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Silva Lusitana

versão impressa ISSN 0870-6352

Silva Lus. v.18 n.1 Lisboa jun. 2010

 

H. Hasenauer (Compilador), Sustainable Forest Management. Growth Models for Europe

Springer-Verlag, Berlin. 398 págs., Preço: 175,00 € em 2006

 

 

Luís Soares Barreto

Professor Catedrático Jubilado, ISA/UTL

 

Este livro apresenta os resultados do projecto ITM (Implement Tree Growth Models for Forest Management – www.boku.ac.at/itm, que decorreu de 2001 a 2004, e teve financiamento da UE. O projecto evoca a transição de uma silvicultura centrada em povoamentos puros, regulares e no corte raso final, apoiada nas tabelas de produção, para uma vocacionada para os povoamentos irregulares mistos (PIM), privilegiando o planeamento da extracção de árvores consideradas individualmente, ou em pequenos grupos, e preocupada com as funções múltiplas dos ecossistemas florestais, para justificar o estabelecimento e utilização de modelos da árvore individual (MAI). Pretende promover a expansão do esforço feito neste domínio, na Europa Central (berço das tabelas de produção, nos séculos 18 e 19) e do Norte, a outras regiões geográficas europeias. Trata-se, pois, de uma obra colectiva, com autores oriundos de vários países da UE, e de um projecto envolvendo outras entidades, para além de instituições académicas e de investigação.

O livro está organizado em duas partes. Na primeira, que se estende do primeiro ao oitavo capítulo, abordam-se conceitos gerais ligados à elaboração de MAI e sua utilização. O capítulo 1 descreve a estrutura dos MAI, dados necessários e áreas requerendo mais investigação. A consideração das exigências e satisfação dos utilizadores finais e potencialidade da utilização dos MAI ocupam o capítulo 2. A tipologia e padronização dos MAI é analisada no capítulo 3. As descrições sumárias dos MAI utilizados no projecto são feitas no capítulo 4. Um dos aspectos de mais difícil modelação – a regeneração – ocupa o capítulo 5. A predição e planeamento da produção lenhosa dos PIM é o tema do capítulo 6. A integração dos MAI em sistemas de suporte da decisão aborda-se no capítulo 7. Esta primeira parte é encerrada com o capítulo (8) dedicado à avaliação dos MAI, que é o mais curto do livro – treze páginas, incluindo duas e meia de bibliografia.

A segunda parte é dedicada à apresentação de aplicações de MAI a situações concretas, estendendo-se dos capítulos 9 a 17. Ilustram casos de aplicação dos MAI aos seguintes problemas; a) modelação da regeneração em povoamentos mistos regulares e em PIM (cap. 9); b) análise de cenários de extracção de lenho (cap. 10); c) incorporação de MAI em sistemas de apoio a decisões visando critérios múltiplos (cap. 11); d) o uso dos MAI fora da área de calibração, na selecção de regimes de tratamento (cap. 12);  e) apoio à formulação de políticas florestais (cap. 13); f) optimização da produção de cortiça no montado (cap. 14); g) a aplicação dos MAI a florestas da Eslováquia (cap.15); h) conversão de povoamentos puros regulares em PIM, na Dinamarca (cap. 16); i) modelação da talhadia, na Grécia (cap. 17).

Dado o principal objectivo do livro, enfatizado no seu sub-título, insiro uma anotação sobre os modelos caracterizados no capítulo 4.

O modelo BWINPro (págs. 59 a 63), estabelecido na Baixa Saxónia, Alemanha, permite simular o crescimento da floresta, desenvolver estratégias de ordenamento, podendo também ser usado no apoio ao inventário de parcelas permanentes, predizer o crescimento, volume de desbastes e cortes finais, ao nível da empresa.

O MOSES 3.0 (págs. 64 a 70) é um MAI dependente da distância (cf. capítulo 3), estabelecido a partir de inventários feitos na Austria e Suíça. Uma sua aplicação, na Grécia, é apresentada no capítulo 17.

O modelo PrognAus for Windows 2.2 (págs. 71 a 78) é baseado no austríaco PrognAus (independente da distância).

O modelo SILVA 2.2 (págs. 78 a 84) é dependente da posição da árvore, considerada no espaço a três dimensões. Com esta informação, o núcleo do modelo estabelece as relações de competição entre as árvores. Tem sede na Universidade Técnica de Munique, Alemanha, e assenta numa ampla base de dados de origem alemã e suíça. É aplicável tanto a povoamentos puros como mistos. O seu principal objectivo é apoiar a tomada de decisões no ordenamento florestal. É também um instrumento de pesquisa, pois simula os efeitos da mudança do regime e da estação. É aplicado nos capítulos 11 (integrado num sistema de apoio à decisão, Alemanha), 14 (Portugal), 15 (Eslováquia) e 16 (Dinamarca).

O modelo STAND (págs. 85 a 95) é um sistema de apoio à tomada de decisão na gestão de florestas regulares, desenvolvido na Finlândia.

Não sendo um especialista em design gráfico, devo confessar que o número e qualidade das ilustrações impressionou-me agradavelmente. O índice remisso, numa obra tão abrangente pareceu-me um tanto limitado.

Para além do apreço pelo enorme esforço que o livro espelha, ele tem também o mérito de estimular uma reflexão sobre os caminhos por onde a ciência florestal está a enveredar. Nesta perspectiva, e porque a matéria é de facto relevante, gostaria de adir, ao já expendido, os comentários complementares que passo a expor, e permitem o enquadramento mais amplo que a obra e o seu propósito seminal merecem.

A eleição dos PIM como paradigma de organização da floresta sob ordenamento veio confrontar-nos com uma teoria muito débil sobre a geometria e dinâmica dos povoamentos florestais, nomeadamente dos mistos. Confrontados com a então inexistência de um modelo de competição fiável e geral para as árvores, a resposta foram os MAI que são um caso particular dos modelos baseados no indivíduo (IBM – individual-based models; e.g., Grimm e Railsback, 2005). Os MAI são, pois, uma maneira de contornar esta lacuna teórica, da ecologia florestal. Naturalmente que os investigadores que deles se ocupam são dignos de todo o apreço e respeito da comunidade científica, pelo seu empenho na procura da solução para um problema de grande importância prática: simular povoamentos mistos.

Na minha opinião, este esforço não nos leva muito longe e pode mesmo desencorajar uma abordagem mais criativa, flexível, fecunda e abrangente, no contexto de uma metodologia hipotético-dedutiva.

Vejamos algumas características menos atractivas dos MAI.

Estes modelos não são uma abordagem ecologicamente coerente, pois são empíricos. Por exemplo, há mais de uma abordagem na elaboração dos MAI (capítulos 3 e 4). Numa perspectiva epistemológica, à semelhança das tabelas de produção, os MAI são dominantemente modelos empíricos e regressivos, que do ponto de vista teórico pouco acrescentam à ciência florestal. Tornam-se por isso difíceis de comparar entre si, generalizar e comunicar dada a sua complexidade, sendo o software que os aplica muito susceptível a erros de programação e à propagação de erros de arredondamento, não sendo estes últimos detectáveis (e.g., Groot, Gauthier e Bergeron, 2004; May e Conery, s.d.). A sua incorporação em modelos de apoio à gestão não é geralmente fácil, embora não seja impossível.

Verificando-se o efeito borboleta determinístico nos povoamentos mistos (Barreto, 2005: 118-121), os MAI revelam elevada susceptibilidade aos valores iniciais dos dados entrados, muitas vezes de obtenção cara e morosa, dado o seu pormenor (e.g., Schmid, et al., 2006). Um PIM de grande extensão não é uniforme, mas tem uma estrutura caleidoscópica. Há um mosaico de áreas com diferenças nas proporções das espécies presentes e das idades dos seus indivíduos que se vão alterando com o tempo. Fazer o inventário rigoroso exigido, duma floresta destas, para aplicar os MAI, dentro da sua lógica interna de desagregação e na perspectiva de exploração de árvore individual, é um trabalho ciclópico que quando estivesse concluído já as "cores" do caleidoscópio tinham mudado de lugar.

No detalhe que impõem à sua elaboração, podem conduzir a situações insólitas, como por exemplo tratar conjuntamente variáveis aleatórias do meio e as próprias intervenções culturais (e.g., tanto quanto pude perceber, o exposto na pág. 286).

Para se estabelecer um MAI fiável, são precisas décadas de medições de boa qualidade e extensão, incluindo variáveis geralmente ignoradas, como a altura da copa de cada árvore e a regeneração (págs.11-14). O MAI europeu com mais destaque - SILVA 2.2 - recorre a séries temporais de dados, de florestas alemãs, com mais de um século (Pretzsch, et al., 2008). Nalguns países, mesmo europeus, ultrapassar uma situação de carência desta natureza pode levar muitos anos, se dispuserem de recursos para isso, com inconvenientes para a gestão dos seus patrimónios florestais. Deve-se também registar que poucos inventários de PIM eram feitos no passado, na maioria dos países europeus. Provavelmente, não terá sido por acaso que os MAI surgiram no Canada, passaram aos E.U.A., entraram na Europa pela Suécia e depois estenderam-se a países ricos e com longeva tradição de investigação florestal, tais como a Alemanha, a Áustria e a Suíça (pág. 43). Como não se ignora na pág. 157, com a admitida mutabilidade actual do clima, quando se dispuser dos dados, corre-se o risco de as condições do meio, em que as florestas medidas cresceram, já não perdurem.

Na descrição da estrutura geral dos MAI, apresentada no livro, lê-se: "Thus stand age, one of the key driving variables within yield tables, cannot be used and all functions must be age independent". (pág. 5), Ora, num povoamento misto, duas árvores da mesma espécie, devido a diferenças genéticas e de micro habitat, podem ter idades diferentes e a de menor porte ser a mais idosa. Esta terá uma taxa relativa de crescimento menor que a mais jovem e mais frondosa. Na modelação dos MAI, pode não estar garantido que efectivamente o contrário não aconteça. Para ser mais sugestivo, vejamos esta situação nos humanos. Isto é equivalente a admitir que podem ocorrer circunstâncias em que um indivíduo com 1,60 m de altura e trinta anos de idade pode crescer e o jovem ao seu lado, com 15 anos e 1,65 m de altura, pode crescer menos que ele, ou mesmo não crescer. A idade é uma variável biológica muito importante que não pode ser ignorada.

Nos MAI, um dos aspectos mais problemáticos é a predição da mortalidade das espécies, pois não consideram a capacidade competitiva de cada uma delas (uma característica importante da sua estratégia bionómica) nem nenhuma hierarquia competitiva explícita. Estranha forma esta de aproximar a silvicultura da ecologia. Isto é mesmo paradoxal: preocupações ecológicas conduzem a uma abordagem "a-ecológica" (no sentido idêntico de amoral) Ainda na pág. 10, pode ler-se: "Consequently, for a given competition situation, tree mortality may be quite variable and this makes the collection of data for developing tree mortality models difficult and expensive. Note that individual tree mortality predictions may be considered as one of the most difficult tasks within tree growth modelling" (Itálico introduzido por mim). Mas a alteração das taxas relativas e específicas de mortalidade é o aspecto mais importante causado pela mistura das espécies, quer seja nos PIM presentes em qualquer paisagem, quer seja numa cultura de flagelados, em laboratório (Barreto, 2005: cap. 11)! Anote-se que no livro as questões relativas ao realismo biológico dos MAI não são ignoradas (págs. 156-157).

Será que os MAI são também uma consequência das capacidades que a informática pôs ao nosso dispor no que respeita ao armazenamento e tratamento de grandes massas de dados, aplicações potentes e fáceis de usar no domínio da estatística, visualização geográfica (GIS) e visualização tridimensional das florestas e que relegam para segundo plano a necessidade de um esforço criativo para estabelecer elaborações nomológicas sobre a estrutura e dinâmica das árvores e arvoredos? De facto, os MAI permitem apresentações gráficas do arvoredo, a três dimensões e a cores, muito apelativas, que passaram a ilustrar os artigos e livros que lhe são dedicados, com o inconveniente da conspícua elevação do preço dos últimos, como aceito que seja o caso da obra em apreciação. Assinale-se que a visualização da dinâmica da floresta a três dimensões não favorece a compreensão das relações ecológicas que conduziram ao resultado, pois os modelos são empíricos regressivos e não é possível reconhecer visualmente padrões inteligíveis nos dados.

O propósito da minha teoria integrada para os povoamentos florestais (Barreto, 2003a, 2004a,b, em preparação) é preencher esta lacuna grave da inexistência de uma elaboração nomológica que trate num continuo integrado, e coerente, as árvores e todos os tipos de arvoredo. O que importa é não se ter de começar do zero, mas construir uma teoria que beneficie das tabelas de produção e dos dados já existentes, como ponto de partida para se alcançar a estrutura nomológica dos povoamentos puros e mistos, tanto regulares como irregulares. Uma teoria com estas características é suficientemente fecunda para também permitir a elaboração de MAI (serão de facto generalizada e eficientemente aplicáveis na prática?), mais inteligíveis, passíveis de programação mais parcimoniosa e não só tirar mais partido dos dados disponíveis mas como também revalorizá-los. Esta necessidade de novos modelos para os PIM é reconhecida no livro, onde se pode ler "This calls for a new generation of management-oriented forest growth models ..." (pág. 157). Louve-se o rigor e a honestidade intelectual, num livro que pretende promover a divulgação dos actuais MAI. Em Barreto (2003b, 2004c, 2009a, b)  mostrei que é possível modelar povoamentos mistos, tanto regulares como irregulares, no contexto da ecologia das populações, recorrendo a uma abordagem dedutiva-nomológica, obtida a partir da minha teoria para os povoamentos mistos (Barreto, 2004b).

Seja qual for a posição que se tenha relativamente aos MAI, esta obra não pode ser ignorada por quem se interessa por modelação florestal. A diversidade de tópicos da segunda parte pode motivar uma leitura selectiva. 

Para complementar esta contextuação dos MAI, inserindo-os na evolução da silvicultura europeia, o leitor pode encontrar uma resenha histórica da modelação de florestas, na Europa, em Pretzsch, et al. (2008).

 

Referências

Barreto, L.S., 2003a. A Unified Theory for Self-Thinned Pure Stands: A Synoptic Presentation. Research Paper SB-03/03. Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia. Versão revista submetida à Silva Lusitana.

Barreto, L.S., 2003b. The Blended Geometry of Self-Thinned Uneven-Aged Mixed Stands. Research Paper SB-04/03. Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia. Versão revista submetida á revista Silva Lusitana em Outubro de 2007.

Barreto, L.S., 2004a. Tree Competition: Concepts, Models, and Patterns. Research Paper SB-01/04. Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia.

Barreto, L.S., 2004b. A Unified Theory for Self-Thinned Mixed Stands: A Synoptic Presentation. Research Paper SB-02/04. Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia. Versão revista submetida à Silva Lusitana.

Barreto, L.S., 2004c. Software SB-ROBLE e SB-BRAMIX.Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia.

Barreto, L.S., 2005. Theoretical Ecology. A Unified Approach. Edição do autor. Livro electrónico. Costa de Caparica.

Barreto, L.S., 2009a. The Simulation of Thinning in Mixed Even-Aged Stands. Preprint 03/09. Costa de Caparica.

Barreto, L.S., 2009b. An Ecological Underpinned Approach to the Management of Natural Mixed Uneven-Aged Forests. Preprint 04/09. Costa de Caparica

Barreto, L. S., em preparação. Árvores e Arvoredos. Geometria e Dinâmica.

Grimm, V., Railsback, S.F., 2005. Individual-based Modelling and Ecology. Princeton University Press, Princeton.        [ Links ]

Groot, A., Gauthier, S., Bergeron, Y., 2004. Stand Dynamics Modelling Approaches for Multicohort Management for Eastern Canadian Boreal Forests. Silva Fennica 38(4): 437-448.

May, H.K., Conery, J.S., s.d. FOREST: A System for Developing and Evaluating Ecosystem Simulation Models. http:ix.cs.uregon.edu./~conery/PDF/MayConerySCS03.pdf

Pretzsch, H., Grote, R., Reineking, B., Rōtzer, Th., Seifert, St., 2008. Models for Forest Ecosystem Management: A European Perspective. Annals of Botany, 101(8): 1067-1087.

 Schmid, S., Zingg, A., Biber, P., Bugmann, H., 2006. Evaluation of the Forest Growth Model SILVA Along an Elevational Gradient in Switzerland. European Journal of Forest Research 125(1): 43-55.