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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.29 no.1 Braga  2015

 

Competência empreendedora e sua configuração linguístico-textual: o papel das figuras interpretativas do agir

Entrepreneurship competence and its textual-linguistic configuration: the role of interpretative figures of acting

 

Rosalice Pinto*

*CLUNL/UNL, Portugal.

rpinto@fcsh.unl.pt

 

RESUMO

Este artigo, centrado essencialmente na perspectiva teórica do Interacionismo Sociodiscursivo (Bronckart, 1999, 2008), procura analisar de que forma o agir empreendedor pode vir a ser linguístico-textualmente descrito. É a partir da configuração linguística das formas de interpretar do que venha a ser o empreendedorismo, em função de referentes diversos, que definiremos as figuras competenciais. Defende-se, assim, a ideia de que existem grupos de configurações linguísticas específicas que podem vir a retratar diferentes formas de pensar e interpretar o agir empreendedor, variáveis de acordo com a diversidade referencial. Para análise foram realizadas transcrições de debatesde ideias sobre a temática ação empreendedora junto a graduandos de 1º ano, integrados em universidades públicas e privadas portuguesas, em faculdade distintas. Resultados preliminares apontam, a partir do levantamento de algumas categorias linguísticas, que as figuras competenciais apresentam diferentes ´tonalidades´ em função da atividade social em que o agir empreendedor se veicula.

Palavras-chave: empreendedorismo, competência, figuras interpretativas do agir, Interacionismo sociodiscursivo, categorias linguísticas.

 

ABSTRACT

This article is focused on the theoretical perspective of Sociodiscursive Interactionism (Bronckart, 1999, 2008) and its goal is to analyse how entrepreneurship may be textual and linguistically described. It is through the linguistic configuration of the different ways of interpreting entrepreneurial acting according to the various references that one will be able to define what is considered to be competencial figures. In this way, we support the idea that there are groups of specific linguistic configurations which may portray different ways of thinking and interpret entrepreneurship, according with referential diversity. For our analysis we carried out transcriptions of debates of ideas on the theme of entrepreneurship done by 1st year graduate students whom were integrated in Portuguese public and private universities in different faculties. The results indicate that the interpretation of the entrepreneurial acting may present different ‘tonalities' depending on the social activity to which the acting is linked to.

Keywords: entrepreneurship, competence, interpretative figures of acting, Sociodiscursive Interactionism, linguistic categories.

 

0. Introdução

No mundo globalizado em que nos situamos, o termo empreendedorismo[1] está a assumir um elevado protagonismo nos diversos segmentos sociais, tanto no âmbito político quanto académico. Entendido de forma genérica como o processo de identificação e de exploração de determinada oportunidade de negócio, o desenvolvimento de uma atitude empreendedora no contexto social vem sendo considerado, por muitos, como um dos importantes motores do desenvolvimento mundial. No contexto europeu, nas últimas décadas, com a grave crise de desemprego, quer inicialmente pela introdução em muitos sectores de procedimentos informatizados, quer mais actualmente pela grave crise europeia com políticas económicas e sociais conduzidas por planos de ajustamento impostos pela Troika[2] e, com o “Estado social em risco[3]”, o empreendedorismo passou a ser ainda mais valorizado. Indivíduos empreendedores são aqueles que identificam e exploram novas oportunidades, tanto em que iniciativas individuais (abertura de novos negócios) quanto nas organizações em que se inserem.

Dados mais recentes pontuam que, ao se medir a taxa de actividade empreendedora na Europa, Portugal situa-se no 13º lugar entre os 16 países da União Europeia que participaram do estudo. Embora algumas medidas estejam sendo realizadas pelo governo para fomentar o empreendedorismo no país, como o incentivo à criação de empresas, desenvolvimento de incubadoras e diminuição da burocracia no processo de criação de empresas, muito ainda deve ser realizado para fazer de Portugal um país mais empreendedor. Na verdade, a resolução deste problema passa por estas atitudes governamentais[4], mas, no nosso ponto de vista, deve estar ancorada fundamentalmente, no desenvolvimento de uma atitude empreendedora nos diversos segmentos sociais. Assim, os indivíduos devem ser levados a desenvolver competências que os tornem mais autoconfiantes, mais proativos, estando empenhados na busca de informações e de novas oportunidades para gerar ideias e atrair recursos.

Nesta pesquisa, como não trabalhámos com pequenas e médias empresas, assumimos que o empreendedorismo diz respeito à criação/a expansão de ideias inovadoras a partir de oportunidades identificadas em determinada actividade. Ainda, limitámos o nosso estudo a duas formas de empreendedorismo[5]: o empreendedorismo organizacional e o empreendedorismo social. O primeiro diz respeito à forma como ideias inovadoras/reatulizadas são difundidas no interior /no exterior das organizações, fomentando junto a colaboradores/parceiros uma atitude empreendedora. O segundo pode ser desenvolvido por indivíduos que apresentam soluções para problemas sociais.

Face a esse contexto, este trabalho, recorte de uma investigação mais ampla[6] sobre o agir empreendedor e sua configuração textual, baseia-se fundamentalmente no quadro teórico-metodológico do Interacionismo Sociodiscursivo (doravante ISD). Visa identificar, a partir de debates de ideias realizados com alunos de licenciatura em universidades públicas e privadas portuguesas, com e sem fins lucrativos, as representações coletivas/individuais que esses indivíduos têm sobre o empreendedorismo. A partir da transcrição dos debates, procurou-se, através do levantamento de algumas marcas linguísticas inseridas em tipos de discurso (Bronckart, 1999), identificar de que forma o empreendedorismo pode vir a ser interpretado, ou melhor, como se materializam as suas ´figuras interpretativas´. Através de uma análise qualitativa dos dados obtidos, poder-se-ão vir a obter pistas relevantes para intervenções efetivas no desenvolvimento de cursos de empreendedorismo, em diversos segmentos sociais. Vale contudo ressaltar que, embora esta contribuição possa fornecer algumas pistas para o desenvolvimento de uma atitude empreendedora dos estudantes, em turmas do 3º ciclo, o seu foco de estudo tem prioritariamente um caráter analítico-teórico.

De forma a atingir os objetivos propostos, este artigo será dividido em três partes. Primeiramente, serão apresentados alguns conceitos teóricos relevantes do ISD - importantes para as análises. Em seguida, dada a flutuação conceitual do termo competência, definir-se-á o conceito aqui adotado, fazendo um percurso histórico sobre a noção. Posteriormente, apresentar-se-ão a metodologia empregada e as análises propriamente ditas. No final, serão apontadas algumas pistas de reflexão.

1. Apresentação de alguns conceitos teóricos

O plano de trabalho do ISD, no qual o grupo de investigação PRETEXTO[7] se insere, considera que o funcionamento humano geral deve integrar dimensões cognitivas, sociais, afetivas e semióticas. Na verdade, trata-se de um posicionamento epistemológico-político[8], distanciando-se da herança positivista que presumia uma segmentação bem marcada das disciplinas e subdisciplinas.

Para o ISD, toda a produção textual envolve três dimensões: a psicológica, a praxiológica e a linguística. Nesta contribuição, ao trabalhar com o processo de reflexão de alunos sobre o agir empreendedor, a partir de marcas linguísticas obtidas pelas transcrições das intervenções realizadas em sala de aula, as três dimensões serão de nosso interesse. Nestas, a definição de alguns termos merecem ser clarificados.

O termo agir, indo ao encontro dos pressupostos teóricos do ISD, designa aqui qualquer forma de intervenção de um ou mais indivíduos no mundo. Na verdade, além dos conhecimentos relativos aos mundos representados, os indivíduos têm uma espécie de saber prévio construído ao longo de sua vida: conhecimentos de natureza holística, sem organização lógica, implícitos ou inconscientes, representando uma espécie de reservatório próprio de convicções e hipóteses implícitas sobre o resultado de determinado agir. Visto dessa forma, podemos afirmar que o agir é coibido por questões sociais e envolve vários aspetos: conhecimentos explícitos e implícitos, conflitos entre representações dos vários agentes relativos aos três mundos[9] e confrontação entre elementos do mundo vivido com os conhecimentos formais do próprio agente. Mas quais seriam os estatutos tanto dos indivíduos implicados no agir quanto da linguagem neste contexto?

Dentro do contexto do ISD, todos os seres humanos que intervêm no agir são considerados actantes. No plano interpretativo, é utilizado o termo ator, quando as próprias configurações textuais constroem o actante como fonte de determinado processo, dotado de capacidades, motivos e intenções. Ainda o termo agente é utilizado quando as configurações textuais não atribuem estas propriedades ao actante.

O termo ação, dentro do quadro do ISD, é definido como forma interpretativa do agir construída tanto a partir dos actantes diretamente implicados na atividade quanto a partir de outros agentes externos que intervêm nesta construção. Apresenta assim tanto um estatuto psicológico quanto praxiológico. Neste trabalho, como o foco é sobretudo estudar a praxis empreendedora a partir de algumas representações (nível psicológico) veiculadas textualmente, o “foco” será desviado. Considerar-se-á que a ação corresponde essencialmente a um ato de intervenção social de responsabilidade de um indivíduo ou de um grupo. Contudo, vale ressaltar que esse ato é realizado tanto a partir de representações que um indivíduo/grupo tem de como agir naquela determinada situação (a partir de pré-construídos), quanto também de sua pilotagem em função das contingências sócio-político-económicas. Dessa forma, podemos afirmar que não existe uma única forma de ação. E, no nosso caso, uma ação empreendedora será determinada pelo ato assumido por indivíduos com capacidade de adotar riscos calculados (empreendedor/grupo de empreendedores) e que, face a determinantes externos (plano motivacional), necessitam “traçar um rumo” ou “redirecionar um caminho” no âmbito da gestão estratégica, seguindo intenções específicas (plano da intencionalidade)[10]. Para tal feito, são utilizados recursos disponíveis no ambiente social (plano dos recursos do agir) – códigos de ética, textos procedurais – a partir dos quais as capacidades, as atitudes, os valores[11], as reações dos clientes são valorizados de forma a que compactuem com esta atitude empreendedora. As diversas formas de perceção do agir/ da ação foram desenvolvidas em trabalhos empíricos[12] por Bulea (2007,2010).

É importante também relembrar que, através dessa abordagem teórica, as entidades linguísticas semiotizadas nos textos que circulam, sendo arbitrárias e convencionais, têm a propriedade não apenas de absorver representações construídas pelos indivíduos em sua relação com o mundo vivido, mas também transformá-las em representações comuns. E é neste aspecto que a linguagem assume um papel fundamental no desenvolvimento dos indivíduos.

Vale salientar que, no quadro do ISD, são os tipos de discurso, enquanto unidades infra-ordenadas com certa estabilidade em sua configuração linguística, que materializam esses textos. Esses tipos de discurso (discurso teórico, discurso interativo, narração e relato interativo) podem vir a ser reconhecidos através de determinadas formas linguísticas que os semiotizam, em função de dois tipos de ruptura: uma de ordem temporal (conjunção e disjunção) e outra de ordem actorial (implicação e autonomia)[13].O quadro abaixo sumariza a questão:

 

 

2. Competência em perspetiva

A noção de competência surge no âmbito laboral já na década de 50[14], antes mesmo de Chomsky (1965) ter trabalhado a noção na linguística gerativa, definindo a competência como uma “capacidade inata” do indivíduo. Contudo, como este trabalho está centrado nas figuras interpretativas relacionadas com o agir empreendedor, numa abordagem sócio-discursivo-interacionista, o interesse aqui é, prioritariamente, observar de que forma o conceito é trabalhado por teóricos dessa perspectiva para, finalmente, defini-lo no escopo deste trabalho.

Bronckart & Dolz (1999) salientam o papel das competências no campo da análise do trabalho e da formação profissional. Através da formação profissional, cujo nível é certificado pelo Estado, os formandos/aprendizes são dotados de certas qualificações (competências) para a obtenção de empregos específicos. Contudo, estas competências certificadas devem sofrer constante atualização em função da diversidade das tarefas que estes profissionais devem cumprir e as várias decisões que necessitam tomar face às adversidades enfrentadas no dia-a-dia da execução das tarefas. Assim, enfatizam que a aceção do termo competência é bastante ampla. Corresponde tanto à qualificação exigida para a execução de uma determinada tarefa e reformulada em função dos contextos do trabalho, quanto à reatualização desta mesma competência por parte dos agentes envolvidos de acordo com as várias avaliações sociais. Assim, ao se referir à « flutuação definitória » para o termo, os autores afirmam “la tonalité majeure consiste à considérer qu´elles relèvent des savoir-faire plutôt que des savoirs, et des capacités méta-cognitives plutôt que de la maîtrise de savoirs stabilisés » (Bronckart & Dolz, 1999 : 5).

Nesta contribuição, ratificamos o ponto de vista defendido pelos autores citados, enfatizando que, ao analisarmos as competências, devemos levar em conta o ser caráter praxiológico e dinâmico. Na verdade, os agentes podem apresentar algumas qualificações que lhes foram atribuídas institucionalmente, contudo vão reatualizá-las e adaptá-las em práticas sociais diversas. Assim, em determinado agir profissional, um indivíduo deve mobilizar e atualizar suas competências em função dos diversos contextos profissionais em que se situa. Dessa forma, o seu saber (competência a um nível psico-social) é reformulado em função de um ´fazer´, de um ´agir´ (competência a um nível praxiólogico). Salienta-se que, ao se considerar a relevância da linguagem no desenvolvimento do humano, como preconiza a teoria sociodiscursivo-interacionista, estas competências podem ser atestadas a partir dos diversos textos que circulam nas diversas práticas sociais. Mais especificamente, é através dos tipos de discurso e das diversas semiotizações linguísticas a eles associadas ou que os complementam que podemos traçar um diagnóstico das competências.

No caso específico deste trabalho, faz-se menção a um tipo determinado de competências: as empreendedoras. Defende-se a tese de que as formas de interpretação dessas mesmas competências, linguisticamente demarcadas, podem vir a apresentar ´tonalidades competenciais´ distintas em função do objecto analisado pelos licenciandos: de um lado, um anúncio de uma entidade sem fins lucrativos, do outro, a de fins empresariais.

3. Percurso metodológico

Os textos aqui analisados correspondem a excertos de um debate de ideias[15] sobre a temática ação empreendedora realizados em sala de aula, junto a licenciados do 1º ano, em faculdades e universidades distintas. Em duas universidades (uma pública e outra privada), a pesquisadora, com autorização da docente da disciplina, dispunha de cerca de 40 minutos para interagir com os alunos. Neste contexto, a pesquisadora (elemento estranho à turma) assumia a regência da cadeira. Em outra universidade (privada), a pesquisadora era a própria docente da disciplina de Metodologia de Investigação e Tecnologia de Informação o que conferiu à própria interação um caráter mais dinâmico.

Foram três as instituições que participaram da pesquisa: a Universidade Nova de Lisboa (Faculdades de Ciências da Linguagem e Língua e literaturas – culturas e tradução) – vídeos 1 e 2; Instituto Superior de Linguística Aplicada ISLA (Faculdades de Gestão e de Marketing) – vídeos 3 e 4; Universidade Lusíada de Lisboa (Faculdade de Direito) – vídeo 5.

A realização do debate de ideias seguiu a seguinte dinâmica:

Num primeiro momento, a pesquisadora distribuiu aos alunos dois textos: um anúncio publicitário de uma empresa de aviação portuguesa e o de uma associação de benemerência portuguesa. As duas instituições, associadas a práticas sociais distintas, apresentavam graus de empreendedorismo reconhecidos socialmente. A primeira, no intuito de concorrer com empresas denominadas low-cost, por venderem passagens aéreas mais baratas, lançou em 2009 uma campanha publicitária visando vender os seus produtos a um nicho de mercado com o qual, até então, não trabalhava. A segunda, de forma a convocar mais voluntários para as suas atuações sociais de recolha de alimentos, passa a adoptar campanhas publicitárias que chamem a atenção para a importância do voluntariado.

Num segundo momento, os alunos responderam a algumas questões feitas pela pesquisadora, sobre os textos visualizados, interagindo com a mesma e com os demais colegas. Todas estas interações foram gravadas e filmadas por uma equipe profissional. Além disso, foram transcritas seguindo as normas de transcrição adoptadas pelo grupo Langage, Action et Formation (grupo LAF) da Universidade de Genebra.

3.1. Análise de dados

O procedimento de análise dos dados adotado pela pesquisadora comportou, nesta etapa, cinco fases:

- Seleção de trechos (apenas as intervenções dos alunos) que versavam diretamente sobre o tema empreendedorismo[16], nos cinco vídeos transcritos;

- Explicitação e definição dos subtemas relacionados com o tema, nomeadamente qualidades (1), resultados (2), etapas/processos (3), obstáculos (4) e avaliação pessoal(5), a partir dos dados empíricos disponíveis. Contudo, a partir da análise dos corpora, os três últimos tópicos foram excluídos devido à existência de uma exemplificação muito reduzida.

- A partir de eixos temáticos específicos relacionados com o tema em questão, identificação da dinâmica de cada um destes subtemas nos vídeos analisados, respeitando a ordem cronológica de aparecimento dos mesmos. Como são turnos de fala em que participam a pesquisadora e os alunos, é importante salientar que somente as intervenções dos últimos foram consideradas;

- Agrupamento dos trechos transcritos que versavam sobre o mesmo subtema (ou agrupamentos temáticos) – de forma a observar as diferenças e semelhanças na forma de dizer dos diversos eixos temáticos nos diferentes vídeos;

- Comparação das diferenças e semelhanças das formas de dizer os diversos eixos temáticos nos diferentes vídeos.

- Seleção de três tópicos (a partir da análise dos documentos) sobre os quais os agrupamentos temáticos se reportam: ação empreendedora relativa à empresa de aviação (A); ação empreendedora relativa à instituição sem fins lucrativos (B); comparação entre as duas ações empreendedoras (C).

Os exemplos citados nas análises apresentam uma numeração seguindo os seguintes critérios:

a. Referente relativo ao agrupamento temático demarcado pelas letras maiúsculas A, B, C entre parênteses.

b. 1º número cardinal refere-se ao vídeo (segundo quadro 1);

c. 2º número cardinal refere-se ao agrupamento temático – (1) qualidades; (2) resultados; (3) processos/etapas; (4) obstáculos; (5) avaliação pessoal;

- A partir das formas de interpretação do pensar sobre este agir (segundo os diversos referentes), foram agrupados os aspectos linguísticos relativos ao que denominamos figuras interpretativas competenciais do empreendedorismo relativas à atividade empresarial e à social.

Com esse procedimento analítico, enfatiza-se que, ao fazer uso da linguagem para se referir ao pensar sobre determinado agir empreendedor, os alunos selecionam os diversos recursos linguísticos disponíveis em função das suas representações individuais sobre o que é este agir e reatualizam-nas, também, de acordo com as representações coletivas que surgem durante as diversas interações que ocorrem em sala de aula. E também reconfiguram estas atualizações em função das práticas sociais que estão a analisar na altura (a empresarial e a de benevolência, no caso específico desta pesquisa. Dessa forma, a nosso ver, a análise da semiotização linguística do pensar sobre este agir detetada por estas interações em sala de aula pode fornecer pistas interessantes para o desenvolvimento deste mesmo agir[17] em práticas sociais diversas.

Contudo, convém salientar que há dois níveis de percursos interpretativos a serem evidenciados. Num primeiro nível, há uma interpretação dos alunos sobre o que pensam sobre o agir empreendedor em relação aos anúncios publicitários visualizados (o da prática empresarial e o da de benevolência) e discutidos em sala de aula. Num segundo nível, existe uma interpretação posterior do pesquisador sobre aquilo que foi dito sobre este agir empreendedor. Na verdade, existe um re(pensar) sobre o que é pensado pelos intervenientes sobre este agir. Vale salientar que é exatamente neste nível que se situa esta contribuição.

Pensamos que uma possível intervenção na formação de futuros profissionais pode se dar, inicialmente, pelo diagnóstico das representações deste agir, através dos recursos linguísticos que as semiotizam (objetivo deste artigo). Contudo, outro instrumento de pesquisa (entrevistas semi-estruturadas com empreendedores em exercício profissional – etapa 5ª do projeto de pós-doutoramento) pode, realmente, fornecer outros dados empíricos relevantes que, quando comparados aos obtidos pelo diagnóstico prévio, poderão ajudar na elaboração de conteúdos académicos adequados ao desenvolvimento profissional de futuros licenciados.

4. Delimitação e definição dos agrupamentos temáticos

A questão temática, embora não tenha sido considerada em Bronckart (1999)[18], como o autor salienta em publicação de 2008, passa a ter grande relevância nesta última publicação. Inspirado em Rastier (1989: 54), Bronckart ressalta que, ao analisar a organização temática de determinado texto, deve-se identificar os universos semânticos ou temas convocados, extraindo os semas que lhe são constitutivos (“moléculas sémicas”, no caso de temas específicos e “classes sémicas”, tratando-se de temas genéricos). Contudo, Bronckart (2008), ao contrário de Rastier (1989), salienta a relevância de uma leitura interpretativa dos signos para a identificação das recorrências sémicas (não apresentando estas um estatuto exclusivamente semântico, como acentuado pelo último teórico). No caso dos corpora em análise, temos como classe sémica o tema empreendedorismo, a partir do qual várias moléculas sémicas são constituídas, baseadas nos semas qualidades (1), resultados (2), etapas/processos (3), obstáculos (4), avaliação pessoal(5).

Vale salientar que, no quadro teórico do ISD, do ponto de vista empírico, o estudo da componente temática foi evidenciado por Bulea (2007, 2010) e por Bulea, Leurquin e Carneiro (2013) na identificação de figuras de ação e os tipos de discurso a elas associados, em contextos profissionais distintos. Nos primeiros (trabalhos pioneiros de Bulea), a partir do levantamento de agrupamentos de orientação temática em entrevistas realizadas com enfermeiras sobre o agir cuidados de enfermagem, foram identificadas as cinco figuras de ação a ele associadas (ocorrência, acontecimento passado, canónica, experiência e definição), os tipos de discurso a ele relacionados e questões linguísticas relevantes). No segundo, utilizando entrevista/reunião entre professor tutorado de Português Língua Estrangeira e tutor, foram evidenciados trechos cujo conteúdo temático referia-se ao agir docente. E, nos excertos selecionados, forma feitas as identificações das figuras de ação e de aspectos linguísticos que as semiotizam. Vale salientar, inclusive, que neste trabalho evidenciou-se experimentalmente a presença de figuras de ação interna e externa[19].

Feita esta breve introdução, em que é justificada a importância da componente temática para o estudo da semiotização de textos inseridos em práticas profissionais, passa-se à análise dos corpora propriamente dita.

4.1. Agir empreendedor e agrupamentos temáticos associados

Neste trabalho, em que se procura analisar linguístico-textualmente o que licenciados “pensam ser” o agir empreendedor, deve ser salientado o papel dos agrupamentos temáticos (subtemas) associados a este agir e a sua semiotização discursiva (tipos de discurso a eles associado, eixos de referência e localização temporal, marcas de agentividade, relações predicativas envolvidas). É a partir da configuração linguística das formas de interpretar o que venha a ser o empreendedorismo em função de referentes diversos que poder-se-á definir, posteriormente, o que consideraremos figuras competenciais no âmbito desta contribuição. Defendemos neste trabalho: (1) a ideia de que existem formas de pensar e interpretar (ou figuras interpretativas) o agir empreendedor em função de referentes diversos, podendo vir a ser observadas textualmente a partir das configurações linguísticas; (2) em função do referente essas ´figuras interpretativas´ podem ter ´tonalidades´ distintas, atestadas ao nível micro-textual.

Na verdade, existem saberes já formalizados (conceitos pré-estabelecidos sobre determinado agir) aos quais temos de ter acesso, através da análise e interpretação de textos, enquanto pesquisadores, para que possamos intervir enquanto formadores. Desta forma, o debate em sala de aula sobre o empreendedorismo e a transcrição das aulas serviram como ferramentas metodológicas para a depreensão destes saberes ou ainda das competências socialmente “conhecidas” relativas ao ser empreendedor.

Posteriormente, passa-se à análise dos aspectos linguístico-textuais dos agrupamentos temáticos propriamente dita.

4.1.1. Agrupamentos temáticos

São apresentadas, abaixo, considerações sobre os subtemas relacionados com o agir em questão, definindo-os. Considera-se que a definição destes subtemas é realizada através do percurso interpretativo perpetrado pela pesquisadora, durante a análise empírica dos dados recolhidos (transcrição dos vídeos).

- Qualidade - Este diz respeito a todos os trechos dos vídeos transcritos relativos à reflexão dos alunos sobre as qualidades ou atributos necessários ao agir empreendedor.

- Resultado – Este refere-se aos trechos dos vídeos transcritos relativos à reflexão dos alunos sobre o fim específico relativo ao agir empreendedor em análise.

- Processo/etapas – Este relaciona-se a segmentos, nos trechos dos vídeos transcritos, que reflitam sobre etapas ou procedimentos que possam a vir a contribuir para o agir empreendedor.

Dois aspetos merecem ser mencionados. O agrupamento temático obstáculo que se esperava observar nos trechos transcritos, não foi considerado devido ao facto de não estar presente nos vídeos transcritos. Em relação à avaliação pessoal, esta também não foi analisada. Na verdade, trabalha-se com o género debate em sala de aula sobre um tema específico (a partir da visualização de textos empíricos), com isso a influência da oralidade estaria muito presente, sendo frequente a intervenção dos alunos com expressões verbais como “eu acho que”; “eu penso que”. O levantamento das mesmas seria interessante para a caracterização do género textual, mas não o seria para a caracterização linguístico-textual dos subtemas analisados.

Definidos os agrupamentos e selecionados os trechos que pertencem a cada agrupamento, procede-se ao levantamento dos seguintes aspectos linguísticos: tipos de discurso, organização temporal, formas de expressão da agentividade, análise das relações predicativas, relações sintáticas e morfossintácticas envolvidas.

Com isso, ressalta-se que o género debate em sala de aula sobre o empreendedorismo pode trazer, a partir dos agrupamentos temáticos previamente descritos, ao nível da organização linguístico-textual, algumas informações relevantes sobre o que os licenciandos pensam ser o empreendedorismo.

Tipos de discurso

Nos trechos relacionados com os vários agrupamentos temáticos é frequente o uso do mundo do EXPOR em que se evidenciam trechos tanto do discurso teórico quanto do discurso interativo. Observem-se os exemplos[20] abaixo:

(1) (C.1.2)Eu diria que ambos criam.. valor. Mas de formas diferentes embora um seja o valor... embora seja econômica em valor por serviço que pode.. ajudar.. e tem uma ação empreendedora <por>.. >por servir< e pelo que isso possa gerar, enquanto o outro tem uma ação.. (que) cria um valor que que.. pode criar um valor que é::: que pode ser vital pras pessoas, pode ser (em nível primeiro) pras pessoas que:: que necessitem..necessitem de alimentos, e que tenham situações.. °mais precárias°..

(2) (C.1.3) Acho que é desta maneira é que o empreendedorismo existe aqui, porque estão a tentar transmitir o mesmo produto mas com serviços diferentes, não sei, pra ver se apela mais às pessoas e acho que no outro não sei se há tanto empreendedorismo.

(3) (C.2.3) <Porque> são formas de de atingir determinados objetivos.. e e bem por isso eles também passam um bocadinho pela ação- não sei se será o termo correto MARKETING. É preciso chegar às pessoas e esta é uma forma just-amente pra mim, vai conseguir antes chegar às pessoas. Ttalvez fins de empreendedorismos diferentes. Um mais humanitá:rio↑ e de solidarieda:de e outro com fins nitidamente comerciais.

(4) (C.2.1) Eu acho que o anúncio da TAP é mais empreendedor. Se formos pensar que o Banco Alimentar, embora esta mensagem seja uma: uma mensagem diferente daquela daquela XXX mas é uma coisa que já se sa:be. O Banco Alimentar já existe há um tempo e a mensagem já tá um pouco: ê.. mais divulgada.

Enquanto da Ta: a da TAP. são produtos novos. E são outras formas três formas de descon:to e é uma coisa nova... até parece que para: â: se calhar responder de outra forma a necessidade â: dos consumidores. E daí eu acho que o anúncio da TAP seja mais empreendedor, por ter...de de::ixa de ser uma relação, se calhar vai ao encontro dâ: dos clientes, uma coisa que não existia antes, e que satisfazem as necessidades deles numa f- numa ajuda com diferente clientes. Penso que daí seja mais empreendedor, que o Banco Alimentar embora também seja, mas é uma coisa que <já está> â falada e as pessoas já têm conhecimento desse sobre ela. Assim já não é uma coisa nova. Embora no anúncio possa se vestir de uma forma ou de outra. Mais simples ou mais elaborada, XX mas em si a do Banco Alimentar é uma coisa que as pessoas já >conhecem< já tem noção.

(5) (C.5.1/3) Eu pra mim também diria que a do Banco Alimentar é sem dúvida empreendedora↑ conseguir alguém com liderança que <consegue juntar> pessoas das mais diversas origens sem sem interesses diretos nisto, que antes não te- não não teriam atitudes dessas conseguir juntá-las com grande espírito de liderança e fazer isso crescer com o objetivo aqui social mas que doutra forma não seria possível. Em relação a esta da TAP. Também estou de acordo que isto não será empreendedorismo, são ações de gestão corrente dia-a-dia, neste caso de marketing, é... obviamente para captar mais clientes, mas não há aqui, empreendedorismo. É pur pura gestão... do: do dia-a-dia, °não é d::°

Nos exemplos referidos anteriormente, observam-se características linguísticas do discurso interativo:

– Marcas pronominais e verbais de 1ª pessoa do singular, demarcando a inserção do interveniente na interação em curso: “eu diria …”; “acho que …”; “eu acho que…”; “penso que daí” “eu pra mim”.

– Existência de grupos nominais que remetem diretamente a objetos acessíveis aos interactantes no espaço-tempo da interação: “o anúncio da TAP”; “a do Banco Alimentar”.

E também características do discurso teórico, citemos alguns exemplos:

Utilização de verbos no presente do indicativo e do conjuntivo com valor gnómico de caráter durativo: “criam.. valor”;que necessitem..necessitem de alimentos, “Banco Alimentar é uma coisa que as pessoas já >conhecem< já tem noção”.

– Presença de organizadores textuais com valor lógico-argumentativo: “Mas de formas diferentes embora um seja o valor... embora seja econômica em valor por serviço que pode.. ajudar.. e tem uma ação empreendedora <por>.. >por servir< e pelo que isso possa gerar, enquanto o outro tem uma ação.. (que) ; em relação a esta da TAP. Também estou de acordo que isto não será empreendedorismo; assim já não é uma coisa nova. Embora no anúncio possa se vestir de uma forma ou de outra.

– Presença de modalizações lógicas e várias ocorrências do auxiliar modal “poder”: pode criar um valor que é::: que pode ser vital pras pessoas, pode ser (em nível primeiro) pras pessoas”.

Análise das operações de localização abstratas[21] temporais

Como afirmam Bulea & Bronckart (2013: 7), existem três parâmetros que intervêm nas operações acima referidas, ao nível do significado: o momento do ato de produção, o momento presumido da ação ou do estado verbalizado no texto e os eixos de referência temporal que são criados quando da produção textual. As operações de localização abstratas temporais consistem em estabelecer relações entre o momento da ação verbalizada textualmente tanto com o momento do ato de produção, quanto do eixo de referência temporal.

Para cada tipo de discurso, existem operações de localização abstratas temporais características[22]. Abaixo, são apresentados alguns trechos relativos aos agrupamentos temáticos e os eixos de referência temporal e de localização temporal relacionados com eles.

(1) (B.1.3) Ah..sim! Resumidamente eu acho o empreendedorismo também passa muito por preencher lacunas não é, pois nós sabemos que: o empreendedorismo está ligado a nichos de mercado. Tudo já foi inventado é o que se costuma dizer não é, mas não é verdade! Todos os dias vemos idéias tão simples quanto brilhantes.. É:: e:: o empreendedorismo passa por isso. Agarrarem ideias â: tão simples e tão básicas como fome, e como as necessidades básicas, e transformá-las num:: exem num exemplo de sucesso, que eu penso que ainda continuará a ser o Banco Alimentar, apesar que cada vez haverem mais pessoas é:: a necessitar deles, dele, ahh: quer dizer, deste serviço e cada vez haver mais pessoas a não poderem corresponder como gostariam de ser os tais heróis. e:: eu acho que isso, esta ideia passa.. passa-me por aí. Continuarmos a sentir-nos heróis, apesar de- das dificuldades que todos sentimos.

(2) (B.2.2.) por que ? <Porque>:: vão ajudar a melhorar algo. °Portanto°? É...vão ter uma reação. Certo? >Pois toda ação há uma reação e as (realizações) vão ter de facto de ser uma reação...<

(3) (B.3.3.) Eu tenho uma opinião diferente da colega. Eu acho que QUEM contribui também está a tomar uma atitude:: uma >ação< â: empreendedora. Por que? Porque: não é uma obrigação que nós temos. Nós temos que pagar os impostos, não temos que dar ud-dinheiro pro Banco Alimentar ou pra alguém que for. [PROF – XX]. Acho que estamos tomando uma atitude empreendedora ao estarmos a dar os alimentos. Assim como ele a criar eu a fazer...

(4) (A.5.3) A criar situações novas↑ nós todos conhecemos s TAP, °não é° até pode ser que o que está aqui não corresponda muito à verdade.. mas:: o fato é qu'algo foi te- é: tão a tentar a fazer algo de novosempre a pensar neste caso no público... °nos clientes XX clientes°

(5) (B.2.1) <Porque> mesmo quand:: da maneira como jogam com com... da maneira como tentam chegar ao ao:: a quem lê aqui mensagem ou seja, “o Banco Alimentar precisa precisa do herói que há em si.” e aqui uma ação de empreendedorismo que é não ficar de braços cruzados à espera que as coisas acontecem há uma necessidade, anúncio neste caso eram alimentos, as pessoas precisam de alimentação e como não tem↑ outra forma↑ e.. aqui o empreendedorismo ou seja, jogam o caso com o próprio empenho das pessoas.. não fique de braços cruzados, chegue-se à frente, dê uma ajuda.

Em (B.1.3), os predicados verbais “preencher”, “agarrar” e “transformar” estão no modo infinitivo pessoal e marcam a criação de um eixo de referência temporal não delimitado. A ação verbalizada pode ser simultânea ou posterior ao eixo temporal demarcado, com uma total independência em relação ao ato de produção.

Contudo, em relação à questão temporal, merece relevância a comparação que pode vir a ser estabelecida entre os tipos de situação expressos pelos enunciados.

No primeiro trecho, o predicado “preencher” representa uma situação designada por evento prolongado. No caso, o que é importante salientar é que o predicado “agarrar” refere-se uma situação que representa um evento instantâneo[23] e o “transformar” um evento prolongado. Na verdade, para que este último se realize existe respetivamente a passagem de uma fronteira de abertura para o evento e a passagem de uma fronteira de fechamento. É esta passagem de fronteiras que caracteriza o processo de construção do agir empreendedor. Ainda, o predicado “preencher” representa também uma situação designada por evento prolongado.

Contudo, vale a pena ser ressaltado o uso da forma perifrástica com o verbo “passar” que transmite ao enunciado em análise um caráter durativo, ressaltando o processo de construção do agir empreendedor e não enfatizando o resultado final deste processo.

Em (B.2.2), o valor temporal – marcado por uma forma perifrástica do futuro (vai ajudar a melhorar, vão ter) é de posterioridade em relação ao momento de produção, com a criação de um eixo de referência temporal delimitado. O valor aspetual é assim perfetivo em relação ao momento de produção sendo assim o acontecimento linguístico expresso no enunciado é perspetivado como um todo, a partir de um localizador aspetual To.

Dessa forma, vale a pena ser ressaltado que o uso dessas formas verbais perspectiva o que se espera como resultado do agir empreendedor: o facto de ajudar a melhorar; o facto de ter “algo”.

Em (B.3.3) e (A.5.3), existem várias incidências de verbos, com valor de simultaneidade em relação ao momento de produção. O valor temporal destes verbos é expresso em português pela forma perifrástica – a forma progressiva – do presente gramatical do verbo estar, acompanhado com gerúndio (mais característico do português do Brasil) ou pela preposição a + modo infinito: estamos tomando uma atitude empreendedora ao estarmos a dar os alimentos. Assim como ele [está] a criar eu a fazer. Ou ainda, tão a tentar a fazer algo de novosempre a pensar neste caso no público.

Na verdade, existe, a partir da seleção linguística dos predicados verbais acima indicados, a criação de eixos de referência temporal não delimitados, salientando o processo de realização do acontecimento linguístico e o processo de construção do agir empreendedor.

Em (B.2.1.), observamos a criação de um eixo de referência temporal não delimitado, sendo que a ação verbalizada pelo infinitivo negativo “não ficar” está incluída no eixo de referência temporal. O momento de produção não é pertinente para a realização do acontecimento linguístico. Na verdade, poderíamos interpretar a expressão linguística “não ficar de braços abertos”, como uma das qualidades necessárias ao agir empreendedor. O que importa é “ter atitude”, “ser “pró-ativo” para a construção do agir empreendedor.

Análise dos modos de expressão da agentividade[24]

Em relação à agentividade, esta análise tem por objetivo verificar as diferentes formas linguísticas de expressão dos indivíduos envolvidos na reflexão dos licenciados sobre o agir empreendedor. Os agentes participantes desse agir são muitos: o do próprio licenciado que emite as suas opiniões neste género textual específico, o das próprias empresas cujas ações empreendedoras são analisadas, a dos agentes que ´encenam´ os anúncios publicitários (de um lado, o cliente; do outro, o voluntário), agentes não identificados linguisticamente (demarcados por sintagmas nominais ou marcas de sujeito indeterminado). Há, ainda, a do próprio criador das campanhas publicitárias. Abaixo, são apresentados os diversos agentes são e a forma como são ´semiotizados linguisticamente´.

– Intervenientes do debate[25]: São várias as marcas linguísticas de 1ª pessoa do singular ou plural, através de verbos; pronomes pessoais oblíquos; expressões nominais, salientando o processo de reflexão dos alunos sobre o que é o agir empreendedor:

(6 a) eu considero que; eu referi; eu acho que; e vejo ação empreendedora; eu associo; nós estamos a contribuir para algo; continuarmos a nos sentir heróis; somos o impulsionador do empreendedorismo.

(6 a) para mim; prá mim

a. Instituição empresarial e de benemerência (presença de sintagmas nominais, explicitando a instituição; pronomes indefinidos; marcas linguísticas de 3ª pessoa do plural (referentes a pessoas não identificadas das instituições)

(8 a)O Banco Alimentar;

(8 a) tão a tentar a fazer algo de novo sempre a pensar neste caso no público.

– Anúncio publicitário (numerais cardinais, pronomes indefinidos e organizadores textuais)

(11) (C.2.3) os dois conseguem da mesma forma.

(12)(C.1.2) ambos criam valor

(13)(C.1.3) um mais com fins â comerciais [...] eoutro â é mais com o objetivo humanitá::rio;

(14) (C.2.3) um duma forma mais humanitária e o outro dotra forma conseguem chegar lá

(15) (C.2.3) Portanto para que a pessoa participa duma ação olha mais pro próximo e o outro é uma coisa que a pessoa vai optar ou não.

E, muitas vezes, embora estes não estejam diretamente mencionados, são implicitamente colocados através do emprego de verbos que selecionam semanticamente um argumento externo (Agente) que é caracterizado pelos seguintes traços semânticos [+Animado, + Vontade], sendo o controlador e o provocador da ação empreendedora.

Observe-se a seguir:

(16) (C.1.2) Eu diria que ambos criam.. valor. Mas de formas diferentes embora um seja o valor... embora seja económica em valor por serviço que pode.. ajudar.. e tem uma ação empreendedora <por>.. >por servir< e pelo que isso possa gerar, enquanto o outro tem uma ação.. (que) cria um valor que que.. pode criar um valor que é::: que pode ser vital pras pessoas, pode ser (em nível primeiro) pras pessoas que:: que necessitem..necessitem de alimentos, e que tenham situações.. °mais precárias°...

Ou ainda, um argumento interno que enfatize o resultado deste agir empreendedor:

(17) (C.2.2) Eu acho que os dois é ..são são empreendedores, sendo que os dois chegam a um ponto que é chegar a mensagem a alguém. E os dois conseguem isso da da mesma forma, um duma forma humanitária e o outro dotra forma conseguem chegar lá. Eles têm que dar um sentido XX sair do stress e chama um bocado a atenção por isso... quando é que a imagem das nuvens possibilita dar cabo do stress então a pessoa pensa sempre ch- tá sempre a pensar nas férias pra chegar.. Ah:: XX do stress, descansar um pouco.

Nos sintagmas verbais assinalados, há predicados complexos compostos pelo verbo chegar e por sintagmas nominais com diferentes funções sintáticas. No caso, o argumento externo “os dois” demarca o agente do processo, demarcando a intencionalidade na realização de um agir empreendedor por parte das empresas.

(18) (B.1.3) tem que haver alguém com idéias↑com: capacidade pra elaborar↑ pra desenhar↑ pra: porque um herói ((faz gesto de abrir a camisa como super homem)) ah:: @@ tipo super homem↑ não é.. e neste a mesma coisa! porque assim a publicidade nos dá é mesmo empreend-dorismo não é, se não houver empreendedorismo de quem tá a fazê-la, não há transmissão de idéias..

Pessoas com papel social de cliente (este agente é recorrente quando o referente é a instituição empresarial, demarcado pelo sintagma nominal pluralizado “os clientes”)

(19) (A.5.2) se calhar vai ao encontro dosclientes

(20) (A.5.2) sempre a pensar neste caso no público... nos clientes

– Pessoas com papel social de heróis que participam como voluntários (este agente é recorrente quando o referente é a instituição sem fins lucrativos). O sintagma nominal herói é frequentemente acompanhado por marcas pronominais de primeira pessoa do plural.

(21) (B.2.1) Todos temos um super dentro de nós

(22) (B.3.1)Porque o Banco Alimentar neste caso está a ajudar a alimentar alguém... e neste caso está a nos determinar como heróis.

Pessoas com papel social de voluntário são frequentemente semiotizadas por marcas de 1ª pessoa, 2ª pessoa do singular e de 1ª pessoa do plural (verbais, pronominais), pelo sintagma nominal genérico “pessoas” ou “a gente” (sendo substituído por pronomes oblíquos).

(23)(B.2.3) Portanto para que a pessoa participa duma ação olha mais pro próximo e o outro é uma coisa que a pessoa vai optar ou não.

(24) (B.2.1) Todos temos um super dentro de nós

(25) (B.3.3) Um dia podes ajudar várias pessoas (...) posso ajudar imensas pessoas...

(26) (B.3.3) Acho que estamos tomando uma atitude empreendedora ao estarmos a dar os alimentos.

(27) (B.3.3) Acho que nós somos o papel principal no caso do Banco Alimentar. Sem os nossos alimentos não havia a ação do Banco Alimentar. Somos o :: IMPULSIONADOR do empreendedorismo.

(28) (B.2.3) Venha participar!

(29)(B.3.3) Todas as pessoas podem colaborar.

(30) (B.1.1/3) Jogam o caso com o próprio empenho das pessoas.

(31) (B.2.3) Toda a gente se pode transformar e o que eles estão a tentar dizer.

(32) (B.5.3) Conseguir juntá-las com grande espírito de liderança e fazer isso crescer com o objetivo social.

Agente produtor do anúncio (TAP/BA) não explicitado claramente

(33)(A.1.3) Acho que é desta maneira é que o empreendedorismo existe aqui, porque estão a tentar transmitir

(34) (A.1.3) Tem que haver alguém por trás que tenha a ideia. Tem que haver um empreendedor, tem que haver alguém com ideias (...)

Agente idealizador do produto com caráter empreendedor (demarcado linguisticamente pelo uso do infinitivo não flexionado)

(35) (A.5.3) Criar uma coisa nova que alguém nunca criou e avançar com ela

(36) (B.1.3)Agarrar em ideias â: tão simples e tão básicas como a fome, e como as necessidades básicas, e transformá-las num :: exem num exemplo de sucesso.

– Pessoas com papel social de beneficiário de uma campanha social

(37) (B.1.2) Pessoas que necessitem de alimentos

(38) (B. 3.1) Posso ajudar imensas pessoas a comer o ano inteiro se for preciso.

Análise das relações predicativas indiretas

É consensual que toda a proposição que está na origem do enunciado é uma relação predicativa. Esta tem um sentido que corresponde à relação entre os diversos termos que a constituem, a saber: entre o predicado e os argumentos. Contudo, frequentemente, podem existir marcas linguísticas (modalidades) também presentes. No caso, consideramos assim como Bulea & Bronckart (2013: 8), a existência de relações predicativas indiretas. Estas podem ser tanto apresentar marcas de modalização específicas (talvez, certamente ...); quanto marcas linguísticas que atestem valores diversos: epistémicos, deônticas, apreciativas, pragmáticas, aspetuais ou de operação psicológica[26].

Nos exemplos abaixo são inúmeras as marcas linguísticas com valor epistémico, pragmático, aspetual. Lembremos que este género é um debate de ideias em sala de aula. Os licenciandos têm uma representação interiorizada das relações interpessoais estabelecidas entre professores e alunos na sociedade portuguesa. Por isso, talvez, o grande número de relações interpessoais com valor epistémico. Os licenciandos não querem se posicionar com muita certeza sobre aquilo que afirmam. As modalizações pragmáticas atestadas vão ao encontro do próprio tema discutido na sala de aula o empreendedorismo retratado nos anúncios publicitários visualizados.

(39) (C.1.3) ENQUANTO O OUTRO TEM UMA AÇÃO... CRIA UM VALOR QUE QUE ...PODE CRIAR UM VALOR QUE É::: QUE PODE SER VITAL PRAS PESSOAS

(40) (B.1.3)Agarrar em ideias â: tão simples e tão básicas como a fome, e como as necessidades básicas, e transformá-las num:: exem num exemplo de sucesso.

(41) (A.5.3)Tão a tentar a fazer algo de novo sempre a pensar neste caso no público

(42) (C.3.1/3)Acho que: os dois são empreendores tanto XX está a ajudar, mas nós também estamos a contribuir para algo... estamos a ajudar alguém. Logo...

(43) (A.3.3) Estão a tentar transmitir o mesmo produto com serviços diferentes.

(44) (C.1.2)Eu diria que ambos criam... valor

(45) (A.1.?)Eu acho que isso, esta ideia passa... passa-me por aí

(46) (A.5.2)Pode passar por CRIAR UMA COISA NOVA que alguém nunca criou.

(47) (A.1.2)se calhar vai ao encontro dâ: dos clientes.

(48) (B.5.1) Eu pra mim também diria que a do Banco Alimentar é sem dúvida empreendedora.

5. Considerações finais

Através dos recursos linguístico-textuais observados nos dados empíricos, observa-se que existem formas com ´tonalidades distintas´ de interpretar, relativas a um agir empreendedor empresarial, a um social ou ainda aos dois (estabelecendo uma comparação entre ambos). Através do levantamento dos tipos de discurso, das operações de localização temporais, das marcas de agentividade e das relações predicativas analisadas, pode-se definir o que, aqui, se denomina figura competencial. Esta refere-se às formas de interpretação das qualificações, das competências exigidas para que um agir empreendedor se configure. Evidentemente, serão as configurações linguístico-textuais que nos permitirão salientar estas competências. Como foi observado pelo levantamento dos sub-grupos temáticos relativos àquilo que os licenciandos pensam sobre o agir empreendedor (qualidade(s), resultado(s), processo(s)), existe um alto índice de elementos que pode evidenciar a relevância dada a todos os processos e às qualidades que caracterizam o agir empreendedor. Esses processos são evidenciados de forma muito pouco diferenciada nas duas atividades (a empresarial e a de benemerência). Como foi observado, as tonalidades distintas na forma de interpretar o ´processo´ do agir empreendedor deu-se, fundamentalmente, na ´flutuação agentiva´ observada quando o referente era o Banco Alimentar; aspeto não tão evidenciado quando o referente era a empresa de aviação. Além disso, observa-se a pouca incidência dos agrupamentos temáticos relativos a resultados. Salienta-se que as figuras competenciais foram identificadas a partir do que os licenciandos pensam sobre o agir empreendedor, como o definem[27]. Esse facto pode ser uma hipótese para a pouca relevância dada pelos licenciandos aos resultados dos tipos de agir observados.

Como salientou-se anteriormente, foram apresentados aqui os resultados da 3ª etapa do desenvolvimento do trabalho de pós-doutoramento. Através desses resultados e dos demais obtidos nas outras etapas da pesquisa, poder-se-ão obter pistas importantes para o desenvolvimento de uma atitude empreendedora junto a estudantes do 3º ciclo.

 

Referências

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Notas

[1] Para aspectos teóricos referentes a esta noção ver: Fayolle, A. & Filion, Louis J. (2006), Dornelas (2013), Bouchard (2009).

[2] Troika é a designação atribuída à equipe composta pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Grécia, Irlanda e Portugal são os países europeus que solicitaram resgate financeiro à Troika. Portugal saiu da tutela da Troika em maio de 2014.

[3] Título do texto redigido pela jornalista Patrícia Jesus, na rubrica Cenário do Diário de Notícias, edição de 29 de dezembro de 2013. Disponível em www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspex?content-id=3607777 - Consultado em 26 de Fevereiro de 2015.

[4] Fazemos menção aqui ao portal da juventude – apoios ao empreendedorismo disponibilizado pelo Governo de Portugal, com várias iniciativas endereçadas a diferentes públicos. Para informações, ver: portal da juventude – http://juventude.gov.pt; ou o empreender – plataforma do empreendedor – http://empreender.aip.pt. Há ainda instituições públicas e privadas que fomentam estudos sobre inovação e empreendedorismo nas licenciaturas, nos mestrados e MBAs.

[5] O empreendedorismo pode manifestar-se em situações diversas: criação de empresas; criação de atividades ou desenvolvimento de produtos novos em empresas existentes; trabalho independente ou autónomo de ajuda. Alguns autores, como Fayolle & Fillion (2006), remeteriam esta situação para o intrapreendedorismo para a segunda situação, uma vez são atitudes desenvolvidas no seio de uma organização.

[6] A pesquisa de pós-doutoramento financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia de Portugal O agir empreendedor e sua configuração textual - SFRH/BPD/38024/2007 - foi desenvolvida no Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa e na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Genebra. Metodologicamente, foi realizada em cinco etapas, cada qual com uma metodologia específica: 1ª etapa – recolha dos corpora e análise de documentos; 2ª etapa – realização de inquéritos junto a licenciandos do 1º ano de licenciatura de três instituições distintas (2 privadas e uma pública); 3ª etapa – realização de gravação em vídeo-áudio de “debates em sala de aula” com a visualização de dois documentos recolhidos na 1ª etapa; 4ª etapa – realização de entrevistas semi-estruturadas com indivíduos empreendedores em diversas atividades sociais. Nesta contribuição, por limitações espaciais, privilegiam-se as análises e os resultados obtidos na 3ª etapa. Deixamos aqui um agradecimento especial aos alunos do Instituto Superior Língua e Administração de Lisboa, da Universidade Lusíada de Lisboa e da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova que colaboraram para a realização da pesquisa empírica.

[7] Grupo de investigação Praxis, Conhecimento, Texto do Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa no qual estou filiada.

[8] Para uma exposição detalhada do quadro epistemológico do interacionismo sociodiscursivo – (BRONCKART, 1999, cap. I).

[9] Os signos apresentam uma dimensão transindividual, veiculando representações colectivas do meio – Bronckart (1999: 33). Estas se estruturam em configurações de conhecimento que são chamadas por Habermas (1987) de mundos representados. Para este autor, estes são três: o objetivo, social e subjetivo. Bronckart (1999) considerará que estes três constituem o mundo ordinário. Este autor estabelece uma distinção entre este último e o mundo discursivo que corresponde ao mundo virtual criado pela atividade de linguagem.

[10] Adotamos aqui as categorias de uma semântica do agir especificadas em Bronckart e Machado (2004), a partir de Ricoeur (1986). De acordo com os primeiros autores, ao se analisarem os resultados das análises (correspondente ao próprio agir) devem ser levados em conta as dimensões motivacionais, intencionais do(s) agente(s) e os recursos do agir por ele(s) utilizados. Para mais detalhes sobre essas categorias, ver Bronckart e Machado (2004: 154 a 156).

[11] De acordo com Charaudeau (1992: 815), os valores correspondem às normas de representação social que são construídas em cada domínio de avaliação.

[12] Através de entrevistas com enfermeiras (antes dos cuidados de enfermagem, durante esta realização e em situação de trabalho) (dentre outras pesquisas empíricas realizadas) foram estudadas as formas de conduta profissional dos actantes em determinada ação. Sendo que esta última corresponde a uma interpretação do agir por determinado ator em uma atividade profissional específica. Segundo Bulea (2007, 2010) existem formas de interpretação do agir (denominadas de figuras de ação) que podem ser agrupadas em cinco grandes conjuntos, com características linguísticas específicas: ação ocorrência, acontecimento passado, experiência, canónica e definição. Cada qual podendo vir a ser identificada pelos tipos de discurso presentes e a materialização linguística dos mesmos.

[13] Para detalhes sobre a questão ver: Bronckart (1999).

[14] Para um levantamento detalhado das diversas fases de desenvolvimento da noção de competência no âmbito laboral e económico, ver: Bulea & Bronckart (2006).

[15] Considera-se aqui o debate de ideias como género textual, cujas características e especificidades foram estudadas em trabalho anterior. Para detalhes, ver: Pinto & Valentim (2012).

[16] Consideramos aqui, à semelhança de Voloschinov (1997, 128-129) que o tema é um sistema de signos dinâmico e complexo, que procura adaptar-se adequadamente às condições de um dado momento da evolução. Assim, o tema de determinado signo/enunciado só pode ser observado numa situação concreta de enunciação. Dessa forma, para se depreender o tema de um texto deve ser levado em conta o enunciado concreto. Assim, além dos elementos linguísticos (lexemas, sintagmas nominas, verbais dentre outros), aspectos contextuais são importantes, como o papel social dos interlocutores, a finalidade do texto, o seu objetivo, o momento e o local de produção, os textos e discursos que com ele dialogam, etc.).

[17] Considera-se que o agir empreendedor pode vir a estar presente em qualquer prática social. Apresenta, com isso, algumas características comuns a todas as práticas, mas com especificidades em função do contexto em que se insere.

[18] Bronckart (2008) expõe as razões por que em seu trabalho de 1999 não considerou a relevância da questão temática. Considera que a existência de regularidades de organização textual (nomeadamente os tipos de discurso) transcenderiam as variantes e/ou diferenças de conteúdo temático ou ainda que seriam independentes deste mesmo conteúdo. Para mais detalhes, ver: Bronckart (2008: 77).

[19] Através das primeiras, o professor reflete, interpreta e configura linguisticamente o seu agir; já pelas demais, as representações semiotizadas pelo profissional referem-se a representações do agir de outros protagonistas (alunos, demais colegas de profissão), dentre outros. Uma reflexão teórica aprofundada sobre as figuras de ação interna e externa pode ser encontrada em Bulea e Bronckart (2012).

[20] Na explicitação destes, são colocados, em primeiro lugar, o número referente ao vídeo transcrito e, em segundo lugar, o número do aluno interveniente na turma. Vale salientar que o número referente ao aluno respeita uma ordem cronológica de aparecimento da fala do aluno naquele vídeo específico.

[21] Como afirmam Campos & Xavier (1991: 295): “para Culioli, o enunciado resulta de um conjunto de operações de localização abstrata (“repérage”) que incidem sobre um termo e o localizam em relação a um segundo termo, o termo localizador (repère). O termo localizado (“repéré”) ganha, assim, uma determinação que não tinha antes.

[22] Para mais detalhes sobre estas características, ver Bulea & Bronckart (2013: 7).

[23] Campos & Xavier (1991: 316) fazem uma distinção entre evento instantâneo e o prolongado. O primeiro refere-se à passagem de uma fronteira sem dimensão, isto é, na passagem (ou mudança) de um estado a outro estado, que é o estado resultante do evento. No caso, estar agarrado é o estado resultante do evento expresso por agarrar. No evento prolongado, existe a realização de dois eventos instantâneos. Num evento prolongado expresso, por exemplo, por transformar, podemos distinguir três fases: o início do evento, que corresponde a uma transição (ou passagem de fronteira), que pode ser expresso em português por começar a transformar; o decurso do evento, que em português é expresso pela forma progressiva – estar a transformar; e o final do evento, que corresponde à segunda passagem de fronteira que poderia ser expresso em português por acabar de transformar.

[24] Para mais detalhes sobre o papel da agentividade no género textual debate em sala de aula sobre um tema orientado, ver Pinto & Valentim (2012).

[25] Pela pouca relevância da identificação tanto do referente, quanto dos subtemas, foi decidido não indentificá-los na análise dos modos de expressão da agentividade.

[26] Reflexões mais aprofundados sobre o papel das modalizações linguísticas em géneros textuais, em especial nos textos processuais, ver: Pinto & Bessa (2010)

[27] No género textual em análise, não foi solicitado aos alunos que relatassem alguma experiência pessoal ou de outros que pudesse nos fornecer instrumentos metodológicos para analisarmos as formas de interpretação do agir empreendedor propriamente dito. Dentro deste contexto, afastamo-nos do conceito de figura de ação proposto por Bulea (2010).

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