntos de material) x 2 (níveis de SOA), com os dois primeiros factores manipulados intra-participantes.

Material

Utilizando as normas desenvolvidas por Garcia-Marques (2003), construíram-se 3 conjuntos de palavras com 2-3 sílabas que tinham sido avaliadas como “neutras” em termos de familiaridade (não diferem do ponto médio da escala de familiaridade). Um dos conjuntos tinha 30 palavras que tinham igualmente sido avaliadas como “neutras” em termos de valência (não diferem do ponto médio da escala de valência). O segundo conjunto, era constituído por 15 palavras avaliadas como positivas (as suas avaliações diferem significativamente do ponto médio da escala de valência). O terceiro conjunto de palavras era constituído por 15 palavras avaliadas como negativas (diferem no sentido inverso do ponto médio da escala). As 30 palavras neutras foram divididas em três jogos que permitiram que a manipulação do número de repetições (0 vs. 1 vs. 3) fosse contrabalançada.

Procedimento

O estudo foi desenvolvido em 4 sessões de 615 participantes. A distribuição dos participantes pelas diferentes condições experimentais foi determinada pela atribuição aleatória de um participante a um dos computadores que deram suporte ao experimento. Os participantes foram sentados em frente do ecrã do computador procurando-se garantir que os seus olhos ficassem na mesma linha e a uma distância de aproximadamente 30 cm do centro do ecrã. O experimento foi implementado com base no programa E-Prime.

Na fase da exposição, foram instruídos para dar atenção a um conjunto de palavras que lhes era apresentada no centro do ecrã do computador com o objectivo de as memorizar. Para tal deveriam ler movendo os lábios como se estivessem a ler em voz alta, apesar de não deixarem sair nenhum som, cada uma das palavras. Um total de 20 palavras do conjunto de palavras neutras foi apresentado, a um ritmo de uma palavra por cada 5 s. Dez destas palavras foram apresentadas apenas uma vez. As outras dez foram apresentadas 3 vezes de forma aleatória. O conjunto das palavras que eram repetidas e não repetidas foi contrabalançado.

A tarefa intercalar (filler). Uma tarefa intercalar foi introduzida para reduzir a probabilidade de alguma das palavras ser mantida na memória de trabalho dos participantes. Para esta tarefa os participantes deveriam identificar o mais rapidamente possível o sentido de uma seta que lhes surgia no centro do ecrã pressionando uma das 4 teclas referentes às duas direcções verticais e horizontais. Um total de 25 setas surgiu no centro do ecrã para que o participante desempenhasse esta tarefa.

Na fase de teste todas as palavras alvo (positivas e negativas) foram apresentadas com vista a serem avaliadas na sua valência pelo participante. Este devia fazê-lo pressionando, tão rápido quanto possível, a tecla S ou L que se associava a cada valência (contrabalanceadas inter-participantes). Os tempos destas avaliações feitas pelos participantes foram registados constituindo a medida dependente deste experimento. Um terço das palavras positivas-alvo era precedido por uma palavra neutra (estímulo primo) que não tinha sido previamente apresentada (0), que tinha sido apresentada uma vez (1) ou três vezes (3). O mesmo aconteceu para as palavras alvo-negativas. Esta apresentação era porém subliminar (pelo que os participantes não se davam conta da sua presença (10msec). A associação especifica entre uma palavra primo e o seu alvo foi determinada aleatoriamente pelo computador. Para metade dos participantes as palavras-alvo foram apresentados imediatamente depois do estímulo primo subliminar (SOA=0) enquanto para outra metade a apresentação do estímulo alvo era feita apenas 110msec após a apresentação do estímulo primo (SOA=110ms). Os participantes desta condição foram advertidos para o facto de após terem procedido à avaliação de um estímulo deveriam fixar os seus olhos no centro do ecrã para poderem detectar o mais rapidamente possível a apresentação da palavra alvo. Neste estudo não se utilizou nenhuma máscara ou sinal a assinalar o centro do ecrã, com vista a controlar possíveis sentimentos de familiaridade com esses estímulos (que anulassem os efeitos da familiaridade dos estímulos primos). Após a avaliação das 30 palavras, os participantes realizara um suposto “teste de reconhecimento” cujo único objectivo foi o de justificar a fase de exposição. No final esclareceram-se os participantes sobre o objectivo global do estudo e agradeceu-se a sua participação.

RESULTADOS

Considerámos para análise as latências das respostas correctas dos participantes. Assim respostas associadas a uma identificação errada da valência do estímulo não são incluídas nesta análise.

Para cada participante computou-se a latência média das respostas correctas[1] . Foram identificados 5 valores extremos (outliers) nesta variável que foram excluídos da análise dos dados: um participante cuja média de tempo de resposta era inferior a 400ms e quatro participantes cuja média de respostas era superior a 2000ms.

Tomando como variável dependente o logaritmo da média de latência de respostas correctas procedeu-se a uma análise da variância 3 (Primos: níveis de repetição) x 2 (valência: positivas vs. negativas) x 2 (SOA: 0 vs. 110 msec). Esta análise revelou apenas um efeito principal da valência da palavra-alvo, F(1,38)=13.76; p=.001, indicando que os participantes demoraram mais tempo a avaliar uma palavra como negativa (M=965.75ms) do que como positiva e (M=863.13ms). Apesar de nenhum outro efeito atingir um nível de significância estatística convencional, a análise do padrão dos dados associados à interacção de segunda ordem [F(2,76)=1,74; p=.180], sugere a presença dos efeitos esperados para níveis de SOA=0. Assim procedemos a análises das hipóteses apenas sobre este nível de SOA, procurando perceber o possível papel moderador deste nos resultados. O contraste que testa directamente a nossa hipótese no nível de SOA=0, refere que o nível de familiaridade do estímulo primo (trend linear -1 0 +1) facilita (torna mais rápidas) as respostas congruentes (a estímulos positivos +1) e inibe (tornam mais lentas) avaliações incongruentes (a estímulos negativos -1). Este contraste atinge significância estatística; t(38)=2.27; p=.029. O residual quadrático deste contraste não atingiu significância (t<1). O alargamento do SOA, com a introdução de um ecrã em branco entre o estímulo primo e o estímulo alvo durante 100ms eliminou a identificação do impacto da repetição nos tempos de avaliação, t(38)<1[2].

 

FIGURA 1

Tempos de avaliação dos estímulos positivos e negativos associados a primos com 3 níveis de familiaridade (0, 1, 3), nas duas condições de SOA

 

DISCUSSÃO

Formulámos a hipótese de que sendo a familiaridade um sentimento positivo ela pode facilitar as avaliações de estímulos positivos e interferir negativamente com a avaliação de estímulos negativos. Testámos esta hipótese com um paradigma de primação afectiva subliminar. Os dados sugerem que a apresentação de primos subliminais familiares interfere com as avaliações de estímulos subsequentemente apresentados. O padrão esperado é apenas encontrado com níveis inferiores de SOA, sugerindo que o nível de repetição prévio de um estímulo primo facilita as avaliações positivas (reduzindo os tempos de resposta) ao mesmo tempo de dificulta as negativas (aumentando os tempos de resposta). Estes dados sugerem que a apresentação de um estímulo previamente conhecido activa um sentimento de valência positiva, o que é consistente com a hipótese de que a familiaridade é sentida positivamente. Mais, os dados sugerem que a presença de estímulos familiares num dado contexto pode facilitar a manifestação de atitudes positivas interferindo com a activação de atitudes negativas.

Esperava-se que os efeitos em estudo pudessem ser mais visíveis com níveis de SOA inferiores, no entanto foi surpreendente o facto de os efeitos terem sido totalmente anulados por um SOA de 110. Regra geral (ver Klauer, 1998) os efeitos automáticos da valência de um estímulo verificam-se até níveis de SOA da ordem dos 300msc. Tal facto poderá sugerir que a activação e desvanecimento dos efeitos de familiaridade sejam de natureza diferente dos da valência aprendida como associada a um objecto alvo. Apenas estudos posteriores nos poderão esclarecer sobre esse facto. Por agora, apenas sabemos que os estudos de primação afectiva têm revelado alguma inconsistência sobre o nível de SOA que favorece o impacto da dimensão afectiva. Os nossos dados são consistentes com aqueles que sugerem que o processo automático subjacente à activação do afecto que promove o efeito aqui em estudo é só detectado com SOAs muito curto – abaixo de 100ms (veja Klauer, 1998 para uma revisão). Um segundo aspecto a ter em consideração é o facto de no nosso estudo não termos utilizado máscaras para garantir a subliminaridade dos estímulos primos. É assim possível que na condição de SOA=110 a pós-imagem tenha permitido que pelo menos alguns participantes tenham detectado a presença dos estímulos primos e que isso tenha interferido com o tempo das suas avaliações.

Não obstante estes pormenores, os dados obtidos sugerem, em consonância com a revisão de literatura apresentada, que o sentimento de familiaridade, sendo positivo, é passível de suscitar primação afectiva. O facto de os efeitos só se verificarem em níveis de SOA muito curtos poderá obstar a que este facto tenha consequências sociais. No entanto no nosso dia-a-dia muitos estímulos têm apresentação simultânea, o que mímica esta situação experimental. Assim é bem possível que seja mais fácil a expressão de uma atitude positiva relativa a um alvo familiar do que não familiar e o que o inverso se passe relativamente a alvos não familiares. Exemplificando. A agradabilidade de um aspecto visual de uma pessoa poderá mais facilmente ser acedida pela nossa mente se ela for familiar do que não familiar. O carácter positivo de um discurso de uma pessoa familiar poderá ser mais facilmente percebido e o carácter negativo do discurso de uma pessoa não familiar ser mais facilmente percebido.

 

REFERÊNCIAS

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        [ Links ]

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NOTAS

[1] Tratando-se de médias de tempos de reacção e não simples Rts, os dados apresentaram uma distribuição normal, tendo sido apenas necessário retirar os valores outliers com vista a verificar os pressupostos subjacentes a uma análise de variância.

[2]A análise parcial apresentada como suporte à hipótese em estudo, não é isenta de crítica. O nível de significância .180 sendo marginal é muito superior ao convencionalmente aceite. Aumentámos a credibilidade da análise realizada sob um dos níveis da variável (SOA=0): (a) por procedermos a um teste directo à hipótese; (b) por demonstrarmos que este contraste explica toda a variabilidade observada nos dados desse nível (por ausência de efeito residual), e (c) por demonstrarmos que esse mesmo contraste não explica qualquer variabilidade associada ao outro nível dessa variável (SOA>0).

 

(*) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa.

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