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Análise Psicológica

Print version ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.26 no.4 Lisboa Oct. 2008

 

Entre o horror, a missão e a epopeia. Modalidades de atribuição de significado à participação na Guerra Colonial Portuguesa pelos seus ex-combatentes

 

Sandra Sendas(*)

Ângela da Costa Maia (*)

Eugénia Fernandes (*)

 

RESUMO

Este estudo teve como objectivo explorar os significados atribuídos por uma amostra de 314 ex-combatentes da guerra colonial portuguesa (média idade 57,3 anos, d.p. 3,69) à experiência de participação na guerra. Utilizou-se a metodologia da Grounded Theory (Glaser & Strauss, 1967) para realizar uma análise qualitativa às respostas dadas pelos sujeitos à questão, Que significado tem na sua vida ter estado na guerra. Os nossos resultados foram ao encontro das conclusões de Aldwin, Levenson, e Spiro III (1994) e de Fontana e Rosenhek (1998) sugerindo que os ex-combatentes da guerra colonial construíram significados múltiplos para as suas experiências de guerra. A guerra enquanto experiência ou a guerra enquanto espólio revestiram-se tanto de significados negativos (i.e., decepções/perdas) como de significados positivos (i.e. satisfação/benefícios).

Palavras-chave: Crescimento pós-traumático, Guerra, Estudo qualitativo, Trauma.

 

ABSTRACT

This study had the objective of exploring the meanings the veterans have atributed to war. A total of 314 (87.7%) subjects of a sample of 350 Portuguese colonial war veterans (M=57.3, SD=3.69; 68.3% with 4 year education) answer to the question: What does it mean in your life to have participated in a war. The qualitative analysis of the answers, acording to the grounded theory (Glaser & Strauss, 1967) brought two concepts to light; revelation and war spoils, showing that the traumatic significance of the war experience is not one, and war can also mean the fulfillment of a duty or the aquisition of benefits at emotional, intelectual and ethic maturity. Our results are consonant with Aldwin, Levenson, and Spiro III (1994) and with Fontana and Rosenhek (1998) because those authors had found that the war experience can result for veterans both in positive and negative outcomes.

Key words: Meaning attribution, Posttraumatic growth, Qualitative investigation, Traumatic stress.

 

Quem esteve aqui não consegue voltar o mesmo … (Lobo Antunes, 1979, Os cus de Judas)

 

INTRODUÇÃO

Não obstante a acentuada prevalência de PTSD nas amostras de combatentes, à semelhança do que acontece com outras situações potencialmente traumáticas, estas não têm como único desfecho a patologia física ou psicológica. Schnurr, Rosemberg, e Friedman (1993, citado por Aldwin, Levenson, & Spiro III, 1994) já haviam demonstrado que uma exposição moderada a situações de combate poderia resultar em modificações positivas de personalidade, contrariamente ao que acontecia com uma exposição baixa ou acentuada. Elder e Clipp (1989, citado por Aldwin, Levenson, & Spiro III, 1994) sugeriram que a exposição a combate tanto poderia originar patogenia como ganhos desenvolvimentais.

Presentemente, no contexto da Psicologia Positiva, tem-se vindo a desviar a atenção da patologia e a defender a elaboração de modelos compreensivos do funcionamento humano que abranjam a totalidade da experiência humana desde o sofrimento, passando pela resiliência até ao crescimento e funcionamento optimal (Linley & Joseph, 2005; Seligman & Csikszentmihalyi, 2000, citado por Amy, Cascio, Stangelo, & Campbell, 2005; Seligman, Steen, Park, & Peterson, 2005). Bonanno (2004) refere mesmo que grande parte da comunidade científica subestima a existência de resiliência face ao trauma, considerando-a quer um estado patológico quer algo extremamente raro, presente apenas em indivíduos excepcionalmente saudáveis, o que se poderá dever ao facto do conhecimento sobre as estratégias de coping usadas pelos adultos expostos ao trauma resultar essencialmente do estudo daqueles que apresentam grandes perturbações psicológicas.

A possibilidade das situações de stress extremo poderem apresentar não só consequências negativas mas também positivas, não é uma descoberta recente. Em 1964 Gerald Caplan, na sua teoria da intervenção na crise, já havia descrito de que modo as situações de crise podiam ser perturbadoras ou maturantes. De acordo com este autor, os indivíduos ao esforçarem-se por repor o equilíbrio psicológico perturbado pela crise, poderiam beneficiar das dificuldades enfrentadas, vindo a desenvolver estratégias de coping inovadoras e mais eficazes. Autores como Frankl (1963) e Maslow (1970, citado por Tedeschi & Calhoun, 2005) subscreviam igualmente a possibilidade das crises de vida poderem desencadear mudanças pessoais positivas. Na mesma linha, a existência de consequências positivas nas situações extremas de stress já havia sido demonstrada empiricamente por alguns autores no passado (e.g., Spprenkkle & Cyrus, 1983, citados por Aldwin, Levenson, & Spiro, 1994). De facto, já em 1983, Zautra e Sandler (citado por Aldwin, Levenson, & Spiro, 1994), haviam proposto dois modelos complementares para os efeitos de longo curso das situações extremas de stress, considerando a possibilidade das mesmas poderem vir a desencadear situações de sofrimento ou de crescimento psicológico. Na mesma linha de pensamento, Antonovsky (1987, citado por Nunes, 1999) propôs o conceito de sentido de coerência para explicar porque motivo alguns indivíduos apresentavam uma boa saúde física e psicológica não obstante viverem em situações de stress extremo. Este conceito já indiciava a mudança de interesse dos investigadores dos paradigmas patogénicos para os salutogénicos e mostra-se consonante com o objecto de estudo da recente Psicologia Positiva.

No âmbito dos aspectos positivos associados às situações de stress extremo, a literatura apresenta-nos basicamente dois conceitos, a resiliência (Aldwin, Levenson, & Spiro III, 1994; Bonanno, 2004; Fredrickson, Tugade, Waugh, & Larkin, 2003; Stein, Tran, Lund, Haji, Dashevsky, & Backer, 2005) e o crescimento pós-traumático (Amy et al., 2005; Frazier, Amy, & Glasser, 2001; Frederickson et al., 2003; Joseph, linley, Andrews, Harris, Howle, Woodward, & Shevlin, 2005; Linley & Joseph, 2004, 2005; Powell, Rosner, Butollo, Tedeshi, & Calhoun, 2003; Tedeschi & Kilmer, 2005; Tedeschi, Park, & Calhoun, 1997).

O conceito de resiliência tem sido caracterizado como a capacidade dos indivíduos para lidarem com experiências emocionais negativas adaptando-se com flexibilidade às exigências de mudança das experiências stressantes (Lazarus, 1993, citado por Tugade & Fredrickson, 2004). Bonanno (2004, p. 20) fala na resiliência à perda e ao trauma e define-a “como a capacidade dos adultos, habitualmente a viverem em circunstâncias normais, de manterem um estado relativamente estável e saudável de funcionamento físico e psicológico quando expostos a um acontecimento isolado potencialmente perturbador como por exemplo a morte de algum familiar próximo ou uma situação de grande perigo de vida” e acrescenta que a resiliência deverá ser distinguida da simples recuperação à psicopatologia traumática pois, na sua opinião, ser resiliente ao trauma exige que a pessoa mantenha um equilíbrio e stável, graças à utilização de estratégias de coping adaptativas, aquando da vivência de uma situação de stress extremo.

A capacidade prévia de resiliência face à adversidade, apesar de inquestionável, não explica o facto, amplamente descrito na religião e na filosofia, de que a luta e o confronto com grandes perdas na vida poder vir a ser, para algumas pessoas, fonte de desenvolvimento da percepção do sentido da vida e uma motivação para mudanças positivas de personalidade. Curiosamente, os novos desenvolvimentos na área da psicotraumatologia têm vindo a mostrar que algumas pessoas usam os acontecimentos de stress extremo como matéria-prima para seu crescimento e desenvolvimento, por outras palavras, são capazes de apresentar Crescimento Pós-Traumático – CPT (Amy et al., 2005; Frazier, Amy & Glasser, 2001; Frederickson et al., 2003; Joseph et al., 2005; Linley & Joseph, 2004, 2005; Powell, Rosner, Butollo, Tedeshi, & Calhoun, 2003; Tedeschi & Kilmer, 2005; Tedeschi, Park, & Calhoun, 1997).

Mais do que a manutenção de um “estado relativamente estável e saudável de funcionamento físico e psicológico (...)” (Bonanno, 2004, p. 20) as pessoas com crescimento pós-traumático denotam mudanças pessoais positivas e um nível de funcionamento físico e psicológico superior ao que tinham antes de haverem lidado com as experiências adversas (Linley & Joseph, 2004).

As evidências empíricas neste domínio mostram que 40 a 70% das pessoas que experimentam um acontecimento traumático referem, mais tarde, alguma forma de benefício dessa experiência, nomeadamente após desastres, lutos, cancro, entre outros (Davis, Nolean-Hoeksema, & Larson, 1998; Schwartzberg & Janoff-Bulman, 1991, citado por Joseph et al., 2005).

Convém salientar que não é a adversidade e o trauma que levam ao crescimento, mas o enfrentamento que a pessoa lhes faz. Neste sentido, o crescimento pós-traumático surge frequentemente em concomitância com o sofrimento emocional e muitas das pessoas que o referem apresentam total consciência tanto dos aspectos positivos como dos negativos da sua experiência (Calhoun & Tedeschi, 2001). As investigações têm encontrado resultados ambíguos no que se refere à associação entre crescimento pós-traumático e outras medidas de ajustamento psicológico. Alguns resultados indicam que essa associação existe mas, outros não (Calhoun & Tedeschi, 1998; Park, Cohen, & Hunt, 1996). Lev-Wiesel e Amir (2003), num estudo feito em crianças sobreviventes ao Holocausto, verificaram que o crescimento pós-traumático coexistia com o sintoma de activação da PTSD.

O crescimento pós-traumático é uma consequência e um processo face à vivência da adversidade (Tedeschi, Park, & Calhoun, 1997) resultante dum trabalho cognitivo orientado para a reconstrução dos pressupostos da vítima sobre o eu e sobre o mundo postos em causa pelo acontecimento traumático. Se o processo for bem sucedido o resultado será a integração do acontecimento adverso em construtos psicológicos de maior complexidade (Joseph et al., 2005; Tedeschi, Park, & Calhoun, 1997). Tomando o crescimento pós-traumático como uma consequência, é possível identificá-lo em três grandes domínios de mudanças: ao nível da percepção do eu, dos relacionamentos pessoais e da filosofia de vida (Tedeschi & Calhoun, 1995, citado por Tedeschi, Park, & Calhoun, 1997).

As mudanças na percepção do eu levam a pessoa a deixar de se ver como uma vítima e a intitular-se sobrevivente. Esta mudança é de alguma forma paradoxal, pois o sobrevivente antecipa uma maior vulnerabilidade face a posteriores acontecimentos adversos mas, ao mesmo tempo, apresenta um sentimento aumentado de força pessoal (Calhoun & Tedeschi, 2001; Tedeschi, Park, & Calhoun, 1997) que lhe provoca uma sensação de inoculação face à adversidade. As mudanças nos relacionamentos pessoais reflectem-se quer num sentimento acrescido de empatia e de proximidade aos outros, quer numa expressividade emocional aumentada (Calhoun & Tedeschi, 2001). As alterações na filosofia de vida podem materializar-se em mudanças nas prioridades de vida, na atitude existencial, na espiritualidade e na aquisição de sabedoria (Tedeschi, Park, & Calhoun, 1997). As mudanças nas prioridades da vida passam pela capacidade de apreciar “as pequenas coisas da vida”, nomeadamente o valor de cada dia (Tedeschi & Calhoun, 1996). A atitude existencial parece alterar-se em consequência da transformação dos pressupostos prévios das vítimas em relação ao mundo e manifesta-se numa maior consciência do “sentido da vida” (Calhoun & Tedeschi, 2001) ou seja, as pessoas que enfrentam a perda de familiares, violação, violência (...) questionam-se muito mais sobre o sentido d a vida e inevitabilidade da morte, independentemente de encon-trarem ou não respostas satisfatórias para essas questões (Calhoun & Tedeschi, 2001; Yalom & Lieberman, 1991, citado por Tedeschi, Park, & Calhoun, 1997). Ao nível espiritual, o crescimento pós-traumático pode reflectir-se por si só na possibilidade de dar sentido ao trauma permitindo a sua compreensão e integração (Weisner, Betzer, & Stolze, 1991, citado por Tedeschi, Park, & Calhoun, 1997), no desenvolvimento de um sentimento acrescido de compromisso para com as suas crenças religiosas ou numa reconversão (Pargament, 1996, citado por Tedeschi, Park, & Calhoun, 1997). Relativamente à aquisição de sabedoria, Tedeschi, Park, e Calhoun (1997) apresentam-na como um conceito unificador das mudanças ocorridas na generalidade das dimensões antes referidas, o que se traduz nas aprendizagens feitas pelos sobreviventes ao trauma ao nível de aspectos tais como: a valorização da vida; a clarificação das suas prioridades; investimento no relaciona-mento com os outros; aquisição de estratégias para lidar com situações adversas e na vivência do sentido espiritual da vida.

No âmbito das investigações sobre os efeitos positivos/benefícios percebidos da participação em combate, os estudos de Aldwin, Levenson, e Spiro III (1994) e os de Fontana e Rosenheck (1998) são de especial relevância para o nosso trabalho uma vez que os autores analisaram o papel das avaliações positivas e negativas feitas pelos ex-combatentes para as suas experiências de exposição ao combate na predição da relação entre a exposição ao combate e a vulnerabilidade ou resiliência face ao desenvolvimento de PTSD.

Aldwin et al. (1994), ao estudarem os veteranos da II.ª Guerra Mundial e da Coreia, perceberam que estes enumeravam significativamente mais consequências positivas do que negativas para a experiência de combate, sendo estas a aprendizagem da cooperação/trabalho de equipa; a valorização da paz; o desenvolvimento de um sentido de independência, a clarificação do objecto e sentido da vida, auto-estima acrescida e o reconhecimento do valor da vida.

Fontana e Rosenheck (1998), num estudo com veteranos da guerra do Vietname, identificaram um leque de benefícios e dificuldades psicológicas para a experiência de combate mais abrangente do que os que foram descritas por Aldwin et al. (1994). Relativamente às consequências psicológicas positivas, as categorias salientadas pelos participantes foram: o auto-desenvolvimento (i.e., reconhecimento de maior assertividade, responsabilidade e fé religiosa), a afirmação de crenças patrióticas (i.e., valorização da liberdade e da missão de combate) e a solidariedade para com os outros (i.e., desenvolvimento de tolerância, compaixão e proximidade em relação aos outros). No âmbito das dificuldades psicológicas enumeradas pelos veteranos, Fontana e Rosenheck (1998) referem a decepção nas crenças patrióticas (i.e., a constatação do absurdo da guerra, dos motivos económicos que a sustentam e o descrédito na ética da conduta de guerra), a autodecadência (i.e., a constatação de se haver tornado menos ambicioso, descrente no valor da vida, mais negligente e receoso da morte) e a alienação em relação aos outros (i.e., mais intolerante, conflituoso e céptico quanto à bondade da natureza humana).

Em ambos os estudos foi possível verificar que as consequências positivas/benefícios psicológicos diminuíam a relação entre PTSD e grau de exposição ao combate, e que as consequências negativas/dificuldades psicológicas a aumentavam. As evidências de ambas as investigações mostraram que a capacidade de enumerar consequências psicológicas positivas para a exposição ao trauma parece proteger os indivíduos relativamente ao desenvolvimento de PTSD, enquanto que a enumeração de dificuldades psicológicas parece potenciá-la. Assim, as consequências psicológicas positivas e as dificuldades psicológicas revelaram-se mediadoras da relação entre a exposição ao combate e desenvolvimento de PTSD. Adicionalmente, Fontana e Rosenheck verificaram que as consequências psicológicas positivas tinham um papel moderador relativamente às dificuldades psicológicas face ao desenvolvimento de PTSD ou seja, quando a autodecadência estava presente em concomitância com o autodesenvolvimento, a probabilidade dos indivíduos desenvolverem PTSD era muito menor do que quando era apenas referida a autodecadência.

Os resultados destes estudos mostraram ainda que as consequências psicológicas positivas e as dificuldades psicológicas enumeradas pelos veteranos de guerra eram mutuamente independentes. Face a esse resultado, Fontana e Rosenheck (1998) concluíram que mesmo circunstâncias tão terríveis e horríficas como o trauma de guerra podem desencadear nas vítimas, lado a lado, significados positivos e negativos. Sendo as experiências de stress extremo, como as de combate, susceptíveis de fomentarem nos indivíduos tanto consequências positivas como negativas, concordamos com Linley e Joseph (2005) quando os autores nos dizem que a adversidade pode desencadear três ordens de consequências, a psicopatologia, a resiliência e o crescimento pós-traumático, pelo facto de desafiarem as teorias pessoais/ /significados das vítimas a respeito do eu, dos outros e do mundo. Esse desafio surge como um risco e uma oportunidade. Por um lado, aumenta a vulnerabilidade da vítima ao sofrimento emocional e aos sintomas de PTSD (Bramsen, van der Ploeg, van der Kamp, & Adérc, 2001), por outro lado, pode desembocar quer em resiliência quer em crescimento pós-traumático, em função da forma como a vítima venha a fazer, posteriormente, o processamento/ /atribuição de significado ao trauma (O’Leary, Aldway, & Ickovicks, 1998).

 

OBJECTIVO DO ESTUDO

Este estudo teve como objectivo a compreensão da natureza e diversidade dos significados atribuídos pelos ex-combatentes à sua experiência de participação na guerra colonial portuguesa que decorreu entre 1961 e 1974 em Angola, Guiné e Moçambique, e procurou explorar a possibilidade de, à semelhança dos autores mencionados, também nós podermos encontrar atribuições de significado diversificadas para a experiência da participação na guerra.

 

MÉTODO

Design e análises

Para a prossecução deste estudo optámos pela utilização de uma metodologia qualitativa, especificamente, a Grounded Theory (Strauss & Corbin, 1990). Esta metodologia revelou-se em conformidade com os nossos objectivos pois, por definição, permite a compreensão das experiências e dos significados que os seres humanos constroem em interacção (Fernandes & Maia, 2001) e apresenta como princípio basilar a exploração, elaboração e sistematização dos significados de um determinado fenómeno tendo em consideração as modalidades interpretativas do conhecimento do mundo social e o próprio entendimento do investigador relativamente ao fenómeno investigado (Pires, 2001).

Sendo a construção de teoria a pedra basilar da Grounded Theory, implementámos uma metodologia de trabalho baseada em modalidades de pensamento indutivo. P rocurámos concretizar as características distintivas da Grounded Theory conforme foram apresentadas por Glaser e Strauss (1967), nomeadamente recolher e analisar os dados em simultâneo; criar códigos analíticos e categorias de análise dos dados a partir dos próprios dados e não a partir de hipóteses prévias; construir teorias provisórias para explicar os comportamentos e processos; escrever de forma sistemática memorandos sobre a análise dos dados com vista à construção e explicação de categorias; realização sistemática de comparações entre os dados, entre os dados e os conceitos e entre os próprios conceitos; o refinamento de categorias e realização da revisão bibliográfica após a análise dos dados.

Participantes

Participaram neste estudo 361 ex-combatentes da Guerra Colonial Portuguesa, todos homens (média idade 57,53 anos, d.p. 3,69; mínimo 51, máximo 68), dos quais 314 viriam a constituir a nossa sub-amostra. Estes sujeitos faziam parte da amostra do estudo r ealizado por Maia, McIntyre, Pereira, e Fernandes (2005) intitulado Factores preditores de PTSD, problemas de saúde física e psicológica, ajustamento familiar, laboral e social em ex-combatentes da Guerra Colonial no Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. Os sujeitos eram provenientes dos distritos de Beja (2,6%), Braga (48%), Chaves (2%), Faro (4%), Porto (30.3%), Viana do Castelo (9,7%) e Viseu (3,4%). Os sujeitos apresentam um baixo nível escolar sendo que 68,3% tem como escolaridade o primeiro ciclo do ensino básico. Relativamente ao estado civil, 90,3% são casados. A grande maioria dos sujeitos não exerce actividade profissional, 42,6% estão desem-pregados e 21,2% são reformados. Entre os participantes, 57% considera que durante a Guerra Colonial esteve exposto a experiências traumáticas. Uma grande parte dos sujeitos apresenta sintomas de perturbação psicológica (56%) e 39% apresenta sintomas suficientes para lhes ser diagnosticado PTSD.

Procedimentos

Os sujeitos foram seleccionados aleatoriamente a partir de uma base de dados de uma associação de ex-combatentes e foram convidados telefonicamente a participarem num estudo nacional com ex-combatentes, a decorrer na Universidade do Minho.

O protocolo de investigação era constituído por vários instrumentos que caracterizam social e demograficamente os participantes e fazem uma descrição da história militar, nomeadamente no que diz respeito à exposição a combate e outras experiências adversas bem como à forma como avaliam actualmente esta experiência. Para além disso procura fazer uma avaliação da história de desenvolvimento em termos de cuidados recebidos e uma caracterização do funcionamento actual tanto em termos de psicopatologia como de queixas de saúde.

Os resultados aqui relatados referem-se à análise das respostas escritas dadas pelos sujeitos à questão de estudo, Que significado tem na sua vida ter estado na guerra (Maia e col., 2005) que constitui a única parte de resultados de natureza qualitativa integrada neste protocolo.

A análise das respostas dos sujeitos foi feita segundo os procedimentos de codificação aberta e axial tal como são preconizados pela Grounded Theory e sem recurso a qualquer programa informático de análise qualitativa de dados.

 

RESULTADOS

A análise das respostas mostrou-nos a existência de 61 afirmações diferentes, que indexam a experiência de participação na guerra a significados positivos, negativos e ambíguos. As respostas de maior frequência foram nenhum, algo sem objectivos e sem futuro (16,2%), defender a pátria serviço cumprido (12,4%) (Quadro 1).

 

QUADRO 1

Frequência das afirmações sobre o significado da guerra (n=361)

Afirmação Frequência
Nenhum, algo sem objectivos e sem futuro 51 (16,2)
Defender a pátria, serviço cumprido 39 (12,4)
Obrigado, contrariado, cumprir um dever imposto 37 (11,8)
Atraso na vida pessoal/profissional 28 (8,9)
Perda de tempo irreparável, inutilidade 27 (8,6)
Orgulho/honra 23 (7,3)
Crescimento pessoal 7 (2,2)
Contribuição para problemas a nível de saúde física e psicológica 7 (2,2)
Guerra roubou melhor tempo da vida – a juventude 7 (2,2)
Um tempo de sofrimento 6 (1,9)
Uma injustiça 5 (1,6)
Marcou para toda a vida quer pela positiva quer pela negativa 5 (1,6)
Guerra sem vantagens – afinal perdeu-se tudo 4 (1,3)
Sentir-se usado pelo estado português 3 (1,0)
Mal-estar permanente 3 (1,0)
Conhecer áfrica 3 (1,0)
Defender e proteger os portugueses que lá estavam ou a população que lá vivia 2 (0,6)
Conhecer amigos 2 (0,6)
Desgosto 2 (0,6)
Foi bom 2 (0,6)
Sentimento de raiva, desgosto pela forma como ex-combatentes são tratados, esquecimento 2 (0,6)
Impedimento – progredir profissionalmente 2 (0,6)
Prazer de conhecer novas terras 2 (0,6)
Destruiu a nível psicológico 2 (0,6)
Uma vítima 2 (0,6)
Anos de vida perdidos 2 (0,6)
Insegurança 2 (0,6)
Contribuição para a formação 2 0(,6)
Revolta 2 (0,6)
Sente-se um homem diferente 1 (0,3)
Foi horrível, queria fugir 1 (0,3)
Modificou a maneira de ser para pior 1 (0,3)
Fez coisas que não devia ter feito 1 (0,3)
Sentiu-se útil pelo seu desempenho 1 (0,3)
Não se sentir orgulhoso 1 (0,3)
Sociedade em que vive não reconhece o sacrifício que passou 1 (0,3)
Não ter medo a nada 1 (0,3)
Arruinou a saúde e vida pessoal 1 (0,3)
Grande alteração do sistema nervoso 1 (0,3)
Defender-se a si próprio 1 (0,3)
Ajudou a formar a sua personalidade-mais resistente 1 (0,3)
Contribuiu para estragar famílias e países atrasados 1 (0,3)
Defender uma causa que era justa 1 (0,3)
Tomada de consciência das suas capacidades e forças 1 (0,3)
A vida por um fio 1(0,3)
Ser um bom português 1 (0,3)
Amadurecer, mais conhecimento 1 (0,3)
Mais compreensivo para com o ser humano 1 (0,3)
Satisfação 1 (0,3)
Sentir-se mais agarrado à vida 1 (0,3)
Sentir-se um herói 1 (0,3)
Raiva da descolonização 1 (0,3)
Defender o que era nosso 1 (0,3)
Disciplina 1 (0,3)
Racismo 1 (0,3)
Mais compreensivo para com situações de vida 1 (0,3)
Medo 1 (0,3)
Muitas vidas perdidas 1 (0,3)
Contribuição para problemas 1 (0,3)
Total das respostas 314
Não respondem 48

 

Na sequência da codificação aberta e axial que levámos a cabo a partir das afirmações dos sujeitos foi-nos possível identificar duas categorias centrais como representantes do significado atribuído à participação na Guerra Colonial Portuguesa, a Guerra enquanto vivência e a Guerra enquanto espólio. A Guerra enquanto vivência é múltipla nas suas manifestações. Para alguns sujeitos constituiu um período da vida pautado pelo tormento, para outros, o simples cumprimento de um serviço ou até a vivência de uma epopeia. A Guerra enquanto espólio pode ser vista nas perdas e nas aquisições que dela resultaram para os sujeitos.

A guerra enquanto tormento

O tormento dos soldados apresenta expressão emocional e perceptiva. As emoções indexadas ao período de mobilização são a ameaça sentida devido ao perigo de morte eminente, o sentimento de injustiça por haverem sido obrigados a participar na guerra e a vivência de sentimentos de culpa por acções perpetradas nos teatros d e guerra. Entre as afirmações que ilustram esta propriedade referem-se a um tempo de sofrimento; a vida por um fio; foi horrível; queria fugir; uma injustiça; mal-estar permanente, fez coisas que não devia ter feito (...). Ao nível perceptivo o sofrimento manifesta-se na denúncia do absurdo dos motivos da guerra, no reconhecimento de terem sido mobilizados para a guerra através da coacção e da manipulação. Nas palavras dos sujeitos, nenhum significado, algo sem objectivos e sem futuro; sentir-se usado pelo estado português; ter sido obrigado; ter participado contrariado; cumprir um dever imposto.

A guerra enquanto cumprimento de um serviço

A guerra enquanto o cumprimento de um serviço manifesta-se na aceitação da legitimidade das causas da guerra, na visão do serviço militar enquanto uma obrigação à Pátria e na execução das operações com uma atitude de profissiona-lismo, defender o que era nosso; defender e proteger os portugueses que lá estavam ou a população que lá vivia; defender a pátria; serviço cumprido. Ao nível emocional a indexação da guerra ao cumprimento de um serviço manifesta-se em sentimentos de satisfação e realização pessoal, sentiu-se útil pelo seu desempenho; sentiu-se um bom português; satisfação.

A guerra enquanto epopeia

A guerra enquanto epopeia caracteriza-se pela percepção da guerra enquanto uma oportunidade para conhecer países, povos e culturas completa-mente desconhecidos até há data e desenvolver novas amizades, prazer de conhecer novasterras; conhecer África; conhecer amigos e pela expressão de sentimentos de patriotismo e de heroísmo, satisfação; sentir-se um herói; foi bom; orgulho/honra.

A Guerra enquanto perdas irreparáveis

As perdas irreparáveis decorrentes da guerra manifestam-se aos níveis político/humanitário e pessoal. No âmbito das perdas políticas/humanitárias contam-se a perda das colónias, o atraso do desenvolvimento dos países Africanos e as inúmeras baixas tanto nos militares como na população civil, muitas vidas perdidas, guerra sem vantagens – afinal perdeu-se tudo, contribuiu para estragar famílias e países atrasados. As perdas ao nível pessoal distribuem-se pelas áreas da saúde, grande alteração do sistema nervoso; arruinou a saúde e vida pessoal; destruiu a nível psicológico; contribuição para problemas aos níveis de saúde física e psicológica, do ciclo de desenvolvimento pessoal, guerra roubou melhor tempo da vida – a juventude; anos de vida perdidos; perda de tempo irreparável; inutilidade, da integração social, sociedade em que vive não reconhece o sacrifício que passou, sentimento de raiva, desgosto pela forma como ex-combatentes são tratados, esquecimento; da progressão académica e profissional, impedimento de progredir profissionalmente; perda de tempo irreparável, inutilidade, atraso na vida pessoal/profissional.

A Guerra enquanto aquisição

A guerra permitiu efectuar aquisições aos níveis instrumental e psicológico. As mais-valias instrumentais foram a possibilidade dada a alguns dos sujeitos para finalizarem a sua escolaridade básica e para tirarem a carta de condução, contribuição para a formação; amadurecer; mais conhecimento. As aquisições ao nível psicológico distribuem-se entre a vulnerabilidade e a maturidade. As vulnerabilidades expressam-se na consciência de se haver adquirido uma maior instabilidade emocional, contribuição para problemas a nível de saúde física e psicológica; mal-estar permanente; sentir-se uma vítima; grande alteração do sistema nervoso e no sentimento de exclusão social, sociedade em que vive não reconhece o sacrifício que passou; sentimento de raiva, desgosto pela forma como ex-combatentes são tratados; esquecimento. A maturidade expressa-se nas áreas da autonomia, amadurecer; mais conhecimento; tomada de consciência das suas capacidades e forças; ajudou a tornar a sua personalidade mais resistente; defender-se a si próprio, e filosófica, mais compreensivo para com o ser humano; mais compreensivo para com situações de vida.

Nas Figuras 1 e 2 apresentamos uma tentativa de organização axial das categorias Experiência de Guerra e Espólio de Guerra tendo em consideração as suas respectivas propriedades.

 

FIGURA 1

 

FIGURA 2

 

DISCUSSÃO

Os nossos resultados sugerem a existência de significados múltiplos para a experiência da guerra colonial reforçando a ideia de Quintais (2000) quando refere que apesar da faceta narrativa mais destacada desta guerra ser a que remete para os significados traumáticos, ela não é de forma nenhuma a única. A análise das afirmações dos ex-combatentes permitiu-nos perceber com mais acuidade o apelo da Psicologia Positiva face ao desenvolvimento de modelos compreensivos do funcionamento humano que abranjam a totalidade da experiência desde o sofrimento, passando pela resiliência, até ao crescimento e funcionamento optimal (Linley & Joseph, 2005; Seligman & Csikszentmihalyi, 2000, citado por Amy et al., 2005; Seligman et al., 2005). A emergência de significados negativos e positivos face à exposição ao combate mostra que mesmo em situações tão horríficas como a guerra, é possível encontrar, lado a lado, significados positivos e negativos (Fontana & Rosenheck, 1998).

A grounded análise dos dados permitiu-nos seleccionar duas grandes categorias integradoras dos significados das experiências de guerra, a guerra enquanto vivência e a guerra enquanto o espólio que dela resultou. O carácter da guerra enquanto experiência surge nas propriedades Tormento, Serviço e Epopeia. A Vivência de Guerra na sua propriedade Tormento poderá estar associada ao aspecto “sísmico” que é atribuído aos acontecimentos traumáticos dada a sua capacidade para destruir os pressupostos dos indivíduos sobre si próprios, sobre os outros e sobre o mundo (i.e., enquanto local justo e seguro) (Bramsen et al., 2001; Ferreira, 2003; Joseph et al., 2005; Tedeschi, Park, & Calhoun, 1997). De facto, os dados sugerem que a experiência de tormento resultou de sentimentos de decepção face à constatação do absurdo da guerra, da percepção de haver sido manipulado para nela participar e em sentimentos de ameaça de morte e de culpa pelas acções praticadas. Estas emoções parecem em conformidade com a definição de acontecimento traumático de acordo com o DSM-IV (APA, 2000). Relativamente à experiência de guerra na sua dimensão de Serviço, as afirmações mostram-nos que, para alguns ex-combatentes, a guerra parece ter sido apenas o cumprimento de um dever profissional/ /militar. Poder-se-á supor que esta indexação da participação na guerra ao cumprimento de um serviço possa ter contribuído para que alguns ex-combatentes tenham passado por ela de uma forma resiliente, mantendo um estado relativamente estável e saudável de ajustamento físico e psicológico não obstante terem sido expostos a acontecimentos extremamente perturbadores (Bonanno, 2004). A propriedade Epopeia da categoria Vivência de Guerra parece classificá-la como uma situação pertinente e fomentadora de sentimentos de patriotismo, heroísmo e de satisfação pelas oportunidades de descoberta de novas terras e novos amigos. Esses sentimentos de satisfação, heroísmo e patriotismo poderão estar próximos dos benefícios percebidos ao nível do desenvolvimento de sentimentos positivos em relação ao eu, e em sentimentos acrescidos de patriotismo encontrados no estudo de Aldwin et al. (1994).

O espólio da guerra colonial apresentou-se diversificado quer nas perdas irreparáveis, quer nas aquisições com as quais os ex-combatentes continuam a ver-se contemplados. Afirmações como: mal-estar permanente, sofrimento, arruinou a saúde e a vida pessoal, destruiu a nível psicológico mostram que, na sua faceta de perdas irreparáveis e vulnerabilidade, a guerra colonial ainda não adquiriu a qualidade de passado nas narrativas dos ex-combatentes. Esta incapacidade de integrar o acontecimento traumático como parte do passado pessoal e a sua permanência na vida psíquica (Ferreira, 2003), espelhada nos nossos resultados, mostra-se em consonância com o facto de 36% dos sujeitos da nossa amostra apresentarem sintomas suficientes para lhes ser diagnosticado PTSD (Maia et al., 2005).

Mas nem só de perdas irreparáveis e de vulnerabilidades se faz o espólio de guerra dos ex-combatentes. A outra face da moeda destas guerras coloniais mostra-nos que, em consonância com Aldwin, Levenson, e Spiro III (1994) e Fontana e Rosenheck (1998), para alguns ex-combatentes, esta guerra fomentou o desenvolvimento de uma maior maturidade pessoal. A propriedade Maturidade Pessoal emergiu a partir das afirmações que associam a guerra ao desenvolvimento de uma personalidade mais resistente e madura; ao desenvolvimento de uma maior compreensão da vida, e da natureza humana; à tomada de consciência das próprias capacidades e força pessoal; ao desenvolvimento da autodisciplina e a uma maior valorização da vida e parece reflectir crescimento ao nível das dimensões formativa, emocional e ética. Estes resultados sugerem alguma proximidade ao conceito de Crescimento Pós-Traumático (Amy et al., 2005; Frazier et al., 2001, Frederickson et al., 2003; Joseph et al., 2005; Linley & Joseph, 2004, 2005; Powell et al., 2003; Tedeschi & Kilmer, 2005; Tedeschi, Park, & Calhoun, 1997). Poder-se-á supor que alguns ex-combatentes poderão ter conseguido, através da luta/enfrentamento das memórias perturbadoras dos acontecimentos da Guerra Colonial construir uma narrativa pessoal capaz de conferir sentido a um período de mudança das suas vidas (Neimeyer, Prigerson, & Davies, 2002) e em consequência terão conseguido fomentar um sentimento de continuidade entre a vida antes e depois da guerra (Tedeschi, 1999). De facto, as consequências mais positivas da exposição à adversidade/trauma relacionam-se com a capacidade de aprender algo que leve à transformação da auto-imagem, da relação com os outros e das crenças (Sledge et al., 1980, citado por Fontana & Rosenheck, 1998; Tedeschi & Calhoun, 1996). Essa narrativa pessoal alterada vai ao encontro de Maia (2001, p. 187) quando diz que se espera que as pessoas saudáveis “mudem ao longo das suas experiên-cias de interacção com diferentes pessoas em diferentes contextos” e faz-nos repensar Lobo Antunes (1979) quando o autor afirma que Quem esteve aqui (i.e., guerra colonial) não consegue voltar o mesmo...

E é exactamente de mudança ao nível da percepção do eu, da relação com os outros e da filosofia de vida (i.e., crescimento pós-traumático) que nos falam Tedeschi, Park, e Calhoun (1997) ao afirmarem que algumas pessoas conseguem atingir um nível de funcionamento físico, social e psicológico superior ao que apresentavam antes de terem sido desafiadas a enfrentar a dissonância cognitiva provocada por acontecimentos altamente perturbadores como é o caso da violência de guerra.

Concluindo, o nosso trabalho é francamente exploratório e como tal poderá ter algum mérito mas também limitações. Pensamos que o seu valor reside no facto de, através de uma metodologia qualitativa, nos ter permitido perceber que os ex-combatentes da guerra colonial foram capazes de construir significados múltiplos para as suas experiências de guerra. A guerra enquanto Experiência ou a guerra enquanto Espólio tanto se pode revestir de grandes decepções/perdas como de satisfação/benefícios.

Quanto às limitações patentes neste trabalho, salientamos o desafio/dificuldade de utilizar a metodologia da Grounded Theory com dados tão parcos como as afirmações de resposta a uma única questão. Por vezes o conteúdo das afirmações parecia-nos ambíguo ou incompleto e não nos era possível recolher dados adicionais. No sentido de minimizar esta limitação encontra-se em curso um estudo aprofundado com a aplicação da Grounded Theory a entrevistas de histórias de vida dos ex-combatentes com o objectivo de perceber se existirão de facto diferenças nas modalidades de atribuição de significados às vivências de guerra entre os ex-combatentes com e sem perturbações psicopatológicas e se em alguns poderemos identificar resiliência e/ou crescimento pós-traumático.

 

REFERÊNCIAS

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(*) Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, Braga.

Este estudo foi financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia (POCTI – SFRH/BD/21990/ 2005).

Agradecemos à Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra – APVG o apoio na recolha de dados.

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