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Revista Portuguesa de Clínica Geral

versión impresa ISSN 0870-7103

Rev Port Clin Geral v.27 n.4 Lisboa jul. 2011

 

CLUBE DE LEITURA

Qual o risco do rastreio do cancro de mama com mamografia?

 

Carla Lopes da Mota

Interna de 3.o ano Medicina Geral e Familiar USF Espinho

 

Gotzsche PC, Nielsen M. Screening for breast cancer with mammography. Cochrane Database Syst Rev 2011 Jan 19; (1):: CD001877. doi: 10.1002/14651858. CD001877.pub4

 

Introdução

O cancro de mama é uma importante causa de morte e morbilidade nas mulheres. A sua detecção precoce, recorrendo ao rastreio com mamografia, tem o potencial de reduzir a mortalidade por esta doença. No entanto, verifica-se que o rastreio gera sobre-diagnósticos e sobre-tratamentos, pelo que têm sido publicadas múltiplas estimativas acerca dos benefícios e malefícios do uso da mamografia no rastreio do cancro de mama.

O objectivo desta revisão foi determinar qual o efeito do rastreio do cancro de mama, com mamografia, na mortalidade e morbilidade por esta doença.

Métodos

Foi realizada uma pesquisa na Pubmed de ensaios clínicos randomizados e publicados até Novembro de 2008, que comparavam mulheres que realizaram o rastreio do cancro de mama com mamografia versus mulheres não rastreadas; os outcomes avaliados foram a mortalidade por cancro de mama ou qualquer outra patologia oncológica, mortalidade por todas as causas, recurso a intervenção cirúrgica, recurso a terapêutica adjuvante e danos associados ao uso de mamografia.

As mulheres incluídas não tinham diagnóstico prévio de cancro de mama ou qualquer outra patologia oncológica.

Os dados foram avaliados pelos dois autores de forma independente.

Resultados

Foram identificados oito ensaios e seleccionados sete, incluindo-se no estudo 600.000 mulheres que de forma randomizada realizaram mamografia de rastreio ou não. Três ensaios com randomização adequada não demostraram uma redução significativa na mortalidade por cancro de mama a 13 anos [risco relativo (RR) 0,90; intervalo de confiança (IC) 95% 0,79-1,02]. Os outros quatro ensaios, com randomização sub-óptima, mostraram uma redução significativa na mortalidade por cancro de mama (RR 0,75; IC 95% 0,67-0,83). O RR calculado usando os sete ensaios foi de 0,81 (IC 95% 0,74-0,87). Os autores detectaram que a mortalidade por cancro de mama era um outcome não fidedigno, porque estava enviezado a favor do rastreio, devido principalmente à incorrecta classificação da causa de morte.

Os ensaios com randomização adequada não demostraram um efeito do rastreio na mortalidade por cancro, incluindo o cancro de mama, após 10 anos (RR 1,02; IC 95% 0,95-1,10) ou na mortalidade por todas as causas após 13 anos (RR 0,99; IC 95% 0,95-1,03).

O número de tumorectomias e mastectomias foi significativamente mais elevado no grupo de rastreio (RR 1,31; IC 95% 1,22-1,42) nos dois ensaios com randomização adequada que avaliaram este outcome; o uso de radioterapia estava aumentado de forma semelhante.

Discussão

O rastreio do cancro de mama provavelmente reduz a mortalidade por esta patologia. Como o efeito desse rastreio foi menor nos ensaios adequadamente randomizados, uma estimativa razoável será uma redução de 15%, correspondente a uma redução do risco absoluto de 0,05%. O rastreio levará a um aumento de 30% de casos sobre-diagnosticados e sobre-tratados ou a um aumento do risco absoluto de 0,5%. Isto significa que, por cada 2000 mulheres convidadas a realizar o rastreio do cancro de mama, ao longo de 10 anos, uma terá a sua vida prolongada. De forma adicional, 10 mulheres saudáveis, que não teriam sido diagnosticadas se não tivessem integrado o rastreio, serão diagnosticadas com cancro de mama e efectuarão tratamentos desnecessários. Alem disso, serão induzidas perturbações psicológicas a mais de 200 mulheres pelos resultados falsos positivos.

Assim, não é claro se o rastreio tem mais benefícios do que malefícios. Por isso as mulheres convidadas a realizar o rastreio de cancro da mama com mamografia deverão ser informadas sobre os seus benefícios, mas também, quais os possíveis danos que lhes podem ser infligidos.

Comentário

As orientações programáticas do Plano Nacional de Prevenção e Deteção das Doenças Oncológicas 2007-2010, ainda em vigor, recomendam a realização de mamografia a cada dois anos a todas as mulheres entre os 50 e os 69 anos, para o rastreio do cancro da mama.1 Estarão as mulheres cientes dos benefícios e riscos desta acção que lhes é proposta, em nome da prevenção da doença e diminuição da mortalidade?

Esta revisão demonstrou que, apesar do rastreio do cancro de mama provavelmente reduzir a mortalidade por este tipo de cancro, a magnitude do efeito desse rastreio não é clara. Do rastreio resultam alguns diagnósticos de cancro de mama em mulheres que provavelmente não teriam doença ou não morreriam por esta causa. Não se conseguindo determinar quem são estas mulheres, os custos devem ser ponderados, sejam os encargos para o serviço nacional de saúde e consequentemente para a sociedade, sejam os possíveis danos físicos e psicológicos que podem ser induzidos às mulheres rastreadas.

O objectivo de um rastreio é realizar uma deteção precoce, quando a cura ainda é provável, reduzindo a mortalidade. No entanto, tanto os benefícios quanto os malefícios devem ser considerados quando se pretende instituir um rastreio organizado. Perante a incerteza da sobreposição dos benefícios versus os possíveis danos, as mulheres devem ser informadas e alertadas para esta realidade, cabendo ao médico de família ter um papel activo nesta clarificação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Plano Nacional de Prevenção e Detecção das Doenças Oncológicas 2007-2010 (PNPCDO). Orientações programáticas. Dezembro de 2007. Disponível em: http://www.acs.min-saude.pt/files/2008/06/pnpcdo_2007_versao-final.pdf (acedido em 20/06/2011).         [ Links ]