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Revista Portuguesa de Clínica Geral

versión impresa ISSN 0870-7103

Rev Port Clin Geral v.27 n.1 Lisboa ene. 2011

 

Uso de paracetamol na enxaqueca

 

Referência: Derry S, Moore RA, McQuay HJ. Paracetamol (acetaminophen) with or without an antiemetic for acute migraine headaches in adults. Cochrane Database of Systematic Reviews 2010 Nov 10; 11: CD008040. Disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/o/cochrane/clsysrev/articles/CD008040/frame.html [acedido em 20/01/2011].

 

Questão clínica

O paracetamol (em monoterapia ou em associação com um antiemético) é eficaz e bem tolerado no tratamento da enxaqueca?

 

Resumo do estudo

A enxaqueca é um problema de saúde comum e incapacitante, com impacto negativo a nível pessoal, social e económico. O paracetamol é um dos analgésicos mais utilizados a nível mundial, de venda livre, barato e com um perfil de segurança favorável (apesar do potencial hepatotóxico).

Os autores realizaram esta revisão sistemática com o intuito de comparar a eficácia e tolerabilidade do paracetamol, em monoterapia ou em associação a um antiemético, com o placebo ou outros princípios activos no tratamento da enxaqueca no adulto. Foi efectuada uma pesquisa na Cochrane CENTRAL, MEDLINE, EMBASE e Oxford Pain Relief Database, bem como nas listas de referências dos artigos encontrados, em artigos de revisão relacionados e em dois registos públicos de ensaios clínicos, sem restrições linguísticas, até Outubro de 2010. Foram incluídos ensaios clínicos aleatorizados controlados, duplamente cegos, contra placebo ou substância activa, estudos sobre tratamento de episódios de enxaqueca consecutivos (se referidos os efeitos em cada um dos episódios separadamente), bem como estudos cruzados.

Os objectivos clínicos (outcomes) primários foram: remissão da dor às 2 horas; redução da dor às 1 e 2 horas (de moderada a intensa para ligeira ou nenhuma); e remissão/redução mantidas por 24 horas. Os objectivos clínicos secundários incluíram: efeitos adversos; abandono por efeitos adversos nas 24 horas após a toma da medicação; alívio de sintomas associados à enxaqueca; e incapacidade funcional. Para estabelecer diferença estatística, os resultados foram analisados por risco relativo (RR), por intenção de tratar (Número Necessário para Tratar – NNT) e em pooled percentages como medidas absolutas de benefício ou dano.

Obtiveram-se 10 ensaios, oito publicados em revistas com revisão por pares e dois disponíveis no sítio online do fabricante do produto, num total de 2.769 participantes e 4.062 episódios de enxaqueca. Todos os estudos foram avaliados e classificados com boa ou moderada qualidade metodológica e validade. Os estudos apresentaram grande heterogeneidade clínica entre si, pelo que poucos puderam ser comparados, resultando em poucos dados disponíveis para a meta-análise.

Os 10 estudos incluíram 12 comparações de regimes terapêuticos diferentes. O paracetamol foi usado sempre na dose de 1.000 mg, excepto num estudo que não forneceu dados de eficácia utilizáveis. Foram comparados com paracetamol: placebo; quatro substâncias activas (sumatriptano 50 e 100 mg, dihidroergotamina 2 mg, rizatriptano 10 mg e ácido tolfenâmico 400 mg); a combinação de duas destas substâncias (dihidroergotamina e rizatriptano) mais paracetamol; e dois antieméticos (metoclopramida 10 mg e domperidona 20 ou 30 mg) mais paracetamol. As tomas foram no início do episódio, ou na instalação de dor moderada a intensa. A maioria dos estudos investigou o efeito de uma dose única para um único episódio.

Em relação à remissão da dor às 2 horas, o benefício relativo do paracetamol comparado com o placebo foi de 1,8 [Intervalo de Confiança (IC) de 95% = 1,2-2,6], com um NNT de 12 (7,5-32), quando a medicação foi tomada para dor moderada a intensa e de 1,4 (IC 95%=1,0-1,8) quando a medicação foi tomada no início da crise. Sobre o alívio da dor à 1 hora, o benefício relativo do paracetamol contra o placebo foi de 2,0 (IC 95%=1,5-2,6) com NNT 5,2. Para o alívio às 2 horas, este benefício foi ligeiramente inferior, mantendo-se a vantagem do paracetamol na dor moderada a intensa de 1,5 (IC 95%=1,3-1,8) com NNT 5,0 e 1,9 (IC 95%=1,5-2,6) com medicação no início do episódio. Ainda no alívio às 2 horas, a eficácia da associação paracetamol 1.000 mg mais metoclopramida 10mg foi semelhante à do sumatriptano 100 mg (39% contra 42%, RR 0,93, IC 95%=0,9-1,1). A análise sobre remissão/redução da dor durante 24 horas não foi efectuada por insuficiência de dados.

Quanto aos objectivos secundários, os dados disponíveis foram escassos. Apesar disso, no alívio de náusea, fotofobia e fonofobia o paracetamol 1.000mg foi superior ao placebo (NNT 7-9) e quando associado à metoclopramida 10mg foi equivalente ao sumatriptano 100mg no alívio dos dois últimos sintomas. Também na melhoria da incapacidade funcional o paracetamol 1.000mg foi superior ao placebo, com um NNT 9,4. A incidência de efeitos adversos variou consideravelmente entre estudos, nem sempre referida. Não houve evidência de aumento de efeitos adversos com paracetamol 1.000mg versus placebo e a taxa de efeitos adversos major de paracetamol em combinação com metoclopramida 10mg foi de 3% versus 6% para o sumatriptano 100 mg.

Os estudos incluídos nem sempre conseguiram responder a todos os objectivos clínicos definidos inicialmente e a heterogeneidade clínica entre os vários ensaios limitou a quantidade de dados para análise. Ficou por responder especificamente se há eficácia na remissão/redução da dor mantidas às 24 horas. Por outro lado, a maioria dos doentes tinha diagnóstico de enxaqueca prévio de acordo com as orientações clínicas, mas quatro estudos não referiram os critérios usados.

Os autores concluem que o paracetamol 1.000 mg em monoterapia pode ser um tratamento de primeira linha nas enxaquecas sem incapacidade e, quando associado a metoclopramida, tem eficácia semelhante ao sumatriptano 100 mg com menos efeitos adversos.

 

Comentário

O tratamento da enxaqueca visa eliminar a dor e os sintomas associados na crise, prevenir a recorrência e melhorar a qualidade de vida dos doentes.1,2 Esta revisão sistemática demonstra que o paracetamol em monoterapia, na dose de 1.000 mg, é mais eficaz que o placebo no tratamento a curto prazo da enxaqueca e que a associação de paracetamol 1.000 mg e metoclopramida 10mg é tão eficaz como o sumatriptano 100mg no alívio da dor, bem como da foto e fonofobia às 2 horas, apresentando menos efeitos adversos (Nível de Evidência 1a).

Contudo, as limitações do estudo são várias. As diferenças entre os estudos incluídos não permitiram avaliar a totalidade dos dados (tratamento no início do episódio versus dor estabelecida; dose única ou múltipla; critérios de diagnóstico, frequência e duração da enxaqueca; diferentes vias de administração). Acresce ainda que os ensaios de uma das duas únicas comparações possíveis (paracetamol e metoclopramida versus sumatriptano) não incluíram grupo de controlo placebo, comprometendo a validade dos resultados.

Pelo exposto, são necessários e desejáveis mais estudos, de boa qualidade metodológica e clinicamente homogéneos, de modo a assegurar a eficácia indiscutível do paracetamol no tratamento da enxaqueca, sobretudo no alívio duradouro da crise e na prevenção das recorrências. A confirmação da sua eficácia como tratamento de primeira linha traria implicações benéficas para a prática, dado tratar-se de um fármaco com um bom perfil de segurança e de custos reduzidos, abrangendo um maior número de candidatos a tratamento do que as alternativas AINEs ou triptanos, evitando efeitos adversos mais graves.

 

Vanda Marujo

UCSP São Mamede / Santa Isabe

(ACES Grande Lisboa III – Lisboa Central)

 

Referências bibliográficas

1. Machado J, Barros J, Palmeira M. Enxaqueca: fisiopatogenia, clínica e tratamento. Rev Port Clin Geral 2006 Jul-Ago; 22 (4): 461-70.

2. BASH. Guidelines for all healthcare professionals in the diagnosis and management of migraine, tension-type, cluster and medication-overuse headache. British Association for the Study of Headache. 2010. 3rd edition (1st revision). Disponível em: http://217.174.249.183/upload/NS_BASH/2010_BASH_Guidelines.pdf [acedido em 22/01/2011].