SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28 número1Grupos consonânticos na escola: desenvolvimento fonológico e conhecimento ortográficoIdeias ortográficas de Madureira Feijó e de Soares Barbosa índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.28 no.1 Braga  2014

 

A onomasiologia e seus dicionários: o caso do dicionário onomasiológico de expressões cromáticas da fauna e flora

The onomasiological dictionary of chromatic phrases of fauna and flora

 

Sabrina de Cássia Martins*; Claudia Zavaglia**

*Universidade Estadual Paulista, Brasil, martins_sabrina@ig.com.br

**Universidade Estadual Paulista, Brasil, zavaglia@ibilce.unesp.br

 

RESUMO

Atualmente, o mercado lexicográfico tem vivenciado um aumento no que diz respeito ao número de obras produzidas. Tais obras se enquadram em duas formas de organização macroestrutural: a semasiológica e a onomasiológica. O presente trabalho tem como objetivo atentar para as qualidades e vantagens das obras onomasiológicas, além de defender que Semasiologia e Onomasiologia estabelecem uma relação intrínseca que deve ser considerada na elaboração de dicionários. A fim de demonstrar os benefícios proporcionados pela combinação dos percursos onomasiológico e semasiológico em uma mesma obra, descreveremos como os adotamos no Dicionário Onomasiológico de Expressões Cromáticas da Fauna e da Flora.

Palavras chave: Dicionários onomasiológicos; Onomasiologia e Semasiologia; percurso onomasiológico e percurso semasiológico.

 

ABSTRACT

Nowadays, the lexicographical market has experienced an increase of the number of works produced. These works belong to two forms of macro-structural organization: the semasiological one and onomasiological one. This study aims at considering the qualities and advantages of onomasiological dictionaries, as well as defending that semasiology and onomasiology establish an intrinsic relationship that should be considered in the development of dictionaries. In order to demonstrate the benefits provided by a combination of onomasiological and semasiological courses in the same work, we describe how such courses were adopted in the Onomasiological Dictionary of Chromatic Phrases from Fauna and Flora.

Keywords: onomasiological dictionaries, onomasiology and semasiology, onomasiological perspective and semasiological perspective.

 

Introdução

O panorama das obras de referência tem nos fornecido uma variedade enorme de dicionários classificados a partir de diferentes critérios, por exemplo, dicionários da língua geral, analógicos, ideológicos, especializados ou terminológicos, etimológicos, históricos, entre outros, e pertencentes a duas metodologias de organização macroestrutural: os dicionários semasiológicos e os dicionários onomasiológicos, cuja discriminação parte do princípio de que os primeiros são organizados a partir da forma para se chegar ao conceito, enquanto os segundos são organizados priorizando-se os conceitos para então se chegar à forma.

No que diz respeito especificamente à tradição e evolução de obras onomasiológicas, é sabido que sua história remonta ao século VII A.C., quando houve a necessidade de serem criadas listas de palavras bilíngues relacionadas às atividades mercantis da época e que foram organizadas por campos semânticos (FARIAS, 2007; WELKER, 2004). Oliveira (2011) destaca que as primeiras obras desse tipo são os onomástica egípcios e clássicos, anteriores a era cristã, e são o exemplo de uma tentativa de organização e categorização do mundo, característica constitutiva do ser humano. Como bem ressalta essa autora, a Lexicografia onomasiológica, por sua vez, é uma ferramenta de conhecimento que nasce com o objetivo de fixar os princípios universais que orientam o mundo e o ser humano na sua busca pela categorização do universo.

Riva (2009) argumenta que, no decorrer da história, durante muito tempo, tal prática esteve relacionada ao estudo comparativo entre as línguas românicas, que geralmente partiam do latim, língua que definia os parâmetros para a comparação, abordando, por exemplo, o vocabulário da Flora e da Fauna e elementos da vida humana. Em concordância, Babini (2001) ressalta que embora o termo Onomasiologia propriamente dito tenha sido originado em 1903, quando empregado por Zauner em seu estudo comparativo entre as línguas românicas sobre as partes do corpo humano, a ideia de se organizar o vocabulário por domínios é anterior, tendo surgido na segunda metade do século XIX com o Thesaurus of English Word and phrases de Roget, que tinha como objetivo propor uma nova forma de organização, ordenando as palavras de acordo com a ideia que expressavam.

De acordo com Babini (Idem), para Roget, o objetivo de um “dicionário comum”, isto é, o semasiológico, seria explicar o significado das palavras, estando sua problemática relacionada ao fornecimento do significado ou ideia que uma determinada palavra transmite. Já o objetivo da obra por elaborada por Roget era exatamente o oposto, ou seja, reunir todas as palavras que melhor expressarim uma ideia ou conceito, classificando-as, então, não pelo seu som ou ortografia, mas sim pela sua significação.

Ainda segundo Babini (Ibidem), foi em 1952 com a obra Begriffssystem als grundlage für die Lexikographie, de Hallig e Wartburg, que os estudos sobre Onomasiologia e sobre questões teóricas que giram em torno da Lexicografia Onomasiológica ganharam força. Para o autor, tais estudiosos apresentam um sistema de classificação de conceitos que, segundo eles, tem valor universal, o que reacendeu o debate sobre a escolha entre a classificação alfabética ou ideológica e culminou em milhares de críticas feitas à obra e aos autores.

Embora os dicionários semasiológicos estejam em maior número no amplo leque de obras de referência que temos à disposição atualmente, é de se considerar a importância e o aumento dos dicionários onomasiológicos no decorrer da segunda metade do século XX. Cientes do valor inquestionável que a organização onomasiológica confere a um dicionário, propomos a elaboração de uma obra que se enquadre em tal categoria, abordando exclusivamente o vocabulário da Fauna e da Flora, organizada em concordância com os pressupostos teóricos da área. Nas próximas linhas, trataremos de algumas questões relativas ao significado, à relação intrínseca entre Semasiologia e Onomasiologia, bem como a presença dos percursos onomasiológico e semasiológico em dicionários.

Desde já salientamos que Onomasiologia e Semasiologia não se excluem, mas sim se complementam, na medida em que tratam do significado por perspectivas diferentes. Nesse sentido, é absolutamente válida a presença desses dois percursos numa única obra, fato que, para além da facilitação da busca, configura ao dicionário um caráter autêntico e proporciona ao consulente novas possibilidades de busca.

1. A Onomasiologia e o signi?cado

Quando tratamos de Onomasiologia, é impossível não abordar as questões que giram em torno do significado. Considerado um dos termos mais polêmicos da teoria da linguagem, o significado representa um “complexo de relações contextuais” (FIRTH, 1935, apud ULLMANN, 1964: 112) manuseado de forma diferente seja pela fonética, pela gramática, Semântica ou Lexicografia. Ullmann (1964) destaca que o significado das palavras foi um assunto muito abordado e que há duas escolas que merecem especial atenção: a analítica ou referencial e a operacional.

Interessa-nos no presente trabalho apenas a primeira das escolas, visto que estabelece relações estreitas com a Onomasiologia. Tal escola tem como modelo de análise o triângulo de Ogden e Richards representado a seguir:

 

 

Para Ullmann (Idem), tal triângulo tem como característica fundamental a distinção de três componentes do significado, apontando para a ausência de uma relação direta entre as palavras e as coisas por elas representadas e para o fato de que a palavra simboliza um pensamento e este se refere a um aspecto ou um acontecimento.

Baseado nesse triângulo e nos estudos de Saussure, o autor propõe um triângulo com uma nova estruturação, definindo, como pode ser observado na figura abaixo, nome como a configuração fonética da palavra, sentido como a informação comunicada pelo nome ao ouvinte, e coisa como o referente não linguístico.

 

 

Como pode ser observado, Ullmann (1964) critica a presença do “referente” e chama a atenção para o fato de o triângulo proposto tratar apenas da palavra atuando no ouvinte e desconsiderar o ponto de vista do falante. Segundo esse autor, “há uma relação recíproca e reversível entre o nome e o sentido” (Ibidem, 117), o que remete à coisa ao ouvir a palavra e à palavra quando se pensa no referente. Assim, da mesma forma que o nome se conecta com a coisa por meio do sentido, também ocorre o caminho inverso. É essa relação recíproca e reversível que o autor chama de significação.

É importante observar, porém, que a definição referencial do significado não propõe que cada palavra seja considerada isoladamente, ao contrário, admite que vários nomes possam estar ligados por meio de um único sentido, assim como um nome pode estar ligado a diversos sentidos.

 

 

De acordo com Ullmann (Ibidem), alguns estudiosos chegaram a afirmar que todo estudo linguístico deve partir da forma, e não do significado. No entanto, tal modelo demonstra a interdependência existente entre a Semasiologia e a Onomasiologia, reafirmando que o significado pode ser analisado tanto a partir do nome, como fazem os dicionários alfabéticos, quanto a partir do sentido, como fazem os dicionários dedicados às diversas áreas de conhecimento, ou seja, aqueles conceituais. A esse respeito, Baldinger (1966, p. 26) explicita que “a posição no campo semasiológico determina ao mesmo tempo a posição no campo onomasiológico”, o que fundamenta a concepção de que tais processos se complementam.

Heger (1965 apud BABINI, 2001), por sua vez, critica as versões do triângulo supracitado e propõe um novo esquema em forma de trapézio que separa o significado do conceito. Assim, o autor propõe um esquema que possibilita a análise do conteúdo sem alterar a unidade do signo linguístico. Para Baldinger (1970), Heger (1965) argumenta que o significado é um conjunto de todos os sememas de um significante. O sema é uma unidade mínima distintiva da substância do conteúdo ou um traço semântico. O monema é uma unidade mínima de significado e é composto por uma forma de expressão e uma forma de conteúdo. Assim, Heger elabora um novo modelo de signo linguístico, cuja forma é o seguinte trapézio:

 

 

Com base nesse trapézio, podemos afirmar que Onomasiologia e Semasiologia situam-se no plano do conteúdo: a Semasiologia parte do significado para então examinar as diferentes significações; já a Onomasiologia parte do conceito para encontrar as variadas designações, buscando os monemas que expressam o conceito referente. Por conseguinte, no campo semasiológico está representada a estrutura interna de apenas um significado, assim como no campo onomasiológico estão representados todos os sememas relacionados a diferentes significados, porém um mesmo conceito. A seguir, discorreremos sobre a relação intrínseca que a Semasiologia e a Onomasiologia estabelecem entre si.

2. A interdependência entre a Semasiologia e a Onomasiologia

As questões sobre a interdependência entre a Semasiologia e a Onomasiologia situam-se, segundo Baldinger (1966), entre o século XIX e XX, quando a atenção dos estudos linguísticos se movimentou do som para a palavra. Para o autor, tanto uma como outra estão a favor da Lexicologia histórica, porém:

A Semasiologia, é certo, considera a palavra isolada no desenvolvimento de sua significação, enquanto que a Onomasiologia encara as designações de um conceito particular, vale dizer, uma multiplicidade de expressões que formam um conjunto. A Onomasiologia implica, pois, desde o começo, numa preocupação de ordem estrutural (BALDINGER, 1966: 8).

A Semasiologia e a Onomasiologia estabelecem entre si uma relação tão necessária quanto à instaurada entre um dicionário organizado por conceitos e outro organizado por ordem alfabética. É nesse cenário também que surge o impasse entre Semasiologia e Onomasiologia em Lexicografia. Segundo o autor, a polêmica contra os dicionários alfabéticos argumentava que tal organização decompunha o sistema orgânico da língua, uma vez que distanciava palavras que mantinham traços semânticos semelhantes. No início do século passado, a Semasiologia chegou até mesmo a ser considerada como um “erro da linguística” (WEISGERBER, 1927 apud BALDINGER, 1966: 9) que impossibilitava a apreensão do sentido e evolução do conteúdo linguístico.

Como bem assinala Baldinger (Ibidem), a Semasiologia não foi extinta; tampouco emerge a Onomasiologia como opção mais apropriada para a análise do conteúdo semântico. De acordo com o autor, restrições também foram relacionadas aos estudos onomasiológicos, tendo alguns pesquisadores argumentado que a Onomasiologia omitia o conteúdo dos conceitos. Nesse sentido, Riva (2009: 64) menciona os frequentes questionamentos ao longo da evolução dos estudos lexicológicos e lexicográficos, uma vez que “defendia-se que na Onomasiologia havia certa ‘abstração’, uma subjetividade idiossincrática, na classificação extralinguística”.

Destarte, da mesma forma que a Semasiologia não pode resolver os problemas da Onomasiologia, o contrário também se verifica. Por isso, Baldinger (Ibidem), discorrendo sobre as considerações teórico-metodológicas em Semasiologia e Onomasiologia, conclui que as diversas significações que uma palavra pode apresentar estabelecem alguma relação entre si, sendo agrupadas em um campo de significações. Baseando-se na análise de obras lexicográficas, o autor afirma que o estabelecimento dos campos semasiológicos é a tarefa primordial em qualquer obra alfabética e sincrônica. Ressalta, inclusive, que é o conhecimento do campo semasiológico que proporciona a interpretação de contextos, o reconhecimento de falsos amigos e significações específicas decorridas do emprego da palavra numa situação particular.

Desse modo, o autor argumenta que a Semasiologia tem algumas tarefas, tais como: a análise das estruturas sincrônicas de diferentes épocas e lugares, a identificação, com base em fatores históricos e sociais, do nascimento de uma nova significação, estudando a modificação da estrutura semasiológica e as modificações no sistema lexicológico.

Com base ainda na análise de obras lexicográficas, esse mesmo autor destaca que a facilidade encontrada para o reconhecimento do campo semasiológico não é a mesma para o campo onomasiológico. Para ele, o lugar ocupado por uma significação no primeiro campo determina sua posição no segundo. Assim, se uma palavra ocupar o centro semasiológico, ela também ocupará o centro do campo onomasiológico, considerado como elemento base e cercado por outros elementos lexicais que designam noções secundárias.

Assim, após traçar a estrutura semasiológica da palavra travailler e a estrutura onomasiológica da noção travailler, o autor pontua que existe uma interdependência entre Semasiologia e Onomasiologia. Para ele, assim como, ao longo dos séculos, trebalhar se deslocou para o centro do campo onomasiológico travailler, paralelamente, a significação de travailler também se deslocou para o centro do campo semasiológico. Tal deslocamento diacrônico simultâneo evidencia essa interdependência. A explicação desse fenômeno, como aponta Baldinger (1966), pode ser demonstrada no triângulo de Ullmann (baseado nos pressupostos teóricos de Saussure e no triângulo de Ogden e Richards) anteriormente mencionado.

Não obstante, acrescenta que uma forma pode ter várias significações, assim como um conceito pode ter diversas designações. Para esse autor,

A estrutura onomasiológica é baseada na sinonímica, a estrutura semasiológica é baseada na polissemia. A Onomasiologia visualiza os problemas sob o ângulo do que fala, daquele que deve escolher entre diferentes meios de expressão. A Semasiologia focaliza os problemas sob o ângulo do que houve, do interlocutor que deve determinar a significação da palavra que ele entende dentre todas as significações possíveis (BALDINGER, 1966: 30).

Por fim, o autor destaca que, embora tenham surgido críticas sobre a abordagem onomasiológica, é ela que possibilita o estudo comparativo da base estrutural entre as diversas línguas, analisando a manifestação linguística dos conceitos em qualquer domínio do léxico e nos incitando a uma investigação pormenorizada da língua. Na próxima seção, trataremos da presença dos percursos onomasiológico e semasiológico em dicionários.

3. Percurso onomasiológico e o percurso semasiológico em dicionários

Babini (2001; 2006), citando a obra Sémantique générale, de Bernard Pottier (1992), destaca que o autor propõe a existência de dois percursos de enunciação: um analisado do ponto de vista do emissor, quer dizer, o percurso onomasiológico, que parte da intenção de dizer ao enunciado, e outro analisado do ponto de vista do receptor, ou seja, o percurso semasiológico que parte do enunciado à sua interpretação.

No percurso onomasiológico, o emissor parte do mundo referencial, conceituando sua intenção de dizer por meio de um processo de semiotização dos signos em um sistema semiótico, isto é, uma língua natural. A passagem da conceituação à semiotização é chamada por Pottier de fenômenos de designação, que estabelecem a relação entre o mundo referencial e os sistemas das línguas naturais. A enunciação é a passagem pela qual, no discurso, os significados se tornam significações, designada pelo autor como fenômenos de significação. Pottier (1992) propõe o seguinte esquema para representar o percurso onomasiológico:

 

 

O percurso semasiológico, por sua vez, parte do sentido contrário ao do emissor, isto é, do discurso, um texto oral ou escrito, para chegar à compreensão. A compreensão do texto/discurso é possível por meio da identificação e interpretação dos diferentes elementos discursivos que o compõem. Pottier (1992) propõe o seguinte esquema para representar o percurso semasiológico:

 

 

Após analisar alguns dicionários publicados entre os séculos XIX e XX, Babini (2001) assevera que são os elementos da macroestrutura e da microestrutura que possibilitam a realização do percurso onomasiológico nas obras lexicográficas.

Esse autor conclui, então, que existem características comuns a todos os dicionários analisados, mecanismos que podem variar e serem expressos em diferentes formas, uma vez que existem seis possibilidades de realização do percurso que possibilitam encontrar a unidade lexical a partir do conteúdo semântico que podem ou não serem usadas concomitantemente. São elas: “o sistema nocional ou plano de classificação das ideias (conceitos) apresentados no início das obras; a classificação sistemática das entradas; o conteúdo semântico das entradas; a sinonímia; a antonímia; a analogia” (BABINI, 2001: 162, tradução nossa). E ainda assevera que um dicionário onomasiológico deveria apresentar, na medida do possível, uma macroestrutura e uma microestrutura que permitissem a realização desses percursos. Nas próximas linhas, trataremos das características dos dicionários semasiológicos e onomasiológicos e, posteriormente, explicitaremos como são possibilitados os percursos onomasiológico e semasiológico no Dicionário Onomasiológico de Expressões Cromáticas da Fauna e Flora.

4. Dicionários Semasiológicos e Dicionários Onomasiológicos

Landau (1989) reconhece que as duas formas de organização não são completamente díspares, visto que ambas as obras dependem de uma lista alfabética de palavras. Antes, podemos afirmar que elas se complementam, pois, enquanto a organização onomasiológica conduz o leitor a partir do índice para se chegar aos conjuntos de palavras relacionadas por seus conceitos, a organização semasiológica fornece uma lista de vocábulos unidos por traços semânticos semelhantes logo após a entrada.

O mesmo autor acrescenta que, por um lado, a organização conceitual, além de garantir que o usuário encontre a palavra que está buscando, tem a vantagem de fornecer num mesmo espaço uma quantidade de palavras muito maior. Por outro lado, a organização alfabética é vista como a mais simples de se manusear, pois, uma vez encontrada a palavra, o leitor não precisa realizar outras buscas para encontrar seus sinônimos. Zavaglia (2009) dedica o sucesso de obras semasiológicas ao rápido manuseio, o que assegura ao consulente o uso eficaz do dicionário. Porém ainda afirma que a classificação a partir da estruturação da realidade também traz um valor indiscutível para uma obra.

Também Babini (Ibidem) argumenta a favor da junção dos dois percursos numa mesma obra ao afirmar que os dicionários organizados em ordem alfabética possibilitam apenas que os significados das palavras sejam encontrados a partir da sua forma gráfica. Entretanto, se temos em mente apenas o conceito, não nos é permitido pelos dicionários convencionais encontrar a palavra que o denomina. Para o autor, os dicionários deveriam tornar possível tanto a busca pela palavra por meio da ideia, quanto a busca pela ideia por meio da palavra.

No que concerne à estruturação dos dicionários onomasiológicos, Baldinger (1970) considera pertencente a essa tipologia aqueles que classificam as unidades lexicais em função dos conceitos por elas representados. Em contrapartida, são semasiológicos os dicionários que classificam as unidades lexicais em função da sua forma, ou seja, por ordem alfabética. Em trabalho anterior (BALDINGER, 1966), o mesmo autor releva que os dicionários por ordem alfabética (ou fonológica) e os organizados por conceitos se complementam e, conforme assegurado por Babini (Ibidem), cada um busca resolver os problemas de uma forma inversa que àquela do outro.

Tosqui-Lucks (2008) determina que

[...] na estruturação do léxico, a Onomasiologia representa a face das designações, compreendendo todos os significantes de um dado significado, ao passo que a Semasiologia representa a face das significações, compreendendo todos os significados possíveis que possam traduzir um determinado significante (TOSQUI-LUCKS, 2008: 232).

Em outras palavras, ao passo que nos dicionários que se utilizam da classificação feita pela ordem alfabética podemos apreender o significado da palavra apenas por meio de sua forma, os dicionários onomasiológicos nos permitem fazer relações de sentido entre itens pertencentes a uma determinada área do saber. Ao dicionário onomasiológico, então, cabe partir de uma ideia para examinar os vários sentidos que a ela estão relacionados, isto é, parte de um conceito para chegar à forma, possibilitando o percurso ideia (ou noção/conceito) ? unidade lexical.

No que diz respeito à tradição lexicográfica onomasiológica, Oliveira (2011) destaca que embora ela exista e seja relativamente forte, há uma desproporção entre o número de dicionários semasiológicos e os onomasiológicos, fato esse que pode ser explicado pela supremacia da noção de palavra sobre àquela do conceito, além, é claro, da complexidade de sua elaboração e da dificuldade na sua consulta.

Com base em uma pesquisa feita em alguns dicionários onomasiológicos, essa mesma autora aventa que existem algumas características acerca de sua estrutura e informações de uso que abundam em todos eles. Para ela, sobram índices, remissões e referências cruzadas, procedimentos que buscam revelar a facilidade da busca. No entanto, para a pesquisadora, na grande maioria das obras faltam informações sobre os seus pressupostos teórico-metodológicos, da mesma forma que abunda subjetividade na classificação, uma vez que os resultados obtidos a partir dessa classificação podem não ser satisfatórios para todos. A seguir, relataremos a metodologia adotada para a elaboração do Dicionário Onomasiológico de Expressões Cromáticas da Fauna e Flora, explicitando como foi possibilitado o percurso onomasiológico e o percurso semasiológico dentro da mesma obra e quais as vantagens dessa junção para um dicionário especializado.

4.1. O Dicionário onomasiológico de expressões cromáticas da Fauna e Flora

No que diz respeito à elaboração de obras lexicográficas especializadas, Bergenholtz e Tarp (1995) ressaltam a importância da classificação sistemática das entradas, para fins de delimitação da área abordada. Os mesmos autores argumentam que a organização onomasiológica, além de fornecer um panorama da área, tem como vantagens diretas ao consulente a possibilidade de estabelecer relações entre os conceitos que compõem a rede conceitual desta, facultando uma pesquisa que forneça informações adicionais.

Zavaglia (2009) atenta para o fato de que um dicionário pode ser tanto onomasiológico quanto semasiológico. Em concordância com essa autora, entendemos que um bom dicionário onomasiológico busca não apenas representar todas as relações entre as noções de um mesmo domínio como também fornecer os dois percursos: tanto o onomasiológico quanto o semasiológico, para que não falte ao consulente a possibilidade de alcançar o seu objetivo.

Dessa forma, o Dicionário Onomasiológico de Expressões Cromáticas da Fauna e Flora tem sua macroestrutura organizada onomasiologicamente de acordo com uma classificação baseada nos modelos da Sistemática[1] que tem como proposta agrupar os seres segundo suas características em comum, partindo do reino (mais genérico) até a espécie (mais específico). Assim, com o auxílio de uma profissional da área,[2] formulamos o seguinte modelo de macroestrutura:

 

 

Tal modelo é representado no dicionário por meio de um plano de classificação das ideias que permite ao consulente a possibilidade de estabelecer relações de sentido entre o léxico abordado, cujo formato evidenciamos a seguir:

 

 

Como pode ser visto nesse plano de classificação da Fauna, partimos do reino, no caso o Chordata, no qual se encontram todos os seres estudados pela Zoologia, para então fornecer a classe, neste caso a Reptila, que abrange, por sua vez, os répteis. Em seguida, fornecemos a ordem e a família em que a espécie denominada pela expressão cromática se insere. Tal descrição exemplifica a classificação sistemática das entradas. A título de ilustração, citamos a classificação do item “iguana-verde”, presente na figura acima, no interior do dicionário:

 

 

Uma vez defendida a presença dos dois percursos (onomasiológico e semasiológico) no interior do dicionário, fornecemos também um índice remissivo ao final da obra em ordem alfabética no qual é indicada a página em que se encontra a expressão cromática. Tal possibilidade permite aos leitores uma busca mais rápida e simples, aguçando a curiosidade por descobrir o funcionamento do dicionário e incentivando a leitura de outros verbetes. Ilustramos o índice remissivo na figura que segue:

 

 

Ademais, a presença do percurso semasiológico também está presente na organização das expressões cromáticas/entradas no interior das famílias, como pode ser observado a partir da figura 8. Não obstante, a microestrutura também segue o modelo semasiológico, estando o verbete organizado no sentido palavra-entrada ? significado/conceito. Temos como modelo de verbete o que segue:

 

 

Tal modelo é baseado na proposta de Zavaglia, C. e Zavaglia, A. (2002) que propõem um modelo de microestrutura dividido em paradigmas informacional, de formas equivalentes, pragmático e definicional, enfatizando a importância dos dois últimos para a compreensão do item por parte do leitor.

Para além de uma lista de palavras com seus respectivos significados, consideramos que um dicionário especializado precisa fornecer o maior número de informações possíveis ao consulente, seja ele um especialista da área ou um leigo no assunto. Dessa forma, propomos a inserção de informações linguísticas, tais como a classe gramatical e plural; da definição; de contextos retirados da Web Córpus que abordem diferentes níveis de especialização de discurso que comprovam o uso generalizado das expressões cromáticas e que complementam as informações fornecidas na definição; de sinônimos, isto é, de variantes denominativas da espécie. Atentemos para a próxima figura:

 

 

O modelo de microestrutura descrito na figura 11 é exemplificado com esse exemplo de verbete, uma continuação da figura 9 que demonstra a classificação do item iguana-verde dentro do dicionário. Como podem ser observados, os paradigmas são distribuídos de forma progressiva dentro do verbete, possibilitando uma melhor compreensão da expressão cromática. A definição contém os traços distintivos da espécie e os exemplos buscam, primordialmente, fornecer informações complementares. A microestrutura, juntamente com a macroestrutura, estão em harmonia e continuidade, reunindo um conjunto de conhecimentos que delimita e torna compreensíveis os conceitos da Fauna e da Flora.

Considerações ?nais

Nestas poucas páginas, procuramos enfatizar a contribuição da Onomasiologia para a Lexicografia. Para tanto, fomos ao início da tradição lexicográfica, a fim de salientar o papel das obras lexicográficas onomasiológicas no decorrer da história.

Quando discorremos sobre Semasiologia e Onomasiologia, é imprescindível que se trate da natureza do significado. Desta sorte, partimos dos pressupostos da escola referencial, destacando o papel dos triângulos propostos por Ogden e Richards, de Ullman, bem como o trapézio proposto por Heger, a fim de demonstrar a relação intrínseca estabelecida entre Semasiologia e Onomasiologia, transpondo, posteriormente, tal relação para a elaboração de dicionários.

Em seguida, defendemos que uma única obra pode conter tanto o percurso onomasiológico quanto o semasiológico e, por meio da descrição do Dicionário Onomasiológico de Expressões Cromáticas da Fauna e Flora, demonstramos que um dicionário que una as duas formas de organização pode ser muito mais vantajoso para o consulente.

Por fim, como bem enfatiza Baldinger (1966), reafirmamos que os dicionários semasiológicos e onomasiológicos não devem ser vistos como díspares, mas sim como dois caminhos paralelos que levam a informações que se complementam. Um dicionário composto por esses dois percursos busca aliar as virtudes de cada um para um bem comum: a satisfação do consulente.

 

Referências

BABINI, M. (2001), Onomasiologie et dictionnaires onomasiologiques. São José do Rio Preto, Beatriz.         [ Links ]

BALDINGER, K. (1966), “Semasiologia e Onomasiologia”, ALFA 9, pp.7-36.         [ Links ]

BALDINGER, K. (1970), Teoria Semantica: hacia una semantica moderna, Madri, Alcalá         [ Links ].

BERGENHOLTZ, H.; TARP, S. (1995), Manual of Specialised Lexicography: The Preparation of Specialised Dictionaries, Amsterdam/Philadelphia, John Benjamins Publishing Company.         [ Links ]

FARIAS, E. M. P. (2007), “Uma breve história do fazer lexicográfico”, Revista Trama 3, nº 5, pp. 89-98.         [ Links ]

LANDAU, S. I. (1989), Dictionaries: The Art and Craft of Lexicography, New York, Sidney, The Cambridge University Press.         [ Links ]

OLIVEIRA, M.E.O. (2011), “Enfoque onomasiológico y fraseografía: cuestiones teórico-prácticas”, in A. PAMIES, L. LUQUE, J. BRETANA, & M. PAZOS, M. (org.) Multi-lingual phraseography: Second Language Learning and Translation Applications, Schneider Verlag, Baltmannsweiler (no prelo).         [ Links ]

RIVA, Huéliton Cassiano (2009), Dicionário Onomasiológico de Expressões Idiomáticas da Língua Portuguesa do Brasil, São José do Rio Preto, , 290f, Tese (Doutorado em Análise Linguística), Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista.         [ Links ]

TOSQUI-LUCKS, P. (2008), “Os dicionários onomasiológicos como instrumento didático-pedagógico: uma análise do campo semântico do turismo em dicionários de língua inglesa”, in C.M. XATARA, & P. HUMBLÉ (org.), Pesquisas em Lexicografia Pedagógica, Florianópolis – SC, EDUFSC, 1, pp.231-243.         [ Links ]

ULLMANN, S. (1964), Semântica: uma introdução à ciência do significado, Tradução de J. A. Osório Mateus, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.         [ Links ]

WELKER, A. H. (2004), Dicionários: uma pequena introdução à Lexicografia, Brasília, Thesaurus.         [ Links ]

ZAVAGLIA, C. & ZAVAGLIA, A. (2002), “A elaboração de um dicionário trilíngüe temático de cromônimos italiano-português-francês/francês-português-italiano: reflexões e considerações”, Lingüística, São Paulo 12, pp.235-247.         [ Links ]

ZAVAGLIA, C. (2009), Sistematização crítica em Lexicografia e Lexicologia, São José do Rio Preto,, 92f, Tese (Livre-docência em Lexicologia e Lexicografia), Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto.         [ Links ]

 

Notas

[1]Ramo da Biologia que classifica os seres vivos por meio do estudo comparativo de suas características, de modo a realizar a sua descrição evolutiva a partir das relações entre os grupos de espécies.

[2]Fomos auxiliados pela Bióloga Maristela Previato, bacharel em Ciências Biológicas pela UNESP, campus de São José do Rio Preto.