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Análise Psicológica

Print version ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.26 no.4 Lisboa Oct. 2008

 

Implicações da Neurocognição e da Auto-eficácia na Predição do Funcionamento Psicossocial de Pessoas com Esquizofrenia

 

Nuno Rocha (*)

Cristina Queirós (**)

Susana Aguiar (**)

António Marques (*)

 

RESUMO

Este estudo teve como objectivos principais identificar constructos neurocognitivos que se apresentam de modo diferencial como preditores de dimensões específicas do funcionamento psicossocial de pessoas com Esquizofrenia, e analisar o contributo adicional da auto-eficácia geral como possível variável preditora. Para tal, constituímos uma amostra composta por 37 pessoas com Esquizofrenia, que avaliamos com uma bateria de testes neurocognitivos e com instrumentos de funcionamento psicossocial e de auto-eficácia. Recorremos a análises de regressão para a obtenção dos modelos preditores, com recurso aos métodos stepwise e enter. Os modelos preditores iniciais explicaram entre 17% e 67% da variância nas diferentes dimensões do funcionamento psicossocial. Os preditores neurocognitivos significativos foram a memória de trabalho, a atenção, a velocidade de processamento, o raciocínio lógico e a memória visuo-espacial. Não encontramos qualquer preditor significativo dos comportamentos de Não-perturbação. Nos modelos realizados com a auto-eficácia, verificamos que esta se constituiu como preditor significativo da dimensão Auto-cuidado e Contacto social. Estes resultados sugerem que a promoção do funcionamento psicossocial (com excepção dos comportamentos violentos ou de perturbação) poderá passar pela intervenção sistemática ao nível do desenvolvimento de competências cognitivas e de percepções mais positivas de eficácia pessoal.

Palavras-chave: Auto-eficácia, Esquizofrenia, Funcionamento Psicossocial, Neurocognição.

 

ABSTRACT

The main purpose of this study was to identify neurocognitive constructs that seems to be differential predictors of distinct dimensions of psychosocial functioning, and to analyze the additional contribution of self-efficacy as a possible predictor. To achieve those goals, a sample of 37 participants with schizophrenia were assessed in their psychosocial functioning, self-efficacy and neurocognitive functioning. We performed regression analysis to obtain the predictive models, using enter and stepwise methods. The initial predictive models explained between 17% and 67% of the variance on the psychosocial functioning dimensions. The main neurocognitive predictors were working memory, attention/vigilance, processing speed, logic reasoning, and visual-spatial memory. We didn’t found any significant predictor of the dimension non-turbulence. In the models in which self-efficacy entered has a dependent variable, was accounted as a significant predictor of self-care and social contact. The results suggest that the promotion of psychosocial functioning should include interventions aimed to improve cognitive skills and to develop a more positive sense of self-efficacy.

Key words: Neurocognition, Psychosocial functioning, Schizophrenia, Self-efficacy.

 

INTRODUÇÃO

É hoje um dado inquestionável para a maioria dos investigadores que um dos aspectos centrais, se não fundamentais, da caracterização clínica da Esquizofrenia, se prende com as disfunções neurocognitivas a si associadas. Estas parecem coexistir com alterações estruturais e funcionais de diversas regiões cerebrais, entre as quais destacamos as áreas frontais, temporais e peri-ventriculares, e os núcleos cinzentos centrais (Manoach, 2003; Shenton, Dickey, Frumin, & McCarley, 2001; Wright, Rabe-Hesketh, Woodruff, David, Murray, & Bullmore, 2000). Do ponto de vista neurofuncional, há evidência suficiente para se afirmar que a Esquizofrenia parece envolver mais uma disfunção neuro-circuitária do que simplesmente uma disrupção do funcionamento de uma determinada área cerebral circunscrita (Mendrek, Laurens, Kiehl, Ngan, Stip, & Liddle, 2004).

A identificação de um processo central de deterioração mental acompanhou desde cedo a caracterização clínica da Esquizofrenia, sendo possível encontrar referências a disfunções no plano cognitivo nas descrições originais de Kraepelin (1909/1913), que referia, em relação aos seus doentes, que “é muito comum que eles percam simultaneamente a inclinação e a capacidade de manter, por iniciativa própria, a sua atenção fixa durante algum tempo” (p. 22); que “é muita muitas vezes bastante difícil fazê-los prestar atenção” (p. 22); que “no início da doença há, invariavelmente, uma perda da actividade mental e com ela uma certa pobreza do pensamento” (p. 34); e que “estão distraídos, desatentos, cansados, entorpecidos, não têm prazer no trabalho, a sua mente divaga, perdem o contacto, não podem ‘manter os pensamentos na mente’…” (p. 38).

Actualmente, os défices cognitivos da Esquizofrenia são considerados centrais na patofisiologia da doença, encontrando-se presentes no momento do primeiro episódio da doença (Bilder, Goldman, Robinson, Reiter, Bell, Bates, et al., 2000; Caspi, Reichenberg, Weiser, Rabinowitz, Kaplan, Knobler, et al., 2003; Censits, Ragland, Gur, & Gur, 1997), sendo que algumas componentes desta disfunção parecem ocorrer de forma moderada nos períodos da infância e da adolescência (Jones, Rodgers, Murray, & Marmot, 1994). Comparativamente com sujeitos normais, os sujeitos esquizofrénicos tendem a ter um nível de desempenho severamente alterado, com valores que podem ir de 1 a 3 desvios-padrões abaixo dos valores normativos em diferentes provas neurocognitivas (Harvey & Keefe, 2001; Heinrichs & Zakzanis, 1998; Marques-Teixeira, 2005), estimando-se que estas alterações cognitivas possam ser prevalentes em pelo menos 75% dos casos (Marques-Teixeira, 2005; O’Carroll, 2000; Palmer, Heaton, Paulsen, Kuck, Braff, Harris, et al., 1997).

De acordo com o consenso obtido no âmbito do projecto norte-americano denominado Measurement and Treatment Research to Improve Cognition in Schizophrenia, da iniciativa do National Institute of Mental Health, as principais áreas cognitivas lesadas são a velocidade de processamento, a atenção/ /vigilância, a memória de trabalho verbal e não verbal, a aprendizagem verbal e visual, o raciocínio e resolução de problemas e a cognição social (Green & Nuechterlein, 2004).

Nos últimos anos, impulsionados pela constatação de que a Esquizofrenia se trata de uma das mais severas e incapacitantes formas de psicopatologia, associada a graves limitações no funcionamento psicossocial, alguns trabalhos têm sido desenvolvidos com o intuito de perceber a relação entre os défices neurocognitivos e a resposta funcional na Esquizofrenia. Para responder à questão se os indicadores neurocognitivos se relacionam com a funcionalidade dos indivíduos, Green, Kern, Braff, e Mintz (2000) desenvolveram um trabalho de revisão sistemática da literatura e de meta-análise de 37 estudos, tendo analisado quais os constructos neurocognitivos que se encontravam relacionados com três tipos possíveis de resposta funcional genérica: sucesso na aquisição de competências psicossociais, resolução de problemas sociais em contexto laboratorial (recorrendo, por exemplo, ao role-play) e resultados comunitários ou actividades diárias. Encontraram replicação dos resultados que lhes permitiram associar a ordenação de cartas (através do teste WCST), a memória verbal secundária, a memória verbal imediata (memória de trabalho) e a vigilância/ /atenção a pelo menos um destes três tipos de resultados funcionais globais. Os Effect Sizes variaram entre pequeno-médio e médio-grande. Concluíram que os sujeitos com dificuldades em reter novas informações (especialmente sob a forma de mensagem verbal), em evocar conscientemente informações retidas há algum tempo, em realizar as tarefas com rapidez, em planear e gerar hipóteses e em responder eficiente-mente ao feedback ambiental, tenderão a ter maiores dificuldades em aprender novas aptidões, a tomar parte de interacções sociais, em fazer correctamente um trabalho ou em resolver problemas de acordo com as mudanças contextuais que possam entretanto emergir.

Deste e doutros estudos que têm vindo a ser realizados, ressalta a existência de uma relação entre estas variáveis, apesar de os dados serem mais imprecisos quando se trata de estabelecer esta relação com domínios específicos do funcionamento psicossocial e de qualidade de vida, nomeadamente da capacidade de realizar diferentes tipologias de actividades da vida diária, das competências necessárias para desempenhar um trabalho, das competências sociais exigidas para viver de forma adequada na sociedade e dos comportamentos desajustados/agressivos, entre outros. Acrescenta-se ainda o facto de serem praticamente inexistentes estudos desta natureza no panorama nacional, exceptuando-se talvez os realizados por Alvarez, Machado, Pastor-Fernandes, Marins, e Marques-Teixeira (2005) e por Machado, Pastor-Fernandes, e Marques-Teixeira (2005), que contudo não apresentaram análises regressivas que permitissem identificar diferencialmente preditores significativos.

Outro factor que tem vindo a ser progressivamente assimilado nos modelos vigentes de intervenção na Saúde e na Doença, e consequentemente no seio do movimento de reabilitação psiquiátrica, é o constructo da auto-eficácia, por via da influência que se supõe ter (no plano conceptual) nos esforços de coping e no funcionamento psicossocial. Segundo Bandura (1966, cit. in Pratt, Mueser, Smith, & Lu, 2005), o constructo da auto-eficácia reporta-se às crenças acerca das capacidades que possuímos para desempenhar um comportamento ou tarefa. Para Gonçalves (1999), são as percepções de auto-eficácia que melhor determinam o início de um comportamento e a implementação de uma actividade, a quantidade de esforço despendido numa tarefa e a persistência do indivíduo perante os obstáculos que surjam.

Contudo, mesmo sendo notória a crescente e comprovada relevância da variável auto-eficácia pessoal nos resultados em Saúde, verifica-se uma escassez de estudos que a tenham analisado conjuntamente com a neurocognição (ou até mesmo isoladamente) na determinação do nível de funcionalidade de pessoas com Esquizofrenia, sendo que qualquer afirmação acerca desta relação carece ainda de maior validação empírica. Dos dois estudos encontrados em que se utilizou a auto-eficácia como variável relacionada com o resultado funcional, um analisou o seu valor preditor nas respostas de coping (Ventura, Nuechterlein, Subotnik, Green, & Gitlin, 2004) e o outro estudou a sua potencialidade como mediador d as relações entre os sintomas negativos, o funcionamento pré-mórbido e o funcionamento cognitivos, com o funcionamento psicossocial (Pratt et al., 2005). Ventura e colaboradores (2004) estudaram 29 sujeitos com uma perturbação do espectro da Esquizofrenia, verificando que a auto-eficácia e a atenção/ /vigilância constituíam os preditores significativos de um modelo de regressão que procurou explicar a variação dos resultados ao nível do coping de abordagem ou activo (Roth & Cohen, 1986). A auto-eficácia foi capaz de explicar uma parte maior da variação dos valores. Pratt e colaboradores (2005) analisaram 85 sujeitos, também com uma perturbação do espectro da Esquizofrenia, verificando que, independentemente, a auto-eficácia encontrava-se correlacionada com o funcionamento psicossocial, não tendo, contudo, apresentado características de mediador, de acordo com o modelo que inicialmente se pretendia testar.

Assim, este estudo tem como objectivo identificar constructos neurocognitivos que se apresentem de modo diferencial como preditores de dimensões específicas do funcionamento psicossocial de pessoas com Esquizofrenia, e analisar o contributo adicional da auto-eficácia geral como possível variável preditora.

 

MÉTODO

Participantes

Foram seleccionadas 37 pessoas com o diagnóstico de Esquizofrenia (sendo 32 do sexo masculino) efectuado pelo médico psiquiatra de referência do utente, de acordo com os critérios preconizados no DSM-IV-TR (American Psychiatric Association, 2000), com idades compreendidas entre 2 5 e os 53 anos de idade (M=41,89; DP=8,47), a partir de três instituições que dão apoio a pessoas com problemas saúde mental, na região Norte do País. A maioria dos participantes eram solteiros (73%) e apenas 8,1% se encontrava a trabalhar (com contrato normal de trabalho). Registou-se um nível de escolaridade em geral reduzido, com cerca de 51,3% dos participantes a apresentarem uma escolaridade igual ou inferior ao 9º ano. Todos os participantes encontravam-se compensados do ponto de vista psicopatológico no momento da avaliação e a tomar medicação antipsicótica. Foram excluídos todos os sujeitos que apresentassem lesões neurológicas primárias, abuso de substâncias e/ou deficiência mental concomitante com o diagnóstico de Esquizofrenia.

Instrumentos

Avaliação neurocognitiva

Todos os participantes foram avaliados com uma bateria de testes neurocognitivos, que incluíram o Teste d2 de atenção (Brickenkamp, 2004), o Teste Stroop (Golden, 1999), as tarefas de cópia e memória da Figura Complexa de Rey (Rocha & Coelho, 1988), os subtestes Vocabulário, Código, Aritmética, Memória de Dígitos, Pesquisa de Símbolos, e Sequência de Letras e Números da Wechsler Adult Intelligence Scale III (Wechsler, 1997, versão portuguesa), o cognitivo. Procurámos analisar os participantes Wisconsin Card Sorting Test (Heaton, Chelune, do ponto de vista da atenção, organização e Talley, Kay, & Curtiss, 1993) e o Teste IA memória visuo-espacial, memória de trabalho, (Amaral, 1966).

Na Tabela 1 apresentamos a descrição sumária dos testes e a sua distribuição por domínio cognitivo. Procurámos analisar os participantes do ponto de vista da atenção, organizaçãp e memória visuo-espacial, memória de trabalho, velocidade de processamento, competências verbais, cálculo e raciocínio lógico, funcionamento executivo, e capacidade intelectual geral.

 

TABELA 1

Descrição dos scores obtidos através da bateria de testes neurocognitivos e domínio cognitivo a que genericamente correspondem

Instrumentos Descrição dos scores Domínio Cognitivo
Teste d2 (Brickenkamp, 2004) Cálculo proposto pelo autor, que leva em consideração as respostas correctas numa tarefa composta por 14 linhas com 47 letras cada, em que se deve assinalar todos os alvos (letras d com dois apóstrofos acima ou abaixo, ou com um apostrofo acima e outro abaixo), bem como as omissões e os erros. Atenção sustentada
Teste Stroop (Golden, 1999) 1 – Número máximo de palavras correctamente enunciadas na tarefa de nomeação de cores e na tarefa de nomeação de palavras. Velocidade de processamento e atenção sustentada (Cores e Palavras)
h 2 – Score de Interferência, calculado com base nos indicadores acima mencionados e no desempenho da tarefa em que há conflito entre a palavra escrita e a sua coloração. Atenção selectiva (Stroop Interferência)
Tarefa de cópia da Figura Complexa de Rey (A. M. Rocha & Coelho, 1988) Nº de elementos correctamente desenhados durante a cópia de um desenho geométrico complexo. Organização visuo-espacial
Tarefa de memória da Figura Complexa de Rey (A. M. Rocha & Coelho, 1988) Nº de elementos correctamente desenhados durante a reprodução por memória de um desenho geométrico complexo. Memória visuo-espacial
Memória de Dígitos – WAIS III (Wechsler, 1997) Total de sequências de números reproduzidas verbalmente, em ordem directa e inversa Memória de trabalho
Sequência de Letras e Números – WAIS III (Wechsler, 1997) Total de sequências de letras e números reproduzida verbalmente, nas quais se devem em primeiro lugar indicar os números em ordem crescente, e por último as letras por ordem crescente do alfabeto. s
Pesquisa de Símbolos – WAIS III (Wechsler, 1997) Número máximo de itens respondidos durante um tempo limite de dois minutos, em que os participantes devem observar um grupo alvo com dois símbolos e um grupo de pesquisa, com cinco símbolos, para que, a partir da comparação entre cada um destes grupos, possam decidir se algum dos símbolos do grupo alvo está presente no grupo de pesquisa. Velocidade de Processamento
Código – WAIS III (Wechsler, 1997) Número de respostas correctas numa tarefa em que, recorrendo a uma chave que faz corresponder um número a um símbolo, cada participante deverá desenhar por baixo de cada número da folha de respostas o símbolo correspondente. s
Vocabulário – WAIS s s
III (Wechsler, 1997) Número de definições correctas ou parcialmente correctas, expressas verbalmente, de palavras apresentadas num cartão e lidas em voz alta pelo avaliador. Competências verbais
Aritmética – WAIS III (Wechsler, 1997) Número de cálculos mentais correctamente solucionados dentro do período de tempo limite estipulado. Cálculo-Lógica
Wisconsin Card Sorting Test (Heaton et al., 1993) 1 – Número de categorias completas, formadas a partir de uma série de 10 ensaios correctos. 2 – Percentagem de erros perseverativos, calculada a partir dos ensaios incorrectos em que os participantes mantiveram o critério de resposta, apesar de ter sido dado feedback em contrário. Funções executivas
Teste IA Número de respostas correctas numa tarefa constituída por séries de itens que contêm um desenho incompleto, e entre seis a oito possíveis modelos de encaixe, dos quais apenas um é susceptível de preencher correctamente o desenho. Capacidade intelectual geral

 

Funcionamento psicossocial

Para procedermos à avaliação do funcionamento psicossocial recorremos ao instrumento Life Skills Profile (LSP, de Rosen, Hadzi-Pavlovic, & Parker, 1989). Neste estudo, utilizamos a versão portuguesa autorizada (LSP-VP-39), desenvolvida por Rocha, Queirós, Aguiar, e Marques (2006). O LSP-VP-39 é um instrumento de observação naturalista que compreende 39 itens, descritos comportamentalmente e de forma precisa (evitando o risco de avaliações globais ou abstractas), que são cotados numa escala que varia entre um e quatro, e no qual uma pontuação mais elevada reflecte melhores níveis de funcionamento psicossocial. Estes itens agrupam-se nas seguintes cinco dimensões chave, que serão consideradas neste estudo: Auto-cuidados (e.g., higiene, vestir, preparação de alimentos), Não-perturbação (e.g., comportamentos ofensivos, violência, intrusividade, controlo da zanga), Contacto Social (e.g., amizades, interesses e actividades interpessoais), Comunicação (e.g., competências conversacionais, gestualidade) e Responsabilidade (e.g., cooperação, responsabilidade com pertences pessoais, responsabilidade na toma de medicamentos). O estudo provisório desta escala apresenta valores satisfatórios de consistência interna, com um valor de Alpha de Cronbach de α=0,86 para a escala total e com valores nas cinco dimensões que variam entre α=0,65 (Responsabilidade) e α=0,82 (Contacto Social).

Auto-eficácia

Como medida de avaliação da auto-eficácia geral socorremo-nos da Escala de Avaliação da Auto-eficácia Geral (EAAG), desenvolvida por Pais-Ribeiro (1995) a partir da Self-Efficacy Scale criada por Sherer, Madux, Mercandante, Prentice-Dunn, Jacobs, e Rogers (1982). Esta escala compreende 15 itens, cotados numa escala tipo Likert de sete posições, que varia entre discordo totalmente e concordo totalmente. O somatório de todos os itens que compõem a EAAG oferece-nos um resultado que reflecte os níveis de auto-eficácia geral. Quanto maior a cotação, mais positiva é a percepção subjectiva de eficácia pessoal. A análise da consistência interna para a escala total apresentou um Alfa de Cronbach de α=0,84.

Procedimentos

Numa fase inicial, os participantes foram esclarecidos, em sessões de grupo ou individuais, acerca da natureza do estudo, tendo sido garantida a total confidencialidade no processo de tratamento dos dados. A sua participação voluntária foi posteriormente validada através do preenchimento da declaração de consentimento informado. De seguida, numa ou duas sessões com duração compreendida entre 1 a 2 horas, cada participante foi avaliado com recursos às provas cognitivas e preencheu a Escala de Avaliação da Auto-eficácia Geral (EAAG). Entretanto, foi solicitado aos técnicos de saúde mental de referência (psicólogos e terapeutas ocupacionais) que avaliassem os participantes com o teste LSP-VP-39, tendo sido previamente esclarecidas todas dúvidas acerca do seu preenchimento. Neste processo, garantiu-se que os técnicos que realizaram a avaliação com o LSP-VP-39 desconhecessem os resultados da avaliação neurocognitiva realizada pelos autores do estudo. Assim, para garantir a isenção das observações, os autores do estudo apenas solicitaram os resultados do LSP-VP-39 de cada participante após a realização da respectiva avaliação neurocognitiva.

Posteriormente, nos casos em que foi solicitado, o autor principal do estudo deslocou-se aos locais onde foi realizada a investigação para apresentar os resultados à equipa técnica e aos utentes interessados, discutindo com estes últimos a sua relevância para a vida diária, nomeadamente na óptica da importância do envolvimento no processo de reabilitação e da resolução de problemas decorrentes das dificuldades cognitivas.

Análise estatística

Os resultados do estudo foram analisados com recurso ao programa SPSS Versão 14.0. Inicialmente procedemos à determinação dos coeficientes de correlação momento/produto de Pearson para analisar a força e direcção das relações estabelecidas entre as variáveis em estudo (neuro-cognição, auto-eficácia e funcionamento psicossocial). Para a obtenção dos modelos preditores das diferentes dimensões de funcionamento psicossocial (conforme conceptualizadas no LSP-VP-39), recorremos à análise de regressão (regressão linear múltipla), tendo sido inicialmente empregue o método stepwise para determinar os preditores neurocognitivos do funcionamento psicossocial. A variável idade foi incluída em todas as análises como variável independente, de forma a averiguar possíveis associações. Introduzimos ainda a variável auto-eficácia em modelos hierárquicos de regressão para analisar a variância adicional da sua inclusão nos modelos preditores anteriormente identificados. Na realização de todas as análises de regressão tivemos o cuidado de observar escrupulosamente os pressupostos relacionados com a independência das observações (ou ausência de auto-correlação) e a ausência de multicolinearidade, de modo a evitar que inviabilizassem a realização de regressões múltiplas.

 

RESULTADOS

Previamente à exploração e identificação de modelos preditores das diferentes dimensões do funcionamento psicossocial verificamos, através de análises de correlação, se estes constructos variavam em função das competências neurocognitivas e da auto-eficácia geral. De uma forma global encontramos uma relação em geral forte entre os diferentes constructos neurocognitivos e os diferentes domínios de funcionamento psicossocial (Tabela 2). É excepção a esta análise global o que se observa em relação à Não-perturbação, que não se mostra correlacionada significativamente com nenhuma das dimensões neurocognitivas consideradas neste estudo.

 

TABELA 2

Correlações entre as variáveis neurocognitivas e os domínios de funcionamento psicossocial (n=37)

   
Domínios de Funcionamento Psicossocial (LSP)
 
Teste cognitivo
Auto-cuidado
Não-perturbação
Contacto social
Comunicação
Responsabilidade
Score Total Teste d2
0.591**
-0.134
0.374*
0.492**
-0.140
Stroop - Palavras
0.503**
-0.118
0.271
0.467**
0.278
Stroop - Cores
0.650**
0.021
0.413*
0.498**
0.209
Stroop Interferência
0.376*
0.067
0.266
0.338*
0.077
Rey - Cópia
0.591**
0.198
0.421**
0.533**
0.341*
Rey - Memória
0.537**
0.208
0.426**
0.369*
0.244
Memória de Dígitos
0.690**
0.234
0.217
0.516**
0.412**
Seq. Letras e Números
0.538**
0.008
0.397*
0.417*
0.226
Pesquisa de Símbolos
0.674**
-0.073
0.499**
0.600**
0.210
Código
0.628**
-0.081
0.473**
0.557**
0.079
Vocabulário
0.584**
0.016
0.117
0.370*
0.287
Aritmética
0.579**
0.018
0.499**
0.441**
0.278
% Erros Perseverativos
-0.506**
-0.108
-0.297
-0.358*
-0.015
Categorias
0.370*
0.119
0.325*
0.296
0.019
Teste IA
0.556**
-0.027
0.385*
0.515**
0.200

Nota: *p<0.05, **p<0.01.

 

Vendo com maior pormenor os outros domínios de funcionamento psicossocial, notamos que os Auto-cuidados e a Comunicação se encontram significativamente correlacionados com todos os factores neurocognitivos considerados, com excepção da variável Categorias do WCST em relação à Comunicação. Ainda no que se refere à Comunicação, ressalta o facto de estar relacionada com aspectos cognitivos que não se encontram interligados com mais nenhum domínio do funcionamento psicossocial (com excepção do Auto-cuidado, que recebe contribuições de todos os indicadores neurocognitivos).

Quanto ao Contacto Social, registam-se correlações significativas com a atenção (nomeadamente em relação ao Teste d2 e à tarefa Cores do Teste Stroop), com a organização e memória visuo-espacial (conforme avaliadas pela tarefa de Cópia e de Memória do Teste da Figura Complexa de Rey), com a memória de trabalho (através da Sequência de Letras e Números), com a velocidade de processamento (quer na Pesquisa de Símbolos, quer no Código), com a capacidade de cálculo e de raciocínio lógico (conforme avaliados na prova de Aritmética), com as funções executivas (em relação ao número de Categorias completas no WCST, que são um indicador de capacidade de conceptual) e com as funções intelectuais globais (mensuradas através do Teste IA). No que se refere à Responsabilidade demonstrada pelos participantes, verificou-se que os factores neurocognitivos mais associados são a capacidade de organização visuo-espacial (tarefa de Cópia da Figura Complexa de Rey e a memória de trabalho (Memória de Dígitos).

Semelhantemente ao realizado com as variáveis cognitivas, correlacionamos as variáveis cognitivas, correlacionamos as variaáveis de funcionamento psicossocial com a auto-eficácia geral (Tabela 3), tendo-se assinalado a presença de relações significativas com o Auto-cuidado, com o Contacto Social e com a Comunicação.

 

TABELA 3

Correlações entre a auto-eficácia geral e os domínios de funcionamento psicossocial e de qualidade de vida (n=37)

Domínios de Funcionamento Psicossocial (LSP) Auto-eficácia Geral
Auto-cuidado 0.503**
Não-Perturbação -0.137
Contacto Social 0.515**
Comunicação 0.385*
Responsabilidade 0.244

Nota: *p<0.05, **p<0.01.

 

Com o objectivo de isolar as variáveis neurocognitivas que mais contribuem para a previsão do funcionamento psicossocial e da qualidade de vida, realizamos análises exploratórias de regressão, através do método stepwise, tendo sido introduzidas como variáveis independentes os factores neurocognitivos considerados no estudo. Para detectar qualquer efeito interferente da variável idade, esta foi incluída em todas as análises de regressão, não tendo sido, contudo, identificada como preditor significativo em qualquer um dos modelos. À semelhança de estudos que recorreram a métodos de tratamento estatístico análogos aos que aqui utilizamos (e.g., Lysaker & Davis, 2004; Lysaker, Davis, Lightfoot, Hunter, & Stasburger, 2005), aceitamos nos modelos de regressão as variáveis independentes com um nível de significância estatística de p<0.10, por considerarmos ser inaceitável e imprudente excluir variáveis que se enquadram no limiar da significância estatística e que oferecem um contributo considerável para o modelo global de predição da variável dependente.

Na Tabela 4 encontra-se o resumo do modelo de regressão que teve como variável dependente o Auto-cuidado. Este modelo é significativo e explica uma grande parte da variância dos resultados encontrados ao nível desta dimensão (aproximadamente 67%), tendo como preditores significativos a Memória de Dígitos, a tarefa Cores do Teste Stroop, e a Pesquisa de Símbolos [F(3,33)=21.95, p<0.001].

 

TABELA 4

Resumo do modelo de regressão para a predição da dimensão Auto-cuidado (método stepwise, n=37)

 
F
sig.
R2
Modelo Global
21.954
0.000**
0.666
β
T
Sr2
sig.
Preditores
Memória de Dígitos
0.408
3.388
0.116
0.002**
Stroop - Cores
0.298
2.330
0.055
0.026*
Pesquisa de Símbolos
0.284
2.120
0.045
0.042*

Nota: *p<0.05, **p<0.01.

 

Quanto ao modelo de regressão realizado tendo como variável dependente o Contacto Social (Tabela 5), verificamos que este apresenta como preditores significativos a Aritmética e a tarefa de Memória do Teste da Figura Complexa de Rey, que no seu conjunto explicam cerca de 32% da variância total [F(2,34)=7.96, p<0.01].

 

TABELA 5

Resumo do modelo de regressão para predição da dimensão Contacto Social (método stepwise, n=37)

 
F
sig.
R2
       
Modelo Global
7.963
0.001*
0.319
β
T
Sr2
sig.
Preditores    
       
Aritmética      
0.397
2.621
0.138
0.013*
Rey - Memória      
0.283
1.870
0.070
0.070I

Nota: Ip<0.08, *p<0.05, **p<0.01.

 

No que diz respeito à predição da variável Comunicação (Tabela 6), obtivemos um modelo de regressão significativo, cujas variáveis preditoras encontradas foram a Pesquisa de Símbolos e a Memória de Dígitos. Estas variáveis, no seu conjunto, predizem cerca de 42% da variância total dos resultados da dimensão Comunicação [F(2,34)=12.15, p<0.001].

 

TABELA 6

Resumo do modelo de regressão para predição da dimensão Responsabilidade (método stepwise, n=37)

 
F
sig.
R2
       
Modelo Global
7.963
0.001*
0.319
β
T
Sr2
sig.
Preditores              
Pesquisa de Símbolos      
0.455
2.963
0.151
0.006**
Memória de Dígitos      
0.279
1.816
0.057
0.078I

Nota: Ip<0.08, ** p<0.01.

 

Por fim, encontramos também um modelo significativo para a predição da Responsabilidade (Tabela 7), que contou apenas com um preditor significativo, a Memória de Dígitos. Este modelo explica apenas 17% da variabilidade dos valores da Responsabilidade [F(1,35)=13.7, p<0.05].

 

TABELA 7

Resumo do modelo de regressão para predição da dimensão Comunicação (método stepwise, n=37)

 
F
sig.
R2
       
Modelo Global
7.963
0.001*
0.319
β
T
Sr2
sig.
Preditores              
Memória de Dígitos      
0.412
2.676
0.170
0.011*

Nota: *p<0.05.

 

Não apresentamos nenhum modelo preditor da dimensão Não-perturbação pelo facto de não termos encontrado qualquer correlação significativa com as variáveis consideradas como possíveis preditoras.

Com o objectivo de testar na nossa amostra a auto-eficácia geral como preditor do funcionamento psicossocial das pessoas com Esquizofrenia, fizemos novas análises de regressão com recurso a modelos hierárquicos, tendo-se adicionado a auto-eficácia como variável independente após o bloco constituído pelas variáveis neurocognitivas anteriormente identificadas como preditoras.

Assim, e relativamente à dimensão Auto-cuidado, verificou-se que, adicionalmente aos factores neurocognitivos, a variável auto-eficácia apresentou-se como preditora significativa [F(4,32)=19.68, p<0.001] (Tabela 8). Na análise de regressão realizada obtivemos um modelo significativo que explicou cerca de 71% da variação dos resultados do domínio Auto-cuidado (mais 4.5% que o modelo inicial).

 

TABELA 8

Resumo do modelo final de regressão hierárquica para predição da dimensão Auto-cuidado, adicionando a variável Auto-eficácia geral aos preditores neurocognitivos (n=37)

   
F
ΣR2
sig.
       
  Modelo Global
19.679
0.711
0.000**
R2
β
T
sig.
  Preditores              
Bloco 1 Memória de Dígitos      
0.666
0.399
3.504
0.001**
  Stroop - Cores      
0.232
1.864
0.071I
  Pesquisa de Símbolos      
0.250
1.959
0.059I
Bloco 2 Auto-eficácia Geral      
0.045
0.232
2.226
0.033*

Nota: Ip <0.08, *p<0.05, ** p<0.01.

 

Quanto à análise de regressão que teve como variável dependente a dimensão Contacto Social do funcionamento psicossocial (Tabela 9), verificamos que a auto-eficácia contribuiu de forma significativa para a variância total dos resultados, tendo a tarefa de Memória do Teste da Figura Complexa de Rey deixado de ser um preditor significativo. No global, o acréscimo do bloco referente à variável auto-eficácia geral fez aumentar 9.4% da variância dos resultados encontrados ao nível do Contacto Social [F(3,33)=7.727, p<0.001].

 

TABELA 9

Resumo do modelo final de regressão hierárquica para predição da dimensão Contacto Social, adicionando a variável Auto-eficácia geral aos preditores neurocognitivos (n=37)

   
F
ΣR2
sig.
       
  Modelo Global
7.727
0.413
0.000**
R2
β
T
sig.
  Preditores              
Bloco 1 Aritmética      
0.319
0.321
2.188
0,036*
  Rey - Memória      
0.182
1.215
0,233
Bloco 2 Auto-eficácia Geral      
0.094
0.340
2.293
0,028*

Nota: Ip <0.08, *p<0.05, ** p<0.01.

 

No que diz respeito à dimensão Comunicação, o acréscimo de 3% de variância respeitante ao bloco constituído pela variável auto-eficácia geral não se mostrou significativo (Tabela 10). Neste modelo, o acréscimo da variável auto-eficácia teve como consequência a passagem para o limiar da significância estatística da variável memória de trabalho [F(3,33)=8.90, p<0.001].

 

TABELA 10

Resumo do modelo final de regressão hierárquica para predição da dimensão Comunicação, adicionando a variável Auto-eficácia geral aos preditores neurocognitivos (n=37)

   
F
ΣR2
sig.
       
  Modelo Global
8.903
0.447
0.000**
R2
β
T
sig.
  Preditores              
Bloco 1 Pesquisa de Símbolos      
0.417
0.401
2.559
0.015*
  Memória de Dígitos      
0.262
1.718
0.095I
Bloco 2 Auto-eficácia Geral      
0.030
0.186
1.349
0.186

Nota: Ip <0.08, *p<0.05, ** p<0.01.

 

Quanto ao modelo de regressão realizado para a dimensão Responsabilidade (Tabela 11), chegamos a resultados semelhantes aos apresentados no modelo anterior. Assim, o aumento de 2,2% de variância do bloco correspondente à auto-eficácia geral não é significativo, não oferecendo um contributo adicional para a explicação dos resultados. O modelo obtido é significativo e explica cerca de 19% da variação dos resultados [F(2,34)=4.04, p<0.05].

 

TABELA 11

Resumo do modelo final de regressão hierárquica para predição da dimensão Responsabilidade, adicionando a variável Auto-eficácia geral aos preditores neurocognitivos (n=37)

   
F
ΣR2
sig.
       
  Modelo Global
4.037
0.192
0.027*
R2
β
T
sig.
  Preditores              
Bloco 1 Memória de Dígitos      
0,170
0,375
2,359
0,024*
Bloco 2 Auto-eficácia Geral      
0,022
0,153
0,963
0,342

Nota: Ip <0.08, *p<0.05, ** p<0.01.

 

DISCUSSÃO

Os resultados que obtivemos permitiram identificar um conjunto de funções neurocognitivas que apresentaram um efeito diferencial na forma como se relacionaram com as diferentes dimensões do funcionamento psicossocial consideradas neste estudo. Traduzindo os resultados dos testes utilizados em funções neurocognitivas podemos inferir que no caso da dimensão Auto-cuidado, contribuem a memória de trabalho, a atenção e a velocidade de processamento; para o Contacto Social contribuem o raciocínio lógico e a memória visuo-espacial; para a Comunicação contribuem a memória de trabalho e a velocidade de processamento; e para a Responsabilidade contribuem a memória de trabalho. Em diferentes combinações, consoante o tipo de dimensão funcional considerada, estas funções permitiram explicar, per se, entre 17% e 67% da variância nos resultados do funcionamento psicossocial, resultados estes que se aproximam dos apresentados por Green e colaboradores (2000), que afirmam que a predição da resposta funcional pela neurocognição varia entre os 20% e os 60%. No que diz respeito aos modelos obtidos com a introdução da auto-eficácia como variável independente, verificamos que esta se constituiu como preditor significativo das dimensões Auto-cuidado e Contacto Social, tendo os novos modelos explicado, respectivamente, 71% e 41% da variância total dos resultados, contra os anteriores 67% e 32%.

É excepção a esta análise global o que se observa em relação & agrave; dimensão Não-perturbação, em relação à qual não foi possível encontrar qualquer preditor significativo. Apesar deste resultado destoar em relação à generalidade do que se passa com os outros domínios do funcionamento psicossocial, podemos inferir que os comportamentos ofensivos, violentos e intrusivos (que se reúnem neste estudo sob a dimensão Não-perturbação) dependem mais de traços da personalidade, da capacidade de controlo emocional, do abuso de substâncias, ou de sintomatologia, do que propriamente de características neuropsicológicas (Queirós, 1997). Neste sentido, alguns estudos (e.g., Lafayette, Frankle, Pollock, Dyer, & Goff, 2003; Silver, G oodman, Knoll, Isakov & Modai, 2005) têm mostrado a inexistência de qualquer dissemelhança no perfil neurocognitivo entre grupos de esquizofrénicos que apresentam diferentes níveis de violência, ou entre esquizofrénicos violentos e não violentos. Mesmo num estudo em que se verificaram diferenças neurocognitivas entre sujeitos com Esquizofrenia, com história de comportamentos violentos, e sujeitos com Esquizofrenia não violentos, os autores concluíram que os défices cognitivos são mais uma característica imperante da doença, do que dos comportamentos violentos, sendo possível encontrá-los com maior amplitude em sujeitos esquizofrénicos do que em sujeitos com personalidades anti-sociais (Barkataki, Kumari, Das, Hill, Morris, O’Connell, et al., 2005).

Analisando estes resultados globalmente, podemos sugerir que para um bom funcionamento psicossocial das pessoas com Esquizofrenia devem contribuir um conjunto de sistemas cognitivos, onde aparentemente prevalecem aqueles que se reportam a funções básicas. Resumidamente, parece-nos que estes incluem a capacidade de registar temporariamente as informações e/ou as competências a adquirir (quer por instrução ou por modelagem) para facilitar a sua posterior integração e manipulação mental dos seus elementos (que permita combinações que aumentem as possibilidades adaptativas) e de registo das acções efectuadas (que possibilitem um encadeamento comportamental harmonioso); a capacidade de dirigir o foco atencional no sentido em que se desenrolam as acções, sejam elas operativas ou relacionais, e de posteriormente organizar os elementos captados perceptivamente, de um modo que faculte a abstracção de estímulos exteriores irrelevantes, ou a descentração de experiências internas inusuais, e a percepção e estruturação ajustada dos elementos em jogo (sejam eles objectos, ou até mesmo expressões emocionais); a capacidade de processar rapidamente os estímulos, que contribua para a eficiência da reacção comportamental, que deverá ser exibida em tempo útil; a capacidade de raciocínio perante o confronto com problemas, cuja resolução efectiva poderá facilitar um maior envolvimento em tarefas e em relações, que não seria possível caso houvesse nesse domínio uma grande inabilidade, cuja consequência mais imediata seria a fuga; e a capacidade de antecipar, planear, organizar e monitorizar, em função do feedback ambiental, determinada resposta comportamental, processos estes sem os quais a adaptabilidade psicossocial estaria permanentemente comprometida.

Neste sentido, os nossos resultados corroboram os modelos teóricos e os estudos que anunciam uma contribuição preponderante da neurocognição na funcionalidade e na qualidade de vida (e.g., Brenner, Roder, Hodel, Kienzle, Reed, & Lieberman, 1994; Dickinson & Coursey, 2002; Fujii, Wylie & Nathan, 2004; Green, Kern, Braff, & Mintz, 2000; Kurtz, Moberg, Ragland, Gur, & Gur, 2005; Revheim, Schechter, Kim, Silipo, Allingham, Butler, et al., 2006; Sota & Heinrichs, 2004; Velligan, Bow-Thomas, Mahurin, Miller, & Halgunseth, 2000), em contraste com os que apenas apresentam relações tímidas ou mesmo inexistentes (e.g., Addington & Addington, 2000; Aksaray, Oflu, Kaptanoglu, & Bal, 2002; Alptekin, Akvardar, Kivircik, Dumlu, Isik, Pirincci, et al., 2005; Heslegrave, Awad, & Voruganti, 1997; Hofer, Baumgartner, Bodner, Edlinger, Hummer, Kemmler, et al., 2005; Holthausen, Wiersma, Cahn, Kahn, Dingemans, Schene, et al., 2007; Lysaker & Davis, 2004; Malla, Norman, Manchanda, & Townsend, 2002; Norman, Malla, Cortese, Cheng, Diaz, McIntosh, et al., 1999).

Quanto à auto-eficácia, verificamos que a sua capacidade preditora se restringe apenas às actividades de auto-cuidado e ao leque de interacções sociais, e não de forma global em todos os domínios de funcionamento psicossocial. Para além dos estudos realizados por Pratt e colaboradores (2005) e por Ventura e colaboradores (2004), não encontramos outros que possam validar os dados que aqui apresentamos. Podemos contudo supor uma contribuição significativa das construções pessoais de expectativa que os sujeitos elaboram a propósito da sua mestria e competência, na condução das suas actividades de vida diária (sobretudo aquelas relacionadas com os cuidados pessoais) e no estabelecimento de relações seguras, estáveis e duradouras com os outros. De alguma forma, os resultados obtidos com estes três modelos de regressão encontram-se de acordo com aqueles apresentados por Ventura e colaboradores (2004), nos quais a auto-eficácia se revelou com um papel preponderante na predição das respostas de coping.

 

CONCLUSÃO

Do ponto de vista clínico, estes resultados apontam em duas direcções. Em primeiro lugar, a avaliação de qualquer pessoa com Esquizofrenia que integre um programa de reabilitação deverá passar impreterivelmente pela medição das suas funções mnésicas (nas quais incluímos a memória de trabalho), atencionais, perceptuais e visuo-espaciais, executivas, de rapidez processual, e de raciocínio lógico (e aritmético), uma vez que possuem valor preditor em relação às competências de funcionamento psicossocial e à qualidade de vida. Em segundo lugar, qualquer programa de reabilitação psicossocial deverá sempre contemplar o recurso a medidas de treino e remediação cognitiva, direccionadas à estimulação e recuperação destas funções neurocognitivas, e de compensação cognitiva, destinadas à facilitação do desempenho com recurso a pistas externas e a modificações ambientais, que tornem os contextos mais amigáveis do ponto de vista dos sujeitos. Deverá também integrar apoio e intervenção que promovam o desenvolvimento de percepções mais positivas de eficácia pessoal. Desta forma, pensamos que se possa alcançar com maior efectividade o objectivo central de qualquer intervenção terapêutica, que é a de promover os índices de funcionalidade (exceptuando-se a prevenção de comportamentos violentos ou de perturbação).

 

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(*) Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto do Instituto Politécnico do Porto / Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

(**) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

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