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Revista Portuguesa de Clínica Geral

versión impresa ISSN 0870-7103

Rev Port Clin Geral v.27 n.1 Lisboa ene. 2011

 

Qual o impacto do ensino na capacidade de utilização dos inaladores pressurizados doseáveis pelos doentes asmáticos?

 

Hardwell A, Barber V, Hargadon T, Macknight E, Holmes J, Levy M. Technique training does not improve the ability of most patients to use pressurized metered-dose inhalers (pMDIs). Primary Care Respiratory Journal 2011 Jan 11. pii: pcjr-2010-06-0064-R2. doi: 10.4104/pcjr.2010.00088 [Epub ahead of print]. Disponível em: http://www.thepcrj.org/journ/view_article.php?article_id=768 [acedido em 01/02/2011].

 

Introdução   

A prescrição de inaladores pressurizados doseáveis pressupõe a capacidade do paciente sincronizar a activação e inalação do fármaco. De acordo com as normas de orientação clínica internacionais, a supervisão da técnica de inalação por um profissional de saúde competente deverá fazer parte do exame clínico de todos os pacientes, sobretudo daqueles com asma mal controlada. Apesar disso, muitos doentes e profissionais de saúde não usam os inaladores correctamente, com consequente impacto no controlo da doença.

O objectivo deste estudo foi avaliar a capacidade dos pacientes com asma não controlada utilizarem – ou aprenderem a utilizar – os inaladores pressurizados através da monitorização com o Aerosol Inhalation Monitor (AIM, Vitalograph) que aferia o fluxo inspiratório, a sincronização e a pausa inspiratória.

 

Métodos

Os médicos convocaram os doentes seleccionados para uma revisão clínica detalhada que incluía a avaliação da técnica de inalação por enfermeiros especializados em asma, com base em protocolos previamente estabelecidos. Os critérios de escolha dos pacientes abrangiam: o tempo desde a última avaliação clínica, os tipos e as dosagens de fármacos prescritos, a adesão e o grau de controlo da asma. A asma mal controlada foi definida através da frequência do uso de agonistas β2 de curta acção (foram incluídos os pacientes com prescrições superiores a quatro unidades no ano anterior), do tipo de fármacos prescritos, do recurso aos cuidados de saúde e de um questionário de sintomas.

As avaliações clínicas decorreram de Abril a Junho de 2008. Todos os pacientes fizeram pelo menos duas avaliações com o AIM e aqueles que falharam numa das medições receberam treino dirigido às competências em falta.

 

Resultados

Participaram no estudo 2.123 pacientes, com idade média de 52 anos. As prescrições de agonistas β2 de curta acção variavam entre 0 e 108 unidades/ano/paciente, sendo que 50% dos pacientes tinham quatro ou menos prescrições destes fármacos nos últimos doze meses. Dos 1.291 (61%) pacientes que usavam inaladores pressurizados, 80% encontravam-se nos estádios 2/3 do The British Thoracic Society/Scottish Intercollegiate Guidelines Network e em 1.275 (99%) a técnica inalatória tinha sido testada anteriormente.

1.275 (85,6%) pacientes não executaram a técnica inalatória correctamente na primeira avaliação com o AIM, 946 (78,4%) e 347 (65,7%) falharam a segunda e terceira avaliação, respectivamente.

Houve um aumento estatisticamente significativo do número de pacientes capazes de utilizar correctamente os inaladores pressurizados seguindo as instruções após o segundo e terceiro testes. No entanto, na tabulação cruzada 323/527 (61,3%) falharam em ambas as ocasiões. Mais de 54% e 60% falharam o critério inspiratório (o erro mais comummente detectado) no segundo e terceiro testes. A idade e o estádio da asma não influenciaram significativamente os resultados.

 

Discussão

Este estudo, à semelhança dos anteriores, demonstra que a maioria dos doentes com asma sintomática não utiliza correctamente os inaladores pressurizados e enfatiza o facto de, apesar do treino proporcionado por profissionais de saúde, um número importante de pacientes manterem esta incapacidade.

O ensaio clínico reitera a importância dos inaladores pressurizados serem prescritos a pacientes com capacidade para os usarem correctamente, da técnica de inalação ser analisada pelos profissionais de saúde em cada reobservação clínica, com reforços de ensino os quais demonstraram ter impacto significativo no número de pacientes capazes de executar correctamente a técnica de inalação.

Uma limitação do estudo é a não padronização do método de ensino no segundo e terceiro testes, que eram adaptados às necessidades de cada paciente. Outra limitação apontada é o viés na escolha dos clínicos e pacientes envolvidos, que foram seleccionados directamente, reportando assim o melhor cenário dentro da população com asma, ao incluir profissionais e pacientes altamente motivados.

Por outro lado, os autores salientam a discrepância na prescrição de agonistas β2 de curta acção que variou entre 0-108/paciente/ano, o que põe em causa o rigor com que alguns clínicos monitorizavam as mesmas prescrições.

 

Conclusão

É importante rever periodicamente a técnica de utilização dos inaladores pressurizados nos doentes asmáticos e reforçar repetidamente o seu ensino mas sobretudo optar pela prescrição de outros dispositivos que melhor se adaptem ao paciente caso se mantenham as dificuldades de utilização. Não esquecer que a prescrição unicamente baseada em critérios de custo não serve o melhor interesse dos pacientes.

Mais estudos são necessários para aferir o impacto clínico do uso incorrecto da medicação inalatória nomeadamente em termos de controlo da asma.

 

Comentário

As conclusões deste trabalho, não sendo inovadoras, reforçam os estudos já conhecidos, que maioritariamente constatam a utilização incorrecta dos inaladores pressurizados e põem em causa a rentabilidade em termos de tempo e de recursos humanos no ensino sistemático da técnica inalatória.

Desde a sua introdução em 1955 que os inaladores pressurizáveis são os dispositivos de terapêutica inalatória mais utilizados em todo o mundo, apresentando vantagens que facilitam a sua difusão: são portáteis e fáceis de transportar, têm baixo custo, não requerem preparação prévia do fármaco, o risco de contaminação bacteriana é baixo, a reprodutibilidade da dosagem é elevada e permitem a administração da maioria dos fármacos implicados na terapêutica de base da asma.1

A execução técnica incorrecta dos inaladores pressurizados resulta na diminuição da distribuição do fármaco e na redução da sua eficácia. É essencial que os pacientes: a) adquiram a capacidade de sincronização entre a activação do dispositivo e a inalação; b) realizem a pausa inspiratória apropriada; c) não interrompam a inalação pelo efeito colf freon (deposição do aerossol na orofaringe).

A monitorização e o ensino da técnica inalatória, recomendados pelas normas de orientação clínica,2 têm impacto na melhoria da capacitação técnica dos pacientes. No entanto, contrariando estas normas a maioria dos pacientes não utiliza correctamente os inaladores pressurizados e um número significativo mantém-se incapaz de dominar a técnica mesmo após várias sessões de ensino (no estudo ¾ falharam o segundo teste e mais de ¼ mantiveram esta incapacidade nos testes subsequentes).

Apesar de, ao analisar a técnica de inalação do paciente o médico detectar os erros mais graves, é importante sublinhar que a avaliação precisa da técnica inalatória implica o uso de meios técnicos, como o Aerosol Inhaler Monitor, que não estão disponíveis na prática clínica.

Perante tudo isto, deveremos reflectir sobre se o tempo e os recursos humanos que esses ensinos exigem terão vantagens na optimização terapêutica ou se devemos considerar outras alternativas.

Nas alternativas possíveis aos inaladores pressurizados podem-se considerar: câmaras expansoras, inaladores de pó seco e as nebulizações com aerossóis. Os estudos efectuados até á data não revelaram diferenças em termos de eficácia nos diferentes dispositivos desde que sejam utilizados de forma correcta.2

Uma das opções mais atractivas são as câmaras expansoras, que minimizam as dificuldades técnicas inerentes aos inaladores pressurizados, reduzem a necessidade de colaboração e coordenação por parte do paciente, diminuem a deposição do fármaco na orofaringe e potenciam a sua distribuição distal. Podem ser usados por pessoas de todas as idades, sendo particularmente úteis nas crianças e nos idosos.2,3 Entraves à sua difusão são a menor portabilidade e o custo elevado.

A prescrição eficaz de terapêutica inalatória na asma requer, além do fármaco preconizado para a situação clínica do doente, a escolha do dispositivo de administração mais adequado, o ensino do doente e a promoção da adesão terapêutica. Os profissionais de saúde devem conhecer as opções de dispositivos inalatórios mais adequadas a cada paciente e dominar as técnicas de execução da terapêutica inalatória dos diferentes dispositivos, só assim promoveremos uma relação custo-beneficio eficaz no tratamento da asma.

 

Paula Oliveira

USF S. Julião – ACES de Oeiras

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Dolovich MB, Ahrens RC, Hess DR, Anderson P, Dhand R, Rau JL, et al. Device selection and outcomes of aerosol therapy: Evidence-based guidelines: American College of Chest Physicians/American College of Asthma, Allergy, and Immunology. Chest 2005 Jan; 127 (1): 335-71.

2. Global Initiative for Asthma. Pocket Guide for Asthma Management and Prevention (for Adults and Children Older than 5 Years). 2010. Disponível em: http://www.ginasthma.com/download.asp?intId=425 [acedido em 18/02/2011].

3. Hess D. Delivery of inhaled medication in adults. In: Basow DS, editor. Waltham, MA: UpToDate; 2011.