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Revista Portuguesa de Clínica Geral

versión impresa ISSN 0870-7103

Rev Port Clin Geral v.27 n.2 Lisboa mar. 2011

 

Análise de custo-eficácia da terapêutica com estatinas para a prevenção primária da doença cardiovascular

 

Rita Viegas

USF Cova da Piedade

ACES Almada

 

Greving J, Visseren F, de Wit G, Algra A. Statin treatment for primary prevention of vascular disease: whom to treat? Cost-effectiveness analysis. BMJ 2011 Mar 30; 342: d1672. doi:10.1136/bmj.d1672.

 

Questão clínica

Será a terapêutica com estatinas para a prevenção primária da doença cardiovascular custo-eficaz?

 

Resumo do estudo

Analisa-se a relação de custo-eficácia da terapêutica com estatinas para a prevenção primária da doença cardiovascular (DCV) considerando os resultados do estudo JUPITER. A investigação decorreu nos Cuidados de Saúde Primários holandeses e consistiu na aplicação de um modelo de Markov a um horizonte temporal de 10 anos: foram simuladas coortes de homens e mulheres com idades entre 45 e 75 anos, sem antecedentes prévios de doença cardiovascular [Acidente Vascular Cerebral (AVC) e Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM)] e com diferentes níveis de risco cardiovascular (RCV). Esta população hipotética foi distribuída em dois grupos: intervenção (estatina em baixa dose - 40 mg de sinvastatina) e controlo (sem terapêutica).Os resultados primários medidos foram a incidência de eventos fatais e não fatais para QALYs (quality-adjusted life years), os custos da medicação e o crescimento das razões de custo-eficácia durante dez anos. A robustez dos resultados foi obtida pela análise probabilística da sensibilidade com a simulação de Monte Carlo de 1000 iterações para cada avaliação. A eficácia da terapêutica foi ajustada pela aplicação das razões de risco obtidas numa meta-análise publicada em 2009 sobre a utilização de estatinas para a prevenção primária de EAM e AVC; a eficácia foi considerada similar entre sexos e independente da idade, após submissão a uma variação ampla da análise da sensibilidade, para sustentar a menor redução do risco relativo constatada nos indivíduos mais velhos.

Os resultados avaliados foram as estimativas dos custos por QALY resultantes da intervenção para o sexo, idade e risco cardiovascular, durante um período de 10 anos. A prevenção primária com estatinas custou 35.000 euros por QALY ganho nos homens de 55 anos com um RCV de 10%; a terapêutica resultou num ganho médio de 0,02 QALYs para um incremento de custos de 702 euros e na redução do risco absoluto de eventos em 1,4%. Para um RCV de 25% a redução do risco absoluto duplica (3,2%) com um aumento de 324 euros para o custo da intervenção. A razão de custo-eficácia mostrou-se mais favorável com o aumento progressivo do risco cardiovascular (cerca de 5.000 euros por QALY ganho para um RCV de 25% versus 125.000 euros para um RCV de 5%). Para o sexo feminino os benefícios estimados foram inferiores e condicionaram um incremento ligeiro da razão de custo-eficácia para a mesma faixa etária.

Os pontos fortes do estudo foram a obtenção de resultados similares a estudos anteriores de custo-eficácia e a iteração de variáveis para cada avaliação (preço, eficácia da terapêutica, não adesão e perda da utilidade da toma diária). Apontam-se como limitações: o horizonte temporal de 10 anos; a não consideração das características individuais de cada participante após um evento não fatal; a assumpção do efeito benéfico das estatinas após o período de seguimento; o preço de referência considerado ter sido o holandês e custos maiores resultariam em razões de custo-benefício consideradas inferiores; a não contabilização dos custos indirectos resultantes de cada evento, facto que poderia beneficiar o custo-eficácia da terapêutica.

Os autores concluem que na prática clínica a terapêutica com estatinas não parece ser custo-eficaz para a prevenção primária da doença cardiovascular em populações de baixo risco, independentemente do baixo custo dos medicamentos genéricos. (Nível de evidência 2c).

 

Comentário

Sabe-se que a mortalidade por DCV varia consoante a localização geográfica, o nível socio-económico, o sexo, a idade, a etnia e os factores de risco presentes em cada indivíduo,1 factos que pesam na uniformização da utilização das estatinas em prevenção primária. Apesar da terapêutica se associar à diminuição da incidência de AVC e de EAM não fatal, independentemente dos valores basais de colesterol e dos factores de risco, a redução das taxas de mortalidade global e por doença coronária não são significativas.2

Alguns estudos inferem uma evidência robusta a favor das estatinas para a prevenção primária de DCV em indivíduos de alto risco,3 apesar do impacto na redução da mortalidade por todas as causas não ser significativo. Sugere-se que os benefícios a curto prazo das estatinas podem revelar-se ainda mais modestos, mesmo nos indivíduos de alto risco para DCV, sendo prudente não extrapolar os seus benefícios a longo prazo na mortalidade para a diminuição do risco em prevenção primária. Neste artigo a análise de custo-eficácia é favorável à utilização de estatinas nos homens de 55 anos com um RCV ≥ 10%. No entanto, normas de orientação clínica recomendam a utilização destes fármacos em prevenção primária se o RCV for ≥ 20% em 10 anos.1

O estudo JUPITER sugere que o espectro de pacientes que poderá beneficiar da medicação é cada vez mais amplo. Contudo a redução do risco absoluto para eventos cardiovasculares major é pequena (Number Needed To Treat = 120 para 1,9 anos).4

A dose de estatina utilizada neste estudo foi de 40 mg, considerada como uma dose baixa de medicamento, o que difere da percepção geral de “baixa dose”. O custo anual da terapêutica com sinvastatina 40 mg foi estimado em 9 euros por ano para a realidade Holandesa. Em Portugal o custo médio mensal da terapêutica atinge os 8,8 euros [17,6 euros (entre 10,58 e 27,76) por embalagem de 60 cp de sinvastatina 40 mg], o que implica um custo anual de 105,6 euros.5 Este valor difere amplamente do referido no estudo e em Portugal a utilização de estatinas na prevenção primária necessitaria de uma avaliação específica. No Reino Unido os fármacos novos são submetidos a uma análise da eficácia clínica medida em QALYs; se a terapêutica tiver um custo superior a 20.000-30.000 libras por QALY não é, na generalidade, considerada custo-eficaz e este aspecto é limitativo para a sua entrada no mercado.

As análises de custo-eficácia avaliam os custos adicionais inerentes à obtenção do benefício de determinada terapêutica e ajudam o médico a decidir racionalmente a sua conduta clínica. É tentadora a possibilidade de prevenir o que poderá vir a acontecer com a perspectiva de poupar recursos humanos e financeiros, sendo este um dos motores impulsionadores da indústria farmacêutica e da intervenção farmacológica na prevenção primária da doença em geral. Actualmente incorre-se no perigo de tratar factores de risco e na subsequente medicalização excessiva da saúde e tratamento das “não doenças”. A sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde depende da gestão adequada de recursos, de modo a garantir a qualidade dos cuidados prestados. Urge balizar o arbítrio da decisão médica e antes de considerar a terapêutica com estatinas ou de alargar a sua aplicabilidade à prevenção primária há que avaliar criticamente a informação científica disponível.

 

Referências bibliográficas

1. National Institute for Health and Clinical Excellence. Statins for the prevention of cardiovascular events. NICE Technology Appraisal no 94 (2006). Disponível em: http://www.nice.org.uk/nicemedia/live/11564/33155/33155.pdf [acedido em 31/03/2011].

2. Thavendiranathan P, Bagai A, Brookhart MA, Choudhry NK. Primary prevention of cardiovascular diseases with statin therapy: a meta-analysis of randomized controlled trials. Arch Intern Med 2006 Nov 27; 166 (21): 2307-13.        [ Links ]

3. Ray KK, Seshasai SR, Erqou S, Sever P, Jukema JW, Ford I, et al. Statins and all-cause mortality in high-risk primary prevention: a meta-analysis of 11 randomized controlled trials involving 65 229 participants. Arch Intern Med 2010 Jun 28; 170 (12): 1024-31.        [ Links ]

4. Hlatky MA. Expanding the orbit of primary prevention - moving beyond JUPITER. N Engl J Med 2008 Nov 20; 359 (21): 2280-2.        [ Links ]

5. Infarmed. Prontuário Terapêutico on-line. Disponível em: http://www.infarmed.pt/prontuario/index.php [acedido a 19/4/2011].