SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.27 número3Índico e(m) Moçambique: notas sobre o outroVestígios de Portugal em Bollywood índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.27 no.3 Braga  2013

 

Narrando o(s) Índico(s). Reflexões em torno das ‘geografias transnacionais do imaginário’

Narrating Indian ocean(s). Reflecting on ‘transnational imaginative geographies’

Elena Brugioni*

*Bolseira em Pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia – Programa Operacional Potencial Humano e Fundo Social Europeu – [SFRH/BPD/62885/2009]. Investigadora no Centro de Estudos Humanísticos (CEHUM) da Universidade do Minho, Braga, Portugal. Professora Convidada do Instituto de Letras e Ciências Humanas (ILCH) da mesma Universidade.

ebrugioni@ilch.uminho.pt

 

RESUMO

Convocando algumas das problematizações que marcam o debate crítico-teórico no seio dos Estudos do Índico – Indian Ocean Studies – pretende-se reflectir em torno do Oceano Índico como paradigma transnacional alternativo cuja operacionalização proporciona o surgir de novas epistemologias e cartografias críticas no âmbito das chamadas Literaturas Africanas.

Palavras chave: Estudos do Índico; paradigma do Índico; Literaturas Africanas.

 

ABSTRACT

Addressing some of the problematizations that characterize the critical debate within the Indian Ocean Studies (IOS), the aim of this paper is to tackle the Indian Ocean as an alternative, transnational paradigm that will allow the setting up of new epistemologies and critical cartographies within the field of the so called African Literatures.

Keywords: Indian Ocean Studies; Paradigm of the Indian Ocean; African Literatures.

 

A historical study centred on a stretch of water has all the charms but undoubtedly all the dangers of a new departure.
Fernand Braudel

The ethico­ political task of the humanities has always been the rearrangement of desires.
Gayatri Spivak

No Prefácio ao ensaio Indian Ocean Studies: Cultural, Social, and Political Perspectives (Moorthy & Jamal, 2010), o historiador Michael Pearson, salientando algumas das vertentes e dos desenvolvimentos mais relevantes do campo de estudo sobre o Oceano Índico – Indian Ocean Studies –, convoca duas problemáticas, a meu ver cruciais, e que se prendem, em primeiro lugar, com a marginalidade deste campo de estudos dentro da reflexão histórica contemporânea, evidenciando, em segundo lugar, a importância dos Estudos do Índico para a criação de categorias e paradigmas críticos e epistemológicos alternativos aos que pautam a análise histórica e, logo, social e cultural. No que concerne o primeiro aspecto, convocando o debate historiográfico que caracteriza os chamados Estudos Marítimos no seio da historiografia contemporânea mainstream, Pearson afirma:

A recent discussion in the very prestigious and widely read American Historical Review was guilty of a major sin of omission. A long introduction by Karen Wigen was followed by analyses of the Mediterranean, the Atlantic, and the Pacific. Curious indeed that the Indian Ocean was ignored. Could the reason for this be that for most of its history the Indian Ocean was crossed and used by people from its littorals, not by Europeans, while the three examples chosen by Wigen were all dominated by Europeans for most or all of their histories? This complaint about a Eurocentric approach applies to an extent to a very recent book, Seascapes, where again the Indian Ocean is largely absent and European-and American-controlled oceans and subjects are privileged. Indeed this Eurocentric bias goes back a long way. Braudel’s study of the Mediterranean was notoriously weak on the southern, Islamic, shore of the sea. Even before this, early in the twentieth century, many European authorities considered the Indian Ocean to be only a “half ocean” as it did not extend far into the Northern Hemisphere! Despite this neglect from the American academic mainstream, historical studies of the Indian Ocean are in fact flourishing. (Pearson, 2010: xv)

A questão salientada pelo estudioso relativamente à ausência do Oceano Índico no debate historiográfico contemporâneo é posta em relação com a marginalidade da presença europeia neste Oceano, apontando de imediato para uma questão ideológica e conceptual relevante que convoca um conjunto de problematizações significativas no que concerne os objectos de estudo do campo disciplinar historiográfico, destacando a perspectiva eurocêntrica como possível razão desta aparente subalternização do Índico.

Por outras palavras, recorrendo à definição proposta por Dipesh Chakrabarty, pode-se evidenciar como a “provincialização da Europa” (2000) que o espaço-tempo do Oceano Índico opera, torna-se, porventura, uma das razões pelas quais este campo de estudo não parece beneficiar da mesma difusão que caracteriza, por exemplo, os estudos sobre o Atlântico.[1] Este aspecto pode ser também salientado dentro de uma perspectiva mais situada tal como aquela dos estudos historiográficos, culturais e políticos que dizem respeito à história marítima e colonial portuguesa, onde o estudo do Atlântico, nas suas diversas articulações, se destaca quantitativamente relativamente, por exemplo, aos estudos sobre o Índico.[2] Esta situação, cujas razões são de variada natureza, apontando para uma ampla e aprofundada problematização que não é possível desenvolver no âmbito da reflexão que me proponho apresentar neste texto, torna-se evidente observando, por exemplo, a produção teórica desenvolvida em torno do que vem sendo definido como Atlântico Sul, e os variadíssimos estudos que se fundamentam na triangulação entre a costa ocidental africana, o Brasil e Portugal, configurando o Oceano Atlântico – e a sua região meridional – como uma categoria analítica de evidente interesse para uma análise histórica, antropológica, política e cultural sobretudo em contexto português e brasileiro. Por outro lado, tendo em conta a especificidade da relação entre Portugal e o Oceano Índico, quer no período pré-moderno quer nas épocas sucessivas[3], os estudos do Índico deveriam representar uma perspectivação crítica matricial, merecendo, como tal, uma mais ampla e aprofundada abordagem conceptual e analítica.[4]

Voltando ao texto de Michael Pearson, uma segunda questão significativa salientada pelo estudioso prende-se com as potencialidades críticas que os Estudos do Índico possuem no que concerne o surgir de novas categorias analíticas e paradigmas críticos.

The question then is whether studies of oceans can generate new and distinctive paradigms, or if they will merely add a little to existing land-based models. It could be that a cultural studies approach to the sea will contribute to the first, very ambitious, possibility. (Pearson, 2010: xvi)

Segundo esta perspectiva, a importância do Índico não reside apenas na sua especificidade enquanto objecto de estudo, mas sim na renovação conceptual e epistemológica que deste pode surgir, proporcionando uma revisão crucial das categorias analíticas que pautam a disciplina historiográfica, bem como as abordagens que se situam no âmbito dos estudos sociais, políticos ou culturais. A este propósito, os estudos culturais e literários dentro do campo dos Estudos do Índico possuem uma dimensão “inédita e inovadora” (Pearson, 2011), destacando-se como abordagens matriciais no que concerne o surgir de aparatos conceptuais e críticos alternativos. Aliás, neste sentido, afirma ainda Pearson:

Literary studies, really combined with cultural studies tendencies, have only just begun to appear. Yet this area will undoubtedly flourish soon, inspired possibly by several important collections which only deal in part with our ocean. (Pearson, 2011: 80)

E com efeito, passando em resenha aquela que pode ser considerada como a bibliografia essencial dos Estudos do Oceano Índico[5], destacam-se quantitativamente um conjunto de perspetivações disciplinares e diacrónicas específicas.

No que concerne a dimensão disciplinar, a produção de carácter histórico, nas suas articulações políticas e antropológicas, sobressai como mais ampla e aprofundadamente desenvolvida. Ao mesmo tempo, pelo que diz respeito à dimensão diacrónica, é evidente o prevalecer de abordagens que se debruçam sobre o período anterior à chegada dos europeus no Índico e sobre a época pré-moderna, permanecendo menos aprofundados os períodos moderno e contemporâneo.[6]

Para além disso, a produção crítica e teórica que se situa no campo dos Indian Ocean Studies é pautada por um conjunto de temas e questões transversais e significativas, tais como: migração, cosmopolitismo, insularidade, pirataria, escravatura, trocas comerciais, entre muitas outras, apontando para uma constelação conceptual específica que marca a reflexão teórica produzida sobre este contexto regional ou transnacional.

Do ponto de vista dos estudos literários e culturais, os Estudos do Índico parecem apontar para um conjunto de potencialidades epistemológicas e conceptuais de grande relevo, proporcionando o surgir de cartografias críticas alternativas e relevantes. Simultaneamente, o desenvolvimento de uma perspectiva cultural e literária dentro dos Estudos do Índico permitiria um enriquecimento deste campo de estudo, contribuindo para a consolidação de paradigmas alternativos dentro da área disciplinar, por exemplo, das chamadas Literaturas Africanas.[7]

Procurando aprofundar a dimensão conceptual e epistemológica deste campo de estudo, pode-se salientar que os Estudos do Oceano Índico – Indian Ocean Studies [IOS], ao operacionalizar a relação entre espaço e tempo na senda da reflexão proposta por Fernand Braudel e logo encarando o mar como um lugar de relações históricas, económicas e também culturais (Braudel, 1985) –, proporcionam um conjunto de itinerários epistemológicos que configuram o Oceano Índicona perspectiva de uma “arena inter-regional” (Bose, 2006: 6) onde, também de um ponto de vista cultural, surgem sujeitos, relações e representações específicas e alternativas. Ora, esta articulação, no que concerne à perspectivação espacial, parte do pressuposto que, como salienta Kirti N. Chaundhury:

Space is a more fundamental, rational and a priori dimension for social action than time-order and succession (…) Space takes precedence in historical understanding over its complementary field of chronology. (Chaundhury, 1990)

No que concerne o aparato epistemológico e conceptual, complexificando a dimensão relacional que caracteriza a abordagem proposta pelos chamados area studies, o Oceano Índico apresenta-se não apenas como um “sistema-mundo”, mas sim como uma dimensão espácio-temporal capaz de conjugar, como afirma Sugata Bose, “a generalidade do sistema-mundo” com “as especificidades da dimensão regional” (Bose, 2006) a entender-se não apenas como um “constructo espacial unitário”, mas sim como uma “rede de relações dinâmicas e estruturadas” (Chaundhury, 1990) cuja articulação numa dimensão espácio-temporal específica permite salientar ligações, contactos e dissonâncias entre “mundos” distintos e, todavia, contíguos.

The Indian Ocean is better characterized as an “interregional arena” rather than as a “system”, a term that has more rigid connotations. An interregional arena lies somewhere between the generalities of a “world system” and the specificities of particular regions. (Bose, 2006: 6)

A articulação entre entidade regional e sistema-mundo que a definição do Oceano Índico como uma “arena inter-regional” (Bose, 2006) pretende, de certa forma, complexificar fundamenta-se na necessidade de problematizar constructos espaciais que parecem, todavia, apontar para ideologias e relações de matriz colonial. Aliás, neste sentido, como afirma o próprio Sugata Bose:

Regional entities known today as the Middle East, South Asia and Southeast Asia which underpin the rubric of Area Studies in the Western academy, are relatively recent constructions that arbitrarily project certain legacies of colonial power onto the domain of knowledge in the post-colonial era. The world of the Indian Ocean, or for that matter, that of the Mediterranean, has a much greater depth of economic and cultural meaning. Tied together by webs of economic and cultural relationships, such arenas nevertheless had flexible internal and external boundaries. These arenas, where port cities formed the nodal points of exchange and interaction, have been so far mostly theorized, described, and analyzed only for the premodern and early modern periods. They have not generally formed the canvas on which scholars have written histories of modern era. (Bose, 2006: 6-7)

Numa perspectiva literária e cultural, a definição do Oceano Índico como “espaço de relações estruturadas” ou ainda como “arena inter-regional” e não na perspectiva de um constructo unitário homogéneo torna-se fundamental na medida em que proporciona uma reflexão em torno de diferenças, ambiguidades e tensões que se inscrevem neste espaço-tempo. No que concerne o desenvolvimento de uma perspectiva literária dentro dos Estudos do Índico – e, logo, no que diz respeito à noção de Literaturas do Índico na perspectiva de uma categoria crítica – salientar esta dimensão fragmentária, diferencial e ambígua torna-se crucial em termos epistemológicos, proporcionando um contraponto entre representações, que não se fundamenta apenas em critérios de analogia ou semelhança, mas também de diferença, contraste e heterogeneidade, configurando o Índico como um paradigma comparativo e, simultaneamente, alternativo para ler e situar as propostas literárias e culturais que ilustram e se inscrevem naquilo que Devleena Ghosh and Stephen Muecke definem como “geografia transnacional do imaginário” (2007).

No que diz respeito às chamadas Literaturas Africanas, este desdobramento crítico e conceptual torna-se particularmente interessante na medida em que permite analisar pelo menos duas questões matriciais. Por um lado, o Índico como tema e motivo nas representações literárias que se inscrevem neste espaço-tempo, observando de que forma diferentes práticas literárias e culturais definem e ilustram este espaço e os seus significados no que concerne os contextos nacionais em que estas propostas habitualmente são situadas. Por outro lado, configura-se um itinerário epistemológico pautado por diálogos e contraponto entre escritas e representações diversificadas que surgem através do Oceano Índico, proporcionando o aparecimento e a consolidação de paradigmas críticos e cartografias alternativas para o estudo e análise de um corpus significativo das chamadas Literaturas Africanas.

Contudo, a própria definição conceitual do Oceano Índico – e logo as epistemologias disciplinares que desta desembocam – constitui um aspecto problematizante e que pauta a reflexão crítico-teórica desenvolvida no seio dos mesmos Indian Ocean Studies. Aliás, a definição do Índico como “arena inter-regional” proposta por Sugata Bose (2006) não constitui uma formulação consensual, tratando-se de uma noção cujas implicações conceptuais e epistemológicas são questionadas e problematizadas, por exemplo, por Shanti Moorthy e Ashraf Jamal (2010), que, a este propósito, afirmam:

The high seas of the Indian Ocean have never been mare liberum in the opportunistic Grotian sense, or mare clausum, but a shared communal space with intensely local capital and social intercourse. Hence, any study of the Indian Ocean will reveal the collision of the global and the local, not as a site for vulgar power and conquest, but genuine and by and large peaceable exchange, prior to the development of European expansionism. (Moorthy & Jamal, 2010: 3)

Neste sentido, o Índico é configurado como um “espaço comum partilhado”, onde o “global” e o “local” entram numa colisão teórica e epistemológica relevante, proporcionando uma configuração espácio-temporal que responde à dimensão conceptual de uma área ou ainda de uma região.

We propose that the Indian Ocean region possesses an internal commonality which enables us to view it as an area in itself: commonalities of history, geography, merchant capital and trade, ethnicity, culture, and religion. This we contrast to Sugata Bose’s notion of an “interregional arena.” While usefully raising the possibility of viewing the Indian Ocean region as a human theatre which occupies interstices and straddles several regions, “interregionalism” runs the risk of diminishing the Indian Ocean region as a unique space, locking it into being a region between more significant regions, overshadowed by the concerns of nations with fixed borders and orchestrated histories, and continents that dominate by virtue of sheer mass. We prefer to treat the Indian Ocean region as one, among many, liminal spaces of hybrid evolution, an area whose boundaries are both moveable and porous, which brings us close to Devleena Ghosh and Stephen Muecke’s notion of transnational imaginative geography. (Moorthy & Jamal, 2010: 4; negrito da autora)

A reflexão desenvolvida por Moorthy e Jamal procede de algumas das questões mais problematizantes que caracterizam o debate crítico produzido no seio dos próprios area studies, focando uma questão, a meu ver, particularmente significativa pautada pela necessidade de encarar o Oceano Índico como uma entidade regional autónoma e não apenas como uma “zona de contacto” (Pratt, 1992) e, deste modo, atribuindo a este espaço-tempo a dimensão de uma “geografia transnacional do imaginário” (Ghosh & Muecke, 2007). A este propósito, a reflexão desenvolvida pelos autores convoca a produção teórica que surge no debate em torno da categoria de sistema-mundo[8], procurando deste modo reforçar a configuração do Oceano Índico como uma unidade de análise.

Reorienting significance and temporality features large in Andre Gunder Frank’s application of world system analysis, advocating one, rather than many, world systems. This not only restores the Indian Ocean world to its place in the panoply of human history, but allows this region to be treated as a unit for analysis in a contemporary world which Frank proposes has always been international, economically integrated and globally interconnected. (Moorthy & Jamal, 2010: 10; negrito da autora)

Ora, dentro de uma perspectivação que encara o espaço-tempo do Oceano Índico como paradigma crítico e epistemológico unitário, surge uma dimensão micrológica e conceptual, a meu ver significativa, que reposiciona a relação entre espaço e humanidade, providenciando uma articulação crítica e epistemológica crucial tendo em vista o desenvolvimento dos Estudos do Índico numa perspectiva cultural e literária.

To speak of a “human ocean,” then, is not merely to speak adjectivally, or metaphorically, but to harness human cultural practice to the element which has made it possible. Moreover, to think the oceanic human is also to affirm “the rearrangement of desires” within the ethico-political sphere of the humanities. (Moorthy & Jamal, 2010: 14)

Por outras palavras, a dimensão espacial e humana configura-se como um elemento paradigmático e indispensável para uma abordagem histórica, política e também cultural de sujeitos, situações e relações dentro de uma dimensão contextual específica tal como parece ser a do Oceano Índico. A articulação entre a perspectiva regional e a dimensão humana – the human ocean – constitui um aparato conceptual particularmente eficaz para ler e situar algumas das propostas literárias das chamadas Literaturas do Índico, proporcionando itinerários críticos e conceptuais significativos no que concerne, por exemplo, a relação entre história e experiência, identidade e imaginários, indivíduo e comunidade, espaço e história.

Em geral, de um ponto de vista cultural e literário, tal como evidencia Isabel Hofmeyr:

We need to think of the Indian Ocean as the site par excellence of ‘alternative modernities’; those formations of modernity that have taken shape in an archive of deep and layered existing social and intellectual traditions.
(…) Understanding political discourse and action, then, becomes a task of understanding a complex layered precolonial, colonial and postcolonial archive in which versions of modernity are negotiated in an ever-shifting set of idioms around ‘tradition’. (Hofmeyr, 2007: 13)

Ora, as implicações que as diferentes reflexões teóricas aqui convocadas parecem possuir no que concerne a articulação dos Estudos do Índico na perspectiva disciplinar dos Estudos Culturais e Literários são multíplices e significativas.

Em primeiro lugar, operacionalizando o “paradigma do Índico” as constelações conceptuais que pautam, por exemplo, a crítica às Literaturas Africanastradição, modernidade, nação, diferença, raça, comunidade, entre outras – beneficiariam de uma revisão situada, capaz de contribuir para a desconstrução dos processos de “comodificação da diferença” (Ahmad, 1992) que caracterizam várias instâncias de recepção das Literaturas Africanas[9], redefinindo, deste modo, o aparato crítico que molda as epistemologias literárias pós-coloniais, e salientando aparatos conceptuais alternativos e, sobretudo, imaginários e repertórios culturais inéditos.

Para além disso, esta revisão conceptual e epistemológica permitiria o surgimento de constelações teóricas diversificadas que, por exemplo, não se fundamentam apenas numa relação de oposição entre colonialidade e condição pós-colonial, e onde um conjunto de diálogos e relações que esbatem as cartografias linguísticas poderiam ocorrer, proporcionando uma revisão situada das especificidades que marcam o campo crítico das Literaturas Africanas e o aparato teórico produzido no seio dos chamados estudos pós-coloniais.

A este propósito, pense-se, por exemplo, na reflexão proposta por Isabel Hofmeyr sobre “as pessoas e os trânsitos” [people and passages] no Oceano Índico (2007: 10), sugerindo uma redefinição situada dos conceitos de escravo – slave –, colono – settler – e migrante – free migrant – dentro de uma perspectivação espácio-temporal específica, pensada a partir de uma dimensão diferencial relacionada com as especificidades que marcam, por exemplo, os estudos do Oceano Atlântico. Neste sentido, algumas propostas literárias que se situam no espaço-tempo do Índico sugerem configurações sui generis, proporcionando itinerários e reflexões de grande pertinência sobretudo no que diz respeito às constelações críticas e teóricas em torno da problemática identitária e racial, na sua perspectivação em termos endógenos e exógenos e de inscrição no espaço nacional.[10]

No que diz respeito às chamadas Literaturas Africanas de língua portuguesa, um paradigma como o Índico facultaria uma perspectivação relacional, ainda hoje, pouco desenvolvida referente a uma abordagem, por exemplo, da Literatura Moçambicana numa dimensão transnacional, determinando uma redefinição de temas, imaginários, especificidades e problemas que pautam algumas das representações literárias contemporâ-neas.[11] Trata-se de uma abordagem crítica e epistemológica que redefine o campo semântico e os repertórios culturais convocados e apontados por esta literatura, contribuindo, simultaneamente, para uma reconfiguração da relação entre medium literário e vertentes contextuais específicas. Neste sentido, como salienta Francisco Noa:

[O] Oceano Índico (...) institui-se como fonte e motivação de diferentes universalismos e modernidades que, de certo modo, desafiam as variantes europeias e ocidentais, sobretudo as que estão inevitavelmente ligadas a processos de afirmação hegemónica. Assim, vemos desenhar-se uma cartografia que vai muito além dos limites fronteiriços sejam eles locais ou nacionais e que apostando na imaginação transcende a “era da territorialidade” (Bose, 2006: 277) identitária e cultural que caracterizou o período de afirmação nacionalista. (Noa, 2012)

Pensando em algumas das propostas literárias que pautam, por exemplo, a Literatura Moçambicana sobressaem escritas que convocam dimensões espaciais e temporais que redefinem o repertório cultural dito nacional, reposicionando a especificidade de sujeitos e contextos dentro de uma dimensão transnacional emblemática.[12] É por via de uma relação complexa entre tempo e espaço que algumas obras literárias moçambicanas apontam para uma dimensão contextual que esbate as fronteiras do espaço nacional, convocando relações e dinâmicas que devem ser observadas através de uma perspectivação que se situa fora de uma cartografia linguística e geográfica apenas nacional[13] e sugerindo, deste modo, uma reconfiguração dos paradigmas que fundamentam as cartografias críticas e, logo, as epistemologias para ler e situar as escritas africanas modernas e contemporâneas. Aliás, observando algumas das propostas literárias de alguns autores contemporâneos cujas escritas convocam o espaço simbólico, cultural e geográfico do Índico[14], sobressaem um conjunto de possíveis contrapontos cuja operacionalização proporciona o aparecimento de novas relações entre contextos e representações, facultando a redefinição de questões e epistemologias através das quais são lidas e situadas as escritas literárias contemporâneas e, logo, configurando o OceanoÍndico como “um novo paradigma para um transnacionalismo do Sul Global no que concerne as relações culturais e literárias” (Hofmeyr, 2007).[15]

Em suma, a necessidade de abordagens críticas e epistemológicas de matriz heteroglóssica, transnacional e transdisciplinar não constitui apenas uma urgência do ponto de vista do cânone crítico das Literaturas Africanas mas também institui-se como um pressuposto fundamental em vista de uma consolidação orgânica e articulada do campo dos Estudos do Índico. Por conseguinte, o estudo e a reflexão em torno do Índico parece fundamentar-se numa abordagem transdisciplinar, onde o contraponto entre áreas disciplinares e campos do saber diversificados constitui o caminho imprescindível para que diferentes cartografias críticas e, logo, epistemologias alternativas venham surgindo, contribuindo, por um lado, para uma revisão dos aparatos que pautam a crítica humanística em vista da reconfiguração dos significados das representações literárias na contemporaneidade pós-colonial e, por um outro, concorrendo para uma definição mais completa e orgânica dos Estudos do Índico cuja articulação numa perspectiva literária e cultural permanece um itinerário crítico e conceptual todavia por delinear.

AGRADECIMENTOS – Como Coorganizadora deste dossier temático Narrando o Índico gostaria de dirigir os meus mais sinceros agradecimentos a todos os autores que partilharam connosco “os encantos e os perigos” das suas viagens pelo Índico, tornando possível a concretização daquilo que esperamos possa ser um passo decisivo “para umas novas partidas”. Um agradecimento especial à Directora do CEHUM, Ana Gabriela Macedo, ao Coordenador da Revista Diacrítica–Literatura, Orlando Grossegesse e às indispensáveis colegas e amigas: Andreia Sarabando, Jessica Falconi, Joana Passos e Marie­Manuelle Silva.

 

Referências

Ahmad, Aijaz (1992), In Theory: Classes, Nations, Literatures. London and New York: Versus.         [ Links ]

Almeida, Miguel Vale de (2000), Um Mar da Cor da Terra. “Raça”, Cultura e Política da Identidade. Oeiras: Celta.         [ Links ]

Alpers, Edward A. (1975), Ivory and Slaves: Changing Patterns of International Trade in East Africa to the Later Nineteen Century. Berkeley: Berkeley University Press.         [ Links ]

Bethencourt, Francisco & Chaudhuri, Kirti (1998-2000), Histo´ria da Expansa~o Portuguesa. Lisboa: Temas e Debates.         [ Links ]

Borges Coelho, João Paulo (2004), As Visitas do Dr Valdez. Lisboa: Caminho.         [ Links ]

––––, (2005), Índicos Indícios, Meridião e Setentrião (2 vols). Lisboa: Caminho.         [ Links ]

Bose, Sugata (2006), A Hundred Horizons: The Indian Ocean in an Age of Global Imperialism. Cambridge, Mass.: Harvard University Press.         [ Links ]

Boxer, Charles R. (1963), Race Relations in Portuguese Colonial Empire. 1415-1825. Oxford: Oxford University Press.         [ Links ]

Braudel, Fernand (1985), La Méditerranée, vol. 1: L’espace et l’histoire, vol. 2: Les hommes et l’héritage. Paris: Flammarion, 1985.         [ Links ]

Brugioni, Elena (2012), “Contiguidades Ambi´guas: Cri´tica Po´s-colonial e Literaturas Africanas”, in A. M. Leite et al. (orgs.) (2013), Nac¸a~o e Narrativa Po´s-Colonial – I.Lisboa: Edic¸o~es Colibri, pp. 379-394.         [ Links ]

––––, (2012a), Mia Couto. Representação, História(s) e Pós-colonialidade. V.N. Famalição: Húmus Ed. / CEHUM.         [ Links ]

Campbell, Gwyn (ed.) (2004), The Structure of Slavery in Indian Ocean Africa and Asia. London: Frank Cass.         [ Links ]

Capela, José (2002), O Tráfico de Escravos nos Portos de Moçambique. Porto: Afrontamento.         [ Links ]

Chakrabarty, Dipesh (2000), Provincializing Europe. Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press.         [ Links ]

Chaudhury, Kirti N. (1990), Asia before Europe: Economy and Civilization of the Indian Ocean from the rise of Islam to 1750. Cambridge Eng. Cambridge UP.         [ Links ]

Devi, Ananda (2001), Pagli. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Falconi, Jessica (2008), Utopia e conflittualità. Ilha de Moçambique nella poesia mozambicana contemporanea. Roma: Aracne.         [ Links ]

Farah, Nuruddin (2007), Knots. London: Riverhead Books / Penguin.         [ Links ]

Fawaz, Leila Tarazi et al. (eds.) (2002), Modernity and Culture: From the Mediterranean to the Indian Ocean. New York: Columbia University Press.         [ Links ]

Frank, Andre Gunder (1998), ReOrient: Global Economy in the Asian Age. Los Angeles, CA: University of California Press.         [ Links ]

Frank, Andre Gunder & Gills, Barry K., (2000), “The Five Thousand Year World System in Theory and Praxis”, in Robert Denemark et al., World System History: Social Science of Long Term Change, London / NewYork: Routledge, 2000, pp. 3-23.         [ Links ]

Garcia, Mar; Hand, Felicity & Can, Nazir (orgs.) (2010), INDICITIES/INDICES/INDÍCIOS. Hybridations problématiques dans les littératures de l’Océan Indien. Ille-sur-Têt: Édition K’A.         [ Links ]

Garuba, Henry (2009), “The Critical Reception of the African Novel”, in: F. Abiola Irele (ed.), The Cambridge Companion to the African Novel. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, pp. 243-262.         [ Links ]

Ghosh, Devleena & Muecke, Stephen (eds.) (2007), Cultures of Trade: Indian Ocean Exchanges. Newcastle, UK: Cambridge Scholars Publishing.         [ Links ]

Gilroy, Paul (1993), The Black Atlantic: Modernity and Double Consciousness. London: Verso.         [ Links ]

Gupta, Pamila; Hofmeyr, Isabel & Pearson, Michael (orgs.) (2010), Eyes Across the Water. Navigating the Indian Ocean. Unisa Press & Penguin India.         [ Links ]

Gurnah, Abdulrazak (1994), Paradise. New York: New Press.         [ Links ]

Henriques, Isabel Castro (2004), Os pilares da diferenc¸a: relac¸o~es Portugal-A´frica. Séculos XV-XX. Lisboa: Caleidoscópio.         [ Links ]

Hofmeyr, Isabel (2007), “The Black Atlantic meets The Indian Ocean: Forging New Paradigms for transnationalism for the Global South. Literary and Cultural Perspectives”, Social Dynamics. A Journal of African Studies, 33(2), pp. 3-32.         [ Links ]

Huggan, Graham (2001), The Postcolonial Exotic. Marketing the Margins. London / New York: Rutledge.         [ Links ]

Kearney, Milo (2004), The Indian Ocean in World History . London: Routledge.         [ Links ]

Leite, Ana Mafalda et al. (orgs.) (2013), Nac¸a~o e Narrativa Po´s-Colonial – I.Lisboa: Colibri.         [ Links ]

Martins, Ana Margarida (2012), Magic Stones and Flying Snakes. Gender and the ‘Postcolonial Exotic’ in the Work of Paulina Chiziane and Lídia Jorge. Oxford: Peter Lang.         [ Links ]

M’Bokolo, Elikia (2003), A´frica Negra: histo´ria e civilizac¸o~es. Lisboa: Vulgata (2 vols.         [ Links ]).

McPhearson, Kenneth (1993), The Indian Ocean: A History of People and the Sea. Delhi: Oxford University Press.         [ Links ]

Mendonça, Fátima (2011), Literatura Moçambicana, as dobras da escrita. Maputo: Ndjira.         [ Links ]

Moorthy, Shanti & Jamal, Ashraf (eds.) (2010), Indian Ocean studies: cultural, social, and political perspectives. New York: Routledge.         [ Links ]

Noa, Francisco (2012), “Oceano Índico e a dispersão identitária: o caso de Moçambique”. Comunicação apresentada na Conferencia Internacional Os intelectuais africanos face aos desafios do séc. XXI. Em Memória de Ruth First / Celebração dos 50 anos da UEM. Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 28 e 29 de Novembro, 2012 [texto inédito].         [ Links ]

OCEANOS. Revista editada pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses entre 1989 e 2002. http://ww3.fl.ul.pt/unidades/centros/c_historia/SiteRHM/oceanos.html        [ Links ]

Okapi, Sangare (2007), Mesmos Barcos ou Poemas de Revisitação do Corpo. Maputo: AEMO.         [ Links ]

Pearson, Michael N. (2011), “History of the Indian Ocean: a Review Essay”, WASAFIRI,26 (2), pp. 78-99.         [ Links ]

––––, (2003), The Indian Ocean. London: Routledge.         [ Links ]

––––, (1998), Port Cities and Intruders: The Swahili Coast, India and Portugal in the Early Modern Era. Baltimore, MD: Johns Hopkins University Press.         [ Links ]

Perez, Rosa Maria (org.) (1998), Culturas do Índico. Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.         [ Links ]

Pratt, Mary Louise (1992), Imperial Eyes: Travel Writing and Transculturation. London: Routledge.         [ Links ]

Santos, Boaventura de Sousa (2001), “Entre Próspero e Caliban: colonialismo, pós-colonialismo e inter-identidade”, in Maria Irene Ramalho & António Sousa Ribeiro (orgs.) (2001), Entre ser e estar. Raízes, percursos e discursos da identidade. Porto: Afrontamento, pp. 23-85.         [ Links ]

Shohat, Ella & Stam, Robert (2012), Race in Translation: Culture Wars Around the Postcolonial Atlantic. New York: New York University Press.         [ Links ]

Spivak, Gayatri C. (2008), Other Asias. Oxford, UK: Blackwell Publishing.         [ Links ]

Timóteo, Adelino (2002), Viagem à Grécia através da Ilha de Moçambique. Maputo: Ndjira.         [ Links ]

Vassanji, MG (2003), The In-between World of Vikram Lall. Canongate.         [ Links ]

Vergés, Françoise (2003) “Writing on Water: Peripheries, Flows, Capital, and Struggles in the Indian Ocean”, Positions: East Asia Cultures Critique. Special issue, The Afro-Asian Century. 11 (1), pp. 241–57.         [ Links ]

White, Eduardo (1998), Janela para Oriente. Lisboa: Caminho.         [ Links ]

 

(a autora segue a antiga ortografia)

[Recebido em 26 de setembro de 2013 e aceite para publicação em 5 de novembro de 2013]

 

Notas

[1] Refiro-me, por exemplo, na diferença quantitativa entre os estudos sobre o comércio de escravos no Oceano Atlântico e no Índico, ou ainda na reflexão teórica produzida em torno da matriz identitária ligada ao Atlântico, na senda da reflexão proposta, por exemplo, por Paul Gilroy (1993). Para uma problematização em torno do “paradigma do Atlântico” em contraste com a reflexão sobre o Índico, veja-se: Hofmeyr 2007. Para uma questionamento mais alargado deste conceito, dentro de uma perspectiva teórica pós-colonial, veja-se: Shohat & Stam 2012. No que diz respeito aos estudos sobre o comércio de escravos no Índico africano, vejam-se, por exemplo, os estudos desenvolvidos por Edward A. Alpers (1975), Charles R. Boxer (1963) e José Capela (2002).

[2] Pense-se, por exemplo, na categoria do Atlântico em função da ideologia da mestiçagem e, logo, do luso-tropicalismo proposto por Gilberto Freyre, bem como nas articulações teóricas que propõem a sua desconstrução crítica e epistemológica (Almeida, 2000; Santos, 2001). Em geral, na reflexão critica e teórica da chamada pós-colonialidade no espaço-tempo de língua portuguesa, o Atlântico configura-se como uma categoria de análise estabelecida qualitativa e quantitativamente.

[3] Veja-se, a este propósito, alguns estudos fundamentais, tais como: Alpers, 1975; Bethencourt & Chaudhuri, 1998-2000; Boxer, 1963; Capela, 2002; Henriques, 2004; M’Bokolo, 2003.

[4] No que concerne os Estudos do Índico no contexto português contemporâneo é de se destacar a obra pioneira organizada por Rosa Maria Perez, Culturas do Índico (Perez,1998) e também a Revista Oceanos, editada pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses entre 1989 e 2002. Para além disso, um amplo e diversificado corpus de estudos – históricos, antropológicos, sociais e culturais – vem caracterizando a produção científica sobre o Índico, sobretudo no que concerne a história marítima portuguesa, entre a costa da África Oriental e a Ásia, na época imperial e no período moderno. Em geral, este corpus é caracterizado por abordagens de contextos nacionais ou regionais específicos – Moçambique, Goa, entre outros – permanecendo todavia pouco desenvolvida uma reflexão crítica e epistemológica daquilo que pode ser definido como “paradigma do Índico”. Neste sentido, e antecipando a problematização que pretendo desenvolver neste texto, poder-se-ia dizer que o Oceano Índico parece responder, em termos epistemológicos, a uma “arena inter-regional” (Bose, 2006) mais do que a uma “área” ou a uma “região” (Moorthy & Jamal, 2010), não constituindo todavia uma categoria de análise unitária, crítica e epistemologicamente consolidada.

[5] Para uma primeira indicação bibliográfica relativamente aos Indian Ocean Studies, dentro de uma produção crítica vasta e diversificada, veja-se: Moorthy & Jamal, 2010; Bose, 2006; Campbell, 2004; Kearney, 2004; Pearson, 2003 e 1998; Fawaz & Bayly, 2002; McPherson, 1993; Vergès, 2003, entre outros.

[6] A este propósito veja-se a revisão da literatura proposta por Michael Pearson (2011).

[7] O recurso à definição de Literaturas Africanas é feito ressalvando os limites críticos e operacionais apontados, a meu ver, por esta categoria; daí a opção pela grafia em itálico.

[8] Os autores referem-se à teorização produzida por Andre Gunder Frank no que concerne a definição de sistema-mundo (Frank, 1998; Frank & Gills 2000).

[9] Para uma reflexão crítica em torno dos processos de comodificação das margens que caracterizam a recepção crítica das Literaturas Africanas em geral e mais especificamente as de língua portuguesa, veja-se, respetivamente: Huggan (2001) e Garuba (2009); Martins (2012) e Brugioni (2012; 2012a).

[10] A este propósito, penso, por exemplo, em romances contemporâneos como: The In-between World of Vikram Lall de MG Vassanji (2003), As Visitas do Dr Valdez de João Paulo Borges Coelho (2005), Knots de Nuruddin Farah (2007), Pagli de Ananda Devi (2001), Paradise de Abdulrazak Gurnah (1994), entre um amplo e diversificado corpus – não apenas literário – que ‘ilustra’ esta problematização identitária.

[11] Para uma leitura da poesia moçambicana através do paradigma do Índico, veja-se: Falconi (2008), Mendonça (2011), Noa (2012) e Leite et al. (2012).

[12] A este propósito, no que diz respeito ao romance moçambicano contemporâneo pense-se, por exemplo, na obra literária de João Paulo Borges Coelho (2004; 2005); por outro lado, no que concerne a poesia contemporânea, escritores como Eduardo White (1998), Sengare Okapi (2007), Adelino Timóteo (2002) são apenas alguns dos autores cujas obras literárias convocam o espaço-tempo do Índico, apontando para imaginários alternativos e relações transnacionais significativas.

[13] Ou, por outro lado, estas propostas literárias parecem contribuir para uma reconfiguração da própria definição – conceptual e epistemológica – de contexto nacional, apontando para uma revisão matricial daquilo que habitualmente se define como o ‘paradigma da literatura nacional’.

[14] Entre os muitos contrapontos possíveis, pense-se, por exemplo, em autores como Abdulrazak Gurnah, Abdourahman A. Waberi, Ananda Devi, Imraan Coovadia, Jean-Luc Raharimanana, João Paulo Borges Coelho, Khal Torabully, Nuruddin Farah, MG Vassanji – entre muitos outros –, cuja obra literária aponta para uma operacionalização crítica e conceptual do paradigma do Índico, quer na sua dimensão regional unitária, bem como na perspectiva epistemológica de uma arena inter-regional. A possibilidade de articular diferentes perspectivas que marcam o debate em torno do estudos do Índico para operacionalizar o Índico numa dimensão literária e cultural torna-se particularmente significativa.

[15] A este propósito, veja-se: Gupta, Pamila et al. (2010). Relativamente à operacionalização do paradigma do Índico numa perspectiva literária e cultural veja-se os ensaios organizados por Mar Garcia et al. (2010).