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Revista Portuguesa de Clínica Geral

versión impresa ISSN 0870-7103

Rev Port Clin Geral v.27 n.2 Lisboa mar. 2011

 

Internet e adolescentes: nem tanto, nem tão pouco!

 

Daniela Neves

USF Anta

ACES Grande Porto IX Espinho/Gaia

 

 

Bélanger RE, Akre C, Berchtold A, Michaud PA. A U-shaped association between intensity of internet use and adolescent health. Pediatrics 2011 Feb; 127 (2): e330-5.

 

A importância crescente da internet no quotidiano dos adolescentes tem motivado a investigação da associação entre a utilização intensiva da internet e a existência de problemas de saúde. Contudo, poucos estudos investigam a presença de problemas de saúde nos adolescentes que têm uma utilização da internet baixa ou ausente. O objectivo deste estudo foi avaliar a relação entre diferentes intensidades de uso da internet e a saúde dos adolescentes.

 

Métodos

A base de dados do estudo foi obtida do 2002 Swiss Multicenter Adolescent Survey on Health (estudo de âmbito nacional, realizado na Suíça, que incluiu 7.548 adolescentes dos 16 aos 20 anos, em escolaridade não

obrigatória, com aplicação de um questionário anónimo). O presente estudo incluiu 7.211 adolescentes (3.305 raparigas e 3.906 rapazes) que responderam a três perguntas, incluídas no referido questionário, sobre a intensidade de uso da internet nos últimos 30 dias.

Os adolescentes foram divididos em quatro grupos: utilizadores intensivos, se existiu uso da internet durante duas ou mais horas diárias, todos os dias; utilizadores regulares, se houve uso da internet vários dias por semana, mas durante menos de duas horas diárias; utilizadores ocasionais, se existiu utilização da internet uma vez por semana ou menos; não utilizadores, se não houve uso da internet nos 30 dias anteriores. As variáveis de saúde analisadas foram: auto-percepção do estado de saúde, sintomas depressivos, excesso de peso ou obesidade, cefaleias, lombalgia e quantidade de sono. Avaliaram-se também características pessoais que foram incluídas na análise multivariada: idade, situação académica, nível socioeconómico, realização de exercício físico, presença de doença crónica e de incapacidade.

 

Resultados

Verificou-se que 7,3% dos rapazes e 2,2% das raparigas eram utilizadores intensivos. A maioria dos rapazes foi classificada como utilizador regular (44,9%) ou ocasional (31,4%). A proporção de raparigas foi semelhante (41,5% e 39,8%, respectivamente). Verificou-se percentagem semelhante de não utilizadores: 16,4% dos rapazes e 16,5% das raparigas.

Encontraram-se diferenças estatisticamente significativas nas características pessoais entre os vários grupos de utilizadores (idade, situação académica, nível socioeconómico e actividade física nos rapazes e idade, situação académica e presença de doença crónica nas raparigas).

Considerando os rapazes utilizadores regulares como referência, verificou-se que os utilizadores intensivos tiveram maior risco de excesso de peso ou obesidade (risco relativo [RR] 1,78; intervalo de confiança [IC] de 95% 1,07-2,95) e de sintomas depressivos (RR 1,36; IC 95% 1,01-1,81). Os não utilizadores tiveram maior risco de lombalgia (RR 1,87; IC 95% 1,26-2,79) e de sintomas depressivos (RR 1,31; IC 95% 1,02- 1,67).

Em comparação com as utilizadoras regulares, as utilizadoras intensivas apresentaram maior risco de sono insuficiente (RR 1,91; IC 95% 1,07-3,42) e de sintomatologia depressiva (RR 1,86; IC 95% 1,30-2,66). As utilizadoras ocasionais e as não utilizadoras revelaram maior risco de sintomatologia depressiva (RR 1,24; IC 95% 1,06-1,44 e RR 1,46; IC 95% 1,14-1,87, respectivamente).

 

Discussão

Encontrou-se um padrão de associação em «U» entre a intensidade de utilização da internet e o compromisso da saúde mental. O facto de os utilizadores ocasionais e os não utilizadores terem apresentado maior risco de sintomatologia depressiva foi um resultado inesperado e não parece ser explicado pela falta de acesso à internet. Uma explicação possível seria que os adolescentes poderiam estar desadaptados do seu grupo de amigos ou isolados em contexto depressivo, utilizando menos a internet.

A internet pode fazer com que os adolescentes se deitem mais tarde e tenham distúrbios de sono, podendo ser a explicação para os resultados verificados em relação ao sono nas utilizadoras intensivas. Os resultados encontrados sobre excesso de peso ou obesidade nos utilizadores intensivos referem-se apenas aos rapazes, o que pode ser explicado pelo motivo de na Suíça este problema de saúde ser menos frequente nas raparigas. Em relação ao maior risco de lombalgia nos não utilizadores, há que ter em conta que a maioria dos rapazes estava em estágios profissionais, implicando mais actividades físicas, com consequentes queixas álgicas.

Um ponto forte do estudo a realçar é que foi utilizada uma amostra representativa nacional de adolescentes. Existem, contudo, limitações: o estudo não especifica a quantidade e a qualidade do uso da internet e não inclui adolescentes que não frequentam a escola. Além disso, o acesso à internet tem vindo a aumentar ao longo dos anos logo, actualmente, o número de horas dispendido nesta actividade deve ser superior.

 

Conclusão

A utilização da internet de forma moderada pode ser benéfica. Utilizar a internet várias vezes por semana e menos de duas horas por dia parece ser um comportamento saudável. Os médicos devem estar atentos, não só à utilização excessiva da internet, mas também à utilização rara ou mesmo ausente nos adolescentes.

 

Comentário

À semelhança de trabalhos anteriores, este estudo demonstra que a utilização excessiva da internet tem risco acrescido de problemas de saúde. Além disso, acrescenta, de forma inovadora, que a ausência de uso e o uso ocasional da internet se associam também a risco de problemas de saúde, tais como sintomas depressivos.

Contudo, o desenho do estudo não permite determinar a direcção da associação e estabelecer causalidade (não se sabe se a utilização escassa ou nula da internet causa sintomas depressivos ou se estes determinam menor utilização da internet). Existiam algumas diferenças nas características iniciais entre os grupos de utilizadores. Embora tenha sido feito um ajustamento estatístico para estas características, uma das limitações de estudos observacionais como este é a possibilidade de existirem outras variáveis que não foram consideradas e que constituam factores de confundimento, alterando a força ou mesmo a direcção da associação.

Os resultados do estudo foram recolhidos em 2002, o que constitui uma limitação importante, já que o fenómeno das redes sociais na internet é posterior. Em Portugal, nos últimos anos, verificou-se a implementação de programas que facilitam o acesso à sociedade de informação, com um aumento importante da aquisição de equipamentos informáticos e de acesso à banda larga pelos estudantes.1 Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, a utilização da internet pelo grupo etário dos 16 aos 24 anos tem vindo a aumentar ao longo dos últimos anos.2 Assim, actualmente, as definições dos vários tipos de utilizadores podem ser bastante distintas, porque devem ser adaptadas à expansão da internet em cada contexto cultural. É possível que o que foi considerado como um comportamento saudável (utilização intermédia) ou potencialmente nefasto (uso excessivo, escasso ou ausente) em 2002 seja diferente do que se verifica na actualidade na Suíça e em Portugal.

Outra limitação é que o estudo não inclui adolescentes que não estudam ou outros grupos etários. É pertinente saber se as conclusões seriam as mesmas se se considerasse adolescentes com idade inferior a 16 anos, adultos ou idosos.

Em conclusão, a utilização da internet parece ser um elemento importante na abordagem dos adolescentes e pode constituir um marcador associado a problemas de saúde, embora se desconheça a existência de uma relação de causalidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Despacho n.º 145/2008, de 3 de Janeiro. Diário da República nº2/2008 - 2ª Série. p. 153-4.

2. Instituto Nacional de Estatística, I.P. Indicadores sociais 2009. 12ª ed. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística2010. p. 98-9.        [ Links ]