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Revista Portuguesa de Clínica Geral

versión impresa ISSN 0870-7103

Rev Port Clin Geral v.27 n.1 Lisboa ene. 2011

 

Gestão da Doença – Uma solução para a redução da despesa em saúde?

 

Wennberg DE, Marr A, Lang L, O’Malley S, Bennet G. A Randomized Trial of a Telephone Care-Management Strategy. N Eng J Med 2010;363:1245-55.

 

Introdução

Os gastos em saúde são elevados e continuam a crescer nos Estados Unidos da América. Uma estratégia para reduzir esta despesa consiste na prestação de apoio na gestão de cuidados médicos, incluindo apoio na tomada de decisões, através de intervenções por telefone. Intervenções deste tipo promovem a capacidade de auto-gestão e melhoram a comunicação médico-doente. Isto é feito na expectativa de que doentes mais envolvidos na prestação de cuidados de saúde se transformarão em melhores consumidores dos serviços de saúde, levando à obtenção de melhores resultados a custos inferiores. Contudo, não têm sido desenvolvidos esforços no sentido de quantificar a potencial redução de custos através destas intervenções. Neste sentido, o objectivo deste estudo consistiu na avaliação da efectividade de uma estratégia de gestão de cuidados médicos na redução dos custos em saúde numa população detentora de seguro de saúde.

 

Métodos

Procedeu-se à realização de um estudo de melhoria de qualidade, estratificado e aleatório, com um total de 174.120 participantes. Recorrendo a modelos preditivos, os participantes foram estratificados de acordo com a previsão de despesa futura em saúde e mediante a probabilidade de virem a necessitar de serviços de saúde. Posteriormente, os participantes foram distribuídos alternadamente por dois grupos.

Foram testadas duas estratégias (uma em cada grupo) – apoio convencional vs. apoio reforçado. A principal diferença entre estas duas estratégias consistiu no número de participantes seleccionados para prestação de apoio, sendo que na primeira utilizou-se um cut-off inferior para despesas futuras previstas em saúde ou utilização de recursos de saúde e um maior número de problemas de saúde a serem abrangidos pelo programa. Os problemas de saúde incluídos foram insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crónica, doença coronária, diabetes, asma e risco de vir a necessitar de intervenção cirúrgica (revascularização cardíaca, cirurgia lombar, cirurgia da anca, cirurgia do joelho, histerectomia e prostatectomia). Uma vez seleccionados os indivíduos que iriam beneficiar do programa de apoio, a estratégia de intervenção foi idêntica para os dois grupos.

Os indivíduos seleccionados foram contactados por telefone, quer através dum Sistema Interactivo de Resposta por Voz (IVR), quer por técnicos de saúde, de acordo com a situação. Recorreu-se à utilização de software que fornecia processos e informação consistentes, incidindo sobre tomada de decisões em conjunto, auto-cuidados e motivação para alterações comportamentais. A mesma intervenção telefónica foi aplicada aos dois grupos. Em caso de não atendimento da chamada, ao grupo de apoio reforçado foram feitas cinco tentativas de contacto telefónico ao passo que ao grupo de apoio convencional foram feitas três tentativas.

A avaliação de resultados foi feita após um ano, incidindo sobre a despesa em cuidados de saúde e o número de admissões hospitalares.

 

Resultados

No início do estudo, a despesa em saúde e a utilização de recursos de saúde eram semelhantes nos dois grupos.

Ao fim de um ano, como previsto pelo desenho do estudo, mais pessoas do grupo de apoio reforçado foram abrangidas pelo programa de intervenção (25,8% vs. 7,8% no grupo de apoio convencional). 10,4% dos elementos do grupo de apoio reforçado e 3,7% dos elementos do grupo de apoio convencional receberam intervenção por técnicos de saúde, tendo os restantes recebido por IVR. O total das despesas médicas e farmacêuticas mensais por pessoa no grupo de apoio reforçado foi USD$7,96 (3,6%) mais baixo que no grupo de apoio convencional (USD$213,82 vs USD$221,78, P=0,05), sendo isto em grande parte devido a uma redução de 10,1% nas admissões hospitalares. O custo mensal da intervenção foi inferior a USD$2,00 por pessoa, levando a um balanço final de redução de custos de saúde de USD$6,00 por pessoa por mês.

 

Discussão

Estudos prévios obtiveram resultados discordantes na avaliação deste tipo de intervenção, nomeadamente nos resultados relativos à redução de custos, à utilização dos recursos de saúde, e ao benefício da redução de cut-offs de modo a incluir nestes programas doentes com menor risco. Esta inconsistência deve-se ao facto dos estudos serem realizados sobre populações diferentes, com metodologias diferentes.

Uma limitação deste trabalho consiste no facto do seu desenho não permitir tirar conclusões sobre quais os componentes da estratégia implementada foram responsáveis pela redução de custos observada. De igual modo, o trabalho também não permite concluir sobre a redução de custos total do programa, uma vez que foi desenhado de modo a obter resultados sempre em relação a outro programa de intervenção, em tudo semelhante, mas menos abrangente.

Apesar das suas limitações, o programa de gestão de cuidados prestados por telefone utilizado neste estudo reduziu os custos médicos e o número de hospitalizações.

 

Comentário

Tal como nos Estados Unidos, também Portugal enfrenta gastos cada vez mais elevados na área da saúde. Entre 2000 e 2008, a despesa total em saúde aumentou 4,9% por ano, atingindo em 2008 um montante de 17.287 milhões de euros, segundo o Instituto Nacional de Estatística.1

O peso da doença crónica na despesa da saúde está a aumentar devido ao envelhecimento da população e redução da mortalidade associada a esta patologia. Segundo O’Reilly,2 a doença crónica é responsável por 60% de todas as mortes, 80% das consultas de medicina geral e familiar, 60% da ocupação de camas hospitalares e 60% de admissões no serviço de urgência. Dos doentes com doença crónica, 5% consomem 42% da ocupação de camas. Sendo o internamento responsável por grande parte da despesa em saúde, facilmente se depreende que um pequeno número de pessoas com doença crónica é responsável por uma grande parte das despesas.3

Face ao aumento de despesa na área da saúde, torna-se premente desenvolver estratégias que permitam a prestação de cuidados a menores custos, sem impacto negativo na qualidade dos serviços prestados. Neste sentido, recorre-se cada vez mais ao conceito de «gestão da doença» (Disease Management), definido pela Associação Americana de Gestão da Doença como «um sistema de intervenções e de comunicações coordenadas de cuidados de saúde para populações, com condições nas quais os esforços de auto-cuidados são significativos».4 Trata-se de um método de redução de custos na área da saúde associado à melhoria da qualidade de vida, através da prevenção ou minimização dos efeitos da doença no indivíduo, habitualmente de uma doença crónica, através de cuidados integrados complementares aos cuidados clínicos.

O presente estudo veio comprovar o benefício da implementação deste tipo de estratégia na redução de custos da saúde. De facto, a aplicação deste programa de apoio reforçado levou a uma redução de 10% das admissões hospitalares, traduzindo-se numa redução de custos de 3,6%, face à aplicação de um programa de apoio convencional.

No entanto, tal como os próprios autores apontam na discussão do seu trabalho, estudos prévios semelhantes apresentaram resultados contraditórios. No geral, nota-se que as intervenções de Gestão da Doença mais efectivas são programas que partilham algumas características: a gestão de cuidados é individualizada a cada caso, o contacto é feito não apenas por telefone, e é fornecida uma maior atenção ao período após a alta hospitalar.3 Deste modo, ainda não existe evidência suficiente para concluir sobre a capacidade destes programas reduzirem a despesa dum sistema de saúde.

O facto do trabalho ter incidido sobre uma população americana, com um sistema de saúde diferente do sistema de saúde português, pode levar à discrepância nos resultados obtidos quando aplicado à nossa realidade.

Contudo, este estudo demonstra que um programa de intervenção dirigido e baseado na população pode diminuir o número de admissões hospitalares, e assim diminuir a despesa com a saúde da população como um todo. Assim sendo, tal como concluem os autores, a estimulação do envolvimento do doente no processo de tomada de decisões poderá ser um componente importante da reforma dos cuidados de saúde.

 

Ana Santos Ferreira

USF Cova da Piedade – ACES de Almada

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Instituto Nacional de Estatística. Conta Satélite da Saúde 2000-2008. INE, I.P. Lisboa, Portugal. 2010.

2. O’Reilly O. Development of a National Chronic Disease Management Programme for HSE. [Apresentado à NCNM 6th Annual Conference; 2006 Nov 15-16]

3. Bernstein J, Chollet D, Peterson G, Disease Management: Does It Work?. Reforming Health Care Issue Brief nº 4. Mathematica Policy Research. Wahington  DC. May 2010. 

4. Guerra, J. Conceito de Gestão da Saúde. Observatório Português dos Sistemas de Saúde. 2006.