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Análise Psicológica

 ISSN 0870-8231

     

 

Caracterização psicológica de uma amostra forense de abusadores sexuais

 

Pedro Santos Pechorro (*)

Carlos Poiares (**)

Rui Xavier Vieira (*)

 

RESUMO

Na presente investigação procedeu-se à avaliação psicológica de 41 abusadores sexuais (leque etário=17-73 anos; M=43 anos) actualmente detidos em estabelecimentos prisionais recorrendo ao Millon Clinical Multiaxial Inventory II (Millon, 1987) e a algumas variáveis classificativas (e.g., idade das vítimas, comportamentos sexuais praticados). Os resultados demonstraram uma grande multiplicidade de perfis psicológicos possíveis, alguns dos quais mais frequentes do que outros, o que não corrobora a existência dum perfil típico e estereotipado para abusadores sexuais. Os resultados põem em causa o valor da avaliação psicológica enquanto prova jurídica no caso concreto da identificação de abusadores sexuais.

Palavras-chave: Abusadores sexuais, Avaliação psicológica, Comportamentos sexuais, Pedofilia.

 

ABSTRACT

In this article the authors investigated the characteristics of the psychological profiles of 41 child sex offenders (age range=17-43 years; mean age=43 years) placed in state prisons. The Millon Clinical Multiaxial Inventory II (Millon, 1987) and some descriptive variables (e.g., victim’s sex and age, sexual behaviors) were used. The results showed a wide range of possible psychological profiles, some more frequent than others, which don’t corroborate the existence of a single typical psychological profile. The results put in question the use of psychological evaluations as juridical evidence.

Key words: Pedophylia, Psychological evaluation, Sexual behaviours, Sexual offenders.

 

Pesquisas científicas indicam que cerca de uma em cada quatro mulheres e um em cada oito homens foram sexualmente abusados na infância (e.g., Finkelhor et al., 1990, cit. por Porter, Fairweather, Drugge, Hervé, Birt, & Boer, 2002). Os abusadores sexuais de crianças têm sido tradicionalmente retratados perante o público em geral como indivíduos psicologicamente doentes (geralmente psicóticos, psicopatas ou introvertidos) que actuam como predadores desenfreados de crianças. Tal estereótipo é provavelmente originado pela extensa cobertura mediática dos casos mais aberrantes e chocantes para a opinião pública. Em parte devido a estes casos, têm sido efectuados uma quantidade de estudos sobre o perfil psicopatológico dos abusadores sexuais de crianças.

Mohr, Turner, e Jerry (1964, cit. por Quinsey & Lalumière, 2001) efectuaram uma investigação paradigmática na década de 60 na qual avaliaram 55 abusadores sexuais de crianças referenciados pelos tribunais. Estes autores evidenciaram que os abusadores sexuais de crianças raramente sofriam de perturbação psicótica e não eram nem menos inteligentes nem menos escolarizados que a população geral. O seu estatuto profissional e trabalho também nada tinham de invulgar. Verificou-se sim uma tendência ao isolamento do contacto social adulto e à presença de perturbação de personalidade. Investigações recentes baseadas no DSM-IV (American Psychiatric Association, 1996; e.g., Raymond, Coleman, Ohlerking, Christenson, & Miner, 1999) confirmam que raramente é encontrada perturbação psicótica nos abusadores de crianças, apesar de lhes serem frequentemente diagnosticadas perturbações do humor, perturbações da ansiedade e perturbações do abuso de substâncias (especialmente álcool).

À medida que a sofisticação da investigação em abusos sexuais de crianças foi aumentando passou-se a recorrer cada vez mais à avaliação psicológica e psicofisiológica (Seto, 2004). Segundo Chantry e Craig (1994) a avaliação psicológica forense em abusadores sexuais de crianças pode ter vários objectivos: (1) avaliar a competência do arguido em ser julgado ou como auxiliar de uma defesa de alegação de insanidade; (2) definir as necessidades específicas do arguido relativamente a serviços de saúde mental tanto dentro como fora da instituição penal; (3) prever reincidência futura, especificamente no que diz respeito a recomendações de liberdade condicional; e (4) investigar diferenças básicas entre subgrupos de arguidos.

O Minnesota Multiphasic Personality Inventory (MMPI; Butcher, Dahlstrom, Graham, Tellegen, & Kaemmer, 1999) tem sido o teste psicológico mais utilizado na avaliação psicológica e investigação de abusadores sexuais de crianças. O MMPI é melhor conceptualizado como uma medida geral de psicopatologia do que como uma medida de personalidade. Em geral, os abusadores de crianças tendem a ter uma pontuação mais alta na escala de desvio psicopático, e os indivíduos mais violentos e os abusadores de crianças mais reincidentes tendem a pontuar secundariamente na escala de esquizofrenia (Quinsey & Lalumière, 2001). Todavia, este padrão de resposta não parece ser unicamente específico dos abusadores de crianças, sendo comum entre outros tipos de agressores, e tende efectivamente a desaparecer quando se utilizam os controlos adequados (Okami & Goldberg, 1992; Quinsey & Lalumière, 2001).

Langevin et al. (1985, cit. por Okami & Goldberg, 1992) utilizaram o MMPI para avaliar abusadores de crianças exclusivamente homossexuais e heterossexuais. Os abusadores homossexuais de crianças, quando comparados com não-abusadores, apresentavam um perfil emocionalmente perturbado, pontuando mais alto nas escalas de depressão, esquizofrenia, desvio psicopático, paranóia, e introversão social. Os abusadores heterossexuais de crianças exibiram um perfil “tenso,” pontuando alto na escala de hipocondria e nas escalas que mediam timidez e reserva, mas diferiram dos abusadores homossexuais de crianças apenas no serem menos conservadores. Também apresentavam evidências de perturbação emocional. Os casos de incesto, em contraste, pareciam emocionalmente mais estáveis que os outros grupos, mas eram menos assertivos. Nenhum dos grupos de abusadores de crianças obteve pontuações altas em feminilidade, o que confirma que os abusadores de crianças e os não-abusadores não diferem quanto à identidade de género feminina.

A validade do MMPI relativamente ao planeamento de tratamento e predição de reincidência não é encorajante (Hanson & Bussière, 1998). Hall (1989), por exemplo, não encontrou qualquer diferença nos perfis do MMPI entre os vários subgrupos de abusadores de crianças (incestuosos vs. extra-familiares, agressivos vs. não-agressivos, homossexuais vs. heterossexuais, preferência por vítima pré-pubere vs. preferência por vítima púbere). Todavia, devido a que uma certa proporção de abusadores de crianças demonstram ter perturbações psicológicas, o MMPI pode ser útil em certos casos para avaliar como certos aspectos da psicopatologia podem estar relacionados com as características de abuso de certos indivíduos.

A Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R; Hare, 2004) é um instrumento psicométrico promissor no campo da avaliação de abusadores sexuais. Porter, Fairweather, Drugge, Hervé, Birt, e Boer (2002) utilizaram o PCL-R com uma amostra de 329 reclusos canadianos, dos quais 228 a cumprir pena por pelo menos um crime sexual. A amostra foi dividida em sub-grupos: abusador extra-familiar, abusador intra-familiar, abusador intra- e extra-familiar, violador, abusador-violador, e criminoso não sexual. Os resultados demonstraram que os grupos de abusadores de crianças tinham as taxas de psicopatia mais baixas, os violadores e os criminosos não sexuais tinham taxas moderadamente altas, enquanto que a taxa mais alta de psicopatia foi encontrada no grupo abusador-violador. Este estudo corroborou o que já outros (e.g., Forth & Kroner, 1995, cit. Porter et al., 2002; Serin et al., 1994, cit. Porter et al., 2002) haviam demonstrado, nomeadamente a presença de baixas taxas de psicopatia em abusadores exclusivos de crianças quando comparados com violadores e com a população prisional em geral.

Um outro instrumento psicométrico promissor na avaliação de abusadores sexuais de crianças é o Millon Clinical Multiaxial Inventory (MCMI; Choca & Van Denburg, 1997; Groth-Marnat, 2003; Millon, 1987). O MCMI é um questionário de auto-resposta estandardizado que avalia um largo espectro de informação relacionado com a personalidade do indivíduo e o seu ajustamento emocional. Tem a vantagem de ser um dos raros testes que se foca simultaneamente em perturbações da personalidade e em síndromas clínicos, tendo sido demonstrado que a sua validade factorial se mantém em amostras forenses (e.g., Ownby et al., 1990, 1991, cit. Chantry & Craig, 1994).

Bard e Knight (1987, cit. por Millon, 1987) utilizaram o MCMI para avaliar 101 sujeitos condenados por ofensas sexuais repetitivas, violentas e/ou compulsivas. Focando-se apenas nas escalas de personalidade básicas (1-8), o perfil geral para a amostra foi Antisocial-Narcissico-Histriónico (654). Todavia, recorrendo-se a uma análise de clusters surgiram quatro subgrupos distintos. O primeiro subgrupo, em que se distinguiu o perfil Evitante-Esquizóide-Dependente (213), era constituído por indivíduos de QI tendencialmente baixo condenados por violação de mulheres e por abuso de crianças. O segundo subgrupo, caracterizado pelo perfil Narcissico-Antisocial-Histriónico (564), era principalmente constituído por violadores de mulheres. O terceiro subgrupo obteve pontuações elevadas nas escalas Antisocial e Passivo-agressivo e era caracterizado pelos actos agressivos e pelo abuso de álcool e drogas. O quarto subgrupo era caracterizado pela ausência de elevações no MCMI, sendo constituído por indivíduos com uma história familiar menos problemática, que aparentavam estar a compensar sentimentos de inadequação quanto à sua masculinidade, e que agiam de forma premeditada (não-impulsiva).

Chantry e Craig (1994) utilizaram o MCMI num grupo de 603 reclusos subdivididos em abusadores sexuais de crianças (n=201), violadores de mulheres (n=195) e criminalidade não-sexual (n=205). O objectivo do estudo consistiu em determinar se o MCMI seria capaz de distinguir diferenças de personalidade entre os três grupos. Os resultados demonstraram que o estilo de personalidade dos abusadores de crianças era mais dependente e emocionalmente desligado, mas também era emocionalmente mais lábil com ansiedade e depressão, que o estilo de personalidade dos violadores e os criminosos não-sexuais. Estes dois últimos grupos eram mais narcísicos e tinham menos perturbação psicológica que os abusadores de crianças. Todavia, tanto os abusadores de crianças como os violadores de mulheres eram mais passivo-agressivos. Estes autores concluíram, em consonância com numerosos estudos anteriores (e.g., Kalichman, 1990, cit. por Chantry & Craig, 1994), que os violadores de mulheres eram mais semelhantes em termos de estrutura de personalidade aos criminosos não-sexuais que aos abusadores sexuais de crianças.

Pode-se concluir que os abusadores sexuais de crianças presos demonstram ter níveis relativamente altos de psicopatologia, nomeadamente uma maior perturbação emocional, dependência, timidez, introversão e tendem a responder de uma forma mais reservada que os homens da população normal. A psicopatia, se presente, é um forte preditor de elevada perigosidade do indivíduo, embora não seja consensual que seja preditor forte da reincidência relativamente a crimes sexuais (e.g., Porter et al., 2002; Quinsey & Lalumière, 2001) dada a relação complexa existente entre psicopatia e crimes sexuais. Não é actualmente claro se estas características psicológicas são atribuíveis, pelo menos em parte, às vicissitudes da reclusão dos arguidos dado q ue raramente os abusadores sexuais de crianças foram comparados com grupos controlo adequados, nomeadamente criminosos não-sexuais da mesma instituição (Okami & Goldberg, 1992; Quinsey & Lalumière, 2001; Seto, 2004).

O objectivo da presente investigação é identificar diferenças no estilo de personalidade de abusadores sexuais de crianças portugueses e verificar a sua consistência com as características psicológicas demonstradas nos estudos internacionais, recolhendo também informação sobre as características do tipo de abuso que cometeram.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi obtida em meio prisional (amostra forense), intencionalmente de conveniência, e ficou constituída por 41 homens (N=41) com uma idade média de 43 anos (leque etário=17-73 anos; M=42.78; DP=14.12). O estado civil dos reclusos obtido foi 39% solteiros, 7.3% união-de-facto, 31.7% casados, 19.5% separados/divorciados, e 2.4% viúvos. A raça dos reclusos obtida foi de 92.7% brancos e 7.3% negros. A escolaridade dos reclusos obtida foi de 29.3% com o primeiro ciclo do ensino básico, 31.7% com o segundo ciclo do ensino básico, 19.5% com o terceiro ciclo do ensino básico, 9.8% com o ensino secundário, e 9.7% com bacharelato ou licenciatura. A escolaridade média foi de 8 anos (M=7.61; DP=3.88).

Instrumentos

O questionário iniciou-se com um termo de consentimento informado que explica o propósito geral da investigação.

Seguidamente surgia um questionário demográfico com as seguintes questões: Idade, Estado civil actual, Raça ou grupo étnico, Grau de escolaridade, e Profissão.

Finalmente surgia o instrumento de avaliação da personalidade escolhido para esta investigação, nomeadamente o Millon Clinical Multiaxial Inventory-II (MCMI-II; Choca & Van Denburg, 1997; Groth-Marnat, 2003; Millon, 1987), que, como já foi referido, é um questionário de auto-resposta estandardizado que avalia um largo espectro de informação relacionado com a personalidade do indivíduo e o seu ajustamento emocional. Na presente investigação foi utilizada uma tradução elaborada pela equipa do Prof. Dr. Branco Vasco da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.

O MCMI-II é composto por 175 itens que constituem 26 escalas divididas nas seguintes categorias: Índices Modificadores (Validity Index, Disclosure Index, Desirability Index, Debasement Index), Padrões de Personalidade Clínicos (Schizoid, Avoidant, Dependent, Histrionic, Narcissistic, Antisocial, Aggressive-Sadistic, Compulsive, Passive-Aggressive, Self-Defeating), Patologia de Personalidade Grave (Schizotypal, Borderline, Paranoid), Síndromas Clínicas (Anxiety Disorder, Somatoform Disorder, Bipolar-Manic Disorder, Dysthymic Disorder, Alcohol Disorder, Drug Dependence), e Síndromas Graves (Thought Disorder, Major Depression, Delusional Disorder).

O MCMI-II tem a vantagem de ser um dos raros testes que se foca simultaneamente em perturbações da personalidade e em síndromas clínicos, tendo sido demonstrado que a sua validade factorial se mantém em amostras forenses (e.g., Ownby et al., 1990, 1991, cit. Chantry & Craig, 1994). As normas utilizadas são as da aferição norte-americana, dado que, tal como para a grande maioria dos questionários de personalidade, não existe aferição portuguesa. Foi utilizado o respectivo programa informático para cotação dos protocolos também elaborado pela equipa do Prof. Dr. Branco Vasco da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.

Adicionalmente, foi elaborada uma ficha de recolha de dados que procurou explorar uma série de variáveis pertinentes para a classificação dos abusadores e para a caracterização do tipo de abuso. A ficha começa com um item referente ao número conhecido de vítimas. Seguidamente operacionalizam-se os comportamentos sexuais efectuados com a(s) vítima(s), tendo estes sido divididos em: Carícias, Frottage (roçar os genitais na vítima), Sexo oral, Sexo vaginal, e Sexo anal.

Na operacionalização da variável “Maturidade da(s) vítima(s) (pré-púbere vs. púbere)” foram consideradas pré-púberes vítimas menores de 14 anos, conforme o Art. 172.º do Código Penal, e vítimas púberes menores entre 14 anos e 16 anos, conforme o Art. 174.º do Código Penal (Albuquerque, 2006).

Na operacionalização da variável “Sexo da(s) vítima(s) (orientação heterossexual vs. homos-sexual do abusador)” considerou-se a existência de abusadores heterossexuais exclusivos, homossexuais exclusivos, e bissexuais (vítimas de ambos os sexos).

Na operacionalização da variável “Parentesco biológico com a(s) vítima(s) (incestuoso vs. extra-familiar)” considerou-se incestuoso quando existia parentesco biológico com a vítima, extra-familiar quando não existia (e.g., padrasto que abusa filha da esposa é considerado extra-familiar).

Na operacionalização da variável “Utilização de agressão física (agressivo vs. não-agressivo)” considerou-se o a busador agressivo quando este utilizou violência física para concretizar o abuso.

Procedimentos

Foi obtida junto da Direcção Geral dos Serviços Prisionais a necessária autorização para efectuar a presente investigação em vários estabelecimentos prisionais da zona da grande Lisboa. Recolheram-se questionários no Estabelecimento Prisional de Lisboa, Estabelecimento Prisional junto à Polícia Judiciária de Lisboa e Estabelecimento Prisional da Carregueira. Na Tabela 1 temos dados sobre a participação dos reclusos por Estabelecimento Prisional (EP):

 

TABELA 1

Aplicação de questionários

Local
Não participaram
Participaram
Questionários inválidos
Questionários utilizáveis
EPL
0
3
0
3
EPLJL
1
7
1
6
EPC
14
33
1
32
Total
15
43
2
41

Legenda: EPL=Estabelecimento Prisional de Lisboa; EPPJL= Estabelecimento Prisional Instalado Junto à Polícia Judiciária de Lisboa; EPC=Estabelecimento Prisional da Carregueira.

 

O questionário foi aplicado individualmente a cada recluso, estando o investigador sempre presente para esclarecer qualquer dúvida que pudesse surgir. A taxa total de participação foi de 74.14%. Os dois motivos alegados pelos reclusos para a não participação foram o desinteresse (10 reclusos) e o analfabetismo (5 reclusos). Os dois questionários excluídos foram considerados inválidos devido aos valores obtidos nos respectivos índices modificadores.

Da amostra final cerca de 75% dos reclusos já haviam sido condenados, e cerca de 25% aguardavam julgamento em prisão preventiva. Devido à existência de presos preventivos nem sempre foi possível recolher informação precisa sobre os factos dos quais os detidos estavam acusados.

Recorrendo ao programa informático SPSS for Windows V. 14 foram efectuadas as e statísticas descritivas para as variáveis demográficas, para as escalas do MCMI-II obtidas após cotação informática, e para as variáveis de classificação de abusadores sexuais e comportamentos sexuais.

 

RESULTADOS

Na Tabela 2 temos a pontuação média e o desvio-padrão para cada das escalas clínicas do MCMI-II.

 

TABELA 2

Pontuação média e desvio-padrão por escala

Escalas  
Média
Desvio-padrão
1 Schizoid
70.78
19.14
2 Avoidant
73.20
26.18
3 Dependent
75.10
25.39
4 Histrionic
61.49
13.33
5 Narcissistic
69.22
17.15
6A Antisocial
63.02
23.71
6B Aggressive-Sadistic
59.32
19.23
7 Compulsive
74.73
16.56
8A Passive-Aggressive
55.34
27.76
8B Self-Defeating
69.51
24.41
S Schizotypal
69.27
20.52
C Borderline
63.46
20.92
P Paranoid
68.20
10.75
A Anxiety Disorder
69.85
25.14
H Somatoform Disorder
57.85
17.45
N Bipolar; Manic Disorder
56.56
10.61
D Dysthymic Disorder
64.98
28.80
B Alcohol Disorder
61.51
23.77
T Drug Dependence
59.90
17.93
SS Thought Disorder
61.88
13.31
CC Major Depression
60.63
13.31
PP Delusional Disorder
63.51
13.35

 

Como se pode verificar, as quatro escalas mais elevadas são, respectivamente, a 3 Dependent (Dependente), 7 Compulsive (Compulsivo), 2 Avoidant (Evitante), e 1 Schizoid (Esquizóide), todas elas pertencentes à categoria Padrões de Personalidade Clínicos. Dentro da categoria Patologia da Personalidade Grave salienta-se a elevação relativa da escala S Schizotypal (Esquizótipico). Dentro da categoria Síndromas Clínicas salienta-se a elevação relativa da escala A Anxiety Disorder (Perturbação da Ansiedade). Dentro da categoria Síndromas Graves salienta-se a elevação relativa da escala PP Delusional Disorder (Perturbação Delirante). De notar que apenas a escala 3 Dependente, pertencente à categoria Padrões de Personalidade Clínicos, atingiu o ponto de corte definido para a validação norte-americana (BR≥75).

Na Figura 1 temos a representação gráfica da Como se pode verificar, a frequência máxima pontuação média por escala.

 

FIGURA 1

Pontuação média por escala

 

Na Tabela 3 temos a frequência com que, para toda a amostra, cada escala ultrapassou o ponto de corte definido para a validação norte-americana BR≥75).

 

TABELA 3

Frequência por escala de ultrapassagem do ponto de corte BR≥75

Escalas
BR≥75
1 Schizoid
18
2 Avoidant
20
3 Dependent
26
4 Histrionic
6
5 Narcissistic
16
6A Antisocial
8
6B Aggressive-Sadistic
9
7 Compulsive
23
8A Passive-Aggressive
10
8B Self-Defeating
15
S Schizotypal
10
C Borderline
7
P Paranoid
5
A Anxiety Disorder
22
H Somatoform Disorder
1
N Bipolar; Manic Disorder
1
D Dysthymic Disorder
20
B Alcohol Disorder
11
T Drug Dependence
4
SS Thought Disorder
2
CC Major Depression
2
PP Delusional Disorder
5

 

Como se pode verificar, a frequencia maxima encontra-se na escala 3 (Dependent) (26 sujeitos ultrapassam BR≥75), e a frequencia minima encontra-se nas escalas H Somatoform Disorder (Perturbacao Somatoforme) e N Bipolar: Manic Disorder (Perturbacao Bipolar: Mania) (1 sujeito ultrapassa BR≥.75). Todas as escalas e todos os sujeitos obtiveram pelo menos uma elevacao BR.75.

Relativamente as variaveis de classificacao de abusadores sexuais, os dados obtidos quanto ao numero conhecido de vitimas de cada abusador variaram entre um minimo de 1 vitima e um maximo de 8 vitimas (M=2.05; DP=1.80).

Em termos da variavel "Maturidade da(s) vitima(s) (pre-pubere vs. pubere)", verifica-se que a grande maioria dos abusadores dos abusadores molestaram exclusivamente vitimas prépúberes (vd. Tabela 4).

 

TABELA 4

Maturidade da(s) vítima(s) (pré-púbere vs. púbere

 
Vítimas pré-púberes
Vítimas púberes
Ambas
Omisso
Maturidade
71.4%
16.7%
9.5%
2.4%

 

Relativamente à variável "Sexo da(s) vítima(s) (orientação sexual do abusador)", verifica-se que a maioria dos abusadores molestaram exclusivamente vítimas do sexo feminino (vd. Tabela 5).

 

TABELA 5

Sexo da(s) vítima(s) (orientação sexual do abusador)

 
Feminino
Masculino
Ambos os sexos
Omisso
Sexo da vítima
54.8%
26.2%
14.3%
4.8%

 

No que diz respeito à variável “Parentesco biológico com a(s) vítima(s) (incestuoso vs. extra-familiar)”, verifica-se que os abusadores que molestaram exclusivamente vítimas de tipo extra-familiar foram um pouco mais numerosos do que os que molestaram exclusivamente vítimas de tipo incestuoso (vd. Tabela 6). No que concerne às relações de parentesco biológico encontraram-se relações diversas em que o abusador tinha o papel de pai, avô, tio, primo ou irmão.

 

TABELA 6

Parentesco biológico com a(s) vítima(s) (incestuoso vs. extra-familiar)

 
Incestuoso
Extra-familiar
Ambas
Omisso
Parentesco
40.5%
47.6%
2.4%
9.5%

 

Quanto à variável “Utilização de agressão física (agressivo vs. não-agressivo)”, verifica-se que a maioria foram considerados abusadores não-violentos (vd. Tabela 7).

 

TABELA 7

Utilização de agressão física (agressivo vs. não-agressivo)

 
Agressivo
Não-agressivo
Omisso
Agressão física
23.8%
61.9%
14.3%

 

Relativamente aos comportamentos sexuais efectuados pelos abusadores com as vítimas raparigas verifica-se que o mais praticado foi as Carícias, seguidas pela Frottage e pelo Sexo vaginal (vd. Tabela 8).

 

TABELA 8

Comportamentos sexuais com vítimas raparigas

Comportamentos
Efectuaram
Não efectuaram
Omisso
Carícias
56.5%
34.8%
8.7%
Frottage
47.8%
43.5%
8.7%
Sexo oral
26.1%
65.2%
8.7%
Sexo vaginal
47.8%
43.5%
8.7%
Sexo anal
4.3%
87%
8.7%

 

Relativamente aos comportamentos sexuais efectuados pelos abusadores com as vítimas rapazes verifica-se que o mais praticado foi o Sexo anal, seguido pelas Carícias (vd. Tabela 9).

 

TABELA 9

Comportamentos sexuais com vítimas rapazes

Comportamentos
Efectuaram
Não efectuaram
Omisso
Carícias
45.5%
36.4%
18.2%
Frottage
27.3%
54.5%
18.2%
Sexo oral
27.3%
54.5%
18.2%
Sexo vaginal
-
-
-
Sexo anal
72.7%
9.1%
18.2%

Utilizou-se o teste exacto de Fisher para verificar a existência de diferenças quanto aos comportamentos sexuais efectuados pelos abusadores nas vítimas raparigas e rapazes. Nos comportamentos Carícias, Frottage, e Sexo oral não foram encontrados efeitos estatisticamente significativos. Para o comportamento Sexo vaginal foram encontrados os óbvios e esperados efeitos estatisticamente significativos [Fisher (2-sided), p≤.05] favoráveis ao grupo das vítimas raparigas. Para o comportamento Sexo anal foram encontrados efeitos estatisticamente significativos [Fisher (2-sided), p<.001] favoráveis ao grupo das vítimas rapazes.

 

DISCUSSÃO

No MCMI-II pudemos verificar que as escalas mais elevadas se encontravam na categoria Padrões de Personalidade Clínicos. As escalas das restantes categorias – Patologia da Personalidade Grave, Síndromas Clínicas e Síndromas Graves – encontraram-se consideravelmente menos elevadas (BR≥70). Estes dados são compatíveis com os estudos que revelam a predominância de perturbações da personalidade sobre as perturbações de síndromas clínicas (e.g., perturbação psicótica) nas amostras de abusadores sexuais de crianças.

Dentro da categoria Padrões de Personalidade Clínicos verificámos que as escalas mais elevadas foram respectivamente: 3 Dependente, 7 Compulsivo, 2 Evitante, e 1 Esquizóide. Tal é consistente com os estudos que demonstraram a presença de alguns desses estilos de personalidade (e.g., Bard & Knight, 1987, cit. Millon, 1987; Chantry & Craig, 1994). A excepção foi para a escala 7 Compulsivo. De salientar que na generalidade não se encontraram elevações proeminentes das escalas relativas aos construtos 6A Antisocial (Anti-social), D Dysthymic Disorder (Perturbação Distimica), A Anxiety Disorder (Perturbação da Ansiedade), e B Alcohol Disorder (Perturbação Alcoólica) relatadas por alguns estudos.

É de salientar a grande diversidade de perfis obtidos dado que todos os sujeitos obtiveram pelo menos uma elevação (BR≥75) numa das escalas. Os resultados permitem-nos concluir que, apesar de certos perfis serem mais frequentes, não é possível excluir a priori um dado perfil de personalidade como não pertencendo ao grupo dos abusadores sexuais. Tal coloca seriamente em causa o valor da avaliação psicológica enquanto prova jurídica nos casos de abuso sexual de crianças. Okami e Goldberg (1992), na sua revisão de literatura, já haviam aliás alertado contra a ideia de existência dum perfil de personalidade “típico” relativamente a abusadores sexuais.

Relativamente às variáveis de classificação dos abusadores sexuais e do tipo de abuso sexual verificámos que cada abusador da nossa amostra molestou em média duas crianças. Na questão do sexo e da maturidade das vítimas comprovámos a tendência descrita por Gomes e Coelho (2003) de a maioria das vítimas serem meninas e de serem pré-púberes. Na questão da utilização de agressão física comprovámos (indirectamente) a tendência descrita por Gomes e Coelho (2003) de haver um menor nível de agressão às crianças mais novas (a maioria da nossa amostra foi constituída por crianças pré-púberes e apenas uma minoria de abusadores utilizou agressão física).

Na questão da tendência a que o abuso fosse maioritariamente intra-familiar não se verificou a tendência descrita por Gomes e Coelho (2003), o que pode eventualmente ser explicado por questões metodológicas (e.g., operacionalizámos a variável intra-familiar restringindo-a exclusivamente a parentesco biológico).

Relativamente à questão dos comportamentos sexuais praticados pelos abusadores também se comprovou a tendência descrita por Gomes e Coelho (2003) de não haver diferenças, tendo em consideração o sexo da vítima, quanto a certos comportamentos (e.g., carícias), mas havê-las quanto a outros comportamentos (e.g., sexo anal). Efectivamente não encontrámos diferenças estatisticamente significativas quanto aos comportamentos sexuais Carícias, Frottage, e Sexo oral, mas encontrámo-las quanto ao sexo anal (e obviamente ao sexo vaginal).

Devemos salientar algumas limitações desta investigação. A nossa amostra forense não é homogénea dado que 25% dos detidos são preventivos que aguardam julgamento, não tendo ainda sido juridicamente estabelecida a sua culpa. Devido à nossa amostra ser exclusiva-mente forense se deve ter cautela em generalizar os resultados aos abusadores sexuais existentes na população geral.

 

REFERÊNCIAS

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(*) Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

(**) Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

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