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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.29 no.2 Braga  2015

 

FILOSOFIA CONTINENTAL CONTEMPORÂNEA: PENSAMENTO FRANCÊS

Violência, ética e religião

 

Luís Pereira*

*Universidade do Minho, CEHUM, Portugal.

migbasto@gmail.com

 

RESUMO

A violência, sobretudo numa leitura literária, é um conceito difícil de definir por si-mesmo. A noção declina-se em campos empíricos extremamente diversos. A violência pode qualificar uma multidão de objetos, desde as tempestades até à paixão amorosa. Mas talvez o mais significativo seja que ao falar de violência, todos nós sabemos já do que se trata. A violência, na perspetiva ricoeuriana, habita a interseção entre a ética e a moral, pois é nela que emerge a necessidade da aspiração a uma vida realizada passar pelo reino da norma, sob a égide da obrigação. E daqui se estende a todos os níveis da praxis, sobretudo o político até tocar o profundo da convicção humana no religioso. Mas, e se esta violência, mais que um instinto ou uma pulsão agressiva não fosse a manifestação, como Girard entende, da rivalidade entre humanos, por causa de um desejo mimético. Talvez os mitos religiosos e os rituais sacrificiais não sejam mais que expiações coletivas, que através da eleição de um bode expiatório, exorcizam esta rivalidade desestruturante e apaziguam momentaneamente a comunidade.

Palavras-chave: Violência, religião, ética, Ricoeur, Girard.

 

ABSTRACT

Violence, especially in a literary reading, is a difficult concept to define for itself. The notion may also be decline in extremely diverse empirical fields. Violence can qualify a multitude of objects, from storms to amorous passion. But the most significant is when we talk about violence, we already know what it is. Ricoeur's perspetive of violence inhabits the intersection between ethics and morality; because it is here that emerges the need of accomplishing life go through the empire of norm, under the aegis of the obligation. Violence also extends to all praxis levels, especially the political, and the human belief in religion. But if this violence, more than an instinct or an aggressive impulse, was not the manifestation, as René Girard believes, of antagonism between humans, because of a mimetic desire. Perhaps the religious myths and sacrificial rituals are nothing more than collective propitiation that through the election of a scapegoat, exorcise this deconstructive rivalry and briefly appease the community.

Keywords: Violence, ethics, religion, Ricoeur, Girard.

 

Uma escolha…

O nosso propósito não é de tentar compreender o fenómeno da violência, nem as suas manifestações, mas, tão-somente, interrogar dois grandes pensadores, que se questionaram acerca desta realidade e tentaram, cada um à sua maneira, desvendar os seus mecanismos e os meandros pelos quais se torna manifesta.

Não deixa de ser curioso que René Girard e Paul Ricoeur se encontraram historicamente em 1999, nos Encontros Internacionais de Genebra, subordinados nesse ano ao tema “Violences d'aujourd'hui, violence de toujours”, para falar precisamente acerca desta questão. Girard intitulou a sua conferência: “Violence et religion”. Já Paul Ricoeur fez uma longa dissertação sobre a Shoah, a que o mesmo deu o título de “Le mal que l'homme fait à l'homme: donner la mort”, acentuando a sua dimensão penal, histórica e literária.

Nesta apresentação, pareceu-nos de melhor grado apresentar o pensamento de cada autor de forma separada. Não queremos fazer qualquer disjunção ou justapor simplesmente ideias e conceitos. O propósito é tão-somente expor de forma clara e resumida o gesto de cada um, que, pelo menos, tem algo em comum: o fascínio pelo mundo do texto, a sua hermenêutica e aquilo que nos pode ensinar.

Paul Ricoeur

Paul Ricoeur é um dos grandes filósofos do século XX, desaparecido há precisamente 10 anos, mas cuja obra continua a ressoar no campo geral das ciências humanas. Humanista, filósofo e crente, desde sempre se interessou pela problemática do mal, do sofrimento e da violência. Neste seu gesto são particularmente importantes as suas obras A Simbólica do mal (1961), O Justo I (1995) e II (2001), bem como um conjunto de artigos publicados na revista Esprit, posteriormente republicados na coletânea Lectures 1: Autour du politique (1991).

No quadro de uma identidade narrativa, onde a pessoa é marcada por uma temporalidade constitutiva e uma história concreta, o “si-mesmo” é definido por um conjunto de capacidades: dizer, agir, recontar, a que se acrescentam a imputabilidade e a promessa. Uma dessas capacidades é o “poder de agir”, entendido como o poder de introduzir acontecimentos novos na natureza e na sociedade, introduz também a contingência, a incerteza e a imprevisibilidade no curso das coisas (Ricoeur, 2005: 126).

A tese que o autor defende é que estas capacidades implicam um face-a-face, uma relação de reciprocidade entendida no sentido forte do termo. Vejamos: o discurso dirige-se a alguém; a ação faz-se com outros agentes; a narração encerra um conjunto de protagonistas; a imputabilidade é a responsabilidade diante de um outro; a promessa exige uma testemunha. A presença do outro, desde sempre operante na constituição dialógico de “si próprio”, torna possível o aparecimento da violência, sintoma visível da manifestação do mal.

A ação implica a capacidade de fazer e exerce-se sobre a forma de poder. Esse poder pode ser exercido da parte de um agente sobre o outro. Esta ação pode tornar-se a qualquer momento um exercício da arbitrariedade e da violência nas suas mais diversas formas, desde a mentira, passando pela imposição de sofrimentos e pela morte, até à vontade gratuita de humilhar o outro.

1. A violência no campo ético-moral

A violência é a realidade maior que conduz o autor a seguir um percurso triádico desde a ética à sabedoria prática, passando pela moral. “A existência da violência constitui a circunstância maior da transição da perspetiva teleológica para o ponto de vista deontológico” (Idem, 1995: 19). O meio através do qual esta passagem se opera é o exercício da violência.

Se no campo ético a relação ao outro é marcada pela solicitude e assume a forma da amizade, a passagem à moral é marcada pela obrigação e o respeito que é devido ao outro, não na figura do próximo, mas do cada um. Ao considerar como absolutamente necessário tratar o outro como fim e não como meio, atestamos que a relação do homem ao homem não é marcada, inicialmente, pela interação ou pela cooperação entre agentes de força igual, mas pelo exercício de poder de uma vontade sobre a outra. “A ocasião da violência, para não dizer a passagem à violência, reside no poder exercido de uma vontade sobre outra vontade” (Idem, 1990a: 256) e “a moral […] é a figura que reveste a solicitude face à violência e à ameaça de violência” (Idem, 1990: 11). Esta vontade de poder pode passar pela simples dominação ou exploração, percorrer a estrada da violência física ou psicológica e chegar a pontos sem retorno como a agressão bárbara e a própria morte.

O trágico da ação emerge também através das decisões difíceis que é necessário empreender no seio de situações de incerteza, conflito e violência. O respeito pela norma e a solicitude pelas pessoas entram em conflito face à necessidade de escolher entre normas de igual peso num clima de incerteza e de grave conflitualidade (Idem, 1995: 24). A escolha não se faz entre cores opostas, como branco e preto, mas entre tons de cinzento. O que está em causa já não é o bem ou o mal, mas a escolha entre o mal menor e o pior.

2. O justo e o político

A sociedade procura criar os seus mecanismos para parar ou, pelo menos, controlar os efeitos devastadores da violência, sobretudo quando esta entra no círculo vicioso que se pode tornar infernal da punição-vingança. A filosofia do direito e a filosofia política representam as justas aspirações de um povo na luta contra a violência. E, enquanto a guerra é o tema lancinante de toda a filosofia política, a violência desempenha a mesma função em relação a qualquer filosofia do direito.

A violência projeta-nos no justo e no sentido da justiça. Aliás, Ricoeur nomeia o injusto antes do justo, pois, evocando as recordações de infância, o nosso primeiro contacto com a região do direito foi marcada pelo grito : É injusto!” (Ibidem, 11). Este grito inflamou a nossa indignação diante de várias situações típicas de injustiça que o autor sintetiza em três: as divisões desiguais, as promessas não cumpridas e as retribuições ou punições desproporcionadas (Idem, 1991: 177-179). A intenção moral da nossa indignação assume a expectativa precisa de uma palavra que instaure uma justa distância entre os antagonistas (Idem, 1995: 12). Assim se compreende que a justiça se entenda inicialmente como a procura de uma “justa distância, meio-termo entre a falta de distância característica de muitos sonhos de fusão emocional e o excesso de distância próprios da arrogância, do desprezo e do ódio do estrangeiro” (Ibidem, 72).

Ora, o obstáculo maior a ser vencido, para que esta justa distância possa ser instaurada é o desejo de vingança, ou seja, “a pretensão de fazer justiça pelas próprias mãos visa acrescentar violência à violência, sofrimento ao sofrimento” (Ibidem, 12). E, no fundo, a invasão do espaço legítimo do outro e as formas de retribuição injusta, objeto inicial da nossa indignação, não são mais que formas de violência infligidas pelos humanos uns aos outros. A separação entre os antagonistas só pode ser concretizada pela introdução de um terceiro que não seja nenhum dos protagonistas e represente também o sentido da imparcialidade para que o justo comece a distinguir-se do injusto. “Justa distância, mediação de um terceiro e imparcialidade enunciam-se como os grandes sinónimos do sentido de justiça, caminho ao qual a indignação nos conduziu” (Ibidem, 13). Esta é, por exemplo, a função do judiciário, onde o juiz, enquanto terceiro instruído, separa as partes em conflito e pronuncia uma palavra de justiça, que embora finita e revisível, possa instaurar a paz social.

Da justiça e do direito passamos necessariamente ao campo político. O político é caracterizado desde logo por uma racionalidade específica à qual adere um mal específico. Este é um dos campos privilegiados da ação, onde a violência está presente e toca a esfera do estado de direito.

Todo o Estado nasce da violência e transporta com ele as suas cicatrizes. Mesmo assim não é o facto desta violência fundadora que define a sua finalidade. O que marca a função do Estado, em primeiro lugar, é a forma e não a força. “A formação dos laços políticos, que nos constituem, enquanto cidadãos de uma comunidade histórica, não procede unicamente da necessidade de segurança e da defesa dos interesses articulares desta comunidade, mas de outra coisa como a ‘amizade política' essencialmente pacífica” (Idem, 2005: 129).

O Estado enraíza-se na natureza história e social da humanidade cuja finalidade específica é a de ajudar uma comunidade a fazer a sua história. Neste campo, a racionalidade do estado acentua o aspeto constitucional, a igualdade de todos perante a lei, a independência do poder judicial, o controlo parlamentar e a educação de todos na liberdade de discussão.

Porém, o Estado detém também o monopólio da violência legítima. Mesmo assim, conceder a um Estado o privilégio da violência legítima, não é defini-lo pela violência, mas pelo poder (Idem, 1985: 7). O paradoxo do Estado de direito e da sua fundamentação política está na confrontação e conjugação no seu seio da forma e da força. Se o estado é Vontade, como corpo político ele caminha na história, não apenas como intenção razoável, mas como tomada de decisões. Apesar disso, ele não deixa de transportar a cicatriz original da violência que o constituiu na sua formação. René Girard vê mesmo a construção do estado como um avatar para controlar todas as violências intestinas (Fournier, 2013: 46).

O paradoxo do poder está no facto de ser ao mesmo tempo um instrumento legítimo do Estado, mas também uma grandeza usada pelo homem, sujeita ao mal. O estado, o cidadão e a vida política estarão sempre marcados pela conquista, reconquista e manutenção do poder. No entanto, a sabedoria prática deve intervir numa democracia, promovendo a participação dos cidadãos, o caminho da discussão livre e a formação de uma opinião pública. Internamente ao Estado, ela é a arte de conciliar a racionalidade técnico-económica e a razoabilidade acumulada pela história dos costumes; externamente, a sua função é a passagem à não-violência generalizada e à paz civil (Ricoeur, 1985: 8). Já Girard mantém que o estado é um avatar do sacrifício que nasceu para controlar a violência que nasce, como já veremos, do desejo mimético que pode contagiar toda a ordem social.

3. O religioso

No diálogo entre Paul Ricoeur e Hans Küng no canal Arte, a 5 de abril de 1996, tendo por base a publicação por este último do Manifesto para uma ética planetária, um dos aspetos que emerge é a violência no campo religioso. Neste diálogo, parte-se do facto sólido de as religiões continuarem a inspirar guerras e de no planeta se continuar ainda a matar em nome de Deus. Como poderá esse obstáculo ser transposto, ao mesmo tempo, por cristãos, mas igualmente por outras religiões?

Ricoeur começava por reconhecer a tendência sempre atual para a violência no interior de uma convicção religiosa. E, neste sentido, o preço a pagar é, por isso, muito elevado para cada confissão religiosa. É preciso antes de mais conhecer as razões desta tendência para a violência existente na religião e como podemos purgá-la do seu interior. Não se pode estigmatizar um credo religioso, como alguns o fazem atualmente em relação ao Islão, dado que mesmo os cristãos que são fundamentalistas gostariam também eles de lançar uma guerra contra aqueles que não acreditam, contra os agnósticos, contra os ateus, e esta guerra chegaria certamente a atos de violência.

Os dois autores reconhecem que esta tendência emana do dogmatismo que está presente em todas as religiões. Porém, Ricoeur afasta-se da tese central de Küng que visa o estabelecimento de uma ética planetária como fundo para o qual contribuiriam também todas as religiões. Além de duvidar da sua eficácia, o autor mostra bem que a convicção está muito para além de um exercício simplesmente ético.

Neste sentido, Paul Ricoeur mostra a necessidade de uma autocrítica que deve partir do próprio fundo de uma convicção forte. O perigo da violência não está somente em instrumentalizar a religião, mas no apego das religiões à sua missão profunda de dizer uma Palavra que as ultrapassa, onde pode haver uma pretensão em dominar os outros, a impor a sua força. Como purificar então essa convicção da força de uma Palavra que nos precede e da tendência a impô-la pela violência? Eis a questão fundamental que o autor coloca (Ricoeur & Küng, 1996: 2).

A resposta a estão pergunta fundamental está no fundo da própria convicção religiosa e passa pelo reconhecimento de que existe qualquer coisa que não é dito numa dada religião e que talvez é dito numa outra. O autor compara a herança religiosa a uma língua na qual crescemos, e esta língua, certamente, praticamo-la com conhecimento de outras línguas. Como receber então, como num exercício de tradução, numa espécie de hospitalidade linguística, esta verdade dos outros que talvez não seja dita na minha língua?

Citando Karl Jaspers, o autor assume a dificuldade da tarefa, pois a mesma afigura-se como um “combate amoroso” [lieberder Kampf] e não como uma espécie de conivência fácil (Ibidem, 7). A única forma de vencer a tendência para a violência de uma confissão religiosa está em esta procurar na sua tradição específica o fundo que ela própria não domina, que ela não pode expor como fórmula dogmática e que, por assim dizer, a dirige de longe, a partir de um ponto obscuro e da sua luminosidade. É necessário reconhecer que esse ponto de luminosidade obscura está presente noutro lado, não sabendo o crente de que forma. “Para reencontrar, por assim dizer, a motivação da não-violência da minha própria convicção, é preciso que eu encontre no próprio fundo da minha convicção o motivo para condenar e quebrar o momento de violência da convicção, para reencontrar no fundo da convicção o que não posso dominar. Dito de outra forma, não sou o mestre do sentido” (Ibidem, 9-10).

Ricoeur vê o crente como o depositário de uma mensagem. Mas esta mensagem não somente o ultrapassa, como também o desarma. E é na medida em que ela o desarma, que este se pode dirigir ao outro e esperar que ele faça o mesmo caminho. Ricoeur pensa em particular no caso do Islão. “Estou convencido, é a minha grande convicção, que o Islão fará à sua maneira um caminho semelhante ao nosso. O Islão foi vítima de tanta violência que foi igualmente impedido de fazer esse caminho. Está verdadeiramente aí a minha convicção religiosa profunda de que todas as religiões são capazes de fazer esse caminho contra elas mesmas e contra o seu próprio fundamentalismo. Tenho grande confiança no Islão que hoje condena as violências ditas em nome do Islão” (Ibidem, 10). E Ricoeur termina dizendo que “deve existir aí, nos recursos de cada religião, qualquer coisa de semelhante ao que nós chamamos conversão, que é um movimento de retorno contra a componente de violência de uma convicção” (Ibidem).

4. Luta pelo Reconhecimento

“A ideia de luta pelo reconhecimento está no coração das relações sociais modernas” (Ricoeur, 2005: 127). A falta de consideração, a humilhação, o desprezo e a violência têm um papel decisivo na motivação destas lutas que atingem o nível afetivo, jurídico e social, que ultrapassam em muito o direito natural e fixam-se sobretudo no papel central que tem a luta na conquista da igualdade e da justiça.

O problema é que esta relação ao outro não é um facto espontâneo, mas uma procura que não se efetiva, pelo menos, dizemos nós, grande parte das vezes, sem conflito e sem luta. Esta luta que constitui sempre uma violência, uma força potencialmente descontrolada, não termina ao nível dos direitos mas atinge o humano no seu ponto mais fulcral, ou seja, no seu valor pessoal e na sua capacidade de alcançar a felicidade segundo o ideal próprio a cada um do que é para si uma vida realizada. Esta luta pela estima está presente nos mais diversos lugares de vida: nas relações laborais, nas relações de proximidade, nos múltiplos encontros que tecem o quotidiano da pessoa humana.

O autor coloca a questão se não podemos fazer esta experiência do reconhecimento de uma forma pacífica, que não passe pela luta, que gera entre outras formas a violência, mas através de uma espécie de boa vontade originária. O argumento utilizado é o cansaço que esta luta pelo reconhecimento nos provoca, numa espécie de círculo vicioso insaciável, onde nunca estamos satisfeitos, caindo numa espécie de infinito mau.

Ricoeur procura apontar um caminho possível que quebre este círculo infernal. Socorrendo-se dos dados da sociologia, aponta um percurso pacificado sobre o bem conhecido modelo do dom cerimonial. A lógica da troca de dons, neste ritual cerimonial, não obedece às leis do mercado, mas a uma reciprocidade que consiste não numa obrigação, mas num “apelo” a dar novamente. A troca de dons é o reconhecimento de um pelo outro, uma contrapartida pacífica da luta pelo reconhecimento. “Esta cadeia de generosidade é o modelo de uma experiência efetiva de reconhecimento sem luta que encontra a sua expressão em todas as trevas das nossas lutas” (Ibidem, 128).

E as nossas sociedades extremamente pautadas pelas trocas comerciais? Aí podemos encontrar traços dos antigos dons cerimoniais das sociedades arcaicas na generosidade e na partilha de bens. Este desinteresse encontra-se em geral a sua expressão pública nas festas familiares ou amicais. “O festivo em geral é o herdeiro da cerimónia do dom nas sociedades mercantis” (Ibidem, 129). Estes momentos são o armistício da paz, pois interrompem as lutas, a lógica cruel do mercado e os seus mecanismos insensíveis. Talvez esta experiência nos mostre que luta e festa estão entrelaçados num laço primitivo, onde do desafio da guerra passamos ao cuidado que suscita o encontro do outro, sobretudo aquele que nos é diferente.

René Girard

René Girard, arquivista-paleógrafo de formação, é antropólogo e membro da Academia Francesa desde 2005. O seu pensamento decifra o mecanismo fundador e mimético da violência, raiz de toda a ordem simbólica. Professor emérito de literatura comparada na universidade de Stanford, nos Estados Unidos, onde habita, é autor de uma trintena de obras, das quais se destacam Mentira romântica e verdade romanesca (1961), A violência e o sagrado (1972), O Bode Expiatório (1982).

René Girard pretende situar-se fora da esfera de todo o humanismo e de toda a filosofia da consciência, mesmo disfarçada de psicanálise existencial. Girard faz do homem um desejo e do desejo um mimetismo. Fala-nos da violência e do homem, de uma violência que é o homem, na sua relação recíproca ao outro. No seu livro, A violência e o Sagrado recusa o ponto de vista da psicanálise de tipo freudiano, assim como a visão estruturalista de Lévi-Strauss. Mesmo em relação à etnologia, que lhe fornece o seu instrumentum laboris, toma as devidas distâncias.

O seu gesto remonta às origens de todo o edifício cultural e social. Aí, Girard encontra a violência, não como um caso limite ou então um conceito regulador, mas como evidência cega e realidade eficaz. Uma das dificuldades está no facto de a sua teoria se basear em acontecimentos que não podem, nem são verificáveis empiricamente. Tal corresponde à própria natureza da violência, pois o seu desconhecimento aparece como uma impotência, que corresponde ao próprio facto do seu aparecimento (Girard, 1972: 438). Por outro lado, a tese da violência como facto primordial é a única que torna compreensível realidades culturais tão complexas, quanto opacas, como o canibalismo, o incesto sagrado ou os sacrifícios humanos, exemplos privilegiados dados pelo autor.

E se a violência estivesse na origem das sociedades. E se esta antes de ser um mal-entendido, um constrangimento, fosse o elemento indispensável à formação e à continuidade de todas as sociedades. Como um incêndio, uma tempestade, um maremoto, a violência propaga-se através dela mesma, foge do controlo de tudo o que está à sua volta. Controlar esta violência, desviá-la, dominá-la, é o papel do sacrifício em todas as suas formas.

1. Desejo mimético

Girard começou por interessar-se pelo fenómeno da violência mimética, estruturante em todas as sociedades. No seu ensaio Mentira romântica e verdade romanesca, o autor, analisando a tragédia, homólogo arcaico no domínio da literatura do romance moderno, confronta esta com os dados mais recentes da etnologia.

O autor defende a famosa tese do desejo triangular, isto é, entre o sujeito que deseja e o objeto desejado existe um mediador que o sujeito procura imitar. “O verdadeiro modelo do desejo não é uma linha reta entre o sujeito e o objeto, pois não é o sujeito que é decisivo como no romantismo, como também o não é o objeto como no realismo, mas sim a relação ao modelo” (Idem, 2013: 45). O decisivo é a relação ao modelo que nós admiramos. Assim, o que nós desejamos é o que o modelo que nós admiramos deseja e, por conseguinte, concorremos com ele até ao combate para obter o objeto do nosso desejo. Nesta rivalidade, o objeto perde o seu valor inicial e opera-se a passagem do “desejo triangular” ao “desejo mimético”.

No seu primeiro grande ensaio, Mentira romântica e verdade romanesca, já atrás referido, o autor elucida o princípio do objeto do desejo, designado como o terceiro e provocador e origem de uma escalada de violência. Assim, os heróis de Stendhal, de Proust ou Dostoïevski, tanto tecem entre si relações de admiração, como, rapidamente, estas se transformam em inveja e ciúme (Idem, 1972: 341). Girard dá o exemplo de todas as primeiras peças de Shakespeare onde existem sempre dois amigos que tudo partilham até se apaixonarem pela mesma mulher. Aí é a catástrofe (Ibidem, 78).

Através da teoria mimética, René Girard lança as bases de uma nova antropologia da violência. O que caracteriza a nossa moderna civilização é o facto que ela nega, de uma certa forma, a violência. Portanto, quer o pensamento mítico (a tragédia grega), quer as sociedades arcaicas, estão cheias desta violência.

Pensamos que somos livres, mas esta é uma “ilusão romântica”. Somos constantemente manipulados por fenómenos, como a moda, o marketing, a publicidade, etc. Hoje, o princípio da publicidade não está em dizermos que um produto é melhor que o outro, mas em mostrar-nos modelos de pessoas, que nós queremos ser, consumindo os produtos publicitados. Se consumirdes esse produto, tornar-vos-eis como as pessoas que vós admirais (Fournier, 2013: 46).

Aprendemos na escola que os veados lutam pelas mesmas fêmeas, mas, geralmente, o macho dominado acaba por se afastar. Ora, os homens são capazes de inventar algo extraordinário que não é nem da ordem do instinto, nem da instituição, e que se chama vingança. Este mecanismo não tem limites, nem no espaço, nem no tempo, pois é religioso, ou seja, é sagrado. A vingança é aquilo que não podemos aceitar, pois se a aceitarmos, todos os cidadãos correm risco de vida. Ao mesmo tempo, caímos no seu círculo vicioso, pois sancionando-a estamos já a entrar no seu círculo de morte. Quando dois indivíduos desejam um objeto, o peso mimético tende a aumentar e a estender-se a um terceiro e assim por diante, criando o efeito bola de neve.

Como a violência mimética é contagiosa, corre-se o risco desta contagiar todo o grupo, por isso, as sociedades e todas as ordens sociais instauraram paulatinamente o sacrifício para dirimir este perigo e assim instaurar a paz social (Idem, 1972: 51). É neste sentido que o Estado, construído para dominar as violências intestinas, é uma metamorfose do sacrifício (Fournier, 2013: 46).

2. A violência

A violência que vivemos hoje é um princípio fundador do homem. O homem é mais violento que os animais porque também é mais imitador que estes (Ibidem, 48). O autor recorda o pensamento de Aristóteles para quem o homem é o mais imitador de todos os animais, porque o mais dotado para a aprendizagem (Ibidem, 45). Pode aprender qualquer coisa, por isso é o mais inteligente. Mas, o que os homens imitam são os desejos uns dos outros.

Girard evoca no seu pensamento a ontologia trágica dos pré-socráticos. O cosmos, a civilização, a consciência e o homem são um equilíbrio frágil, constantemente ameaçado por forças antagónicas. “A violência é pai e rei de tudo” (Girard, 1972: 203) e o homem é violência. No âmago da tragédia, o autor descobre o rito e, no centro deste, a violência. No seguimento desta constatação, enuncia a tese que a tragédia e a etnologia têm o mesmo discurso, ou seja, a constatação que o religioso está na origem das sociedades, dado que na origem do religioso está o sacrifício, facto primordial e ponto culminante de todos os rituais (Ibidem).

A função primordial do sacrifício em todas as suas formas está no facto não de expiar uma falta, mas em transferir a violência e a possível vingança dos seres que procuramos proteger, ou seja, a comunidade, para outros seres, as vítimas, cuja morte tem menos valor. “Instintivamente, procuramos um remédio imediato e violento para a violência insuportável. Os homens querem convencer-se que os seus males relevam de um único responsável do qual é fácil libertar-se” (Ibidem, 118). Daí que o sacrifício é uma forma de enganar a violência através da violência (Ibidem, 18).

Girard não procura defender a violência, muito menos propor que a Polis está fundada sobre a mesma. O que funda a cidade são os interditos. Todas as sociedades procuram criar uma zona de não-violência significada pelo interdito como espaço indispensável ao desenvolvimento de tudo o que faz o humano e a sua humanidade. O sacrifício não deixa de ser uma transgressão ritual do interdito. Porém, não podemos enganar a violência a não ser que lhe criemos um propiciatório (Ibidem, 17). Esse papel é desempenhado pelo sacrifício que guardando sempre qualquer coisa de criminal e destruidor, não deixa de ser benéfico pela sua função ritual, ou seja, parar a violência (Ibidem, 203).

O homem não é naturalmente amigo do homem. E, o encontro do homem com o outro homem acaba por provocar uma violência recíproca que, se não for parada, conduz inevitavelmente à destruição total. Desde o início a violência revela-se pronta a ser substituída por um objeto de troca que cumpre uma dupla função: uma única vítima une e substitui todos os membros da comunidade; essa vítima sacrificial é substituída pela vítima emissária no sacrifício ritual. A violência de todos contra um tem uma função fundadora. Ela liberta a comunidade da sua culpabilidade.

3. O sagrado e o sacrifício

O sagrado não é mais que o absoluto da violência. O sacrifício arranca a violência ao homem, torna-a uma entidade separada e coloca-a à distância. Cria-se um processo de dessacralização que conduz às instituições políticas e sociais e à ordem cultural no seu conjunto. O homem cai numa teia delicada, um autêntico dilema existencial. Se, por um lado, não pode viver no sagrado, com a sua própria violência, correndo o risco de cair no fascínio da autodestruição, por outro, também não pode habitar o esquecimento desta violência fundadora sempre capaz de regressar. O rito desempenha, então, essa dupla função de manter a violência a uma justa distância, pois recolhe os seus efeitos benéficos, preservando, ao mesmo tempo, o homem dos seus malefícios.

O sacrifício desempenha tanto o papel de manifestar, como o de aplacar a violência. O grupo reúne-se em torno de uma vítima emissária, simbolizada numa vítima ritual que é imolada depois de ser devidamente selecionada. Esta catarse menor deriva de uma outra maior, ou seja, o sacrifício assume o papel preventivo, pacificador e unificador, que afasta o espírito de vingança e conduz a sociedade à vivência de um tempo de paz. “A sociedade procura desviar para uma vítima relativamente indiferente, uma vítima ‘sacrificável', uma violência que pode atingir os seus próprios membros, precisamente aqueles que ela quer a todo o custo proteger” (Ibidem, 17).

A ligação entre a religião e a violência é mais evidente nas religiões arcaicas onde o sacrifício está no coração da organização social e o mito é uma das formas das sociedades falarem das suas origens violentas. A violência ritual tem a particularidade de ser dirigida a vítimas, significantes ou não, que a sociedade aceita de destruir: animais ou homens, prisioneiros de guerra ou vizinhos que se tornam bodes expiatórios.

As sociedades primitivas instauraram progressivamente o sacrifício para exorcizar esta violência. Não podemos dizer que tal mecanismo foi instaurado voluntariamente, pois a mimese, ou seja, a imitação conflituosa, sendo da ordem do voluntário, torna-se de tal forma forte que os objetos desaparecem, permanecendo somente os adversários. Porém, haverá um momento onde a mimese se concentra num único indivíduo. Todos vão adotar o mesmo adversário, isto é, de repente e sem sabermos porquê, tudo e todos estão de acordo contra a mesma vítima.

René Girard revisita também o pensamento bíblico, pois quer o judaísmo, quer o cristianismo relevam do mecanismo do bode expiatório. Quer numa religião, quer noutra, a crise sacrificial (estado de violência contagiosa e indiferenciada que precede a definição de uma vítima emissária) está presente, como nos cultos arcaicos. Mas, contrariamente a estes, o aspeto relevante sublinhado é a inocência da vítima emissária. Podemos citar os exemplos bíblicos de José, objeto da inveja e ciúme de todos os irmãos, de Job que clama a sua inocência diante dos seus amigos, mesmo o mito adâmico das origens e o crime fratricida de Caim em relação a Abel (Ibidem, 17-18).

No texto evangélico, contrariamente ao mito, estamos claramente numa situação de questionamento. Cristo nos Evangelhos revela ao mundo o mal que o consome e é eleito como o bode expiatório das elites judaicas. Os relatos evangélicos da paixão utilizam o termo profético de “Cordeiro de Deus”, inocente, levado para o matadouro sem abrir a boca. É a multidão aturdida que condena um inocente e, a partir deste momento, por analogia, todas as vítimas emissárias são inocentes.

As relações humanas são essencialmente instáveis e caminham na direção de dois extremos: o amor ou a violência. Se caminhamos na direção da extrema violência, a sociedade torna-se impossível. A única forma de parar a violência, para o autor, é o efeito mimético sobre uma mesma vítima. E Girard, chega mesmo a afirma que “quantos mais bodes expiatórios existirem numa instituição, menos ela se arrisca a degenerar” (Fournier, 2013: 52).

4. Crise sacrificial

Pertencemos a uma sociedade de “crise sacrificial” permanente, pois aparentemente o sacrifício não existe. Esta tensão se, por um lado, nos redime, pois é criadora de uma ciência extraordinária, por outro, ameaça-nos constantemente de destruição. O autor afirma que só a Teologia da Cruz de São Paulo e os Evangelhos podem desvelar o origem escondida das instituições humanas e servirem de antídoto contra a violência, quer sejamos crentes ou não. Para recusarmos a violência precisamos de recusar as represálias e seguir a nova ordem do Reino de Deus. Porém, a Cruz prova que os homens preferiram seguir um outro caminho. Face a esta realidade, Girard não esconde o seu interesse pelo pensamento apocalíptico e não hesita nos seus últimos livros a aceitar cada vez mais esta tonalidade específica.

Paradoxalmente, os homens não podem mesmo amar o cristianismo, porque o cristianismo diz-nos que a violência não está em Deus, nem é Deus, mas nós. Aliás, os primeiros textos da bíblia são ainda marcados pela violência divina, o “Deus dos exércitos”, mas a partir do movimento profético ela desaparece completamente. As religiões arcaicas dizem precisamente o contrário, por isso são muito agradáveis. O cristianismo revela-nos a natureza do sagrado que nos protegia da violência. Porém, o cristianismo nunca foi tão violento como hoje (Ibidem, 59).

Estamos atualmente num estado de crise sacrificial (Girard, 1972: 69). Temos alguns bodes expiatórios, mas não podemos mais divinizá-los. Porém, como não temos mais ritos sacrificiais, não sabemos como expurgar a violência. E, se no plano da inteligência criadora, somos extremamente fecundos, na prática, não deixamos de estar constantemente ameaçados por ela. A nossa inteligência e a nossa malícia tornam-se cada vez mais argutas no universo e nós somos permanentemente levados por esta espécie de caminho sem retorno.

O sacrifício é capaz de parar a violência e de “fazer a paz”. Porém, o seu efeito acaba por perder-se e é a memória do sacrifício passado que nos diz que é necessário recomeçar, escolhendo uma nova vítima sacrificial. O que é essencial é que a vítima pareça culpável e é, por isso, que a matamos. A ideia de divindade é isto, embora nada tenha de divino, pois é mesmo uma ideia realista, material e cínica.

Conclusão

A violência é uma realidade transversal a toda a história da humanidade. Povos, culturas, nações exercem entre si formas de violências, mais ou menos declaradas, e esta irrompe quando menos se espera nos comportamentos ou nas relações sociais. Os conflitos estão sempre latentes na história dos homens e o homem parece ter dentro de si um apetite sórdido que o inclina tanto à violência, como a exorcizar as enormes tensões acumuladas, fruto de um ritmo de vida frenético, crispações históricas herdadas, ódios e rancores cultivados, sobretudo no seio da exclusão social ou do radicalismo ideológico.

Paul Ricoeur e René Girard não procuram fazer da violência um ponto de partida ou então um eixo central de pensamento, qual chave hermenêutica da ação. Refletem sim sobre a sua origem, os lugares onde se manifesta e as consequências que produz. Ricoeur diz-nos mesmo que o espaço público não é moralmente neutro concernente à violência. Sabemos o que é um ato violento, mesmo que não saibamos ainda definir o seu conceito. Isto quer dizer que o seu conceito é bem mais problemático que o seu uso.

A violência é algo ou pelo menos alguma coisa com a qual nos temos de confrontar ao longo da vida e que reclama uma estrutura de análise. Cada um à sua maneira procura decompor as suas formas, constatando ao mesmo tempo que ela está já presente, ao menos como possibilidade, na praxis. O que não deixa de nos interrogar sobre “o que é o homem?” e quais as circunstância e possibilidades de uma antropologia do viver em comum, tributária de um equilíbrio frágil, constantemente ameaçado e ameaçador para o devir humano.

 

Referências

Fournier, A. C. (2013). Regards sur notre temps. Paris: Mame.         [ Links ]

Girard, R. (1961). Mensonge romantique et vérité romanesque. Paris:Bernard Grasset.         [ Links ]

— (1972). La violence et le sacré. Paris: Bernard Grasset.         [ Links ]

— (1982). Le bouc émissaire. Paris: Grasset.         [ Links ]

Küng, H., Ricoeur, P. (1996). As religiões, a violência e a paz. Para uma ética planetária. Consultado em junho 23, 2015 em http://www.uc.pt/fluc/lif/publicacoes/textos_disponiveis_online/pdf/Conversa_Hans_Kung_Paul_Ricoeur_1996.pdf        [ Links ]

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— (2013). A Simbólica do Mal. Lisboa: Ed. 70.         [ Links ]

 

[Submetido em 20 de junho de 2015 e aceite para publicação em 26 de julho de 2015]

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