SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.27 número3Suplementação com vitamina D em lactentes: que evidência?Exposição aos raios UVs: Aconselhamento altera comportamento índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Revista Portuguesa de Clínica Geral

versión impresa ISSN 0870-7103

Rev Port Clin Geral v.27 n.3 Lisboa mayo 2011

 

Anti-hipertensores – quem tem afinal a pole-position?

 

Joana Gomes

USF Lagoa, ULS Matosinhos

 

Kronish IM, Woodward M, Sergie Z, Ogedegbe G, Falzon L, Mann DM. Meta-analysis: impact of drug class on adherence to antihypertensives. Circulation 2011 Apr 19; 123 (15): 1611-21.

 

Introdução

A hipertensão arterial (HTA) é a doença crónica mais comum em países desenvolvidos e o seu tratamento associa-se a redução de risco cardiovascular. Esta metanálise pretendeu avaliar o impacto da classe farmacológica de anti-hipertensor na adesão à terapêutica.

 

Métodos

Foram seguidas as guidelines para a realização de metanálises de estudos observacionais. Seleccionaram-se artigos publicados em inglês, com indivíduos ≥18 anos, em ambulatório. Foram considerados estudos que usavam a renovação da prescrição como critério de avaliação da adesão terapêutica, artigos que comparassem duas classes diferentes de anti-hipertensores e que possuíssem dados para cálculo de medida de risco de adesão e a sua variância. Consideraram-se componentes de adesão à terapêutica a adesão ao tratamento (mais de 80% dos dias com medicação) e a persistência da terapêutica.

 

Resultados

Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão foram seleccionados 17 artigos para análise qualitativa e 15 para análise quantitativa. Na análise qualitativa verificou-se uma persistência global média entre 35-84%. Com excepção de 1 estudo, a adesão aos antagonistas dos receptores da angiotensina (ARA) foi a melhor quando comparada com as outras classes (p<0.05) e, com a excepção de dois estudos, a adesão aos diuréticos foi a pior (p<0.05). Na análise quantitativa, os riscos relativos de adesão (RR) foram: ARA versus inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), RR 1.33 (IC 95% 1.13-1.57); ARA versus bloqueadores dos canais de cálcio (BCC), RR 1.57 (IC 95% 1.38-1.79); ARA versus bloqueadores β, RR 2.09 (IC 95% 1.14-3.85) e ARA versus diuréticos, RR 1.95 (IC 95% 1.73-2.20). O risco de adesão aos diuréticos foi o mais baixo. A persistência média foi mais elevada para os ARA, seguida de IECA, BCC, bloqueadores β e diuréticos. O benefício relativo de ARA vs IECA foi maior nos estudos com afiliação farmacêutica mas a diferença entre ARA e diuréticos manteve-se quando tida em conta esta variável. O controlo para viés de publicação eliminou as diferenças de adesão entre ARA e IECA e entre Bloqueadores β e diuréticos.

 

Discussão

Existe relação entre adesão terapêutica e classe de anti-hipertensor. Os doentes medicados com ARA têm duas vezes mais probabilidade de aderir ao tratamento quando comparados com doentes tratados com bloqueador β ou diurético. Os diferentes efeitos adversos dos fármacos e as crenças de profissionais de saúde e doentes em relação aos fármacos são causas prováveis para as diferenças encontradas. Os ARA eram prescritos em proporção inferior à verificada na prática clínica; os resultados não podem ser generalizados para os doentes medicados com mais do que uma classe terapêutica; a análise foi conduzida utilizando múltiplos testes estatísticos; existe heterogeneidade considerável entre os estudos e não foram revistos estudos publicados noutras línguas para além do inglês.

 

Conclusão

A adesão à terapêutica anti-hipertensora parece ser influenciada pela classe farmacológica utilizada. Os médicos deverão ter especial cuidado em avaliar a adesão à terapêutica anti-hipertensora, especialmente em relação a diuréticos e bloqueadores β.

 

Comentário

A HTA uma patologia muito prevalente com morbilidade e mortalidade importantes.1,2 Existem diversas classes farmacológicas disponíveis e eficazes no tratamento da HTA.2,3 No entanto, a efectividade dos fármacos não é apenas determinada pela sua farmacodinâmica e farmacocinética mas também pela probabilidade de adesão e manutenção do tratamento.4 Sabendo que a taxa de adesão à terapêutica é baixa em doenças crónicas e que muitos dos hipertensos não tem a sua HTA controlada, a escolha do fármaco a instituir não deve ter em conta apenas a capacidade de baixar a tensão arterial, mas também a capacidade manter o controlo nas 24h, a posologia, os efeitos adversos e os custos, factores que poderão condicionar a adesão terapêutica.2,5,6 De facto, a ausência de sintomas na HTA e a má tolerância a alguns fármacos anti-hipertensores são das principais razões para descontinuação do tratamento ou desrespeito pela posologia.7 Por outro lado, a idade do doente, género, estatuto socioeconómico, ocupação, conhecimento da doença e percepção da eficácia terapêutica também condicionam a adesão à terapêutica.5,8

Tal como os autores referem, a escolha do anti-hipertensor é baseada em guidelines que têm como referência ensaios clínicos (Ecs) que podem não traduzir a efectividade do fármaco. Assim, a realização de uma metanálise de estudos observacionais é uma boa forma de traduzir a adesão ao tratamento num contexto mais próximo do contexto clínico. Esta metanálise apresenta, no entanto, algumas limitações. Os autores incluíram apenas estudos que comparavam duas classes de fármacos, não sendo possível generalizar os resultados para os doentes que não estão em monoterapia quando a evidência mostra que em cerca de 50% dos casos a monoterapia não é suficiente para o controlo tensional.9 Existe também um viés de selecção importante, quer pela escolha de estudos apenas publicados em inglês, quer por terem sido seleccionados apenas os estudos que usavam a renovação da prescrição na farmácia como método de determinação da adesão ao tratamento. Esta decisão permitiu diminuir a heterogeneidade, e desta forma gerar medidas sumárias, mas excluiu outros métodos de medição de adesão terapêutica (auto-declaração, contagem de medicamentos, tampas de contagem electrónica, bases de dados farmacêuticas, prescrição electrónica).10 Os autores consideram que uma das limitações das guidelines é a provável sobre-estimativa da adesão nos ECs. Sabe-se que o método de determinação de adesão ao tratamento utilizado como critério de inclusão pelos autores tende também a sobrestimar a adesão.10 O facto de terem sido realizados muitos testes estatísticos leva a maior probabilidade de encontrar diferenças estatisticamente significativas onde elas não existem realmente (erro tipo I).

Os resultados deste estudo indicam que a adesão ao tratamento é, de facto, dependente da classe farmacológica instituída. De acordo com as guidelines da Sociedade Europeia de HTA 2007, revistas em 2009, os diuréticos tiazídicos, bloqueadores β, BCC, ARA e IECA são eficazes e todos podem ser usados para o tratamento da HTA, quer de iniciação quer de manutenção, em monoterapia ou combinação.3 A escolha do fármaco deve basear-se no indivíduo, suas características e co-morbilidades e também nos custos e efeitos laterais.3 Estas guidelines evitam estabelecer preferências entre classes de anti-hipertensores. Os dados desta metanálise não vêm, então, alterar a prática clínica mas antes alertar o clínico que institui tratamento anti-hipertensor que a efectividade do mesmo depende da adesão à terapêutica e que a não-adesão à terapêutica é um problema major no controlo da HTA.11 A terapêutica deve continuar a ser pensada caso a caso, avaliando o doente como um todo, pois são as suas particularidades que vão determinar a escolha da terapêutica a instituir.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Heidenreich PA, Trogdon JG, Khavjou OA, Butler J, Dracup K, Ezekowitz MD, et al. Forecasting the future of cardiovascular disease in the united states: a policy statement from the American Heart Association. Circulation 2011 Mar 1; 123: 933-44.

2. Taddei S, Bruno RM, Ghiadoni L. The correct administration of antihypertensive drugs according to the principles of clinical pharmacology. Am J Cardiovasc Drugs 2011; 11 (1): 13-20.

3. Mancia G, Laurent S, Agabiti-Rosei E, Ambrosioni E, Burnier M, Caulfield MJ, et al. Reappraisal of European guidelines on hypertension management: a European Society of Hypertension Task Force document. J Hypertens 2009 Nov; 27 (11): 2121-58.

4. Mainar AS, Artieda RN. Influencia de la sustitución de medicamentos dde marca por genéricos en el cumplimiento terapéutico de la hipertensión arterial y la dislipidemia. Gac Sanit 2010; 24:473-482

5. Bezie Y, Molina M, Hernández N, Batista R, Niang S, Huet D. Therapeutic compliance: a prospective analysis of various factors involved in the adherence rate in type 2 diabetes. Diabetes Metab 2006 Dec; 32 (6): 611-6.

6. García-Pavía P, González Mirelis J, Pastorín R, Bruna M, Raez J, Tabuenca AI, et al. Análisis de las áreas de mejora del control de la hipertensión arterial en Atención Primaria. Rev Clin Esp 2006 May; 206 (5): 220-4.        [ Links ]

7. Bramlage P, Hasford J. Blood pressure reduction, persistence and costs in the evaluation of antihypertensive drug treatment: a review. Cardiovasc Diabetol 2009 Mar 27; 8: 18.

8. Mendoza PS, Muñoz PM, Merino EJ, Barriga OA. Factores determinantes de cumplimiento terapéutico en adultos mayores hipertensos. Rev Med Chil 2006 Ene; 134 (1): 65-71.

9. Meka N, Katragadda S, Cherian B, Arora RR. Combination therapy in hypertension: a focus on angiotensin receptor blockers and calcium channel blockers. Am J Ther 2010 Jan-Feb; 17 (1): 61-7.

10. Andrade SE, Kahler KH, Frech F, Chan KA. Methods for evaluation of medication adherence and persistence using automated databases. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2006 Aug; 15 (8): 565-74; discussion 575-7.

11. Scheen AJ. La non-observance thérapeutique: problème majeur pour la prevention des maladies cardio-vasculaires. Rev Med Liege 1999 Dec; 54 (12): 914-20.