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Análise Psicológica

 ISSN 0870-8231

     

 

Técnicas psicoterápicas mãe/bebé - estudos clínicos e técnicos (1993) - Bertrand Cramer & Francisco Palacio-Espasa. Porto Alegre: Artes Médicas.

Uma boa definição das terapias conjuntas breves é a seguinte: estas terapias têm como objectivo um «tratamento sectorial do conflito entre mãe e filho, através de uma redistribuição das projecções parentais e uma modificação das interacções patogénicas a elas ligadas, afectando simultaneamente os investimentos que a criança pode fazer. Não se pretende modificar em profundidade o funcionamento psíquico da mãe, ou do filho, no seu conjunto...» (Cramer & Palacio-Espasa, 1993).

As psicoterapias conjuntas mãe-bebé são indicadas quando o processo de reconhecimento do filho é bloqueado, e há a repetição de um investimento conflituoso na sua representação, que apela ao reaparecimento de conflitos antigos, perpetuados pela incapacidade de fazer o luto de imagos infantis. Mas estas terapias só devem ser postas em prática quando se conseguir determinar um foco principal cuja interpretação desfaça a patologia interaccional, e se a patologia não for um distúrbio muito profundo do apego.

A possibilidade de se efectuarem terapias breves mãe-bebé deve-se a dois factos: à grande mobilidade psíquica específica deste período pós-parto; e à limitação sectorial das psicopatologias interaccionais mais frequentes.

A psicoterapia breve mãe-bebé tem as seguintes características: a criança tem de estar presente; tenta-se compreender o funcionamento psíquico da mãe que tem um filho pequeno; a via de ingresso na consulta é a informação, que a mãe dá, dum sintoma do filho e não dela.

Mas a sua principal característica é que elas estão mais voltadas para a relação (entre mães e filhos com menos de 24 meses) do que para um indivíduo, isto porque, a maioria das expressões psicopatológicas da primeira idade são melhor apreendidas numa situação de interacção entre mãe e filho, o que permite descrevê-las como perturbações relacionais.

As sessões da terapia breve mãe-bebé ultrapassam com frequência os 45/50 minutos habituais, podendo ultrapassar os 60 minutos, para que não se interrompa de forma rígida as muitas associações que são geralmente produzidas, e para permitir a observação de sequências interactivas de diferentes registos, e de vários modos de interacção segundo a temática fantasmática ou o conflito correspondente.

O número de sessões varia de acordo com o caso, mas na modalidade de terapia breve varia de 4 a 12 sessões, situando-se a média nas 6 sessões; normalmente ao ritmo de uma sessão por semana.

Como o objecto da terapia é a relação mãe-filho o formato mais frequente das psicoterapias da primeira infância é a 3: mãe, filho e terapeuta.

O setting das terapias mãe-bebé deve favorecer simultaneamente a capacidade de associação da mãe e a troca, o mais livre e «associativa» possível, entre mãe e filho.

O terapeuta é activo ao nível das intervenções, e ao nível da observação visual das trocas mãe-bebé; e é selectivo, limitando as suas interpretações ao campo dos conflitos mãe-bebé e seus equivalentes na história da mãe.

No pós-parto cria-se uma forma particular do funcionamento psíquico e da psicopatologia correspondente. Tanto Bibring, como Winnicott, falaram no funcionamento psicológico pós-parto como se tratasse de uma loucura saudável, normal.

O que ocorre neste período é que toda uma série de investimentos narcísicos e pulsionais, que até aí estavam contidos no intrapsíquico da mãe, começam a espalhar-se no espaço interpessoal da relação com a criança real e fantasiada. Como a mãe vê a criança tanto como fazendo parte do seu espaço intrapsíquico como do seu espaço extrapsíquico, irão surgir determinadas confusões (entre self e não-self) e externalizações (projecção de conteúdos psíquicos maternos na criança). O bebé torna-se a imagem viva de objectos internos antes recalcados ou clivados. A interacção mãe-filho é a situação na qual as pulsões são actuadas.

Em suas contribuições às interacções, o bebé irá materializar os argumentos fantasmáticos dos pais, confirmando as suas representações, tornando real, nas trocas interpessoais, o que até então nada mais tinha sido do que uma fantasia dos pais. Porém, também fornece uma nova dimensão: ele cria a «preocupação maternal primária», solicitando um comprometimento relacional e pulsional nunca antes vivido pelos pais. Além disso, as suas características próprias e o seu funcionamento particular vão inflectir as relações pais-filho, imprimindo-lhe uma marca determinante.

No desenvolvimento normal os conteúdos psíquicos que saíram do seu habitat natural, recaindo no filho, são lentamente reabsorvidos, de uma forma mais ou menos completa. A criança vai conservar sempre a marca das projecções parentais, porém, de acordo com a sua individuação, irá separar-se da representação do self parental. Sabe-se que este processo é lento, e nunca está concluído.

Estas modificações ocorridas no pós-parto, também podem ser reorganizadas de uma maneira súbita, através de interpretações simples durante as psicoterapias conjuntas. Observa-se então um duplo efeito: primeiramente um insight fulgurante, acompanhado pela «descoberta» do filho com novos olhos; depois uma reintegração dos elementos projectados no espaço intrapsíquico da mãe.

Nas terapias mãe-bebé dá-se uma confrontação entre os dados intrapsíquicos (principalmente da mãe) e os dados interactivos (interacção real). Ao mesmo tempo que escuta o discurso materno, o terapeuta assiste às trocas mãe-filho e participa nas trocas mãe-terapeuta-filho. Chamamos a isto «abordagem bifocal», pois o terapeuta observa enquanto escuta o discurso materno.

Nas terapias conjuntas a interacção pode ser considerada como resultado de angústias, de conflitos, e de defesas. Quando o terapeuta observa a materialização de uma atitude defensiva ao nível da interacção deve tentar percebê-la, interpretando-a para a mãe como sendo um acto correlacionado com as suas defesas intrapsíquicas. O impacto terapêutico, desta interpretação no momento, é maior do que se a interpretação se limitasse unicamente ao nível intrapsíquico.

Todos estes factores quando se apresentam simultaneamente no discurso materno e na interacção entre mãe e filho, formam o que se designa por «Sequência Interactiva Sintomática».

A sequência interactiva sintomática pode ser definida como uma dramatização, com a colocação em acto na troca mãe-filho de um conflito central da mãe, no qual o filho é chamado a participar. A interacção real esclarece o conteúdo do conflito e revela o impacto que as defesas intrapsíquicas da mãe têm no seu comportamento. A recorrência dessas sequências provoca uma patologia interactiva, cujos feitos imediatos sobre a criança podem ser observados (Cramer & Palacio-Espasa, 1993). A experiência clínica revela acontecimentos em que há uma coincidência entre o enunciado de um conflito ou fantasia da mãe e uma confirmação comportamental do filho, como se ele reagisse ao conteúdo psíquico enunciado.

Esta sequência interactiva sintomática é uma expressão focalizada do conflito que preside à formação do sintoma principal; e, como tal, é utilizada pelo terapeuta para compreender o problema central, orientando as suas interpretações num determinado sentido.

A diferença mais importante entre as terapias conjuntas mãe-bebé e a psicanálise diz respeito ao desenvolvimento cronológico das mudanças: nas terapias conjuntas mãe-bebé rapidamente ocorrem importantes mudanças manifestas; a partir da segunda ou terceira sessão, a mãe faz referências a uma mudança subjectiva (uma modificação da sua angústia e da visão que tinha do seu filho), podendo ser observadas mudanças objectivas da criança e da interacção. O motivo pelo qual são obtidas rapidamente grandes modificações nas terapias mãe-bebé, é o de que não se tenta modificar todo o funcionamento psíquico da mãe, mas apenas a área dos investimentos que esta faz no filho.

Outro factor que diferencia a psicanálise (ou outras terapias convencionais) da terapia conjunta mãe-bebé é que devido à brevidade desta última há uma focalização, que vai permitir apreender apenas um pequeno número de causas essenciais de mudanças.

Através da terapia conjunta mãe-bebé modificam-se os investimentos e as representações que a mãe tem do filho; isto é visível principalmente ao nível da redução das projecções parentais sobre o filho, operando-se uma modificação ao nível da interacção. Quando a terapia é bem sucedida, verifica-se que os investimentos do filho sobre a mãe também se modificam, mas esta mudança é secundária à modificação dos investimentos maternos no filho.

Para que uma terapia seja considerada breve é necessário que paciente e terapeuta consigam definir conjuntamente uma problemática central ligada a um conflito e a uma fantasia básica do paciente, que se repete nas relações mais importantes; portanto, tem que haver a definição e interpretação dum foco conflitivo. A definição desta área de intervenção orienta o insight.

Nas terapias mãe-bebé, especificamente, o terapeuta procura localizar o foco para conseguir chegar à interpretação do conflito presente com o filho, em termos de conflitos equivalentes, inconscientes e passados da mãe.

Estudos realizados evidenciam, nas psicoterapias breves, uma distribuição muito simétrica do volume verbal entre paciente e terapeuta. Uma das razões explicativas para este facto é a de que há um esforço para uma rápida definição do foco e para a sua manutenção.

Um estudo realizado por Cramer e Palacio-Espasa (1993) permitiu verificar que o terapeuta apresenta um longo período de latência em que assume uma posição atenta e aberta, passando depois para um nível de actividade elevado, no qual opera um fechamento, localizando um núcleo interpretativo.

Na primeira sessão a mãe é posta a par do limite temporal da terapia: o terapeuta enuncia que irá ver a mãe e filho durante uma série de cerca de 6 sessões. O fim da terapia dá-se quando o conflito principal tiver sido interpretado e elaborado, assistindo-se a uma redução das projecções e a uma diminuição da angústia materna, que irá produzir uma mudança das representações que a mãe tem do filho e, por vezes, dela própria como mãe. A natureza das interacções frequentemente muda de forma muito manifesta, e o sintoma principal desaparece ou diminui.

Se a transferência conflitiva sobre o filho se rebater sobre o terapeuta, deve propor-se à mãe uma terapia individual.

Cramer e Palacio-Espasa (1993) estudaram os resultados terapêuticos das terapias breves e das catamnéses anos após o fim do tratamento. Verificaram que ao fim de 6 a 12 meses após o término da terapia não há retorno do sintoma, nem emergência de sintomas de substituição; e que ocorre uma certa melhora, nas interacções mãe-bebé, depois de terminada a terapia.

O que as terapias conjuntas breves podem oferecer é uma desparasitação, na relação materna com o filho, dos investimentos pertencentes aos conflitos pessoais da mãe. Isto permite, geralmente, o desenvolvimento do processo de personalização e objectalização do filho pela mãe. No nível interactivo, isto traduz-se, frequentemente de forma imediata e visível, por uma harmonização das trocas, trazendo um reinicio das comunicações e gratificações recíprocas.

Eva Pereira

 

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