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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica v.17 n.1 Lisboa mar. 1999

 

L' Invention du Jeune Enfant au Xixème Siécle: de la Salle D' Asile à L École Maternelle (1997) – Jean Noël Luc. Paris: Belin.

Autor com vários trabalhos publicados nas área da história da infância e da educação pré-escolar, Jean Noël Luc, propõe-se nesta obra traçar a história das salas de asilo, um dos primeiros tipos de estabelecimentos destinados ao acolhimento e à educação das crianças entre os 2 e os 6/7 anos de idade, articulando-a com a história da representação e das atitudes dos adultos em relação à criança pequena. Tal como afirma o autor, torna-se difícil compreender o surgimento e a organização das primeiras instituições de educação pré-escolar sem olharmos o modo como as crianças dessa faixa etária são percepcionadas pelos adultos que as rodeiam.

Fruto da iniciativa privada e inspirada no modelo inglês das Infant School, a primeira sala de asilo francesa abre as suas portas em 1826, destinando-se às crianças cujas mães trabalham, ou desejam trabalhar, fora de casa. A criação desta instituição tem como principais objectivos retirar a criança de meios considerados nocivos ao seu desenvolvimento, como a rua ou as amas, iniciar a sua educação moral, física e intelectual e melhorar as condições de vida das classes populares ao permitir o trabalho das mulheres.

Contudo, para Luc, a grande originalidade desta instituição reside em dois pontos: a) a ingerência da autoridade pública numa função tradicionalmente considerada como dever e apanágio das famílias; b) a percepção, até aí pouco vulgar, da criança como um sujeito escolarizável e capaz de beneficiar de um ensino regular.

Pela primeira vez os poderes públicos ousam intervir na educação de crianças em idade pré-escolar, cujo destino era tradicionalmente colocado sob a responsabilidade da família, e fazem-no com base em dois argumentos: a) o interesse geral, assegurado através da educação precoce das crianças das classes populares, contribuindo para a formação de trabalhadores eficazes e prevenindo a marginalidade; b) o interesse da própria criança, já que perante mães que são consideradas incapazes ou indisponíveis para educarem os seus filhos, independentemente da sua origem social, a sala de asilo fornece à criança todos os cuidados de que necessita, assegurando-lhe um bom desenvolvimento físico, intelectual e moral.

Na primeira parte deste livro, Luc apresenta-nos o nascimento e a teoria da sala de asilo centrando-se em três questões: a sua institucionalização sob a tutela do Estado e dos municípios, os seus objectivos de assistência e de educação e os debates sobre a extensão deste projecto pedagógico a todas as crianças.

A representação da criança pequena e, mais concretamente, a descoberta da segunda infância como uma etapa importante no desenvolvimento da criança, assim como os diferentes projectos de educação doméstica concebidos por uma élite de pais «pedagogos» da qual fazem parte os fundadores das salas de asilo, são os temas tratados na segunda parte deste livro.

Numa terceira parte, são analisados o espaço, o material pedagógico e os métodos utilizados nas salas de asilo; o envio das crianças pequenas para diferentes tipos de instituições – sala de asilo, escola e amas; a difusão da pré-escolarização oficial.

Parece-nos ser de realçar, nesta terceira parte, a análise das razões que poderão ter conduzido à criação e à difusão, em determinadas zonas, das salas de asilo.

Utilizando a análise factorial, Luc determina algumas características das zonas onde a população recorre frequentemente às salas de asilo: são zonas urbanas onde as mulheres trabalham essencialmente nos serviços e na indústria, onde os níveis de escolarização primária são elevados e onde existem principalmente estabelecimentos laicos, quer públicos quer privados. Contrariamente, nas zonas rurais onde a agricultura emprega a maior parte das mulheres, onde os níveis de escolarização primária são medíocres e existem sobretudo estabelecimentos congregacionistas públicos, há um fraco recurso às salas de asilo.

No entanto, apesar de existir uma correlação entre estas variáveis e a difusão das salas de asilo, aquelas por si só, não são suficientes para a explicar. Zonas com perfis económicos, sociais e religiosos semelhantes fazem escolhas diferenciadas, o que nos impede de pensar que existiu uma lógica sistemática por detrás da implantação das salas de asilo. Estas desigualdades geográficas poderão estar relacionadas, segundo o autor, com três factores: a prática corrente do acolhimento das crianças em idade pré-escolar na escola primária; a concorrência das amas; e, por último, o importante papel desempenhado por iniciativas individuais na difusão de uma instituição cuja frequência não é obrigatória. Como afirma Luc: «(...) l’ouverture des salles d’asile fidèles au modéle officiel dépend, en plus, d’un autre facteur géographiquement très aléatoire: la sollicitude du fondateur pour la formation du jeune enfant» (p. 298).

Na última parte deste livro, é analisado o processo de profissionalização da guarda educativa das crianças pequenas, realizado em benefício do sexo feminino e com base na sua especificidade – a seguir às parteiras,aquela é a segunda profissão reservada às mulheres. É também apresentado, em torno das diferenças entre os regulamentos e as práticas, o quotidiano de algumas salas de asilo; e, por último, é examinado o surgimento da escola maternal republicana, na década de 80 do século passado.

Embora a história da infância tenha vindo a ser alvo de um número crescente de estudos, este livro tem o mérito de se debruçar sobre um tema ainda pouco trabalhado, a institucionalização da educação pré-escolar, sendo a sua leitura indispensável para quem se interesse por esta área.

Carla Vilhena

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