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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica v.17 n.3 Lisboa set. 1999

 

O sorriso de hipócrates. A integração biopsicossocial dos processos de saúde e doença (1999) - Joaquim da Cruz Reis. Lisboa: Vega.

 

Este livro do Prof. Joaquim Reis, doutorado em psicologia pela Universidade de Lisboa e professor de psicologia no Instituto Superior de Serviço Social (Lisboa), publicado em 1998 pela Vega, é um marco muito significativo ao nível das publicações científicas portuguesas no quadro da psicologia da saúde. Não só pela actualidade e importância da temática abordada - uma reflexão sobre os fundamentos e os métodos do modelo biomédico e sobre os modelos alternativos - como pela profundidade da análise crítica, que ao mesmo tempo consegue ser apresentada de forma bastante clara e acessível.

Seguindo a própria apresentação do autor, verifica-se que a análise crítica aos modelos é realizada a partir de dois eixos: por um lado, a constatação da importância dos factores psicossociais na saúde e na doença e, por outro, a importância da autonomia conceptual afectiva da pessoa, traduzida nas significações ou interpretações sobre os processos de saúde e de doença, na experiência subjectiva de doença e no seu modo de expressão. A grande finalidade do trabalho, que consiste em pôr em evidência a relevância do modelo biopsicossocial e assim poder contribuir para práticas de saúde mais humanizadas, é a meu ver plenamente atingida.

«O Sorriso de Hipócrates», título de resto muito bem conseguido, está dividido em sete capítulos cuja leitura é relativamente fácil e agradável.

No primeiro capítulo o autor descreve brevemente a evolução histórica das ideias médicas, caracteriza o modelo biomédico e apresenta as definições de saúde e doença com ele relacionadas. Consegue demonstrar a situação de crise a que chegou o modelo biomédico, mercê dos seus fundamentos mecanicistas e reducionistas.

Logo no segundo capítulo é feita uma discussão muito clara das críticas que sucessivamente têm sido feitas aos fundamentos metateóricos do modelo biomédico.

Estes dois capítulos são uma excelente introdução à história do pensamento médico, cujo estudo e discussão deveriam ser obrigatórios para qualquer estudante de medicina ou de psicologia, neste último caso em particular quando interessado em psicologia da saúde. Isto porque o autor conseguiu apresentar de forma sintética e clara o que é difícil e complexo e que, inclusivamente, tem sido objecto de obras de envergadura como, por exemplo, o livro de M. Tubiana («Histoire de la Pensée Médicale. Les Chemins d' Esculape», Paris: Flammarion, 1995).

O terceiro capítulo é dedicado a pôr em evidência a importância dos chamados factores psicossociais na saúde e na doença, o que é realizado através da apresentação das principais causas de morte e factores de risco para a saúde. Embora seja um capítulo relativamente pequeno, é certo que apresenta aspectos essenciais tais como: resultados de investigação de base psiconeuro-imunológica; evidências sobre influência do comportamento na mortalidade e na morbilidade e, por também, dados fundamentais sobre variáveis psicológicas que mediatizam a relação entre comportamento e saúde (hardiness, sentido interno de coerência, etc.). No final, apresenta uma síntese da literatura sobre a importância dos factores psicossociais na saúde e doença: comportamento e estilo de vida, estados emocionais, estilos de confronto, suporte social, etc. Esta última parte, embora compreensível, segue de perto textos publicados na Annual Review of Psychology (por exemplo, o artigo de N. Adler & K. Matthews, Health psychology: Why do some people get sick and some stay well?, 1994).

Nos quarto e quinto capítulo o autor apresenta as significações leigas sobre os processos de saúde e doença e as experiências subjectivas respectivas. Nomeadamente, no quarto capítulo apresenta questões muito pertinentes sobre representações sociais de saúde e doença e processos de atribuição causal, neste último caso assente nos trabalhos de Herlich & Perret e outros investigadores, ao mesmo tempo que destaca a importância do conhecimento leigo. Neste último aspecto poderia talvez ter ido mais longe na forma de salientar a sua influência no comportamento individual.

O sexto capítulo tem grande relevância ao apresentar os modelos alternativos ao modelo biomédico. Começando por apresentar critérios para análise dos modelos, segue-se uma análise do modelo psicossomático, do modelo biopsicossocial e do modelo holístico. Em relação a cada um deles, apresentados de forma didáctica, sistematiza as asserções fundamentais, as definições respectivas de saúde e doença, a autonomia conceptual-afectiva do paciente e as características da relação médico-doente.

Finalmente, o sétimo capítulo constitui a parte mais relevante do trabalho, pelo carácter original da leitura desenvolvimentista das significações de saúde e doença em termos sociocognitivos, tal como foi conceptualizada pelo Prof. L. Joyce-Moniz (FPCE da Universidade de Lisboa): a organização e representação do conhecimento sobre o estado de saúde transforma-se em função do desenvolvimento e reflecte as características de determinado nível de funcionamento psicológico. Começa por situar as questões da diferenciação, integração e complexidade das significações, após o que são apresentados resultados de vários estudos com crianças e com adultos nesta matéria e defende a tese de que, mesmo nos adultos, as concepções sobre os processos de saúde e doença se podem ordenar e classificar de acordo com uma hierarquia desenvolvimentista, para a qual concorrem resultados de trabalhos do próprio J. Reis.

São apresentados exemplos dessas hierarquias de significações de doença que, após uma revisão da experiência subjectiva das emoções na sua relação com níveis de desenvolvimento que ajuda a clarificar as relações da socialização do pensamento e da emoção com a percepção das funções corporais, são apresentadas na parte final do livro.

«O Sorriso de Hipócrates» deverá ser texto obrigatório para todos os que, interessando-se por psicologia da saúde, desejem aprofundar os seus conhecimentos. Para além de ser um texto redigido de forma clara, tem utilidade dupla:

-Permite aceder a uma revisão crítica e muito completa dos modelos de saúde e doença, o que é indispensável a todos os que do ponto de vista da psicologia se debruçem sobre as relações entre o comportamento e a saúde

-Põe o leitor em contacto com uma contribuição teórica de autores portugueses para a psicologia da saúde, que é original e assenta em bases relacionadas com o desenvolvimento sociocognitivo, procurando ao mesmo tempo integrar a emoção na experiência da doença, quer em crianças quer em adultos. Essa contribuição especificamente psicológica encerra grandes potencialidades para a facilitação da mudança de atitudes e comportamentos relacionados com a saúde, sobretudo na perspectiva promoção da saúde e da prevenção da doença.

 

José A. Carvalho Teixeira

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