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Revista Portuguesa de Clínica Geral

versión impresa ISSN 0870-7103

Rev Port Clin Geral vol.27 no.5 Lisboa set. 2011

 

CLUBE DE LEITURA

Nova abordagem na avaliação da pressão arterial: avaliação no consultório durante 30 minutos vs avaliação diurna em ambulatório

A novel aproach to blood preasure measurement: office 30 minute assessment vs daytime ambulatory assessment

Carla Carriço*

*Interna Formação Específica de Medicina Geral e Familiar, USF Feijó


Van der Wel MC, Buunk IE, Van Weel C, Thien TA, Bakx JC. A novel approach to office blood pressure measurement: 30-minute office blood pressure vs daytime ambulatory blood pressure. Ann Fam Med 2011 Mar-Apr; 9 (2): 128-35.

Introdução

A escala de Framingham e o SCORE (Systematic Coronary Risk Evaluation) foram desenvolvidos para determinar o risco de doença cardiovascular (RCV) com base na avaliação da pressão arterial (PA) no consultório. Apesar das guidelines destacarem a importância do uso de uma técnica uniformizada e bem executada para a avaliação da PA, é sabido que a maioria dos profissionais nem sempre a cumpre. Adicionalmente, um quarto dos doentes é susceptível ao efeito «bata branca», levando a um cálculo incorrecto do RCV e sobremedicação. A medição da PA no consultório deveria ser uniforme, fácil de executar, livre de erros e do efeito «bata branca». Com a introdução dos dispositivos automáticos de medição da PA, este ideal pode ser alcançado. As guidelines recomendam o uso da monitorização ambulatória da pressão arterial de 24 horas (MAPA) e da auto-medição da pressão arterial (AMPA) para detectar o efeito «bata branca». Contudo a MAPA é dispendiosa e inadequada para alguns doentes. Relativamente à AMPA, muitas vezes os doentes não a cumprem. Recentemente, tem surgido um crescente corpo de evidência que defende um novo método de medição da PA no consultório: medições automáticas seriadas com o doente sentado sozinho numa sala. Neste contexto, foi desenvolvido um protocolo que permita medições da PA no consultório de forma automática, com um dispositivo semelhante ao da MAPA, algo nunca feito anteriormente. Como primeiro passo no processo de validação deste protocolo, este estudo teve como objectivo comparar os valores de PA determinados pela sua medição seriada no consultório durante 30 minutos com os da MAPA diurna.

Métodos

Foram convidados a participar todos os pacientes com idade ≥ 18 anos referenciados pelo Médico de Família para MAPA de 24 horas entre Outubro 2008 e Fevereiro de 2009.

Os critérios de exclusão foram: fibrilhação auricular, pulso irregular, gravidez e realização de turnos nocturnos.

Foi utilizado o dispositivo Welch Allyn Cardioperfect 6100 para ambas as medições (oscilómetro equivalente ao validado SunTech Medical Oscar 28). As medições no consultório durante 30 minutos realizaram-se entre as 11 e as 15 horas numa sala calma após o doente repousar sentado durante 5 minutos. Mediram a PA no braço não dominante com intervalos de 5 minutos (total de 8 medições). Estudos anteriores mostraram que, em medições seriadas da PA, esta diminui nos primeiros 10 minutos antes de estabilizar. Assim, excluíram-se as duas primeiras medições e definiu-se a PA no consultório durante 30 minutos como a média dos valores de PA das 6 medições obtidas dos 5 aos 30 minutos. Se mais de uma das medições fosse errónea, o caso era excluído da análise.

Na MAPA de 24 horas, os intervalos de medição foram de 20 minutos entre as 7 e as 23 horas e de 1 hora entre as 23 e as 7 horas. A média da PA diurna foi calculada com os registos entre as 9 e as 21 horas. Apenas foram incluídos pacientes com 15 ou mais registos.

Com as medições da PA obtidas classificaram-se os doentes em quatro subgrupos: normotensão (PA no consultório <140/90 mmHg e PA diurna da MAPA ou do registo de 30 minutos <135/85 mmHg); hipertensão da «bata branca» (PA no consultório ≥140/90 mmHg e PA diurna da MAPA ou do registo de 30 minutos <135/85 mmHg); hipertensão «mascarada» (PA no consultório <140/90 mmHg e PA diurna da MAPA ou do registo de 30 minutos ≥135/85 mmHg) e hipertensão mantida (PA no consultório ≥140/90 mmHg e PA diurna da MAPA ou do registo de 30 minutos ≥135/85 mmHg). Na ausência de registo da PA no consultório, considerou-se a média das 2 primeiras medições do registo de 30 minutos.

Na ausência de critérios de consenso internacionais, considerou-se que uma diferença ≥5 mmHg entre os dois tipos de medição no mesmo doente teria relevância clínica (diferenças inferiores podem ser devidas a variações biológicas da PA). Para um nível de significância de 0.05, potência de 90% e um desvio padrão da diferença de 15 mmHg, verificou-se que uma amostra de 81 doentes seria suficiente.

Calculou-se a diferença entre a média diurna da MAPA e a da medição de 30 minutos no consultório, tal como o desvio-padrão da diferença. Os resultados foram apresentados para a pressão arterial sistólica (PAS), diastólica (PAD) e pressão arterial média (PAM).

Resultados

Dos 117 doentes convidados, 18 recusaram e 9 foram excluídos. A população estudada caracterizava-se por: idade média de 57 anos; 61% do sexo feminino; índice de massa corporal de 26.5 kg/m2; 17% fumadores; e 51% estavam sob tratamento antihipertensor. Os motivos de referenciação para MAPA foram: suspeita de hipertensão da «bata branca» (45%); diagnóstico de hipertensão (38%); avaliação da terapêutica (12%); e outros (5%).

Os resultados mostraram que a PA diminui nos primeiros 15 minutos antes de estabilizar. Relativamente à PAM, a diferença entre a média dos dois tipos de medição foi de 2 mmHg (intervalo de confiança [IC] 95%: 0 a 3), com um desvio padrão de 7 mmHg (p=0,03). Relativamente à PAS, a diferença entre a média dos dois tipos de medição foi de 0 mmHg (IC 95%: -2 a 2), com um desvio padrão de 10 mmHg. Relativamente à PAD, a diferença entre a média dos dois tipos de medição foi de 2 mmHg (IC 95%: 0 a 3), com um desvio padrão de 6 mmHg (p=0,008).

Os limites de concordância foram entre -19 e 19 mmHg para a PAS, -10 e 13 mmHg para a PAD e -13 e 16 mmHg para a PAM. As diferença entre a medição de 30 minutos no consultório e a MAPA diurna está relacionada de forma estatisticamente significativa com a magnitude da média destes dois tipos de medição para a PAS (r=0,27; p=0,01), mas não para a PAM ou PAD.

Não houve diferenças significativas na classificação dos pacientes nos diferentes subgrupos de hipertensão entre os dois métodos de medição da PA avaliados.

Discussão

Reportou-se uma diferença inferior a 2 mmHg com desvio-padrão da diferença inferior a 10 mmHg para a PAM, PAS e PAD. Adicionalmente a medição de 30 minutos parece detectar a hipertensão da «bata branca» tão bem como a MAPA diurna.

Apesar de, no estudo, não ter sido detectada diferença clínica sistemática relevante entre os dois métodos de medição, os limites de concordância mostraram que a nível individual estas diferenças podem ocorrer. Na avaliação da PA a reprodutibilidade é sempre limitada pela variação biológica intrapessoal da mesma.

Os resultados estão de acordo com os dados de Myers et al. O intervalo de medição de 5 minutos foi escolhido por questões técnicas. Os resultados mostraram que medições seriadas durante 10 minutos após um período de repouso de 5 a 10 minutos poderão ser suficientes. Contudo são necessários mais estudos para o provar.

Este estudo teve como vantagens o uso de uma população de pacientes dos cuidados de saúde primários (CSP), bem como o facto de a medição da PA seguir um protocolo fácil de aplicar na prática. Contudo, foi impossível aleatorizar a ordem pela qual as medições ocorreram, e consequentemente a regressão para a média poderá ter influenciado os resultados.

Actualmente, a detecção do efeito «bata branca» é a principal indicação da MAPA e da AMPA. Os autores acreditam que este novo método poderá permitir aos Médicos de Família ultrapassar problemas do viés do observador e efeito «bata branca». No entanto, é necessária mais investigação para determinar a reprodutibilidade deste estudo.

Comentário

A hipertensão é uma das mais importantes causas preveníveis de morbi-mortalidade prematura. O seu seguimento e controlo são uma das intervenções mais comuns e fundamentais dos CSP, o que se consegue avaliando a PA no consultório e em ambulatório (MAPA ou AMPA) segundo as recomendações actuais.1,2 A conveniência e utilização isolada durante anos da técnica convencional do consultório têm dificultado uma aplicação mais generalizada das técnicas de ambulatório.1 Contudo, apesar da medição no consultório continuar a ser fundamental, pode limitar a prestação dos melhores cuidados ao doente hipertenso, quando utilizada isoladamente.2 No seguimento do doente hipertenso existe evidência sólida para a utilização das técnicas de ambulatório no sentido de obter um controlo mais adequado da PA e uma correcta identificação do RCV.2 No entanto, por um lado a MAPA é um método dispendioso e por outro os pacientes nem sempre colaboram no registo em ambulatório da PA. Este estudo traz-nos um novo método de medição da PA que poderá ser útil na prática clínica, nomeadamente nos pacientes com suspeita de hipertensão da «bata branca». As desvantagens deste novo método são a necessidade de existir uma sala separada e do equipamento de MAPA, indisponível na maioria dos centros de saúde. As vantagens são o facto de ter utilizado uma população semelhante à dos CSP (apesar da sua pequena dimensão) e de reduzir/eliminar muitas das limitações da medição convencional do consultório, podendo fornecer uma estimativa mais real da «verdadeira» PA do doente de uma forma menos dispendiosa que a MAPA, mantendo a conveniência de ser realizada no centro de saúde. Contudo, não podemos esquecer as vantagens e informações únicas que a MAPA fornece, sendo ainda importante a realização de novos estudos para validação deste novo método promissor de avaliação da PA.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Hypertension: the clinical management of primary hypertension in adults. National Clinical Guideline Centre. August 2011. Disponível em URL: http://www.nice.org.uk/nicemedia/live/13561/56007/56007.pdf [acedido em 20/09/2011].         [ Links ]

2. Aguiar H, Silva AI, Pinto F, Catarino S. Avaliação da pressão arterial no ambulatório. Revisão baseada na evidência. Rev Port Clin Geral 2011 Jul-Ago; 27 (4):362-76.         [ Links ]