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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica v.27 n.2 Lisboa jun. 2009

 

Domínios de esquemas precoces na depressão

 

Victor Claúdio (*)

RESUMO

Neste trabalho temos um duplo objectivo: (1) identificar os domínios de esquemas desadaptativos do funcionamento psicológico que estão relacionados com a depressão major e a perturbação de pânico e, (2) estudar os domínios de esquemas desadaptativos característicos da depressão major.

Os participantes dividiram-se em três grupos, 42 sujeitos com diagnóstico de depressão major, 28 sujeitos com diagnóstico de perturbação de pânico e 51 sujeitos sem alteração psicopatológica. Um grupo de 30 sujeitos com depressão major foi avaliado em dois momentos.

Utilizámos o Questionário de Esquemas (Young, 1990), a escala de Hamilton para a Depressão, o Inventário da Depressão de Beck, o Inventário de Ansiedade Estado e Traço.

Os resultados demonstram que existem diferenças entre os grupos com alterações psicopatológicas e o grupo sem alterações, no que concerne aos domínios de esquemas desadaptativos precoces. Verificou-se também a existência de domínios de esquemas que seriam característicos dos sujeitos deprimidos. Alguns destes domínios de esquemas desadaptativos seriam sensíveis às alterações do índice de depressão.

Discutimos os resultados realçando a importância dos domínios de esquemas desadaptativos precoces no processamento de informação, actividade mnésica e relacionamento interpessoal. Salientamos também o papel que os domínios de esquemas desadaptativos têm na génese e na manutenção da depressão major.

Palavras chave: Depressão major, Domínio de esquemas desadaptativos, Modelo cognitivo da depressão, Questionário de Esquemas.

 

ABSTRACT

In this study we have a dual purpose: (1)to identify areas for maladaptive schemas of psychological functioning that are related to major depression and panic disorder, and (2) to study the areas of maladaptive schemas, characteristic of major depression.

Participants were divided into three groups, 42 subjects diagnosed with major depression, 28 subjects diagnosed with panic disorder and 51 subjects without psychopathology. A group of 30 subjects with major depression was evaluated in two moments.

We used the Schemas Questionnaire (Young, 1991), the Hamilton scale for Depression, the Beck Depression Inventory and the State – Trait Anxiety Inventory.

The results show that there are differences between the groups with psychopathological disorders and the group without psychopathology in regard to the areas of early maladaptive schemas.

We also observed the existence of schema’s domains that would be characteristic of depressed subjects. Some of these domains of maladaptive schemas are sensitive to changes in the severity of depression.

We discuss the results highlighting the importance of the domains of maladaptive schemas in information processing, memory process and interpersonal relationships.

We underline the role that the domains of early maladaptive schemas have on the genesis and maintenance of major depression.

Key words: Cognitive model of depression, Domain of early maladaptive schemas, Major depression, Schemas Questionnaire.

 

Os esquemas foram considerados por Beck, Rush, Shaw, e Emery (1979), “Padrões cognitivos relativamente estáveis que formam a base para a regularidade das interpretações de um conjunto particular de situações” (p. 12).

Os esquemas estariam intimamente relacionados com o processamento de informação, tendo neste um papel nuclear. Esta influência faz-se sentir quer no processamento da informação oriunda do exterior, através do seu papel na percepção, quer nos processos mnésicos, desde a codificação à evocação (Stopa & Waters, 2005).

Podemos assim entender os esquemas como estruturas cognitivas estáveis, que funcionando como organizador das experiências externas do sujeito, estariam relacionados com os processos de codificação, avaliação, interpretação e respostas do sujeito perante um acontecimento externo.

Os esquemas seriam os responsáveis pela representação de si e do mundo. Quando os esquemas fossem disfuncionais ambas as interpretações estariam alteradas. Estas alterações seriam observáveis na depressão.

Na perspectiva de Beck (1967), podemos considerar que os esquemas na depressão apresentariam as seguintes características:

–Seriam dirigidos pelos aspectos negativos do self;

– Seriam idiossincráticos;

– Integrariam objectivos inalcançáveis, atitudes disfuncionais e por consequência enviesamentos do processamento de informação;

– Apresentariam uma grande rigidez;

– Seriam aceites de forma inquestionável;

Os conteúdos dos esquemas na depressão, que teriam como denominador comum o facto de serem negativos e disfuncionais, seriam:

– Representações negativas de si e do mundo.

–Crenças particulares sobre um self negativo e desvalorizado.

– Atitudes disfuncionais.

– Abstracções.

–Hipóteses condicionais de valência negativa sobre o self e o meio.

Os esquemas teriam um papel fundamental nos processos de representação dos significados sobre si e sobre o mundo, sendo no caso dos deprimidos os conteúdos dos esquemas negativos e disfuncionais é fácil entender o papel nuclear na depressão da tríade cognitiva (noção introduzida por Beck, 1967, que refere a visão negativa de si, o self é visto como fraco ou incapaz de atingir os objectivos; do mundo, que é sentido como amaçador; do futuro, que seria perspectivado sem esperança e como continuidade da tristeza vivenciada pelo sujeito). A tríade cognitiva levaria a que o sujeito deprimido fizesse uma autoavaliação negativa de si, das suas vivências e das suas realizações. Este facto teria duas implicações, que reforçariam as crenças negativas do self.

1) Vivenciaria qualquer obstáculo entre si e o objectivo que se propõe atingir como inultrapassável, vedando-se assim a possibilidade de procurar estratégias de superação, já que prevê que vai falhar. Este facto implica que o sujeito vai assumir como fracasso qualquer tentativa de realização de objectivos.

2) O sujeito colocaria objectivos extremamente elevados e perfeccionistas, que sendo inatingíveis levam, na realidade, ao fracasso.

O efeito desta alteração fazia-se sentir no processamento de informação auto-referente, já que o processamento hetero-referente seria adaptado. A negatividade dos conteúdos, implicando a desadaptação e disfunção no processamento de informação, estaria também relacionada com factores de vulnerabilidade (Beck, 1967; Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979; Clark, Beck, & Alford, 1999; Claudio, 2004; Mason, Platts, & Tyson, 2005; Segal & Vella, 1990; Stopa & Waters 2005). Seria então com base na activação dos esquemas disfuncionais que se explicariam os pensamentos negativos na depressão. Esta relação é evidenciada por Calvet, Estévez, Arroyabe, e Ruiz (2005).

Os esquemas disfuncionais estariam relacionados, quer com o maximizar da importância dos aspectos negativos referidos ao self, quer com o minimizar dos positivos, quer ainda com a personificação da culpa pela ocorrência de um qualquer acontecimento negativo. Os pensamentos automáticos negativos teriam lugar num registo paralelo ao processo do pensamento consciente. Seriam caracterizados, segundo Beck (1967, 1970, 1976), por serem concordantes com o estado emocional do sujeito, enviesarem a realidade externa e a do próprio self, apresentarem-se de forma plausível e espontaneamente, conterem um elevado grau de especificidade e de transitoriedade, não serem controlados pela consciência. Os conteúdos dominantes destes pensamentos na depressão seriam a perda e o falhanço. Assim, estes pensamentos teriam um papel fundamental no desencadear da depressão e na sua manutenção. A associação destas alterações com outros enviesamentos implicaria no sujeito deprimido a manutenção da visão negativa do self e a consequente continuidade do processo depressivo. Foram vários os trabalhos que forneceram suporte experimental aos conteúdos disfuncionais dos esquemas nos deprimidos (p.e., Calvete, Estevéz, Arroyabe, & Ruiz, 2005; Cláudio, 2004; Oei & Baranoff, 2007; Segal, 1988; Segal & Vella, 1990; Williams, 1984). O papel dos esquemas no processamento de informação no sujeito deprimido, que como já referimos seria distorcido no que concerne à informação auto-referente, é analisado por Clark, Beck, e Alford (1999) a três níveis:

– Nível estrutural, nuclear para o processamento de informação, que seria constituído pelos esquemas que se relacionam com a visão de si, do mundo e do futuro i.e., a tríade cognitiva. A representação de si seria condicionada pela crença de desprotecção e de não ser amado. Encontra-se também neste nível do processamento de informação o esquema primitivo de perda.

–Nível operacional, que seria controlado pela activação de um esquema primário de perda que se tornaria hipervalente. Um esquema hipervalente seria aquele que sendo repetidamente activado por um dado padrão de estímulos, adquiria características de activação fácil, rápida e eficaz, tornando-se assim um esquema de fácil acesso, com grande poder de influência no processamento de informação e de muito difícil desactivação. Estes aspectos implicariam um processamento de informação negativo.

–Nível de conceptualização, que contém aspectos relacionados com o pensamento negativo, nomeadamente os enviesamentos negativos de informação (com principal incidência sobre a informação relacionada com o self) e as alterações cognitivas.

As alterações do processamento de informação do sujeito deprimido, intimamente relacionados com a representação de aspectos negativos do self, que levaria, segundo Clark, Beck, e Alford (1999), a um processo de selecção dos aspectos negativos e consequentemente a respostas no mesmo registo, implicariam as distorções cognitivas características desta alteração:

– Inferências arbitrárias, que implicam o encontrar uma conclusão específica na ausência de evidências que a sustentem ou mesmo quando estas são contraditórias. Estas inferências poderiam surgir de duas maneiras, por uma suposição da avaliação negativa que sobre o próprio os outros fariam ou por uma previsão negativa de uma ocorrência;

– Abstracção selectiva, em que o sujeito retirava um determinado detalhe, concordante com as suas crenças (Beck & Emery, 1985) e habitualmente negativo, do contexto em que ele estava inserido, fundamentando a leitura de todo o acontecimento com base nesse detalhe, ainda que existissem outros mais relevantes;

–Hipergeneralização, em que o sujeito construía uma regra ou uma conclusão geral, fundamentada em vários acontecimentos isolados, que depois aplicaria para leitura de um grande número de situações relacionadas ou não com os acontecimentos originais. Habitualmente surgiam em avaliações negativas do self e, permitiriam arbitrariamente concluir a ocorrência continuada de um acontecimento negativo;

– Maximização e minimização, em que o sujeito aumentava o valor do acontecimento negativo e minimizava os acontecimentos positivos;

–Personalização, em que o sujeito auto-referenciava, embora sem evidência para o poder fazer, acontecimentos externos. Todos os acontecimentos externos negativos eram auto-referenciados com a consequente culpabilização pela ocorrência;

–Pensamento dicotómico, em que o sujeito dividia os acontecimentos em duas categorias extremadas, a negativa – preferencial para uso auto-referente – e a positiva. Assim, o sujeito utilizaria uma lógica binária de classificação.

Consideramos ser importante referir a noção de estrutura de esquema na depressão. Clark, Beck, e Alford (1999) consideraram que na depressão estariam associados ao esquema mais primitivo de perda, outros esquemas que seriam activados. No deprimido seria observável uma organização cognitiva baseada neste esquema mais primitivo e que se caracterizaria por:

– Esquema cognitivo conceptual, relacionado com uma perda real ou com uma ameaça de perda;

– Esquema afectivo que representaria a tristeza ou a alteração de humor;

– Esquema fisiológico relacionado com o cansaço;

– Esquema comportamental que representaria a perda de actividade e uma necessidade de isolamento;

– Esquema motivacional, relacionado com a perda de prazer ou de objectivos e o consequente sentimento de desprotecção.

Estes cinco esquemas, relacionados com o automatismo característico do esquema primitivo, iriam impossibilitar a modificação da visão negativa do self e do mundo no sujeito deprimido.

Como já referimos, na depressão existiria preferencialmente uma distorção da informação auto-referente. Assim pensamos ser importante referir a sua representação e função. Estes aspectos levam-nos às noções de esquema do self.

Um esquema do self seria uma esquema cognitivo conceptual, constituído por generalizações de vivências do sujeito, que tiveram lugar em diferentes domínios do processamento de informação e que dirigiram a informação auto-referente.

Um esquema depressivo do self, segundo Segal e Vella (1990), seria uma organização cognitiva constituída por representações na memória semântica, de auto-descrições ou auto-atribuições. Quando um elemento desta representação fosse activado desencadearia a activação dos outros. Esta inter-relação entre os elementos levaria o sujeito a uma manutenção do processo de auto-avaliação, num registo consciente, mesmo quando as condições que desencadearam esse processo já tivessem cessado.

Clark, Beck, e Alford (1999) referiam a existência das seguintes características nos esquemas de self:

–A complexidade e influência dos esquemas do self decresceriam do núcleo para a periferia;

–Existiria uma relação directamente proporcional entre o acesso a um esquema do self e a sensibilidade à informação;

– Apresentariam diferentes graus de eficácia e ambiguidade;

– Revelariam representações de relação com os outros;

–Os esquemas do self que se relacionavam com o processamento de informação interna, de forma diversificada e flexível, seriam mais fortes que os que se constituíam com base num rígido processamento da informação externa;

–Podiam representar o self em diferentes tempos e com base em perspectivas actuais ou em previsões.

Poderiamos considerar três funções nos esquemas de self:

1)A informação negativa relacionada com o self seria mais eficaz e apresentaria uma maior facilidade de processamento e de evocação (Clark, Beck, & Alford, 1999; Cláudio, 2004). Assim esta informação negativa teria um papel nuclear no processamento de informação no sujeito deprimido.

2) A avaliação negativa das realizações do sujeito implicaria uma baixa auto-estima (Beck, 1976).

3)Os esquemas negativos do self controlariam todos os momentos do processamento de informação (Beck & Freeman, 1990).

Outro factor importante para a vulnerabilidade à depressão seria a existência de esquemas disfuncionais, construídos em períodos muito precoces da vida do sujeito, que ficariam inactivos. Já na idade adulta um acontecimento externo poderia reactivar esse esquema iniciando assim um processo de depressão A noção de esquema precoce desadaptativo foi desenvolvida por Young (1990). Na perspectiva de Young estes esquemas, queseriam crenças inflexíveis, possibilitariam a interacção com o meio e teriam a sua origem na vivência da criança na relação com as figuras que o cuidaram. Estes esquemas, embora desadaptados em outros contextos, podiam ser funcionais i.e., adaptados na sua origem, no contexto familiar. (Young & Klosko, 1994). Os esquemas podiam posteriormente ficar inibidos, contudo na vida adulta um dado acontecimento externo ou interpretação deste poderia activar esse esquema desadaptativo o que implicaria uma resposta do sujeito em forma de sintoma (Clark, Beck, & Alford, 1999; Claudio, 2004; Harris & Curtin, 2002). A manutenção dos esquemas no sujeito adulto relacionava-se com a redução do conflito no processamento de informação (Welburn, Coristine, Dagg, Pontefract, & Jordan, 2002). Young, Klosko, e Weishaar (2003) defenderam que os esquemas precoce desadaptativos seriam formados na infância e desenvolvidos ao longo da vida, incidindo sobre uma temática geral, que remetia para a relação do sujeito de si consigo ou de si com os outros e constituídos por memórias, quer implícitas quer explícitas, vivências emocionais e aspectos sensitivos, relacionados com essas memórias.

Nesta perspectiva as necessidades emocionais básicas seriam:

– Na relação com os outros, através do estabelecimento de vínculos seguros;

– Na aquisição de processos autonómicos que possibilitariam o desenvolvimento de competências e uma identidade própria;

– O estabelecimento de limites adequados e o desenvolvimento de factores relacionados com a resistência à frustração e à perseverança na acção;

– O desenvolvimento da capacidade de expressão emocional adequada;

– O desenvolvimento da capacidade de expressão lúdica e de espontaneidade.

Young (1999) e Young, Klosko, e Weishaar (2003) consideraram uma divisão entre esquemas incondicionais (mais precoces, constituídos por crenças incondicionais sobre si e sobre os outros, impenetráveis à mudança ou à acção do sujeito) e condicionais (mais tardios e que podiam permitir obter resultados interpretáveis como favoráveis, pelo sujeito, mesmo que à custa de comportamentos nocivos). Estes esquemas poderiam funcionar como compensação aos esquemas incondicionais.

Os esquemas teriam também implicações nos modelos de relações interpessoais (Safran, 1990; Welburn, Coristine, Dagg, Pontefract, & Jordan, 2002).

Young (1999) considerou a existência de quatro experiências precoces relacionadas com a formação de esquemas desadaptativos:

1) Relacionadas com um baixa qualidade no suprir das necessidades da criança. Os esquemas que poderiam surgir seriam: Privação emocional e Abandono;

2) Ocorrência de acontecimentos que conduziam a um processo traumático na criança. Os esquemas que poderiam estar associados seriam: Desconfiança/Abuso, Defectividade/Vergonha e Vulnerabilidade ao dano;

3) Na relação com as figuras prestadoras de cuidado a criança seria privada do desenvolvimento dos processos autonómicos e do estabelecimento de limites adequados. Os esquemas desadaptativos associados a estas experiências seriam: Dependência/Incompetência ou Arrojo/ /Grandiosidade;

4) A criança faria um processo selectivo de identificação com uma das figuras parentais, reproduzindo o comportamento dessa figura ou assumindo um papel oposto. O esquema desadaptativo associado seria a Privação Emocional.

Young e Brown (1990), Young (1999) e Young, Klosko, e Weishaar (2003) preconizaram a existência de dezasseis esquemas precoces desadaptativos, que hierarquizaram dividindo-os em seis domínios.

1)Domínio de Instabilidade/Separação, que estaria associado a uma expectativa negativa do sujeito perante o papel que as relações teriam no que concerne ao apoio, segurança e estabilidade. Ficaria comprometido o estabelecimento de vínculos adequados com os outros. O sujeito considerava que não conseguia obter na relação com os outros elementos que lhe permitiriam colmatar a suas necessidades de segurança, cuidado afecto e estabilidade. Nesta área existiriam três esquemas precoces:

–Abandono – em que o sujeito consideraria não receber suporte emocional da parte das pessoas significantes, por estas se considerarem incapazes de o fazer ou pela perspectiva de morrerem;

– Privação emocional – em que o sujeito considerava ser impossível obter o afecto que necessitava;

– Desconfiança – o sujeito desconfiava dos outros porque considerava que estes iriam de alguma forma maltratá-lo, manipulando-o ou abusando dele.

2)Domínio de Enfraquecimento da Autonomia, que estaria associado com as expectativas do sujeito perante as aquisições do seu processo autonómico. Alteração na avaliação das suas capacidades e das expectativas sobre o desempenho e as solicitações externas. Grande dificuldade no estabelecimento de objectivos e no assumir de comportamentos que permitiriam os processos de individualização no exterior do contexto familiar. Também esta área englobaria três esquemas desadaptativos:

– Dependência funcional – em que o sujeito se julgava incapaz de gerir o seu quotidiano; – Vulnerabilidade ao prejuízo ou doença – medo exagerado de uma ocorrência catastrófica;

– Dependência emocional – o sujeito necessitava de um envolvimento emocional excessivo, porque considerava que só assim poderia sobreviver ou sentir-se bem.

3) Domínio da Indesejabilidade, que se relacionava com o facto de o sujeito se considerar indesejável a todos os níveis. Os três esquemas desadaptativos seriam:

– Deficiência – em que o sujeito consideraria que seria impossível ser amado devido a ter uma deficiência interna;

– Indesejabilidade social – o sujeito acreditaria ter características externas que afastariam os outros de si;

– Falhanço na realização – o sujeito acreditaria que iria falhar em todas as realizações, já que seria inferior aos outros.

4)Domínio da Redução da Auto-expressão, que se relacionava com a inibição emocional. Os sujeitos estabeleceriam regras extremamente rígidas. Marcada inibição e controlo continuado sobre as manifestações espontâneas de afectos ou de escolhas. Vivenciavam uma impossibilidade de actividade lúdica e de busca pela obtenção de prazer. Englobava dois esquemas desadaptativos:

– Subjugação – o sujeito acreditava que devia secundarizar os seus desejos em função dos desejos dos outros;

– Inibição emocional – em que o sujeito considerava que se expressasse emoções causaria mau estar nos outros.

5) Domínio de Redução da Gratificação, que se caracterizava por uma hipervalorização dos aspectos mais relacionados com o dever, em detrimento dos aspectos mais positivos e prazerosos. A necessidade de agradar ao outro levaria a uma secundarização de si e das suas próprias necessidades. O sujeito acreditava que só inibindo aquilo que é ou precisa poderia ter o amor do outro e evitar o conflito. Agrupava três esquemas desadaptativos:

– Auto-sacrifício – o sujeito exacerbava aquilo que considerava ser o seu dever moral ou cuidado com os outros;

– Padrão rígido – o sujeito exigia de si próprio padrões de funcionamento inalcançáveis;

– Negativismo – o sujeito acreditava que os aspectos negativos seriam impossíveis de prevenir.

6)Domínio do Enfraquecimento dos Limites, associado a dificuldades ao nível dos limites das relações com o outro, na autodisciplina e no controlo das emoções. Ausência de limites internos que dificultavam o autocontrolo e a resistência à frustração, impedindo o relacionamento adequado com os outros pela ausência de mecanismos de reciprocidade e de compreensão e aceitação dos direitos do outro. Conteria dois esquemas desadaptativos:

– Ignorar o direito do outro – o sujeito considerava possível promover uma acção sem levar os outros em consideração;

– Défice de auto-controlo – o sujeito acreditava que podia retirar importância à autodisciplina e ao controlo da expressão emocional.

Podemos afirmar que também para Young e Brown (1990), Young (1990) e Schmidt, Joiner, Young, e Telch (1995) os pensamentos automáticos negativos teriam a sua génese nos enviesamentos no processamento de informação do self e do meio, por acção dos esquemas.

A relação entre os esquemas e a depressão encontraria suporte experimental num trabalho (Claudio, 2004), em que se observou a existência de uma relação entre alguns esquemas e a severidade da depressão. Quando os sujeitos apresentavam uma maior severidade da depressão observaram-se resultados siginificativamente superiores nos esquemas desadaptativos: Auto-sacrifício, Privação emocional, Indesejabilidade Social, Inibição Emocional, Padrão Rígido, e Défice do Auto-controlo. Os outros esquemas desadaptativos não se revelaram sensíveis à severidade da depressão. Neste estudo observou-se também que os sujeitos deprimidos apresentaram valores significativamente mais elevados comparativamente com os sujeitos com perturbação de pânico nos seguintes esquemas desadaptativos: Indesejabilidade Social, Deficiência, Subjugação e Inibição Emocional. Quando se comparou os sujeitos deprimidos com um grupo de sujeitos sem alteração psicopatológica, observou-se que os primeiros apresentavam valores significativamente mais elevados em todos os esquemas com excepção do Défice de Auto-controlo. Estes resultados reforçavam a existência de uma relação entre os esquemas desadaptativos e a depressão. Permitiriam também apoiar a hipótese de que existiam esquemas desadaptativos que seriam mais característicos da depressão. Num trabalho de Welburn, Coristine, Pontefract, e Jordan (2002), observou-se uma relação entre os esquemas Abandono e Défice do Auto-controlo e a depressão. No caso do esquema Abandono remetia para o falhanço das relações precoces. Num trabalho de Oei e Baranoff (2007) foi observada uma relação entre os esquemas Défice de Auto-controlo, Falhanço na realização, Deficiência e Isolamento Social, e a depressão. Outros trabalhos que encontraram relação entre os esquemas e a depressão foram os de Stopa e Waters (2005); Calvete, Estévez, Arroyabe, e Ruiz (2005); Mason, Platts, e Tyson (2005). Todos estes trabalhos permitiam também apoiar a hipótese de que existiriam esquemas desadaptativos que seriam mais característicos da depressão.

 

OBJECTIVOS

Neste trabalho, em que analisámos os domínios de esquemas nos sujeitos deprimidos comparando com sujeitos com perturbação de pânico e com sujeitos sem alteração psicopatológica, estabelecemos dois objectivos.

1) Verificar a relação entre as alterações psico-patológicas (depressão e pânico) e os domínios de esquemas desadaptativos. A comparação entre os grupos de sujeitos com alterações psicopatológicas e o grupo de sujeitos sem alteração, pode permitir clarificar o papel dos domínios dos esquemas desadaptativos na génese e manutenção de cada uma das alterações psicopatológicas.

2) Verificar a existência de domínios de esquemas desadaptativos, preferencialmente utilizados pelos sujeitos deprimidos, comparativamente com os outros grupos em estudo e qual a sua relação com os índices de depressão. Estes domínios poderiam então ser considerados característicos da depressão e serem utilizados em processo psicoterapêutico.

MÉTODO

Participantes

Sujeitos com Diagnóstico de Depressão Major. Os critérios de inclusão dos sujeitos na nossa amostra foram os seguintes: (1º) Apresentarem um ou mais episódios depressivos major. Considerámos para classificar o episódio depressivo major os critérios diagnósticos do DSM IV; (2º) Estarem sem medicação psicofarmacológica ou com medicação estabilizada há pelo menos três meses; (3º) Saberem ler e escrever; (4º) Não terem alteração marcada da acuidade visual.

A amostra de sujeitos com depressão major era constituída por um total de 42 indivíduos.

Um grupo de 30 sujeitos foi objecto de duas avaliações, com um intervalo de três meses. O objectivo da segunda avaliação foi o se podermos comparar e relacionar os resultados no Questionário de Esquemas, com eventuais diferenças na severidade da depressão.

A proveniência dos sujeitos foi de vários serviços de Psicologia e Psiquiatria:

Da análise demográfica (ver Quadro 1) podemos observar:

– A média de idades dos sujeitos foi de 45.4 com um DP.=10.7.

– A percentagem de sujeitos do sexo feminino (81%) foi muito superior à do sexo masculino (19%).

– A amostra era maioritariamente constituída por indivíduos casados (54.8%).

– No que concerne às habilitações académicas o maior valor percentual correspondia aos sujeitos com o 1º Ciclo – 33.2%.

– A maior percentagem de sujeitos era constituída por trabalhadores não especializados – 38.1%.

– A maioria dos sujeitos – 73.8% – estavam medicados com antidepressivos há pelo menos três meses.

 

QUADRO 1

Descrição das variáveis de caracterização das amostras de sujeitos com diagnóstico de depressão major (Deprimidos), sujeitos com perturbação de pânico (Pânico) e sujeitos sem alteração psicopatológica (Normais)

 

Sujeitos com Diagnóstico de Perturbação de Pânico. Os critérios de inclusão na nossa amostra foram os seguintes: (1º) Apresentarem Perturbação de Pânico, com ou sem Agorafobia, segundo os critérios diagnósticos do DSM IV; (2º) Estarem sem medicação psicofarmacológica ou com medicação estabilizada há pelo menos três meses; (3º) Saberem ler e escrever; (4º) Não terem alteração marcada da acuidade visual.

Esta amostra foi constituída por 28 sujeitos.

Os sujeitos eram oriundos de diferentes serviços de Psicologia e de Psiquiatria.

Da análise do Quadro 1, podemos observar:

–A média etária registada foi 36.3 e DP.=7.9.

– A percentagem de sujeitos do sexo feminino (75%) era muito superior à do sexo masculino (25%).

– A maioria dos sujeitos era casada (60.7%).

– O maior valor percentual foi observado nos sujeitos com o Secundário, 28.6%.

–A nível socioeconómico o maior valor percentual (39.3%) foi observado nos trabalhadores não especializados.

– A maioria dos sujeitos – 60.7% – tinham medicação ansiolítica estabilizada há pelo menos três meses e não estavam em psicoterapia.

Sujeitos sem Alteração Psicopatológica. Os critérios de inclusão dos sujeitos na amostra foram: (1º) Não existir história passada ou presente de alteração psicopatológica; (2º) Não existir história passada ou presente de tomada de psicofármacos; (3º) Saberem ler e escrever; (4º) Não terem alteração marcada da acuidade visual.

A amostra era constituída por um total de 51 sujeitos. Os sujeitos eram oriundos de diferentes locais de trabalho.

Da análise do Quadro 1, podemos observar:

–Apresentavam uma média de idades de 39.7 anos e DP.=10.1.

– Os sujeitos do sexo feminino representavam 77% da amostra, enquanto que o masculino apenas registava 23%.

– A maior percentagem dos sujeitos eram casados, 56.9%.

– As percentagens mais elevadas, 23.5%, observaram-se nos sujeitos com o 1º Ciclo e com o Ensino Secundário.

–No nível socioeconómico a maior percentagem, 47.1%, observou-se em sujeitos trabalhadores não especializados.

– Nenhum dos sujeitos estava medicado.

Instrumentos

Entrevista Estruturada. Neste trabalho utilizámos a Anxiety Disorders Interview Schedule for DSM-IV: Lifetime Version (ADIS-IV-L), de 1994, elaborada por Peter A. Di Nardo, Timothy A. Brown, e David H. Barlow. Esta entrevista permitiu-nos o estabelecimento de diagnóstico segundo os critérios do DSM-IV. Foram estes os critérios usados para a inclusão dos sujeitos, quer na amostra de deprimidos, quer na de perturbação de pânico. Traduzida para português no Serviço de Psicologia Médica do Hospital de Santa Maria. A revisão da tradução e aplicação experimental foi realizada por nós.

Escala da Depressão de Hamilton. A Escala de Depressão de Hamilton, elaborada por Hamilton em 1957 e publicada pela primeira vez em 1960, permitia avaliar a severidade da depressão de uma forma objectiva, já que era o entrevistador que, através da avaliação da informação fornecida pelo sujeito, preenchia a escala, i.e., as respostas do sujeito seriam avaliadas por critérios clinicamente estabelecidos.

Utilizámos a versão traduzida para português integrada na ADIS IV.

O Inventário da Depressão de Beck. Utilizámos o Inventário da Depressão de Beck (BDI), para a avaliação subjectiva da depressão, já que era uma escala de auto-preenchimento. Este Inventário, elaborado por Beck, Ward, Mendelson, Mock, e Erbaugh (1961), permitia avaliar de forma subjectiva a severidade da depressão. Sendo de auto-avaliação, na perspectiva de Bech (1990), fornecia uma avaliação da qualidade de vida do sujeito.

Utilizámos uma tradução do BDI que fizemos em 1990, não publicada, que foi testada e corrigida numa população de 1500 estudantes do ensino superior.

Inventário de Ansiedade Estado e Traço (Forma Y). Este inventário de auto-avaliação de Spielberger (1983), permitia-nos avaliar os níveis de ansiedade estado – Forma Y-1 – e ansiedade traço – Forma Y-2.

A ansiedade estado referia-se ao nível de ansiedade desencadeado por uma situação num dado momento. A ansiedade traço relacionava-se com a forma como o sujeito avaliava as situações, que no caso de sujeitos com resultados elevados se devia à atribuição de características ameaçadoras a essas situações.

No nosso trabalho utilizámos a versão portuguesa, traduzida e amavelmente cedida por Américo Baptista.

Questionário de Esquemas. Este questionário de auto-preenchimento permitiu avaliarmos aquilo que Young e Brown (1991) considerava os Esquemas Precoces desadaptativos.

O Questionário era constituído por 123 em formas de afirmações, que englobam os 16 esquemas que compõem os 6 domínios de esquemas: Instabilidade e Separação; Enfraquecimento da Autonomia; Indesejabilidade; Redução da Auto-Expressão; Redução da Gratificação; Enfraquecimento dos Limites.

Utilizámos a versão portuguesa do Questionário de Esquemas (Young & Brown, 1990 e revisto em 1991), traduzido e adaptado por José Pinto Gouveia e Margarida Robalo em 1994, que amavelmente nos foi cedida.

Análise de resultados

O tratamento estatístico utilizado foi a ANOVA, já que se tratou de comparar os resultados de três grupos. Para se avaliar das diferenças entre os pares de grupos, utilizámos o teste HSD de Tukey, já que era o mais potente, na condição de existirem várias comparações, para avaliar as diferenças entre os pares de médias. Na comparação entre a primeira e segunda avaliação dos sujeitos deprimidos utilizámos o teste de t de Student para duas amostras emparelhadas. Previamente utilizámos, para os resultados obtidos em todos os instrumentos, o teste de Kolmogorov-Smirnov com a aplicação da correcção de Lilliefors, que nos indicou estarmos perante distribuições normais.

Para as correlações utilizámos o coeficiente de correlação de Pearson. Devido à utilização de múltiplos testes de t de Student e de correlações utilizámos a correcção de Bonferroni.

Da análise do Quadro 2, podemos observar:

– Os sujeitos deprimidos apresentaram uma severidade da depressão, avaliada pelo BDI, significativamente superior (p<.05) aos outros dois grupos.

– Quer na ansiedade estado quer na ansiedade traço os sujeitos deprimidos apresentaram valores significativamente superiores (p<.05) aos outros dois grupos.

– Os sujeitos com perturbação de pânico apresentaram na severidade da depressão e na ansiedade estado e traço valores significativamente inferiores (p<.05) em relação aos sujeitos deprimidos e significativamente superiores (p<.05) aos sujeitos sem alteração psicopatológica.

Desta análise podemos sublinhar três aspectos:

1) Os sujeitos deprimidos, apresentaram valores indicadores de depressão média, com uma média de ansiedade estado elevada e inferior à registada na ansiedade traço.

2) Os sujeitos com perturbação de pânico apresentaram valores de severidade de depressão ligeira, com a ansiedade estado com valores elevados e superior à ansiedade traço.

3)Os sujeitos sem alteração psicopatologica apresentaram valores que revelam ausência depressão e médias de ansiedade estado e traço baixas e muito próximas.

 

QUADRO 2

Médias (M), Desvio-Padrão (DP) e significância da diferença das médias entre os sujeitos deprimidos (Deprimidos), sujeitos com perturbação de pânico (Pânico) e sujeitos sem alteração psicopatológica (Normais), no Inventário de Depressão de Beck (BDI) e no STAI Estado e Traço

Nota: (1).(9) – Diferença significativa (p<.05) no teste de Tukey entre dois grupos numa dada escala. * = Diferença significativa (p<.05) na ANOVA entre os três grupos.

 

Da análise do Quadro 3, podemos observar:

– Os sujeitos deprimidos apresentaram valores significativamente superiores (p<.05) em todos os domínios de esquemas, quando comparados com os sujeitos sem alterações psicopatológicas.

– Na comparação entre os sujeitos deprimidos e os sujeitos com perturbação de pânico, observamos que os primeiros apresentaram médias significativamente superiores (p<.05), nos domínios Indesejabilidade, Redução da Auto-expressão e Redução da Gratificação.

– Comprando sujeitos com perturbação de pânico com sujeitos sem alteração psicopatológica, podemos observar que os primeiros apresentaram valores significativamente superiores (p<.05) nos domínios Instabilidade, Enfraquecimento, Redução da Auto-expressão e Redução da Gratificação.

Desta análise podemos sublinhar três aspectos:

1) Os sujeitos deprimidos apresentaram em todos os domínios de esquemas desadaptativos níveis de alteração marcados.

2) Os domínios Indesejabilidade, Redução Auto- Expressão e Redução de Gratificação, permitiram diferenciar os sujeitos deprimidos dos sujeitos com perturbação de pânico.

3) Os domínios Indesejabilidade e Enfraquecimento dos limites, não diferenciaram os sujeitos pânico dos sujeitos sem alterações psicopatológicas.

 

QUADRO 3

Médias (M), Desvio-Padrão (DP) e significância da diferença das médias entre os sujeitos deprimidos (Deprimidos), sujeitos com perturbação de pânico (Pânico) e sujeitos sem alteração psicopatológica (Normais), nos 6 domínios de esquemas desadaptativos

Nota: (1,3,6,8,11) = Diferença significativa (p<.01) no teste de Tukey entre dois grupos de um dado domínio. (2,4,5,7,9,10,11,12,13) = Diferença significativa (p<.05) no teste de Tukey entre dois grupos de um dado domínio. * = Diferença significativa (p<.05) na ANOVA entre os três grupos.

 

QUADRO 4

Médias (M), Desvio Padrão (DP) e significância da diferença das médias entre os sujeitos deprimidos (Deprimidos) na 1ª e 2ª avaliação, na Escala de Hamilton para a Depressão, no Inventário de Depressão de Beck (BDI) e no STAI Estado e Traço

Nota: * = Diferença significativa (p<.05) no teste de t de Student entre as médias dos dois grupos num dado domínio. (1) e (2) = Diferença significativa (p<.05) entre as médias do STAI Estado e Traço num dado grupo.

 

Da análise do Quadro 4, podemos observar:

– Os sujeitos na 1ª avaliação apresentaram valores significativamente mais elevados (p<.05) na escala que avalia a depressão.

– A severidade da depressão, avaliada pelo BDI, decrescia da 1ª para a 2ª avaliação, embora esta diferença não seja significativa.

–O STAI estado era significativamente mais elevada (p<.05) na 1ª avaliação.

–Em ambas as avaliações o STAI estado era significativamente superior (p<.05) ao STAI traço.

Desta análise podemos sublinhar cinco aspectos:

1) Na primeira avaliação os sujeitos apresentaram índices de depressão mais elevados, quando foram avaliados pela Escala de Hamilton.

2) A severidade da depressão, avaliada pelo BDI, não diferiu nos dois momentos de avaliação.

3) Os sujeitos avaliavam-se como menos deprimidos do que na realidade estão.

4) A ansiedade estado era significativamente mais elevada na 1ª avaliação.

5) Em ambas as avaliações a ansiedade estado era significativamente superior à ansiedade traço.

Da análise do Quadro 5, podemos observar:

–Na 1ª avaliação os domínios de esquemas desadaptativos, Redução da Auto-Expressão, Redução da Gratificação e Enfraquecimento dos Limites, apresentavam valores significativamente superiores (p<.05) aos observados na 2ª avaliação.

– Os domínios de esquemas desadaptativos, Instabilidade, Enfraquecimento da Autonomia e Indesejabilidade, apresentavam na 1ª avaliação valores superiores, embora de forma não significativa.

Desta análise podemos sublinhar dois aspectos:

1)Os domínios de esquemas desadaptativos, Redução da Auto-Expressão, Redução da Gratificação e Enfraquecimento dos Limites foram sensíveis à variação do índice de depressão.

2) Os outros domínios de esquemas desadaptativos não sofreram influência significativa pela alteração do índice de depressão.

 

QUADRO 5

Médias (M), Desvio Padrão (DP) e significância da diferença das médias entre os sujeitos deprimidos (Deprimidos) na 1ª e 2ª avaliação, nos diferentes domínios do Questionário de Esquemas

Nota: * = Diferença significativa (p<.05) no teste de t de Student entre as médias dos dois grupos num dado domínio.

 

Da análise do Quadro 6, podemos observar:

– O Inventário da Depressão de Beck apresentava correlações positivas significativas (p<.01) com 5 dos seis domínios de esquemas desadaptativos.Apenas o Domínio Enfraquecimento dos limites, não apresentava correlação significativa.

Desta análise podemos sublinhar dois aspectos:

1) A maioria dos domínios dos esquemas desadaptativos apresentava uma relação com a severidade da depressão.

2) O Domínio Enfraquecimento dos Limites não se revelava sensível à severidade da depressão.

Da análise do Quadro 7, podemos observar:

– Todos os domínios de esquemas desadaptativos apresentavam correlações positivas significativas (p<.01 ou p<.05) com o STAI-Estado.

– Os domínios Enfraquecimento da Autonomia e Redução da Auto-expresão apresentavam correlações positiva significativas (p<.01) com o STAI-Traço. Existia também uma correlação positiva significativa (p<.05) entre esta escala e o Domínio Indesejabilidade.

Desta análise podemos sublinhar dois aspectos:

1) Todos os domínios de esquemas desadaptativos apresentavam uma relação, nos sujeitos deprimidos, com a ansiedade estado.

2) A relação da ansiedade traço, com os domínios de esquemas, nos sujeitos deprimidos, apenas se fazia sentir em três domínios.

 

QUADRO 6

Correlações significativas entre o Inventário da Depressão de Beck (BDI) e os domínios de Esquemas desadaptativos, nos sujeitos deprimidos (n=42)

Nota: ** = r de Pearson significativo (p<.01).

 

QUADRO 7

Correlações significativas entre o STAI Estado e o STAI Traço e os domínios de Esquemas desadaptativos, nos sujeitos deprimidos (n=42)

Nota: ** = r de Pearson significativo (p<.01); * = r de Pearson significativo (p<.05)

 

DISCUSSÃO

Em relação ao primeiro objectivo do nosso trabalho, podemos afirmar que a abordagem pelos domínios de esquemas desadaptativos permitiu destrinçar os grupos psicopatológicos (depressão e pânico) do grupo de sujeitos sem alteração psicopatológica.

Comparando ambos os grupos com patologias com os sujeitos sem alteração psicopatológica verificámos que no caso dos sujeitos deprimidos a diferença registava-se nos seis domínios de esquemas desadaptativos. Os sujeitos pânico diferenciavam-se em quatros domínios, o que excluía os domínios Indesejabilidade e Enfraquecimento dos Limites.

Assim, podemos afirmar que os domínios dos esquemas desadaptativos seriam sensíveis à alteração psicopatológica, o que vai no sentido da existência de alterações dos esquemas e por consequência do processamento de informação e dos processos mnésicos, que estão intimamente associados quer à depressão quer à perturbação de pânico. Pelos resultados que observámos podemos afirmar que estas alterações seriam mais marcadas na depressão.

Em relação ao segundo objectivo, encontrámos três domínios – Indesejabilidade, Redução da Auto-expressão e Redução da Gratificação – que permitiam distinguir os sujeitos deprimidos dos sujeitos pânico.

Qualquer dos três esquemas desadaptativos que integram o Domínio da Indesejabilidade estava relacionado com a sintomatologia depressiva. A Deficiência, que se relacionaria com a suposição do sujeito de que ninguém o poderia amar devido a ter uma falha interna. O Isolamento Social, que se relacionaria com a auto-imagem negativa do sujeito com o afastamento dos outros. O Falhanço da Realização, que estaria associado ao sujeito considerar que não consegue realizar qualquer tarefa, já que se avalia como inferior aos outros. Este domínio não se revelou sensível ao aumento do índice de depressão.

O domínio da Redução da Auto-Expressão estava associado a um grande controlo e inibição da expressão dos afectos e à impossibilidade de obter prazer. Este domínio, constituído pelos esquemas Subjugação – que leva o sujeito a tornar os desejos dos outros prioritários em relação aos seus – e Inibição Emocional – o sujeito não pode expressar as emoções porque causa danos aos outros. Este domínio estaria assim associado aos aspectos de secundarização em relação ao outro e de impossibilidade de expressão dos afectos, que estão presentes na depressão. O aumento da influência deste domínio relacionava-se com um índice de depressão mais elevado.

O domínio Redução da Gratificação, que estaria associado ao primado do dever perante os outros e à secundarização dos aspectos de prazer e de si próprio. Assim o sujeito acreditava que deveria cuidar os outros de forma extremada – esquema de Auto-Sacrifício – deve ter elevados padrões de funcionamento, inatingíveis – esquema Padrão Rígido – e que não é possível evitar os aspectos negativos da vida – esquema Negativismo.

Este domínio reflectia e reforçava as crenças do sujeito deprimido de que tem um self negativo. Este domínio de esquemas desadaptativos seria sensível ao índice de depressão.

Estes domínios de esquemas estariam intimamente relacionados com a relação com os outros e neles podemos também observar a tríade cognitiva, característica da depressão. Também nas distorções cognitivas, que ocorreriam na depressão, se podia observar a influência destes domínios de esquemas.

Devido ao efeito destes domínios de esquemas desadaptativos no relacionamento interpessoal o sujeito deprimido não conseguia construir uma relação em que a reciprocidade estivesse presente, estando assim impedido de retirar gratificação das relações, o que favorecia também o isolamento.

Consideramos que é fundamental numa intervenção psicoterapêutica, trabalhar estes domínios de esquemas com o sujeito deprimido, no que concerne ao contexto de relações precoces em que os esquemas desadaptativos foram construídos, nos efeitos que têm nos processos de selecção, codificação e evocação da informação, nas implicações no processamento de informação e nas relações interpessoais.

Estes domínios de esquemas poderiam também estar associados a traços de personalidade (Young, Klosko, & Weishaar, 2003). Assim, a intervenção psicoterapêutica deveria incidir também sobre estes aspectos.

Seria interessante referir que o domínio Enfraquecimento dos Limites, que embora não permitindo distinguir os sujeitos deprimidos dos sujeitos pânico, apresentou-se sensível ao índice de depressão. Assim, podemos afirmar que quando o índice de depressão é mais elevado o sujeito deprimido teria uma maior dificuldade de autocontrolo e de resistência à frustração, que por consequência dificultaria a relação com os outros.

É importante referir que as correlações observadas nos sujeitos deprimidos, entre os domínios de esquemas e o BDI, reforçariam a existência de uma relação muito forte entre a depressão e os domínios de esquemas desadaptativos. Apenas o domínio Enfraquecimento dos Limites não apresentou relação.

Podemos também referir que todos os domínios de esquemas apresentaram uma relação com a ansiedade estado, enquanto que apenas três domínios – Enfraquecimento da Autonomia, Indesejabilidade, Redução da Auto-Expressão. Estes resultados poderiam estar relacionados com o aumento do nível de ansiedade destes sujeitos quando têm que realizar uma tarefa. Contudo, julgamos importante em novos estudos tentar encontrar mais factores explicativos para estas relações.

Consideramos importante em futuros trabalhos relacionar os domínios de esquemas desadaptativos com dois aspectos:

1) Os estilos de vinculação do sujeito, já que os esquemas desadaptativos se modelam com base nas relações precoces que este estabelece com as figuras cuidadoras.

2) Os estilos de relações interpessoais, já que estão intimamente relacionados com a estrutura de self do sujeito.

 

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(*) Instituto Superior de Psicologia Aplicada.

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