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Silva Lusitana

versão impressa ISSN 0870-6352

Silva Lus. vol.21 no.Especial Lisboa jun. 2013

 

FIREglobulus: Estudo Experimental do Comportamento e Efeitos do Fogo em Eucaliptal

FIREglobulus: Experimental Study of Fire Behaviour and Effects in Blue Gum Plantations

 

*Anita Pinto, **Paulo M. Fernandes, *Juncal Espinosa-Prieto e ***Carlos Loureiro

* Engenheira Florestal Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, Apartado 1013, 5001-801 VILA REAL E-mail: anitafcpinto@hotmail.com

** Professor Associado Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, Apartado 1013, 5001-801 VILA REAL

*** Engenheiro Florestal GIFF S.A., Rua D. João Ribeiro Gaio, 9B-1ºE, 4480-811 VILA DO CONDE

 

RESUMO

A gravidade dos fogos florestais em Portugal, a representatividade, combustibilidade e importância económica da fileira do eucalipto, e as mais-valias do fogo controlado na gestão de combustíveis recomendam que se examine a possibilidade de uso desta técnica na mitigação do risco de incêndio em eucaliptal. O projeto FIREglobulus visa criar a base científica para o desenvolvimento tecnológico do fogo controlado em plantações de Eucalyptus globulus. Agestão da biomassa combustível em plantações florestais de espécies de elevada combustibilidade é uma componente essencial da sua gestão racional, visando limitar o potencial do incêndio e permitindo combatê-lo em condições meteorológicas extremas, reduzir o seu impacto ecológico e aumentar o valor dos salvados. Este projeto estuda o comportamento e severidade do fogo através de queimas experimentais em eucaliptal efetuadas do Outono à Primavera, complementadas por ensaios em laboratório. A análise dos dados relaciona as características do fogo com os descritores do complexo combustível e outros fatores ambientais, analisa o desempenho dos modelos de comportamento do fogo existentes, e desenvolverá uma cadeia de relações preditivas que ligará o piro-ambiente (meteorologia, combustível), o comportamento do fogo, e os seus impactos no combustível e nas árvores. Apresentam-se resultados preliminares relativos à avaliação da humidade do combustível morto, sustentabilidade da propagação do fogo e consumo do combustível lenhoso. A exploração operacional dos resultados permitirá definir as condições adequadas de uso do fogo e que são conducentes à satisfação de objetivos de redução de combustíveis sem efeitos nefastos para o eucaliptal.

Palavras-chave: Eucalyptus globulus, perigo de incêndio, fogo controlado, humidade do combustível

 

ABSTRACT

Eucalypt stands are an important economic resource as well as inherently flammable, hence contributing to the extent of the fire problem in Portugal. The advantages of prescribed burning as a fuel management technique warrant investigation of its feasibility in industrial eucalypt plantations. Project FIREglobulus seeks to establish the scientific basis for the technological development of prescribed burning in Eucalyptus globulus plantations. Treatment of fuels in highly flammable forest plantations is an essential component of their sustainable management, to limit the probability of fire, be able to suppress it under extreme weather, decrease its ecological impact and increase the value of salvaged wood. This project studies the behaviour and severity of experimental fires carried out from autumn to spring, supplemented by laboratory trials data. Data analysis relates fire characteristics with fuel complex descriptors and other environmental factors, examines the performance of currently available fire-behavior prediction models, and develops predictive relationships for the chain fire environment -fire behaviour -fire effects in Eucalyptus globulus. Here we present preliminary results concerning the assessment of fine dead fuel moisture content, fire spread sustainability, and woody fuel consumption. The operational use of the results will define the conditions under which the use of fire is suitable and that are conducive to meet fuel reduction targets without adverse tree effects.

Keywords: Eucalyptus globulus, fire danger, prescribed burning, fuel moisture

 

1 - Introdução

Face à sua adaptabilidade e rápido crescimento os eucaliptos são plantados em grande escala a nível mundial, em especial nas regiões de clima mediterrâneo e sub-tropical. Em Portugal, de acordo com os resultados preliminares do último Inventário Florestal Nacional (ICNF, 2013), o eucalipto (largamente dominado pela espécie Eucalyptus globulus) assume-se como a principal espécie, com uma área em 2010 de 811 943 ha, que representa 26% da área total florestal. A sua combustibilidade e capacidade para gerar focos secundários torna-a numa espécie altamente suscetível ao fogo (BRAUN, 2006). Vários estudos têm ultimamente sido desenvolvidos na área da caracterização de combustíveis e comportamento do fogo em eucaliptal (MCCAW e SMITH, 2005; GEDDES, 2006; HOLLIS et al., 2011; CHENEY et al., 2012; FERNANDES et al., 2012). A informação disponível respeita no entanto essencialmente a floresta natural ou não gerida intensivamente. Estudos de simulação do comportamento do fogo sugerem que a estrutura do povoamento florestal é mais determinante que a respetiva espécie, e que o perigo de incêndio associado a tipos florestais de combustibilidade elevada depende do tipo e intensidade da gestão a que são submetidos (FERNANDES, 2009). Tal é tendencialmente corroborado pela análise da “seleção” pelo fogo, que mostra que os povoamentos de eucalipto são moderadamente suscetíveis devido à sua estrutura, tipo de gestão e curta duração do período de rotação (MOREIRA et al., 2009).

O fogo controlado é uma das técnicas de gestão de combustível mais utilizada a nível mundial para reduzir a incidência e a severidade do fogo. O fogo controlado (ou prescrito) consiste no uso planeado do fogo em condições ambientais compatíveis com a satisfação de objetivos de gestão específicos (FERNANDES et al., 2002). Aeficácia, versatilidade, possibilidade de uso em escala e vantagens económicas e ecológicas favorecem a adopção do fogo controlado (GRAHAM et al., 2004). As alterações induzidas no complexo combustível (GRAHAM et al., 2004) promovem a redução do combustível acumulado e dificultam a propagação do fogo (FERNANDES e BOTELHO, 2004).

O fogo controlado altera o comportamento e a severidade do fogo em formações de matos, povoamentos de coníferas (FERNANDES e BOTELHO, 2003; FINNEY et al., 2003; FERNANDES e RIGOLOT, 2007), e em eucaliptal (GOULD, 2007). Sendo uma técnica crescentemente utilizada no nosso País em matos e em pinhal bravo, é de todo o interesse desenvolver o fogo controlado em plantações de Eucalyptus globulus, após análise da sua exequibilidade. Apresentamos aqui os resultados preliminares e respeitantes à avaliação da humidade da folhada de eucalipto e às queimas em laboratório, cujo objecto de estudo foi a sustentabilidade da propagação do fogo e o consumo do combustível lenhoso.

 

2 - Metodologia

2.1 - Estimação do teor de humidade da folhada de eucalipto

A estimação expedita e fiável da humidade do combustível morto e fino é essencial no planeamento operacional do fogo controlado, dada a sua influência na possibilidade de propagação do fogo, características dessa propagação e consumo de combustível. O objetivo é desenvolver um modelo, ou calibrar um modelo já existente para a humidade da folhada de eucalipto em função das condições meteorológicas, nomeadamente temperatura do ar e humidade relativa. Determinou-se o teor de humidade de amostras (após estadia de 24h em estufa a 100ºC) recolhidas diariamente no interior do povoamento e no exterior do mesmo, em terreno aberto, às 15:00 horas, em dias sem precipitação (n=55). Registámos a temperatura e humidade relativa aquando da colheita da folhada. Posteriormente associou-se ao teor de humidade apurado (média de duas colheitas) o número de dias desde a última precipitação e os índices do Sistema Canadiano de Perigo Meteorológico de Incêndio.

A análise estatística dos dados, com o software JMP7, testou a capacidade preditiva de alguns modelos existentes, e permitiu desenvolver um modelo preliminar (através de regressão não linear) para estimar o teor de humidade da folhada em função das condições meteorológicas.

2.2 - Sustentabilidade da propagação do fogo

Avaliar a possibilidade de propagação do fogo num contexto de planeamento, ou seja, à distância, constitui um requisito operacional essencial. Os testes de laboratório decorreram numa mesa de combustão inclinável e sujeita a um fluxo laminar e controlável de ar. Começou por se avaliar a variação da velocidade do vento ao longo da mesa de combustão bem como o efeito exercido pela extração do fumo. A metodologia aplicada nos ensaios de sustentabilidade (n=137) consistiu em recriar sobre a mesa de combustão um leito de folhada (1.30m x 2m). Além do teor de humidade, que variou naturalmente, procurámos reproduzir a variação da espessura e carga de combustível em povoamento florestal, tomando como referência os dados do inventário florestal nacional de 2005-2006. A carga de combustível foi estimada através do peso seco do material existente no interior de um quadrado de 0,073 m2 colocado aleatoriamente. A inserção de pregos alinhados com o topo da folhada permitiu determinar a espessura da mesma. Imediatamente antes da ignição foi retirado material para determinar o teor de humidade. A ignição foi linear e a propagação do fogo descendente (com o declive da mesa fixo em 30%). Os ensaios eram classificados como sustentáveis ou não sustentáveis. Em caso de propagação não sustentável, o ensaio era sucessivamente repetido a favor do declive fazendo variar o vento (0, 5, 10 e 15 km h-1). As características do comportamento do fogo (altura e ângulo da chama com a vertical) foram medidas por estimação visual auxiliada por painéis graduados em fundo, vídeo e fotografia. Registou-se a temperatura ambiente e humidade relativa do ar com uma estação meteorológica Davis.

2.3 - Consumo de combustível lenhoso

A eficiência das queimas em resíduos de exploração depende do grau de consumo dos combustíveis lenhosos. Para avaliar o consumo de material lenhoso dos combustíveis com tempo de retardação de 1 hora (< 6mm de diâmetro), 10 horas (6-25 mm) e 100 horas (25-75 mm) (Rothermel, 1972) foram realizados 117 ensaios. Sobre a mesa de combustão foi colocada folhada (1m x 1m) com espessura média de 5 cm. Três peças lenhosas (uma por classe de dimensão) foram pesadas, medidas (em diâmetro e comprimento) e delas retiradas subamostras para determinação do teor de humidade, sendo subsequentemente inseridas na folhada. A ignição foi perimetral para potenciar uma queima mais intensa, e no final da mesma pesou­se o material para avaliar a perda de massa e o consumo percentual. Determinou­se para cada ensaio a altura média da chama, tal como descrito anteriormente.

 

3 - Resultados

3.1 - Estimação do teor de humidade da folhada de eucalipto

A modelação da humidade da folhada foi antecedida de uma análise de desempenho do modelo desenvolvido por SHARPLES e McRAE (2011) para eucalipto e do modelo para folhada de pinheiro bravo usado na ferramenta PiroPinus (FERNANDES et al., 2012), para equacionar a sua possibilidade de adoção ou adaptação.

A média percentual absoluta do erro (MA%E) é interpretável como uma medida de precisão do modelo. O modelo para pinhal usado em FERNANDES et al. (2012) apresenta assim menor erro (Tabela 1) que o modelo de SHARPLES e McRAE (2011). A possibilidade de ser calibrado, expressa pelo coeficiente de determinação da regressão em que os valores observados são estimados em função dos valores dados pelo modelo, é em contrapartida menos satisfatória (r2=0,60 versus r2=0,71).

 

 

O procedimento de regressão não linear ajustado em alternativa resultou na equação seguinte:

cujo desempenho é substancialmente superior ao dos modelos testados, com MA%E= 2,3% (desvio padrão=12,5%) e r2=0.80.

3.2 - Sustentabilidade da propagação do fogo

As variáveis determinantes e os limiares a partir dos quais a ignição é sustentável foram determinados através de uma análise CART (Classification and Regression Tree) cujos resultados figuram na Tabela 2.

 

 

As variáveis mais influentes na sustentabilidade da propagação do fogo são o teor de humidade de folhada, a sua espessura e a técnica de ignição utilizada (contra ou a favor do declive). Quando o teor de humidade é inferior a 30,2% e a espessura da folhada é igual ou superior a 2,9 cm a probabilidade do fogo se propagar sustentadamente é superior a 97%. Em contraste, é bastante improvável a propagação de fogos sob humidades acima de 30%, independentemente de outras variáveis.

3.3 - Consumo de material lenhoso

A análise estatística da influência que as potenciais variáveis independentes têm no consumo de material lenhoso revelou que apenas o diâmetro é estatisticamente significativo, explicando através de uma função potência cerca de 85% da variação observada (Figura 1). De salientar o facto de o consumo não ser influenciado pela humidade da folhada, pelo peso inicial das peças e pelo teor de humidade do próprio material lenhoso. Apenas o comprimento das peças apresentou um efeito muito residual.

 

 

4 - Conclusões

Apresentámos resultados preliminares do projeto FIREglobulus. A estimação do teor de humidade da folhada pode ser efetuada com base na medição da temperatura ambiente e humidade relativa do ar com resultados bastante razoáveis. No entanto a base de dados carece de ser completada com observações adicionais, incluindo a influência de precipitação recente. Os modelos desenvolvidos com base nos dados obtidos nos ensaios de laboratório para a sustentabilidade da propagação do fogo são bastante satisfatórios e o seu desempenho será testado nos fogos experimentais em eucaliptal.

 

Referências bibliográficas

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Agradecimentos

Este estudo é suportado pelo projeto Fireglobulus, nº 21555, no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), co-financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do Programa Operacional Regional de Norte.