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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.29 no.2 Braga  2015

 

VÁRIA

Exílio e diáspora em Cabo Verde

 

Maria do Carmo Cardoso Mendes*

*Universidade do Minho, CEHUM, Portugal.

mcpinheiro@ilch.uminho.pt

 

RESUMO

O exílio, a emigração e a diáspora são elementos determinantes para a definição da identidade de Cabo Verde. A literatura tem sido a principal expressão artística na representação desses traços identitários do arquipélago. Os propósitos principais do ensaio são: 1) identificar, num percurso cronológico, as mais significativas abordagens literárias do exílio e da diáspora dos cabo-verdianos, através da análise dos seguintes textos: poesias líricas publicadas em Claridade; romance Chiquinho (1947), de Baltasar Lopes; coletânea de contos Cais do Sodré té Salamansa (1974), de Orlanda Amarílis; e romance Eva, de Germano Almeida (2006); 2) mostrar que os fluxos migratórios de cabo-verdianos constituem objeto privilegiado de tratamento literário, convertendo as personagens que os cumprem em protagonistas de narrativas de exílio; 3) clarificar as dicotomias simbólicas e geográficas criadas pelos romances; 4) evidenciar as atitudes de personagens literárias cabo-verdianas em exílio, destacando a sujeição a discursos xenófobos (nomeadamente em contexto colonial, com massivas migrações para a capital portuguesa) e a persistente nostalgia da pátria; 5) sublinhar o contributo valioso da literatura cabo-verdiana para a compreensão da experiência humana do exílio.

Palavras-chave: Cabo Verde, exílio, diáspora .

 

ABSTRACT

Exile, emigration and diaspora are key elements for defining the identity of Cape Verde. Literature has been the main artistic expression in representing the features of the archipelago. The main purposes of the essay are: 1) to identify, in a chronological sense, the most significant literary approaches of exile and diaspora of Cape Verde, through the analysis of the following texts: the lyrical poetry published in Claridade; the novel Chiquinho (1947) by Baltasar Lopes; the collection of short stories Cais-do-Sodré té Salamansa (1974) by Orlanda Amarílis; and Germano Almeida's novel Eva (2006); to show that Cape Verdean migration flows are privileged object of literary treatment, transforming the characters in actors of exile narratives; 3) to explain the symbolic and geographical dichotomies shaped by the novels; 4) to show the attitudes of Cape Verdean literary characters in exile, highlighting the exposure to xenophobic discourses (particularly in the colonial context, with massive migration to the Portuguese capital) and persistent nostalgia of the homeland; 5) to display the valuable contribution of the Cape Verdean literature for understanding the human experience of exile.

Keywords: Cape Verde, exile, diaspora.

 

1. Introdução

Dificilmente se pode compreender a identidade do povo cabo-verdiano omitindo o papel que nela desempenharam a emigração e o exílio. O percurso histórico de Cabo Verde revela que a abolição da escravatura, na segunda metade do século XIX, se traduziu num progressivo abandono administrativo da colónia, que até aí fora essencialmente um entreposto de escravos. O ciclo de recessão económica então iniciado converte a emigração num fenómeno marcante do arquipélago: os Estados Unidos, o Brasil, vários países europeus (Portugal, Holanda, Itália, Bélgica e Suécia) e diversos territórios africanos (com destaque para S. Tomé, onde emigrantes cabo-verdianos são contratados para as roças) tornam-se os principais destinos da diáspora cabo-verdiana. Até à atualidade, estudos demográficos e migratórios demonstram que existem mais cabo-verdianos vivendo fora do que dentro do arquipélago.[1]

Entendida com frequência como exílio em busca de melhores condições de vida, mas tendo como ambição maior o regresso ao arquipélago, a diáspora cabo-verdiana manifesta-se sobretudo no continente europeu – mais concretamente em Portugal – e no continente americano – mais especificamente nos Estados Unidos. Cumpre, do meu ponto de vista, um dos significados do termo identificado por Nicholas Hewitt e Dick Geary (2007: 7): aquele que representa uma saída forçada da pátria: “Travel and migration were not always by any means voluntary and were often dictated by political persecution, economic necessity and, at its most extreme, enforced emigration in the form of slavery (…). This raises important questions of identity”.

Tais questões que remetem para a emigração deste povo implicam aceitar o princípio de que a identidade transcultural de Cabo Verde “necessarily coincide with gravitational centres found in other societies and cultures” (Rodrigues, 2011: 80). Ou seja, os movimentos migratórios são cruciais para a construção da identidade cabo-verdiana e como alimento de obras literárias, que, tal como outras manifestações artísticas (a pintura e a música),[2] retratam a emigração forçada de homens e mulheres que, ao longo dos séculos XIX e XX, reconstruíram as suas vidas noutros territórios.[3]

Por razões que se prendem ora com a insularidade[4], ora com condições climatéricas adversas, ora ainda com a incapacidade de aceitação de um regime colonial, a experiência do exílio foi vivida por diversos escritores cabo-verdianos, pelo que as suas obras acabam por denunciar uma índole autobiográfica intensa, a par de um marcado realismo literário. Eugénio Tavares, Abílio Duarte, Ovídio Martins, Onésimo Silveira ou Mário Fonseca são apenas alguns desses escritores que conheceram o exílio. Considere-se apenas o exemplo de Onésimo Silveira, o poeta e contista nascido em 1936, na ilha de S. Vicente, e do seu romance Toda a gente fala: sim senhor (1960) enquanto relato que traduz a própria experiência do escritor que para S. Tomé e Príncipe emigrou, como tantos outros cabo-verdianos forçados a trabalhar nas roças.

Neste ensaio, procurarei deixar manifesto de que modo a literatura cabo-verdiana representa esses traços fundamentais da identidade cultural do arquipélago (a diáspora, e emigração e o exílio) desde aquele que é considerado o seu movimento fundador – Claridade[5] – até à atualidade. Para a concretização deste propósito, começo por traçar um percurso cronológico de algumas abordagens literárias do exílio e da diáspora dos cabo-verdianos, destacando composições poéticas publicadas em Claridade, analisando um romance de aprendizagem – Chiquinho (1947), de Baltasar Lopes – e narrativas curtas que abordam a emigração cabo-verdiana em período colonial – os contos de Cais do Sodré té Salamansa (1974), de Orlanda Amarílis – e concluindo com uma reflexão sobre a abordagem da emigração depois da independência de Cabo Verde em 1975, apresentada no romance Eva (2006), de Germano Almeida.

Este percurso permitirá evidenciar: em primeiro lugar, a relevância (que a literatura, melhor do que qualquer outra manifestações artística soube traduzir) dos fluxos migratórios de cabo-verdianos; em segundo lugar, a perceção dos emigrantes do arquipélago como protagonistas de narrativas de exílio; em terceiro lugar, o valor simbólico das dicotomias geográficas criadas pelas ficções narrativas; em quarto lugar, os sentimentos mais marcantes veiculados pelos sujeitos líricos e pelos protagonistas dos contos e romances que, com frequência, traduzem uma vertente autobiográfica da escrita: a nostalgia da pátria e a sujeição a discursos xenófobos (particularmente em contexto histórico colonial).

2: O passado e o presente: uma linha de continuidade da diáspora cabo-verdiana

Omnipresentes na literatura cabo-verdiana, os motivos da emigração e do exílio observam-se já em poetas que precedem o movimento de Claridade. Com frequência, a saída de muitos cabo-verdianos do arquipélago tem como causas principais as precárias condições de sobrevivência em Cabo Verde, impostas por condições climatológicas muito severas, ou a fuga ao autoritarismo do colonizador. As duas causas podem encontrar-se na mesma composição. Assim, no poema significativamente intitulado “Estiagem”, Aguinaldo Fonseca (nascido em 1922 na ilha de S. Vicente) manifesta o desejo desesperado de abandonar um lugar marcado por uma seca que destrói sementeiras e vidas. Todavia, considerando o contexto colonial em que a composição foi publicada, pode ainda inferir-se dela um grito de revolta contra a alienação do colonizado imposta pelo colonizador, que lhe proporciona unicamente um “horizonte estreito” e uma “voz amordaçada”:

Esta secura pregada na garganta

não sei bem se veio do vento

ou das entranhas do inferno.


Este horizonte estreito

a estrangular distâncias e esperanças

não sei se é feito de sangue

ou de poeira vermelha.


(Oh! Que desejo duma carícia

de sombra fresca

de verdes ramos

e rochas húmidas!)


Será que perdi a voz

neste mar de sol

onde a paisagem é figura desfocada?


Se grito

o grito em mim persiste a esbracejar

porque não sai

do poço desta angústia amordaçada.


Oh! Quero lagos, lagos,

muitos lagos de água clara

para mergulhar os olhos


Oh! Quero campos, campos,

verdes campos,

para libertar a voz amordaçada. (Andrade, 1975: 27)

Será, todavia, nos números da revista Claridade que o sentimento de angústia do cabo-verdiano que sabe que tem de partir, mas deseja ficar no seu país, se manifestará de modo mais penetrante e iterativo.

Antes de o analisar, será útil, penso, uma abordagem sumária da revista e do movimento que ela funda. Em 1936, Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes projetam uma publicação literária norteada por dois princípios fundamentais: o afastamento dos cânones portugueses, como manifestação explícita de resistência ao colonialismo; a expressão da voz do povo cabo-verdiano, das suas angústias, dos seus anseios, da sua autenticidade.[6]

Encarada como marco fundador da cabo-verdianidade, a revista assume no lema que adota – “fixar raízes na terra cabo-verdiana” – o desafio declarado ao sistema colonial e a defesa das origens do povo cabo-verdiano, com a publicação de um poema em crioulo no número inaugural.

A emigração e o exílio marcam tanto as poesias líricas, quanto as ficções narrativas publicadas pelos claridosos. No primeiro caso, referir-me-ei a Jorge Barbosa, no segundo, a Baltasar Lopes.

A viagem é o motivo literário mais destacado do conjunto da obra poética de Jorge Barbosa. Apresentada em duas vertentes principais – real, quando imposta por condicionamentos socioeconómicos e geográficos; mental, quando desencadeada por reflexões sobre a procura da identidade e do mito das origens, ou ainda sobre a morte como derradeiro percurso humano –, a viagem parece evocar, nas suas composições, o mítico percurso marítimo de Ulisses. O mar é representado em metáforas antinómicas – aprisionamento e fuga, cerceamento de liberdade e evasão – como pode ler-se em “Panorama” – Ilhas perdidas no meio do mar, esquecidas / num canto do Mundo – que as ondas embalam, / maltratam, / abraçam…” (Andrade, 1975: 17) – e “O mar” – “Ai o mar / que nos dilata sonhos e nos sufoca desejos! // – Ai a cinta do mar / que detém ímpetos / ao nosso arrebatamento / e insinua / horizontes para lá / do nosso isolamento! // Convite da viagem apetecida / que se não faz.)” (idem: 19).

Como poeta profundamente comprometido com as tragédias que se abatem sobre a sua pátria, Jorge Barbosa interpreta os motivos da seca, da fome, do isolamento, da falta de recursos e da exiguidade das ilhas, caracterizando o povo cabo-verdiano como fatalmente destinado a “Viver sempre vergado sobre a terra, / A nossa terra / Pobre / Ingrata / Querida!” (ibidem).

Inteiramente harmonizado com os ideais de Claridade e com o movimento regionalista brasileiro, Chiquinho,[7] publicado por Baltasar Lopes em 1947, é um Bildungsroman que narra a infância, a adolescência e a juventude de um rapaz cabo-verdiano. Nascido na ilha rural de S. Nicolau e conhecendo precocemente os efeitos devastadores do clima sobre as vidas dos seus conterrâneos (sobretudo as consequências dramáticas de longos períodos de seca), o protagonista viverá em S. Vicente a experiência de estudante que aspira a que a formação escolar lhe permita escapar às difíceis condições da infância. O abandono temporário da ilha de S. Nicolau alimenta em toda a família (avó, mãe e dois irmãos) a esperança de um futuro economicamente tranquilo. Concluídos os estudos secundários, Chiquinho regressa para a breve trecho tomar consciência que nada mudara na vida dos familiares e amigos: reencontra a extraordinária resistência de muitos cabo-verdianos contra períodos de seca prolongados, perdas de colheitas, pobreza, miséria e morte:

Era seca, nua, devastadora como nas crises mais terríveis de que rezava a crónica da minha ilha. Desaparecidas todas as esperanças, enganadas as promessas de chuva. De todas as ribeiras a notícia que vinha era a mesma. Não se colheria um grão de milho, e dos feijoeiros nem falar, que a lestada de Novembro crestara tudo (Lopes, 2006: 188-189).[8]

Conclui que a função de professor para a qual se preparara é inútil num espaço onde a maioria das crianças não frequenta a escola, ora porque tem de auxiliar os pais na agricultura, ora porque morre de fome. Chiquinho acabará por tomar consciência, como anos antes fizera o seu pai, que a emigração é a única alternativa a uma existência miserável, na qual muitos cabo-verdianos se resignam à condição de “escravos da terra” (idem, 45).

Os Estados Unidos ocupam um lugar determinante nas três partes que estruturam o romance: na primeira, “Infância”, o protagonista recorda numa extensa analepse os primeiros anos de vida na casinha do Caleijão e a omnipresença do pai, emigrado para os Estados Unidos: móveis, quadros, fotografias e dólares evocam essa figura que abandona Cabo Verde quando Chiquinho tem apenas cinco anos:

Mesmo depois de ausente, ele era uma presença constante na nossa casa. Bastava olharmos para a mobília americana, o gramofone, os quadros na parede para sentirmos Papai assistindo connosco, embora tão longe. (…) Foi quando da seca de novecentos e quinze. Os sequeiros não deram nada e no regadio a água quase secou. (…) tudo na nossa vida, a casa, as mobílias, as recordações, os nossos interesses, faziam uma reportagem sentimental que dava a Papai uma presença quase física no meio de nós (idem, 35 e 37).

Aos olhos de uma criança, a América não é apenas o país para onde o pai emigrou, aquele em que qualquer mulher cabo-verdiana poderá “parir em casas caiadas e telhadas”, aquele que, em última instância, permite a sobrevivência dos familiares que permanecem em Cabo Verde. A América é sobretudo um espaço imaginário que alimenta ilusões, um lugar paradisíaco onde o sonho se transforma em realidade, onde a fome e a pobreza dão lugar à abundância e à prosperidade:

A América ficava bem perto de mim. Meu coração de menino não a colocava mais longe do meu círculo de afeições do que a Água do Canal ou o António Gegê, onde eu ia brincar com a meninência e correr navios de purgueira e de cana de milho.

Quando eu era mais tamanhinho, figurava a América uma ribeira muito bonita, cheia de hortas muito verdes (idem, 38).

Se a América é uma promessa de felicidade para os cabo-verdianos que emigram, o mesmo não pode dizer-se de um outro tipo de emigração tratado no romance: a que leva muitas cabo-verdianas para Dakar. Trata-se de uma emigração que objetualiza as mulheres como prostitutas e que em Chiquinho são representadas pela personagem de Maninha: “Ela contratada, com outras cabo-verdianas, para dançar num clube nocturno. Gabinetes reservados. Os franceses escolhem” (idem, 103).

Os Estados Unidos são para Chiquinho o que a bíblica Israel tinha sido para o povo eleito: uma “Terra da Promissão em que eu poderia realizar todas as minhas virtualidades” (idem: 204).

A última parte do romance aprofunda o dilema do protagonista: a perspetiva de, emigrando, obter bens que lhe assegurem uma existência confortável confronta-se com a permanência junto de familiares e amigos, mesmo que esta ponha a causa a sobrevivência de muitos deles; a emigração oferece-lhe a oportunidade de adquirir “gramofone, pianola, cómodas, louça fina, um ror de coisas”, ao passo que as ilhas lhe destinam quase fatalmente a “escravatura. Escravo não merece mais do que cama de cancarã, uma caixa de goiabeira, louça da Boa Vista e um pote ao canto da casa” (idem: 207). Chiquinho sonha, portanto, com the American way of life.

O sonho de Chiquinho é idêntico ao de muitos rapazes do Caleijão, que esperam a contratação como baleeiros para abandonarem definitivamente a ilha. O mar aparece então como porta de fuga a uma realidade árdua, ainda que acabe por ser substituída por outra igualmente penosa. Sair surge como desígnio inevitável, acabando muitos daqueles que emigram por não retornarem ao arquipélago:

Chegaram navios baleeiros na terra. Correu logo a notícia. Navio-de-baleia era fartura para a ilha. Os rapazes alvoroçaram-se, porque todos tinham vontade de ser recrutados. Começaram a chover pedidos aos encarregados do engajamento, pois o número de tripulantes de que os navios careciam era menor do que o dos pretendentes. Desembarcaram para ver a família muitos rapazes que faziam parte das tripulações. Mas não eram rodeados da admiração que cercava os americanos de verdade, que voltavam das fábricas e plantações da América com a algibeira pesada de dólares. Rapaz-de-baleia não traz dinheiro. Trabalha para os outros. Meses e meses nas pescarias do mar do sul e quando regressam à América recebem um pataco furado (idem: 64).

“América”, termo que encerra o romance de Baltasar Lopes, revela que a emigração, determinada pela precariedade de recursos em Cabo Verde, é o lugar onde Chiquinho projeta a concretização de uma vida feliz, como tantos outros cabo-verdianos.

Para além de admitir associações autobiográficas, o romance de Baltasar Lopes apresenta os motivos nucleares da literatura cabo-verdiana, elaborando uma espécie de lista identitária dessa literatura: a seca, a crise económica, a morte, a emigração, o amor, o apego telúrico, a tenacidade dos que se recusam a abandonar a pátria, a nostalgia do desconhecido e a saudade.[9]

3. Histórias de emigrantes cabo-verdianas

A biografia de Orlanda Amarílis (Santa Catarina, ilha de Santiago, 1924) é em si mesma uma realização da diáspora. Os seus estudos secundários foram iniciados na cidade do Mindelo (ilha de S. Vicente) e concluídos em Goa e em Lisboa. Com o marido, o investigador de literaturas africanas de expressão portuguesa Manuel Ferreira, viajou por todo o mundo. Orlanda Amarílis é, nas palavras de Claudia Pazos Alonso (2005: 46) “a displaced Cape-Verdian” que conhece com profundidade “the contradictions of being simultaneously an insider and an outsider”.

O sentimento de pertença e de ligação a Cabo Verde está omnipresente nas personagens das suas três coletâneas de contos: Cais do Sodré té Salamansa (1974), Ilhéu dos Pássaros (1983) e Casa dos Mastros (1989).

Cais do Sodré té Salamansa admite uma leitura simbólica: a estação lisboeta de comboios é o lugar de partida para vários destinos, o último e mais ambicionado dos quais a praia de Salamansa, em Cabo Verde. Metaforicamente, Salamansa representa o regresso à pátria, a materialização do sonho de muitos cabo-verdianos emigrados para Portugal. Ao mesmo tempo, o título sugere um movimento de circularidade: se o cais do Sodré pode ser o ponto de chegada de emigrantes cabo-verdianos, ele é passível também de uma interpretação simbólica como lugar de partida para Cabo Verde, território de chegada, real ou sonhada, de muitos cabo-verdianos emigrados.

O primeiro conto da coletânea descreve a existência lisboeta de uma emigrante cabo-verdiana que, enquanto espera o comboio, tenta identificar noutra mulher traços típicos de uma compatriota. Este impulso da protagonista, Andresa, corresponde a uma necessidade vital de encontrar “pessoas como ela, vindas daquelas terras de espreguiçamento e lazeira” (Amarílis, 1991: 11) para “estabelecer uma ponte para lhe recordar a sua gente” (idem: 15). Os momentos de decifração da identidade de anónimos que encontra na estação abrem a esperança a um reencontro, ainda que breve e despoletador de uma intensa nostalgia, com as suas origens.

A situação vivida por Andresa corresponde à definição de exílio proposta por Helder Macedo, numa leitura da obra de Claudio Guillén O Sol dos Desterrados. Literatura e Exílio. Sustenta o professor e escritor português (2007: 235) a dimensão comparativa da experiência do exílio: “todo o exílio é, em si próprio, uma situação existencial comparativa”. Também Edward Said destaca, pelo empréstimo do termo musical “contraponto” – sobreposição de uma melodia a outra –, a natureza comparativa de toda a experiência do exílio: “For an exile, habits of life, expression, or activity in the new environment inevitably occur against the memory of these things in another environment. Thus both the new and the old environments are vivid, actual, occurring together contrapuntally” (Said, 2000: 186).

Cabo Verde representa para a protagonista do conto o lugar da memória, da saudade, das raízes porventura perdidas para sempre: evocar a pátria constitui um reencontro com um universo rural, povoado de narrativas ancestrais, superstições, feitiçarias, histórias que unem a comunidade. Todavia, a memória significa também uma consciência mais apurada da solidão e do isolamento em Lisboa. A comparação entre a pátria e o país de acolhimento signfica também uma oposição temperamental: para Andresa, Cabo Verde é a terra do carácter amorável – a morabezza –, pacífico, tranquilo e solidário, ao passo que Lisboa é o lugar de um novo tipo de escravatura: aquela que é imposta por preconceitos raciais e pelo ritmo frenético do quotidiano.

Estes sentimentos tornam-se ainda mais marcantes na protagonista do conto “Desencanto”, que narra também a existência em Lisboa de uma cabo-verdiana inconformada com a condição de muitas mulheres no seu país, remetidas exclusivamente para tarefas domésticas. Para esta emigrante, a profissão de ”escriturária de segunda classe” e os múltiplos empregos temporários no país de acolhimento confrontam-na com a repulsa perante o constante assédio masculino – “Nunca conseguiu enfrentar os clientes sabidos e desnudaram-na com os olhos lascivos” (idem: 42) – e, sobretudo, os comentários racistas que a inferiorizam. Ela tem consciência que o esforço que fez para iludir a cor da sua pele é inútil perante um diálogo entre dois homens brancos: “Malandro, estás a fazer-te prà mulata” (idem: 45). A mestiçagem constitui um estigma que a reduz a uma condição errática e solitária: “Sempre a fugir de andar com os patrícios de cor para não a confundirem e afinal é um branco que lhe vem lembrar a sua condição de mestiça. Oh céus! É uma cigana errante, sem amigos, sem afeições, desgarrada entre tanta cara conhecida” (idem: 45).

Ainda que utópico, o regresso a Cabo Verde abre um caminho onírico de felicidade para as personagens femininas que protagonizam os dois contos. Por isso, elas realizam um percurso que recorda a experiência do exílio vivida por Ulisses e por Jasão, apresentada num soneto do poeta francês Du Bellay:

Heureux qui comme Ulysse a fait un beau voyage,

Ou comme celui-là qui conquit la toison,

Et puis est retourné, plein d'usage et raison,

Vivre entre ses parents le reste de son âge ! (Apud Guillén, 1995 : 79)

O desenraizamento imposto pela emigração é um motivo que Orlanda Amarílis retoma na segunda coletânea de contos, Ilhéu dos Pássaros. Tomarei em atenção apenas o conto de abertura. O drama da seca é novamente apontado como causa primeira do abandono do arquipélago na narrativa “Thonon-les-Bains”: nh'Ana confessa as expectativas que alimenta com a emigração e o projeto de casamento em França da sua filha Piedade:

Sabe, comadre, a vida aqui já não podia continuar como era. Sete anos sem chuva é muito. Eu não tenho nem uma migalha de reforma de Deus-Haja. Nós vivemos da renda dos bocadinhos de terra e de mais alguma coisinha, encomendas dos nossos rendeiros, um cacho de banana de vez em quando, uns ovinhos, um balaio de mangas uma vez por outra, umas duas quartas de milho e é tudo. (…) se nha fidja me mandar algum dinheirinho, posso começar um negócio de comidas, assim uma caldeira de catchupa com mandioca e toucinho para vender à boca-da-noite, um groguinho ou um pontche para emborcar em cima, e pronto (Amarílis, 1983: 14).

O desfecho trágico do conto expõe a discriminação a que muitos emigrantes são sujeitos, como pode inferir-se do relato feito por Gabriel, no regresso a Cabo Verde: Piedade é assassinada pelo namorado francês, mas nem o seu meio-irmão Gabriel nem os amigos se sentem capazes de denunciarem o homicídio, pois sabem que a imagem do emigrante é profundamente desmerecida:

Nh'Ana não consegue compreender por que motivos Gabriel não contou a verdade à polícia. E Gabriel responde: “Isso não adiantava nada. Eles sabiam mãe Ana, sabiam, isto é, desconfiavam, mas eu sou emigrante. Emigrante é lixo, mãe Ana, emigrante não é mais nada” (…).

Não sabia mais que dizer sobre aqueles dias de pesadelo, nem ia contar como ele e os companheiros tinham sido enxovalhados na polícia (idem: 25).

“Thonon-les-Bains” é, no conjunto de narrativas de Orlanda Amarílis, o conto que representa de modo mais trágico a experiência da emigração de cabo-verdianos, focalizando o drama numa personagem feminina, como é recorrente nos textos da autora.

O homicídio de Piedade e a ausência de denúncia fazem supor que os próprios emigrantes cabo-verdianos aceitam de algum modo – ou se resignam – a condição inferior de estrangeiros e a supremacia do europeu. É esta, creio, a conclusão a que chega Gregory McNab (1987: 66) a propósito da explicação do crime, afirmando que “Thonon-les-Bains” é:

A story about the experience of a Cape Verdean as well as that of a woman. The first of them may be labelled the primacy of the native (Jean) over the foreigner (Piedade). The implied existence of belief in such a primacy in the native society explains why the Cape Verdeans, who committed no crime in Thonon-les-Bains, were nevertheless evicted from their rooms and rejected as tenants for other quarters. It clarifies why Gabriel, the half-brother, did not denounce Jean to the police. (…) The second of those other embedded primacy statements related to the murder of Piedade is a racial one. We may designate it as white supremacy over non-white; we may also label it European over non-European or even First-World over Third-World.

4. Visões pós-coloniais da emigração e do exílio

Germano Almeida é atualmente um dos mais reconhecidos escritores cabo-verdianos. A sua extensa produção não abandona aqueles motivos que definem a identidade e os problemas que fazem parte da vida do arquipélago. Acrescenta-lhes outros que permitem caraterizar a sua obra literária como pós-colonial.

O romance Eva (2006), cuja diegese se localiza temporalmente no início do século XXI, contempla uma marcada componente política e civilizacional, da qual fazem parte, entre outras, reflexões sobre a guerra colonial; a importância do 25 de abril de 1974, quer enquanto manifestação de revolta contra totalitarismos, quer como momento que abre o caminho para a independência das colónias africanas sob domínio português; o isolamento, a agitação e a impessoalidade da vida moderna numa capital europeia; as dificuldades de acesso a bens culturais que persistem no arquipélago de Cabo Verde – “quem nos dera haver livros à venda em Cabo Verde, mesmo que nas ensebadas tascas das fraldas, perdidos entre garrafas de grogue, linguiça assada ou peixe frito de escabeche!” (Almeida, 2006: 14); o devir histórico do país depois da independência. A este propósito, a visão do narrador, temporal e criticamente distante dos acontecimentos, procede a uma revisão da perspetiva que, em Cabo Verde, imputava todos os problemas do país ao Estado que o colonizou: “A população (…) de repente começou a ver a independência como a mágica solução de todos os seus seculares problemas de secas e fomes, e ausência de saúde, e falta de escolas, e falta de trabalho, e o mais que durante toda a sua existência de 500 anos não tinha tido” (idem: 16).

O regime de partido único, que vigorou em Cabo Verde até 1990, merece também uma crítica do narrador, na medida em que ele “fez grande promessas de saúde para todos, educação para todos, trabalho para todos, enfim, a sociedade de abundância com que se tinha sonhado, não dava mostras de poder ver-se cumprida nos tempos mais próximos” (idem: 17).

O narrador mostra que, uma vez mais, é a emigração, sobretudo para Portugal, que se apresenta como a única forma de sobrevivência de muitos cabo-verdianos: estes novos emigrantes são aqueles que conservaram ou conseguiram obter a nacionalidade portuguesa, puderam adquirir um passaporte – pejorativamente chamado “folhinha de couve” por aqueles que o não conseguiram – e saíram do país.

As duas principais personagens masculinas do romance são emigrantes: Luís Henriques foi forçado a abandonar clandestinamente Cabo Verde para não ser integrado nas tropas de resistência; Reinaldo obtém uma bolsa para fazer a sua formação no Brasil. Prolonga a sua estadia por muito tempo, porque conclui que conheceria melhor o seu país e o seu povo “a partir da comparação com outras realidades e outras gentes” (idem: 16). Regressa a Cabo Verde onde se torna professor de liceu apenas porque não aceita a função de jornalista ao serviço do governo: “Uma das grandes preocupações do Poder era impedir a emigração de quadros que num futuro que se esperava breve viriam a ser de todo necessários ao desenvolvimento de Cabo Verde. Porém, não me interessava como emprego ser mais um porta-voz do Governo” (idem: 19).

A missão jornalística de Reinaldo é entrevistar doze compatriotas que voluntariamente se exilaram em Lisboa, porque sentiram que a independência os desamparou: “Queria ouvir os que durante toda a vida souberam e sentiram Cabo Verde como parte integrante de Portugal, e de repente se tinham visto desmamados e perdidos, porque abandonados pela Mãe Pátria e entregues a terceiros pelo próprio governo do país que era o deles” (Almeida, 2006: 21).

O conflito entre os dois apaixonados de Eva passa com frequência pelo desmerecimento da experiência da emigração: Reinaldo pensa que grande parte do êxito de sedução de Luís Henriques se deve relato de narrativas compungentes junto de Eva:

Você resolveu (…) falar-lhe abertamente da precariedade da sua vida em Lisboa, afinal muito pouco diferente da de qualquer dos nossos emigrantes analfabetos que partiram e nunca mais regressaram a casa, menos por vontade que pela falta de coragem de assumir perante os seus, isto é, a família e os amigos, a derrota das suas vidas nas famosas e cobiçadas terras de promissão (idem: 125).

O interesse de Reinaldo pela emigração de compatriotas é explicitamente manifestado: nas entrevistas que faz em Lisboa e numa viagem a Roterdão, onde procura emigrantes do seu país, o seu grande projeto jornalístico é a pesquisa sobre as influências da emigração na cultura cabo-verdiana (cf. idem: 176).

Não obstante a distância cronológica que o separa dos textos de Baltasar Lopes e de Orlanda Amarílis, o romance Eva possibilita uma aproximação a essas narrativas de tempos coloniais. Ainda que tome em consideração protagonistas doutro contexto histórico, continua a reconhecer a experiência penosa dos “novos” emigrantes. Eva e Reinaldo dialogam sobre “a precária situação em que viviam os nossos emigrantes de segunda e terceira geração a quem Portugal não reconhecia a condição de emigrantes, afora um ou outro que tinha a sorte de se revelar excelente em alguma arte, fosse música, desporto ou atletismo” (idem: 128).

Depreende-se deste diálogo um exame sobre o modo como Portugal acolheu emigrantes cabo-verdianos depois da independência. Eva torna-se por vezes um alter ego do narrador, questionando também “a vida miserável por que passavam os trabalhadores trazidos de Cabo Verde para não morrerem de fome nas ilhas, mas que ali sofriam com a rudeza de um clima impiedoso, para além da nostalgia que os compelia a juntarem-se em guetos que lhes impossibilitava toda e qualquer hipótese de integração nas terras de acolhimento” (idem: 147). Significativamente, esta meditação acontece durante uma receção realizada na embaixada de Portugal em Cabo Verde comemorativa do 10 de junho, consagrado como Dia de Camões e das comunidades portuguesas.

5. Conclusão

Em função das observações produzidas, julgo que podem retirar-se algumas conclusões:

Em primeiro lugar, a identidade cabo-verdiana é em grande medida construída pela memória da pátria, pela saudade e pelo desejo de voltar.

Em segundo lugar, a literatura do arquipélago jamais se alheou do papel que a emigração e o exílio têm na história e na configuração mental do país. Embora sejam tratados por outras literaturas africanas de expressão portuguesa – por exemplo, pela poesia lírica moçambicana, através de diversos poemas que José Craveirinha dedica à vivência sub-humana do magaíça, o jovem moçambicano obrigado a emigrar para as minas de ouro na África do Sul –, estes motivos assumem uma relevância determinante em Cabo Verde, configurando identitariamente o povo do arquipélago e a literatura nele produzida.

Em terceiro lugar, as abordagens literárias da emigração e do exílio representam um antes e um depois: se o antes é formado por expectativas e sonhos – sobretudo pelo American dream figurado em Chiquinho –, o depois reporta-se a experiências pouco compensadoras que passam a alimentar um outro sonho – o regresso a Cabo Verde, exemplarmente manifestado por Orlanda Amarílis na epígrafe da coletânea Ilhéu dos Pássaros: “Se eu pudesse estar agora no ilhéu dos Pássaros!”

Em quarto lugar, a ficção pós-colonial continua a interessar-se pelos motivos da emigração e do exílio, mas aporta uma visão inovadora que pode ver-se representada no romance Eva: interessam também ao narrador as histórias daqueles cabo-verdianos que, depois da independência do arquipélago, decidiram emigrar para Portugal. Trata-se de uma perspetiva original que se volta para aqueles cabo-verdianos que preferiram Portugal a Cabo Verde enquanto este viveu sob o domínio de um regime de partido único.

Em quinto e último lugar, ainda que distanciadas nos seus contextos históricos, as obras literárias cabo-verdianas fazem da emigração e do exílio experiências de desenraizamento, de comparação constante entre a pátria e o exílio, de choque cultural e de nostalgia do país natal Mas são também, como defendeu Orlanda Amarílis[10], a materialização da diáspora e porventura a marca mais profunda da identidade cabo-verdiana.

 

Referências

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[Submetido em 26 de maio de 2015 e aceite para publicação em 14 de julho de 2015]

 

Notas

[1]Cf. Rodrigues, 2011: 79.

[2]A morna – género musical original de Cabo Verde – canta o amor à pátria, a saudade, o mar, a emigração.

[3]Segundo Manuel Ferreira (1977: 108), o poeta Eugénio Tavares (1967-1936) foi o primeiro escritor cabo-verdiano a abordar o tema da emigração na composição “Hora di bai”(“Hora da partida”, “Hora da despedida”, “Hora di dor”).

[4]O tratamento dos motivos da seca e da insularidade é constante nos textos de Claridade e deixa uma herança duradoura na literatura cabo-verdiana. No caso específico de Cabo Verde, a insularidade é um conceito com duas significações: denotativa, remetendo para a geografia do arquipélago, e existencial, projetando-se no isolamento social, económico e cultural (cf. Maria Luísa Baptista (1994: 21).

[5]Num depoimento sobre o ficcionista e co-fundador de Claridade, Germano Almeida (2001: 125) considera que, “sem pretender minimizar a importância daqueles que escreveram em Cabo Verde e sobre Caso Verde antes do aparecimento da Claridade em 1936, o facto é que o surgimento nas ilhas de uma literatura intrinsecamente cabo-verdiana, quer na forma quer no conteúdo de denúncia das misérias do nosso quotidiano, fica a dever-se ao grupo que fundou essa revista”.

[6]Cf. Laranjeira, 1995: 190. Afirma Jane Tutikian (2007: 236) que “O movimento propunha o deslocamento de uma visão europeia para o passado do arquipélago, ao mesmo tempo em que recusava a tradição portuguesa. Procurava assumir a modernidade, sobretudo a realista, a busca das raízes antropológicas e culturais, manifestada no gosto pela etnografia e filologia do crioulo e, ainda, a valorização da criatividade popular. Apontava, dessa forma, a descoberta de um espaço marcado pela insularidade, pela fome, pela seca, pelo mar feito prisão e caminho de uma cultura essencialmente mítica”.

[7]Defende David Brookshaw (1985: 185) que o romance de Baltasar Lopes se situa “dentro do contexto dos ideais do movimento Claridade, ao qual o autor pertencia, sendo o seu romance um espelho mais ou menos fiel desses ideais”.

[8]Os romances de Manuel Lopes, Chuva Braba (1956), O galo cantou na Baía (1959) e Os Flagelados do Vento Leste (1960) podem ser lidos como retoma do tratamento dos motivos da seca, da fome, da miséria, que tão marcantemente definiram a obra dos claridosos, tal como é sustentado por Germano Almeida (2001: 128):

“É de facto sobre Cabo Verde, sobre o problema do povo de Cabo Verde, que Manuel Lopes conta nos seus livros, mostrando que Cabo Verde não é de forma alguma o jardim das Hespérides, não é o lugar onde os deuses vêm repousar. Pelo contrário, Cabo Verde é uma terra desprezada e esquecida onde os homens lutam desesperadamente contra uma natureza madrasta e vivem na miséria, e morrem de fome, abandonados por aqueles que viram e acreditarem serem seus irmãos”.

Em Os Flagelados do Vento Leste, o romancista retrata o destino dos cabo-verdianos vitimados pela fome, apresentando-os como um povo de extraordinária resiliência:

“Havia ansiedade nos seus olhos, mas também dureza e persistência. E havia esperança e coragem e medo. A esperança nas águas e o temor da estiagem faziam parte de um hábito secular transmitido de geração em geração. Todos os anos era assim: a esperança descia em socorro daqueles que tinham o medo na alma. Por isso ela era a última luz a consumir-se. Sim, a chuva chegaria um dia. Esperavam por ela como se espera pela sorte, no jogo (...).

Se não viesse, a alternativa seria apertar o cinto, meter a coragem no coração para a luta, como qualquer homem pode fazer quando cai no meio da borrasca. Já estavam habituados. Vinha de trás, de longe, esta luta. Esperavam sempre: até ao último momento. Até mesmo para lá do último momento. Mesmo aqueles que não sabiam esperar, e não acreditavam nas previsões dos homens, mesmo esses, não se atreviam a apagar, depressa, aquela luzinha; só no último momento desesperavam, porque alguma coisa pode acontecer quando já ninguém pensa nela” (Lopes, 2001: 14-15).

[9]Todos estes temas surgem integrados no ambiente social cabo-verdiano, como é sustentado por Alberto Carvalho (1998: xx): “Mediante uma criatividade muito hábil, o autor vai mais além da superfície de dados históricos para problematizar uma consciência em formação, a instituição formadora e o conflito que se gera entre ambas”.

[10]“Para nós, caboverdianos, a nossa diáspora concretiza-se na emigração” (Amarílis, 1999: 43).

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