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Revista Portuguesa de Clínica Geral

versão impressa ISSN 0870-7103

Rev Port Clin Geral vol.27 no.6 Lisboa nov. 2011

 

CLUBE DE LEITURA

Anti-hipertensor no doente diabético, qual o melhor período do dia para a sua toma?

Influence of time of day of blood pressure-lowering treatment on cardiovascular risk in hypertensive patients with type 2 diabetes.

Mara Galhardo,* Joana Barros**

*Interna de Formação Específica de Medicina Geral e Familiar, Unidade de Saúde Familiar Dunas, ULS Matosinhos

**Interna de Formação Específica de Medicina Geral e Familiar, Unidade de Saúde Familiar Maresia, ULS Matosinhos


Hermida RC, Ayala DE, Mojón A, Fernández JR. Influence of time of day of blood pressure-lowering treatment on cardiovascular risk in hypertensive patients with type 2 diabetes. Diabetes Care 2011 Jun; 34 (6): 1270-6.

Introdução

O ritmo circadiano contribui para a variação do padrão de pressão arterial (PA) ao longo das 24 horas, assim como interfere nos mecanismos farmacocinéticos e farmacodinâmicos de vários fármacos. Deste modo não é surpreendente que o período do dia na toma de um determinado anti-hipertensor possa influenciar de diferente forma este padrão. Este mesmo efeito já foi verificado em várias classes terapêuticas, nomeadamente inibidores da enzima de conversão da angiotensina e antagonistas dos receptores da angiotensina, cuja toma no período da tarde em comparação com a toma de manhã resultou num melhor controlo terapêutico da pressão arterial média nocturna (PAMN), independentemente da semi-vida do fármaco. O impacto da cronoterapia na PAMN parece ser clinicamente importante, já que vários estudos prospectivos têm vindo a demonstrar que a PAMN é um melhor preditor do risco cardiovascular relativamente à pressão arterial média diurna (PAMD) e à pressão arterial média nas 24 horas. Este facto ganha maior relevância na população com diabetes mellitus tipo 2 (DM 2), na qual a hipertensão arterial nocturna não é apenas extremamente frequente como altamente prevalente (atingindo cerca de 70 % da população de acordo com alguns estudos).

Todos os estudos previamente realizados, na tentativa de avaliar o efeito da cronoterapia no risco cardiovascular, baseavam-se apenas numa avaliação inicial da monitorização ambulatória da pressão arterial de 24 horas (MAPA), não contando por isso com as variações do padrão e do nível da PA durante os períodos de follow-up, e desta forma não permitindo esclarecer qual a influência da cronoterapia no risco cardiovascular.

O principal objectivo deste estudo foi investigar se em doentes hipertensos e com DM 2 a ingestão de pelo menos um anti-hipertensor ao deitar permite um melhor controlo da PA e uma redução do risco cardiovascular comparativamente à terapêutica convencional (ingestão de toda a medicação anti-hipertensora ao acordar).

Métodos

Neste sub-estudo, do estudo MAPEC (Monitorización Ambulatória para Predicción de Eventos Cardiovasculares) foram incluídos indivíduos pertencentes à população activa (no período diurno) espanhola, com 18 ou mais anos de idade, diagnóstico de DM 2 e Hipertensão Arterial (HTA) de acordo com os critérios de diagnóstico por MAPA. Foram critérios de exclusão: gravidez, história pessoal de abuso de drogas ou álcool, actividade laboral por turnos, HTA secundária, diabetes mellitus tipo 1, doença cardiovascular (nomeadamente angina instável, insuficiência cardíaca, arritmia grave, nefropatia, retinopatia grau III-IV) e intolerância à realização da MAPA.

Participaram neste estudo 448 indivíduos. Foi estabelecido pelos investigadores um período mínimo de follow-up de 6 meses para cada doente e um médio de 5 anos. O diagnóstico de HTA na avaliação inicial foi baseado nos critérios da MAPA e incluía também uma história clínica detalhada, realização de electrocardiograma e colheita de amostras de sangue e urina.

Este é um estudo prospectivo, aleatorizado, ocultado apenas para o end-point primário, em que os participantes foram distribuídos por dois grupos terapêuticos: um constituído por 232 doentes que ingeriram toda a medicação anti-hipertensora ao acordar e outro constituído por 216 doentes que ingeriram pelo menos um anti-hipertensor ao deitar. Esta aleatorização foi feita separadamente para cada classe de medicação anti-hipertensora o que assegurou que a proporção de doentes tratados com cada classe de anti-hipertensor fosse semelhante nos dois grupos terapêuticos.

A reavaliação, com procedimentos semelhantes à avaliação inicial, era agendada trimestralmente no caso de mau controlo tensional com necessidade de ajuste terapêutico, caso contrário efectuava-se anualmente, momento em que a adesão ao esquema terapêutico era também avaliada por entrevista pelos investigadores.

A avaliação da morbilidade e mortalidade cardiovascular era feita através do registo dos eventos de morte, enfarte do miocárdio, angina de peito, revascularização coronária, insuficiência cardíaca, oclusão arterial aguda dos membros inferiores, oclusão trombótica da artéria retiniana, acidente vascular cerebral isquémico e hemorrágico e acidente isquémico transitório.

Resultados

Na avaliação inicial, entre os dois grupos terapêuticos não existiam diferenças estatisticamente significativas relativamente à prevalência de apneia obstrutiva do sono, síndroma metabólico, microalbuminúria ou outras variáveis antropométricas e laboratoriais. Relativamente aos parâmetros de PA também não se verificaram diferenças significativas.

Estabelecendo uma comparação entre a avaliação inicial e a última avaliação após follow-up, verificou-se que o grupo tratado com pelo menos um anti-hipertensor ao deitar apresentou uma PAMN significativamente inferior à do grupo tratado com todos os anti-hipertensores ingeridos pela manhã. Esta diferença permitiu um melhor controlo da PA em ambulatório no grupo com ingestão de pelo menos 1 anti-hipertensor ao deitar (62.5 %) em comparação com o grupo que ingeria toda a medicação de manhã (50.9%), uma vez que entre os dois grupos não se verificaram diferenças no que diz respeito à PAMD. Outra importante diferença encontrada no padrão de PA diz respeito ao perfil não-dipper, verificando-se uma menor proporção de doentes não-dipper no grupo terapêutico que ingeria pelo menos um anti-hipertensor ao deitar (49.5%) versus o grupo terapêutico que ingeria toda a medicação anti-hipertensora ao acordar, diferença esta estatisticamente significativa.

Relativamente ao objectivo primário do estudo, verificou-se que o grupo tratado com pelo menos um anti-hipertensor ao deitar apresentava um risco inferior de eventos cardiovasculares totais, diferença particularmente relevante nos eventos cardiovasculares major (acidente vascular cerebral isquémico ou hemorrágico, enfarte agudo do miocárdio e morte por eventos cardiovasculares): hazard ratio 0.25 [intervalo confiança 95%: 0.10–0.61] comparativamente com grupo tratado com toda a medicação anti-hipertensora ao acordar.

A análise por regressão de Cox da influência das alterações da PA ambulatória no risco cardiovascular, ajustada para a idade e sexo, revelou que a diminuição progressiva da PAMN estava mais significativamente associada a uma sobrevida livre de eventos (12 e 23% de redução do risco por cada 5 mm Hg de redução na PAMN sistólica e diastólica respectivamente, p<0.001) que qualquer um dos outros parâmetros de PA avaliados.

Conclusão

A utilização de pelo menos um anti-hipertensor ao deitar permitiu um melhor controlo da PA avaliada por MAPA em doentes hipertensos e com DM 2. Os efeitos da cronoterapia, com melhor controlo da PAMN, revelaram-se associados a um menor risco cardiovascular e a um aumento da sobrevida livre de eventos cardiovasculares. De facto a redução progressiva da PAMN quando comparada com os outros parâmetros de PA mostrou ser o factor preditor de sobrevida mais significativo. Este estudo vem assim corroborar alguns já anteriormente publicados, que apresentam a cronoterapia como o mecanismo mais custo-efectivo e uma estratégia simples para um melhor controlo da PAMN e o restabelecimento do padrão normal de variação da PA ao longo das 24 horas. Conclui-se também deste estudo, e de acordo com o seu objectivo principal, que a maior taxa de sobrevida sem eventos verificada no grupo com ingestão de pelo menos um anti-hipertensor ao deitar, se relaciona inevitavelmente com o melhor alcance destes novos alvos terapêuticos na HTA.

Comentário

O período do dia de ingestão de medicação anti-hipertensora nunca foi investigado como uma variável com potencial para influenciar o risco cardiovascular, faltando por isso evidência científica que consubstancie o seu uso preferencial de manhã, um hábito tão usual na nossa prática clínica. O padrão de variação da PA ao longo das 24 horas, com níveis pico após acordar e níveis nocturnos mais baixos, pode ser visto como uma justificação para o tratamento com preferência pela ingestão matinal. Contudo, este padrão não caracteriza todos, nem sequer a maioria dos doentes hipertensos. Um padrão não-dipper não é só comum como altamente predominante nos idosos, diabéticos e doentes com hipertensão arterial resistente.1,2,3,4

Este estudo mostra-se interessante por demonstrar pela primeira vez que, em doentes com DM 2, a administração de pelo menos um medicamento anti-hipertensor ao deitar em comparação com a ingestão de toda a medicação anti-hipertensora ao acordar não melhora apenas o controlo da PA em ambulatório, mas reduz significativamente o risco cardiovascular essencialmente pelo seu feito na PAMN. Esta última pode então emergir como um novo alvo terapêutico.

Alguns aspectos apresentam-se como potenciais limitações: o reduzido tamanho amostral (apesar de suficiente de acordo com os cálculos elaborados à priori) condiciona a impossibilidade de tirar qualquer tipo de conclusões relativamente ao efeito das diferentes classes ou associações terapêuticas na redução do risco cardiovascular com ingestão de anti-hipertensor ao deitar. O desenho de estudo prospectivo, apenas ocultado para o end-point primário, pode ser encarado também como um ponto menos forte neste estudo ainda que paradoxalmente uma das suas mais-valias, dado que mimetiza a nossa prática clínica diária.

Importante ainda salientar que os autores do estudo não declaram qualquer tipo de conflito de interesses.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Hermida RC, Ayala DE, Portaluppi F. Circadian variation of blood pressure: the basis for the chronotherapy of hypertension. Adv Drug Deliv Rev 2007 Aug 31; 59 (9-10): 904-22.         [ Links ]

2. Smolensky MH, Hermida RC, Ayala DE, Tiseo R, Portaluppi F. Administration-time-dependent effect of blood pressure-lowering medications: basis for the chronotherapy of hypertension. Blood Press Monit 2010 Aug; 15 (4): 173-80.         [ Links ]

3. de la Sierra A, Redon J, Banegas JR, Segura J, Parati G, Gorostidi M, et al. Spanish Society of Hypertension Ambulatory Blood Pressure Monitoring Registry Investigators. Prevalence and factors associated with circadian blood pressure patterns in hypertensive patients. Hypertension 2009 Mar; 53 (3): 466-72.         [ Links ]

4. Hermida RC, Ayala DE, Calvo C, Portaluppi F, Smolensky MH. Chronotherapy of hypertension: administration-time dependent effects of treatment on the circadian pattern of blood pressure. Adv Drug Deliv Rev 2007 Aug 31; 59 (9-10): 923-39.         [ Links ]