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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.27 no.1 Braga  2013

 

Pinto, Paulo Feytor (2010), O Essencial sobre Política de Língua.

Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda. [98 páginas] ISBN 978-972-27-1874-5.

Henrique Barroso*

*Universidade do Minho, Instituto de Letras e Ciências Humanas

hbarroso@ilch.uminho.pt

 

1. Política de Língua?! Exatamente isso. Ou seja, um conjunto de tentativas (medidas e/ou atividades), umas explícitas e outras implícitas, no sentido de regular as práticas linguísticas de e numa comunidade como (respeitantes exclusivamente à comunidade linguística em que nos inserimos) as relacionadas com (i) o Acordo Ortográfico, (ii) o ensino do português no estrangeiro, (iii) o estatuto do português na União Europeia, (iv) programas, manuais e exames de português em Portugal, (v) a terminologia linguística.

2. Trata-se, obviamente, de um título bem-vindo à bibliografia portuguesa sobre a matéria, que infelizmente não é assim tanta. Para além disso, num formato (de bolso) e numa coleção (O Essencial Sobre) que são deveras convidativos para, praticamente num relance, se ficar a saber por que linhas é que se tem andado a coser a relação entre política e língua portuguesa, começando pela “Cultura linguística” (pp. 17-31), continuando pelas “Práticas linguísticas” (pp. 33-47), passando, depois, à “Política de língua” propriamente dita (pp. 49-77) e terminando nos “Eixos da política de língua do Portugal democrático” (pp. 79-92). Porém, para se entender o que aqui se diz, o A. fala, no primeiro capítulo (pp. 11-15), da constituição de um modelo de análise, ou seja: é em 1959 que se define pela primeira vez a planificação linguística como a atividade de elaboração de uma norma ortográfica, descrições gramaticais e dicionários de uma língua, para orientação de falantes e escreventes em comunidades linguisticamente diversificadas; em 1969, estabelece-se a diferença entre ‘planificação do corpus’ (regulação da forma das língua)s e ‘planificação do estatuto’ (regulação das suas funções na sociedade); em 1986, introduz-se o ensino de línguas, que viria a constituir a ‘planificação da aprendizagem’; e, por fim, em 2003, é a vez de se incluir a ‘planificação do prestígio’. Porque a planificação do corpus, da aprendizagem e do prestígio são uma questão de estatuto, é pois natural que a planificação deste último seja primordial. Registe-se, ainda, que uma política linguística pode não ser explicitada em documentos legais. Por exemplo (não deixa de ser curioso), o português só em 2001 é que passou a ser oficialmente a língua oficial de Portugal.

3. No segundo capítulo, define-se o conceito de “cultura linguística” e exemplifica-se com o caso da cultura linguística portuguesa do final do século passado (séc. XX). Trata-se, pois, do conjunto de representações e atitudes dos portugueses perante a própria língua (língua portuguesa) e as dos outros (línguas europeias e asiáticas e as não-línguas). Por conseguinte, aqui pode ler-se que o português se tornou a língua materna de praticamente toda a população portuguesa, que é uma língua com tradição escrita e literária seculares (8 e 7 séculos, respetivamente), com uma gramática publicada há 500 anos e dicionário monolingue há 200, que é falada por muitos milhões em todo o mundo e que os portugueses têm dificuldade em aceitar a intervenção de outros nas decisões acerca da língua que consideram primordialmente sua. Que as línguas equiparáveis à língua materna, por serem também línguas oficiais, com tradição literária escrita, eram, entre as línguas europeias, o francês, o inglês e o castelhano e, entre as asiáticas, o chinês mandarim, o japonês e o hindi. Que as não-línguas eram todas as variedades a que se não reconhecia estatuto de língua por não terem tradição escrita consolidada e não serem línguas nacionais oficiais. Entre estas, estavam os dialetos das línguas europeias e asiáticas e os crioulos de base lexical europeia e todos os dialetos isolados (as línguas da África subsariana).

4. No terceiro capítulo, identificam-se e caracterizam-se os constituintes das práticas linguísticas, seguido de diagnóstico das variedades linguísticas, dos falantes e das funções sociais de ambos, em Portugal, entre 1974 e 2004. Concretamente: língua materna e línguas estrangeiras, variedades internas dessas línguas e eventuais variedades de transição, ou seja, todos os dialetos, socioletos, interletos. A caracterização dos falantes tem que ver com a caracterização sociolinguística de todas as variedades. Funções sociais das variedades: administração pública e organismos oficiais, ensino, onomástica, meios de comunicação e novas tecnologias, cultura e agentes económicos. Práticas linguísticas em Portugal, de 1974 a 2004: fronteiras políticas no território/ reorganização das práticas linguísticas; e também, claro, a utilização dos sistemas de escrita. O reportório de cada falante pode incluir a língua materna, língua(s) segunda(s) e língua(s) estrangeira(s); situações de diglossia (característica mais da comunidade do que do indivíduo). Em 25 de Abril de 1974, 99 % da população portuguesa tinha o português como língua materna. Havia uma minoria que falava mirandês e outra, a L(íngua)G(estual)P(ortuguesa). Só 0,4 % eram oriundos de outros países europeus. A partir de 1979, os africanos, sobretudo falantes de cabo-verdiano, passaram a ser a maior presença de estrangeiros entre nós. E, entre os europeus, predominavam os falantes de francês, castelhano e inglês. Para além da língua materna, em 1981, só 74 % sabia ler e escrever e falavam francês e inglês. No início da década de 1990, havia um número relevante de falantes de outras 11 línguas. No início deste século (séc. XXI), as línguas estrangeiras mais faladas pelos portugueses eram o inglês (36 %), o francês (30 %), o espanhol (10 %), o alemão (5 %) e o italiano (2 %). Apesar de ser uma língua importante no mundo e na Europa, a percentagem de falantes portugueses de inglês era a mais baixa da UE. Depois dos países nórdicos, Portugal era o país em que mais pessoas tinham aprendido línguas estrangeiras enquanto trabalhavam lá, emigradas. O inglês era a língua mais usada para ver filmes e televisão, ouvir rádio e navegar na internet. Era o país onde havia mais trilingues e tetralingues, nos países da UE. Importância relativa de outras línguas maternas faladas em Portugal: cabo-verdiano, ucraniano, russo e, depois, francês, romeno, espanhol, inglês. Também o mirandês e a LGP estavam acima das línguas asiáticas (wu e guzerate). O ensino básico público em Portugal Continental, na viragem do século, confirma um grande aumento de falantes de romeno, ucraniano, russo e búlgaro. Em 2001, a língua materna maioritária, o português, era lido e escrito por 91 % da população, e eram falados três grupos dominantes de variedades : as variedades europeias maioritárias, as variedades brasileiras faladas por quase 1 % da população residente e as variedades faladas pelos portugueses ciganos.

5. No quarto capítulo, delineia-se o quadro teórico que permite a sistematização das medidas implícitas ou explícitas com que as autoridades políticas podem tentar regular o uso de línguas. Análise de cerca de 4000 diplomas legais publicados na 1.ª série do Diário da República durante os 30 anos após o 25 de Abril de 1974, incluindo todos os que tinham a palavra língua(s). As tentativas explícitas e implícitas de regulação das práticas linguísticas de uma comunidade (nisto consiste a “política de língua”) podem ser de nível macro (iniciativas do Estado), meso (de grupos ou organizações) e micro (individuais). A explicitação da política linguística, a planificação linguística, materializa-se em diplomas legais de caráter incitativo ou imperativo que podem ter diferentes níveis de intervenção geográfica (internacional, nacional, regional) e jurídica (lei constitucional, lei, decreto-lei, decreto, decreto regulamentar, portaria, despacho normativo). A política linguística explícita processa-se em quatro etapas: (i) preparação da planificação, (ii) formalização das decisões tomadas, (iii) planificação do desenvolvimento da política linguística e (iv) controlo da atividade de planificação. A planificação linguística compreende a interligação de quatro vertentes, a saber: (i) “planificação do estatuto” cujas decisões podem resultar na oficialização, na nacionalização ou na proibição de uma ou mais línguas e, ainda, conduzir à revitalização de línguas mortas ou em declínio, à manutenção de línguas, à promoção da intercompreensão entre falantes de diferentes línguas ou à difusão da língua junto de quem não a tem como língua materna, especialmente no estrangeiro; (ii) “planificação do corpus”, que consiste na padronização da estrutura e do funcionamento de cada língua (normalização ortográfica, descrição gramatical da variedade linguística adotada como padrão, regulação da onomástica, entre outros); (iii) “planificação da aprendizagem”, que diz respeito ao leque de atividades organizadas para a aprendizagem de línguas cujo objetivo é aumentar a qualidade e a quantidade dos seus falantes; e (iv) “planificação do prestígio”, ou seja, todas as atividades conducentes à promoção das medidas contempladas nas vertentes acabadas de referir, especialmente a utilização da(s) língua(s) em contextos formais de grande prestígio e visibilidade nacional e internacional.

6. Por fim, no último capítulo, tendo presente a cultura linguística dos portugueses, as suas práticas linguísticas e a legislação aprovada, apresentam-se seis eixos fundamentais de política de língua do Portugal democrático, que são: (i) “consolidação do português, língua nacional e oficial” (desde a fundação de Portugal, no séc. XII, e com exceção do período entre 1450 e 1650, em que o português cedeu a dianteira ao castelhano, a língua de Camões foi aos poucos assumindo as funções que o latim tivera até aí nos domínios da cultura, religião, administração, comércio, ensino e justiça; instituição, em 2001, do português como língua não materna no ensino básico e reconhecimento constitucional do português como língua oficial); (ii) “restrições onomásticas ancestrais” (manutenção formal de uma política onomástica multissecular: o modelo de regulação dos nomes próprios dos portugueses ainda em vigor remonta a 1496); (iii) “gestão desigual da diversidade linguística” (apenas no âmbito da administração da justiça estava consagrado o direito à língua materna; nos demais, a política linguística portuguesa havia marginalizado de todo todas as línguas maternas minoritárias faladas em Portugal); (iv) “sucessos e insucessos do ensino de línguas estrangeiras europeias” (com a finalidade de se promover a intercompreensão, o maior sucesso da política de aprendizagem de línguas observou-se na aprendizagem de línguas estrangeiras quase exclusivamente europeias); (v) “estrutura institucional confusa, instável e fragmentada” (foram muitos os centros de decisão da política linguística, nas primeiras décadas de democracia: 9 instâncias legislativas e 14 diferentes organismos); (vi) “influências externas: União Europeia e Lusofonia” (dois fatores externos influenciaram enormemente a política de língua nas primeiras três décadas do regime democrático em Portugal: a adesão à UE em 1986 e o facto de a língua maioritária e oficial ser também língua oficial noutros países do mundo: Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e, mais tarde, Timor-Leste; dimensão internacional da língua, portanto).

7. Termina o volume com um “Glossário” (pp. 93-96), de termos linguísticos ou sociolinguísticos usados ao longo da exposição, apresentando uma definição só para aqueles cujos conceitos não foram explicitados no corpo do texto – o que não deixa de ser uma boa síntese: por um lado, define-se o que não foi explicado e, por outro, remete-se para a(s) páginas(s) onde certos outros foram devidamente tratados.

8. Seguem-se (terminando o volume) duas páginas de referências bibliográficas (97-98), umas citadas e outras não, a que o leitor poderá recorrer, caso esteja com dúvidas e/ou queira saber mais. Destaco, do próprio autor, Como pensamos a nossa língua e as línguas dos outros (2001) e Política de língua na democracia portuguesa (2008) e, ainda, por tratarem exclusivamente do assunto em questão, Mateus (coord.) (2002), Uma política de língua para o português, Felipe (2005), Promoção da língua portuguesa no mundo: hipótese de modelo estratégico e Salomão (2007), Línguas e culturas nas comunicações de exportação. Para uma política de línguas estrangeiras ao serviço da internacionalização da economia portuguesa. Estas leituras podem ser complementadas com estas outras: Vários (1983), Estão a assassinar o português! (17 depoimentos). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda; Vários (2005), A língua portuguesa: presente e futuro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; Gama, M. (Org.) (2007), A política da língua portuguesa. Braga: Centro de Estudos Lusíadas / Universidade do Minho; e Mateus, M.ª H. Mira & Pereira, D. & Fischer, G. (Coord.) (2008), Diversidade linguística na escola portuguesa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

9. Está bem escrito. Bem estruturado. Bem fundamentado. Por isso, adquiri-lo e proceder à sua leitura reflexiva é uma decisão mais do que oportuna.