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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.26 no.2 Braga  2012

 

Atualidade e performatividade da questão do contrato social - Rousseau (1712 -1778) / Proudhon (1809 -1865)

Actuality and performativity of the question of the social contract

José Marques Fernandes*

*CEHUM, Universidade do Minho, Braga, Portugal

zemarquesf@gmail.com

 

«”Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado e em que cada uma, ao unir-se a todos, só a si mesmo obedeça e continue tão livre como antes”. Tal é o problema fundamental que no Contrato Social encontra solução» (Rousseau, 1762: 27).

«Para que o contrato político cumpra a condição sinalagmática e comutativa, implícita na ideia de democracia, é necessário que o cidadão, enquanto membro da associação, 1) receba do Estado tanto quanto lhe sacrifica; 2) conserve toda a liberdade, soberania e iniciativa, menos a relativa ao objeto do contrato, cuja garantia compete ao Estado» (Proudhon, 1865: 318).

 

Introdução.

A quantidade e, por certo, a qualidade dos atos celebrativos do tricentenário do nascimento do filósofo de Genève, programados e realizados, no ano de 2012, em não poucos palcos académicos e políticos, dispersos pelos cinco continentes, provam, por si só, o reconhecimento do valor e da projeção do pensamento e da obra do autor do Contrat Social (1762), cujo 250º aniversário também se celebra neste mesmo ano de 2012[1].

Três anos antes, em 2009, celebrou-se, com menor visibilidade, o bicentenário do nascimento de um outro pensador de língua francesa, Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), que, mau grado não ter dedicado um título específico da sua obra à problemática do contrato social, nem por isso esta deixou de ser uma temática e problemática menor da arquitetura societária do filósofo de Besançon, revelando-se, ao invés, como uma questão nodal e crucial do autor de Idée générale de la Révolution au XIXe siècle (1851) e de Du Principe fédératif (1863), para citarmos apenas duas das obras em que este magno problema da convivência social é expressa e expressivamente enunciado e desenvolvido[2].

Múltiplas são as faces da figura carismática do eminente pensador setecentista, «cidadão de Genève», e não menos os olhares que, à distância de três séculos, as observam e contemplam. Por nossa parte, elegemos como objeto de releitura, à luz da crise que turva estes primeiros anos do século XXI, a questão crucial tratada na mais emblemática das obras de Rousseau: o Contrato Social. Não abordaremos, porém, o tema autonomamente, perspetiva que, certamente, será adotada por especialistas, em vários fóruns, como o da Universidade de Rennes 1, mas em contraste com a teoria do filósofo oitocentista Pierre-Joseph Proudhon, sobre a mesma determinante questão do contrato societário.

Na diagnose que politólogos e pensadores fazem das representações e dos comportamentos políticos na atualidade, emerge como preocupante o problema da crise de credibilidade dos agentes políticos, a crise da relação dos governados com os governantes, o conflito e divórcio da sociedade (geralmente escrita com minúscula) e do Estado (quase sempre escrito em maiúscula). Que significa, por exemplo, o diagnóstico, amiúde repetido, de que «temos Estado a mais e sociedade civil a menos», senão o reconhecimento do mal-estar instalado entre os agentes e participantes no contrato social?

Não poucas nem despiciendas questões suscita o instituto ou a categoria jurídica do contrato social: a sua génese, natureza, desenvolvimento, interpretações. Privilegiaremos duas: a da sua natureza ou matriz e da identidade dos contratantes.

Considerando que as efemérides não devem ter caráter meramente celebrativo, memorialista, repetitivo e descritivo, mas, sobretudo, performativo, criativo e perfectivo, afigura-se-nos que a evocação de uma das teorias mais emblemáticas da obra multifacetada do filósofo de Genève, qual é a do contrato social, pode propiciar adequada reflexão sobre o estado das sociedades e das políticas contemporâneas, sobretudo sobre o estado da democracia.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), como todos os grandes pensadores, são nossos contemporâneos. Pensaram no seu tempo, como urge pensar-se na atualidade. Altere-se embora o estado das sociedades, diferente seja a estirpe dos vírus dos agentes patogénicos que ameaçam o equilíbrio sociopolítico, continuamente se impõe, no entanto, a necessidade de proceder à diagnose, à análise da etiologia e à aplicação da terapia associadas às patologias que sempre se manifestam na vida social.

Por razões várias, decidimos, nesta circunstância, conjugando as efemérides centenárias destes dois pensadores sociais e políticos, contrastar as suas teorias contratualistas e avaliar a (in)comensurabilidade dos respectivos paradigmas societários, cuja acuidade e potencialidade perfetiva se nos afiguram de relevância e pertinência máximas.

Consideramos que, embora mais pressuposto do que positivamente assumido, o contrato social é o ponto de apoio arquimédico, o fundamento e o garante da coexistência social.

A ideia demiúrgica, menos explicitada, quiçá, do que seria pertinente, o axioma primordial do «estado civil» e a condição e o garante da prevenção da (re)caída no «estado de natureza», tão mítico ou fictício quanto virtual, potencial ou possível, é a do contrato social. Não é surpreendente, por isso, que o contratualismo se imponha como importante corrente da Ética e da Filosofia Social e Política. A ideia de contrato, se não é pressuposta como fundamento ou origem do Estado, é, pelo menos, pressuposta como princípio legitimador e explicativo da sua administração.

Relevaremos, pois, neste estudo, em primeiro lugar, a relevância (ética, social e política), da questão do contrato. Enunciaremos e contrastaremos, em seguida, as teorias contratualistas dos dois pensadores convocados. Focalizaremos, em terceiro lugar, as interfaces que se nos afiguram essenciais, da problemática do contrato social, com a questão da propriedade e da justiça.

2. Sob o signo do contrato.

Prévia à contrastação das teorias contratualistas de Rousseau e de Proudhon, que elegemos como objeto da presente reflexão, é, pois, a justificação da pertinência da própria questão do contrato social, tão pressuposto quanto ignorado, verdadeiro ponto arquimédico de sustentação do ético e jurídico «estado social», reverso do ficcional anómico «estado natural».

Como princípio vital e ativo da dinâmica societária, o cumprimento das condições do contrato social devia merecer mais ponderação e vigilância do que efetivamente merece. Não poucas nem pouco graves são os sintomas da sua «erosão» em sociedades democráticas atuais. João Cardoso Rosas, por exemplo, enuncia, em recente ensaio, três desses sintomas erosivos do contrato social subjacente à nossa democracia: «remoção da esfera pública de uma série de questões eminentemente políticas» (sistemas de protecção social, legislação laboral…); «supressão da democracia», por força do «estado de exceção» ou «estado de emergência», indiciadora de mecanismos de «poder absoluto» e legitimadora da «suspensão da própria Constituição», exemplificada por não poucas (des)medidas governamentais, violadoras do contrato social (denegação dos «direitos adquiridos», como imposição, arbitrária e unilateral, de cortes nos salários, nos subsídios e nas pensões; aumento do horário de trabalho…); «secretismo na tomada de decisões políticas», por exemplo, legislação publicada «durante a noite» (cf. Rosas, 2012: 4-5). Este diagnóstico podia ainda ser ilustrado pela declaração, feita por um alto dirigente político, de desprezo pela perda das «eleições», em nome do alegado «ganho do país»! Podíamos aduzir, ainda, o pânico instalado em vários Estados europeus pelo resultado de eventuais referendos de incidência comunitária europeia.

Se a convenção pode ser considerada o denominador comum da teoria contratualista, diversa é a concepção e a configuração do construto e instituto societário do contrato social.

Considerando que, segundo uma muito evidente fórmula, o homem isolado é uma abstração, a sociedade há-de considerar-se, pois, tão antiga como homem e o consentimento ou convenção constituintes do contrato social tão necessários como a sociedade politicamente organizada.

«Aonde for dissolvida a sociedade não pode haver governo; sendo isso tão impossível como o é o subsistir a forma de uma casa depois dos seus materiais terem sido espalhados e dissipados por um redemoinho de vento, ou misturados confusamente num montão por um terramoto» (Locke, 1689: 164).

A fórmula do consentimento entre os indivíduos, gerador da sociedade e do governo, é o contrato social. A sua necessidade decorre da natureza política do homem, que não é reconhecido, desde Aristóteles, menos como Zoon Politikon, «animal político», do que como Zoon Logikon, «animal que pensa».

O contratualismo, como grande corrente da Filosofia Social e Política, assume, na história das ideias, duas versões principais: a versão absolutista, iluminada ou não, cujo representante emblemático é Thomas Hobbes (1588-1679), criador do Leviathan (1651), e a versão democrática, advogada e representada canonicamente por John Locke (1632-1704), autor do Segundo Tratado do Governo Civil (1690), e por Jean-Jacques Rousseau, carismático desenhador do Contrat Social, mas também por Immanuel Kant e Spinoza e, na atualidade por John Rawls. Sublinhe-se que, geral e estranhamente, Pierre-Joseph Proudhon é, nestes roteiros dos contratualistas, um grande ausente. Saber porquê afigura-se-nos de justificável pertinência e relevância societária.

As questões antropológicas essenciais da liberdade e da propriedade são correlativas do instituto do contrato, cujos representantes «canónicos», não exclusivos, são, então, de facto, Hobbes, Locke e Rousseau.

Contrastando, nomeadamente, com a de Rousseau, que reconhece no homem as virtudes distintas e distintivas da Liberdade e da Perfetibilidade, e com a de Proudhon, que reconhece no homem ou idealmente lhe atribui a virtude intrínseca e evolutiva da Justiça, princípio também do equilíbrio societário, Hobbes, seguidor do dogma do «pecado original», julga o homem como naturalmente mau.

Para obviar ao mal da violência e da insegurança total, Hobbes só viu uma saída: permutar a liberdade pela segurança!

A teoria contratualista hobbesiana é, pois, «securitária», operando a rotura com esse mítico «estado» de guerra total, em nome da segurança, da vida e dos bens de cada um, sacrificando a liberdade e a autonomia no altar do monstruoso Leviathan ou do Poder omnipotente do Estado.

Tal como Hobbes, também John Locke (Segundo Tratado sobre o Governo Civil, 1690), concebe o contrato como instrumento necessário da transação de um alegado «estado de natureza» para um «estado civil», com a consequente definição dos direitos e deveres que ao Estado e aos cidadãos cabem nessa convenção contratual.

A razão lockeana do contrato é, como a da maioria dos contratualistas, que Proudhon verbera, pelas razões que aduzimos (por ser «proprietário» e por ser «governamental» ou «estatista»), a «segurança» e a «propriedade». Esta razão é, por isso, também, a do consentimento pressuposto no mesmo contrato. Este consentimento implica «sujeição», sendo esta uma das condições que Proudhon julga inaceitáveis, por conflituar com a liberdade e autonomia individual.

Na atualidade, o filósofo americano, John Rawls (1921-2002), tornou-se, a partir de 1971, ano em que publicou Uma Teoria da Justiça, uma das referências incontornáveis do pensamento social e político contemporâneo. A sua questão é a de saber como conseguir uma sociedade justa (livre e igualitária). Com a sua Teoria da Justiça, Rawls procura conciliar dois princípios difíceis de harmonizar: a liberdade individual (diferença) e a justiça social (igualdade). Também Rawls não elaborou a sua teoria da Justiça a partir do nada. Deve muito à moral kantiana e aos contratualistas do século XVII. Ele sabe que a realização da Justiça ou equidade social postula um contrato ou pacto social entre todos os cidadãos. Este contrato visa estabelecer uma sociedade livre e justa (equitativa). Para Rawls, como para os contratualistas em geral, o contrato social é um pacto originário, supostamente consentido por indivíduos iguais e livres em função de benefícios comuns, sobretudo do benefício da igualdade. A «ideia de base» da teoria contratualista é a de que os princípios da justiça são objeto de um acordo originário, análogo a um contrato jurídico, embora Rawls advirta que tal contrato não é factual, não é histórico, mas apenas imaginário, fictício, hipotético e normativo. Jamais se celebrou. É como se tivesse acontecido.

O contratualismo rawlsiano é muito mais consentâneo com o de Rousseau do que com o de Proudhon. Embora o princípio da autonomia ou liberdade e o princípio da mutualidade ou reciprocidade sejam comuns às teorias contratualistas de Rawls e de Proudhon, este acusaria Rawls de incorrer no mesmo vício que Rousseau: fazer do contrato uma «ficção de jurista».

2. Contratualismo «governamental» ou «regime das leis» (Rousseau) vs Contratualismo «mutualista» ou «regime dos contratos» (Proudhon».

Apresentaremos esquematicamente os perfis do contrato social desenhados pelo filósofo de Genève e pelo filósofo de Besançon, para os contrastar e mostrar a sua invencível incompatibilidade.

2.1. Contratualismo rousseauniano.

A ideia de contrato social convoca, imediata e primacialmente, o nome e a teoria social e política de Rousseau. A atenção e rememoração que a sua figura e a sua obra merecem, com maior visibilidade por altura da celebração das suas efemérides, mostram a autoridade que lhes é reconhecida na configuração das sociedades políticas modernas.

Embora a ideia de contrato social e a questão do fundamento do poder político sejam bem anteriores a Rousseau, a verdade é que a teoria contratualista rousseauniana se impôs como emblemática no corpus das filosofias sociais e políticas modernas.

A teoria do contrato social de Rousseau não é, reconhecidamente, uma construção teórica simples, antes uma questão disputada. A complexidade reside logo no facto da existência de duas formulações diferentes desse princípio societário: a do Discurso sobre a origem e fundamento da desigualdade entre os Homens e a do Contrato Social.

Embora a tese da unidade e a continuidade da teoria rousseauniana do contrato social pareçam ter a primazia sobre outras leituras, são evidentes as diferenças, pelo menos formais, entre as duas obras em que expressamente trata do assunto.

No Discurso, Rousseau expõe «uma hipótese explicativa», ao passo que, no Contrato, o autor apresenta «uma ficção normativa»; no Discurso, retrata-se «uma hábil usurpação», ao passo que, no Contrato, as condições do pacto são universais, «iguais para todos»; no Discurso, a suposta liberdade natural é destruída, sem que seja substituída pela liberdade política, enquantoque, no Contrato, a reciprocidade salvaguarda a liberdade; no Discurso, apresenta-se uma narrativa da evolução da desigualdade e do despotismo, ao passo que no Contrato estabelecem-se as condições de uma sociedade estável e justa.

Recorrendo à metáfora médica, diríamos que Rousseau começa por fazer um diagnóstico negativo da sociedade em que vive, identificando o despotismo e a desigualdade como os males capitais. No Discurso, conjetura, pois, uma hipótese explicativa, uma etiologia (origem e fundamento) de um destes males maiores: a desigualdade. No Contrato, confessa que ignora a causa desse estado de dominação e de desigualdade.

«O homem nasce livre mas em toda a parte está a ferros. Este julga-se senhor dos outros e é mais escravo do que eles. Como se deu esta transformação? Ignoro-o. O que pode torná-la legítima? Penso que sei responder a esta pergunta. […] Mas a ordem social é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. Contudo esse direito não veio da natureza; apoia-se em convenções» (Contrato, L. I, Cap. I).

Rousseau, como os grandes pensadores da res publica, parte para a construção da sua teoria contratualista com o olhar concentrado no facto do despotismo e da desigualdade e com a mente buscando o princípio normativo sociopolítico. O seu método é o de «examinar os factos pelo Direito» (Rousseau, 1755: 77).

«Basta-me ter provado que não é este o estado original do Homem e que é só o espírito da sociedade e a desigualdade que engendra que mudam e alteram assim todas as inclinações naturais.

Tentei expor a origem e o progresso da desigualdade, o estabelecimento e o abuso das sociedades políticas, tanto quanto estas coisas se podem deduzir da natureza do homem apenas pelas luzes da razão e independentemente dos dogmas sagrados que dão à autoridade soberana a sanção do direito divino» (Discurso, 1755: 87-88).

É óbvio, no entanto, que Rousseau, ao declarar que, no Contrato, se situa na esfera dos princípios, do dever ser, como fará Rawls na sua Teoria da Justiça, não se desliga totalmente da ficção de um áureo estado anterior, que teria sofrido um processo de «transformação» ou de decadência. Basta citar o período inaugural do cap. I (L. II): «O homem nasceu livre mas em toda a parte está a ferros». No Cap. IV, declara que imagina os homens no momento em que «o primitivo estado deixa de existir…». No Cap. VIII, fala da «passagem do estado natural ao estado civil».

O princípio da liberdade, e não o da racionalidade, é a diferença específica da noção rousseauniana de contrato, não de uma fictícia liberdade natural ou de uma liberdade absoluta, mas de uma liberdade civil, pautada, porque contratual, pelo princípio da vontade geral.

«Não é, pois, tanto pelo entendimento que se faz, entre os animais, a distinção específica do Homem como pela qualidade de agente livre» (Discurso, 1755: 38).

À diferença específica da liberdade associa Rousseau a da perfetibilidade, uma e outra, condições da racionalidade, da moralidade, assim como do reverso destas «virtudes».

A correlação da vontade geral, que não é sinónima de unânime (L. I, Cap. II), com a vontade particular (L.I, cap. I.II) e com a vontade de todos (L.I, Cap. III), assim como também, por isso, com a vontade da maioria, é uma das aporias maiores da teoria contratualista rousseauniana. Bertrand Russel recorre à analogia da lei ou da teoria da «gravitação universal» para ilustrar a complexa categoria sociopolítica de «vontade geral». Assim como a atração para o centro da Terra supera a atração divergente («egoísta») que cada partícula do Universo exerce sobre todas aas outras, anulando-se reciprocamente (o ar atraído para cima e a terra para baixo), assim sucederia com as vontades particulares ou parciais relativamente à «vontade geral», da qual deriva a soberania, que reside no povo e que é inalienável (ao contrário da teoria de Hobbes, que preconizava que a soberania devia ser delegada num governo omnipotente) e que é exercida em função do «interesse comum», como se lê no Livro II do Contrato. Rousseau julga compatíveis e harmonizáveis a vontade geral e a vontade particular, como se depreende do extracto do Contrato social que inserimos em epígrafe deste estudo.

Não é necessário, nem seria possível, nesta circunstância, apresentar o crédito que a doutrina de Rousseau granjeou no sistema filosófico kantiano.

À imagem e semelhança do símile ético kantiano do «imperativo categórico», poderíamos formular assim, servindo-nos da primeira fórmula do autor da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, o princípio social e político rousseauniano da «vontade geral:

Age apenas segundo uma máxima tal que, na tua ação social e política, possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.

Engrossando a crítica de Proudhon à teoria contratualista rousseauniana, poderíamos recordar a posição defendida pelo nosso «solitário de Vale de Lobos» na sua correspondência com o autor de Portugal Contemporâneo. Mas, recordemos também Hannah Arendt que, no seu Diário Filosófico de 1952, considera a «Volonté générale» como «assassina», pois contrapõe, no próprio eu, o «cidadão», prisioneiro dessa «Vontade geral», ao «homem particular», ao homem de carne e osso, assim convertido em «verdugo» de si próprio. A distinção rousseauniana entre «liberdade natural» e «liberdade política», por um lado, e entre «vontade geral» e «vontade particular», por outro, advogando que o Contrato Social, ao garantir e preconizar que cada um, «ao unir-se a todos, só a si mesmo obedeça e continue tão livre com antes» (L.I, Cap. VI), tem contornos, segundo alguns críticos, de quadratura do círculo. Este é também um dos pomos de dissenso das teorias contratualistas de Rousseau e de Proudhon.

2.2. Contratualismo proudhoniano.

Percorrendo a galeria dos teóricos do contrato social, verificamos, com surpresa, que nela não figura, no conjunto integrado pelo autor do Leviathan (1651), do Segundo Tratado do governo civil (1690) e Contrato Social (1762), o nome do autor de Du principe fédératif et de la nécessité de reconstituer le parti de la Révolution (1863).

Mau grado Proudhon não haver sistematizado a sua teoria do contrato social, numa obra expressa e autonomamente dedicada ao tema, a verdade é que esta fórmula inteligibilidade e de dinâmica societária é omnipresente na sua obra, com destaque em Idée générale de la Révolution au XIXe siècle (1851), nomeadamente no Sétimo Estudo («Dissolução do Governo na organização económica»), em De la Justice dans la Révolution et dans l’Église (1858), especialmente no Estudo 4 («O Estado») e em Du principe fédératif ou de la nécessité de reconstituer le parti de la Révolution (1863).

Em Dezembro de 1851, declara na carta ao amigo Langlois que na Idée générale enuncia aquelas que, nesse momento, diz serem as proposições capitais do seu pensamento: que o Governo está organizado para a sujeição e espoliação do maior número possível; que se impõe substituir o sistema dos poderes políticos por um sistema de forças económicas; que este sistema das forças económicas não pode ser criado pela via da autoridade, mas resultar do consentimento dos cidadãos, isto é, do livre contrato (cf. Cor., IV, pp. 156-157).Nesta obra, expõe a sua teoria do contrato social sobretudo nas secções intituladas: «Organização das forças económicas» e «Dissolução do governo no organismo económico».

Em síntese, Proudhon apresenta, nesta obra, um primeiro conjunto de traços identitários da sua teoria contratualista, que importa de imediato assinalar.

Convergindo, neste caso, com Rousseau, afirma que ninguém deve obedecer senão à lei pessoalmente consentida. O reconhecimento da necessidade do livre contrato impõe-se como condição da garantia da liberdade e como recusa do sistema de autoridade. Para refundar o edifício social sobre «a ideia humana do contrato», é imperativa a rotura com o sistema da transcendência (do direito divino ou teocrático e de todo o direito humano, hierárquico ou democrático) e a afirmação do sistema da imanência ou da autonomia e liberdade do indivíduo. A nova sociedade, modelada pelos princípios da liberdade e da justiça, rege-se pelo «regime dos contratos», em alternativa ao «regime das leis», como condição de possibilidade do verdadeiro governo do homem e do cidadão, da verdadeira soberania do povo, da verdadeira República.

Na Idée générale, Proudhon perspetiva uma revolução societária fundada no princípio do contrato comercial, conjeturando a possibilidade da sua generalização a todas as instâncias da vida social. Para Proudhon, a troca comercial é a matriz de todo o contrato, nomeadamente do contrato político. A lógica do contrato comercial implica o princípio da justiça comutativa ou da igualdade aritmética, alternativo do princípio da justiça distributiva ou da igualdade geométrica. No ato ou pacto comercial, os contratantes assumem-se como essencialmente produtores, abdicando, um perante o outro, de toda a pretensão de domínio ou de governo. Para ser autêntico e legítimo, todo o contrato deve ser, tal como o comercial, livremente negociado, individualmente consentido e assinado, manu propria, por todos os participantes. Apesar de convergir com Rousseau no princípio de que ninguém deve obedecer senão á lei livremente consentida, diverge do contratualismo do filósofo de Genève por este caucionar a alienação da liberdade de um em proveito da «vontade de todos», legitimando um sistema de governo de matriz transcendente, lesivo da autonomia do indivíduo e fautor do governo do homem pelo homem. O único regime capaz de constituir o homem e o cidadão sujeito do verdadeiro governo, garante da verdadeira soberania do povo ou da verdadeira República, seria, pois, para Proudhon, o «regime dos contratos», alternativo do alienante e tirânico «regime das leis», mesmo da ficcional «vontade geral» rousseauniana. A negação do princípio societário do Governo e da Propriedade não emerge no espírito de Proudhon, apenas por altura da elaboração da sua Idée générale (1851), mas remonta a cerca de uma dúzia de anos antes, ao tempo inicial de Qu’est-ce que la propriété? (1840), como recorda no Estudo 4 da referida obra Idée générale, em que analisa e escalpeliza o «Princípio de autoridade». Seria redundante advertir, a propósito da enunciação destas teses antigovernamentalistas e antiproprietárias, para a forma mentis anarquista, acrata, autárcica, da mundividência política proudhoniana, radicalmente polémica, consentânea, aliás, com a sua matriz antinómica da realidade e do devir histórico da humanidade.

O contrato é o princípio ativo e demiúrgico da sociedade. Se o contrato é negado, ignorado, desfigurado, implode o edifício social. E múltiplas, subtis e ruinosas são as formas de corroer o contrato social, de liquidar a liberdade e a igualdade.

A par da Liberdade, da Igualdade, da Fraternidade, a par das forças ou categorias económicas analisadas no Système des Contradictions, também a Propriedade é inclusiva da fórmula abrangente do contrato, sob o signo da Justiça, como os teóricos do contratualismo, nomeadamente Locke e Rousseau, eloquentemente mostram.

Depois de enunciar, no Estudo 4 («L’État») da obra De la justice a sua tese antigovernamentalista e antiproprietária, depois de definir, no Estudo 6 («Pecado original da cisão societária de trabalhadores intelectuais e manuais»), preconiza, no Estudo 7 («Correlação de Factos e Ideias»),a dissolução ou subsunção do sistema político ou governamental ou estatista no organismo económico.

Ao sistema socioeconómico, alternativo ao sistema político ou governamental, o sistema das gerações anteriores, sistema político-religioso, que Proudhon ousa destruir (Destruam), «sistema da ordem pela autoridade», sucede, na mente desenfreada do filósofo socialista de Besançon, o novo sistema, revolucionário, anárquico ou simplesmente económico, que tenta construir (Aedificabo). Estes sistemas são alternativos:

«Entre o regime político e o regime económico, entre o regime das leis e o regime dos contratos, não é possível a fusão: é necessário optar» (Proudhon, 1851: 301).

Aos defensores e prisioneiros do regime governamental, regime da autoridade, regime da propriedade absoluta, regime político-religioso ou da transcendência, Proudhon responde e defende que a alternativa ao sistema governamental não é o dilúvio, mas a organização industrial, a lei comunal ou corporativa; as forças económicas, em lugar dos poderes políticos; os contratos, em vez das leis, maioritária ou unanimemente votadas; a diversidade das categorias e especialidades de funções (Agricultura, Indústria, Comércio), em vez de classes (nobreza, burguesia, proletariado); a força colectiva, em vez da força política; as companhias industriais, em vez dos exércitos permanentes; a identidade dos interesses, em vez da polícia; a centralização económica, em vez da centralização política (cf. 1851: 302).

A tese do contratualismo proudhoniano, de inspiração e matriz comercial ou económica, é suscetível de soar aos ouvidos dos teóricos liberais e dos donos dos mercados como canto de sereia, gerando grande e grave equívoco, de modo algum consentâneo com o pensamento proudhoniano. Dissolução ou subsunção do sistema político ou governamental no sistema económico não significa, para Proudhon, libertinagem e anarquia económica, sem rei nem regras. A dilucidação deste equívoco e a marcação do idealizado novo sistema societário, vai Proudhon apresentá-los numa outra obra nuclear do seu pensamento: Du Principe fédératif et de la nécessité de reconstituer le parti de la Révolution (1863).

Contrapondo o princípio da vontade individual autónoma à vontade geral rousseauniana, os paradigmas contratualistas do filósofo oitocentista de Besançon e do filósofo setecentista de Genève revelam-se verdadeiramente incomensuráveis[3].

Por mais que lhe repugne a instituição política estatal e por mais que vislumbre a sua diluição no sistema económico, preconizando a substituição do «regime das leis» pelo «regime dos contratos», Proudhon acaba por reconhecer a necessidade de um Estado mínimo, mau grado, a sua forma mentis anarquista, que o induz a combater tanto o despotismo do liberalismo económico como o despotismo político, pugnando por um pacto sinalagmático, de mutualidade, de reciprocidade, de absoluta equidade. A opção pela matriz societária económica, como alternativa ou com precedência sobre a matriz política foi induzida pela verificação de que o reconhecido efeito da energia solar da Revolução de 89 para a causa da emancipação da humanidade não obviou ao divórcio radical e litigioso entre o Estado, fundado sobre os celestiais princípios da Liberdade, da igualdade e Fraternidade, e a Sociedade, economicamente dominada pela desigualdade social, pela luta de classes, pelo pauperismo degradante do mundo do trabalho. Proudhon, sem negar e sem deixar de reconhecer a sublimidade e imortalidade dos princípios da Revolução de 89, reconhece que ela consagrou o referido divórcio entre a instância política e a instância social. À configuração política e estatista da Revolução de 89, Proudhon contrapõe, pois, a sua visão revolucionária económica e social. A sua filosofia social é, pois, matricialmente económica e radicalmente antiestatista ou não fosse Proudhon reconhecidamente o «pai fundador» do movimento «anarquista» oitocentista, secundado por kropotkine, Élisée Reclus e Malatesta.

Apesar da sua tese contratualista de raiz económica e social, Proudhon acaba por reconhecer, em Du Principe fédératif (1863), a necessidade de complementar o contratualismo económico com o contratualismo político, advogando, no Cap. VII da referida obra, intitulada «Dégagement de l’idée de Fédération», que o contrato político se tornou necessário para obstar a que o «regime político autoritário» não anulasse o «regime liberal ou contratual».

A solução da antinomia, seja ela a da Política e da Economia, seja a da Liberdade e da Autoridade, não é, para Proudhon, a síntese hegeliana. A contradição é insuperável. «Equilíbrio» é, também em Proudhon, sinónimo de equilibração, cuja fórmula é o Contrato, de que Proudhon trata em Du principe fédératif (1863), como tratara antes, em Idée générale de la Révolution au XIXe siècle (1851).

Par a construção da sua teoria contratualista, Proudhon evoca o art. 1101 do Código Civil francês do seu tempo, transcrevendo a definição nele fixada de Contrato:

«O contrato é uma convenção pela qual uma ou várias pessoas se obrigam perante uma ou várias outras a fazer ou a não fazer alguma coisa» (Proudhon, 1863: 315).

Evoca igualmente outros seis artigos do mesmo Código para enunciar outras tantas condições do contrato: a) ser «sinalagmático» ou «bilateral» (os contratantes obrigam-se reciprocamente uns em relação aos outros), ao invés de «unilateral» (em que falha o compromisso de uma das partes contratantes); b) ser «comutativo» (fundado na equivalência do bem ou do serviço contratado), ao invés de «aleatório» (dependente da sorte), de «beneficente» (favorável a uma das partes); c) ser «imperativo» (a equivalência ou reciprocidade de bens e serviços permutados não se funda na autonomia da vontade dos contratantes, mas é um dado objetivo imposto pela consciência individual); d) ser «mutualista» (à luz do novo «direito social», as práticas sócio-económicas são pautadas pelos princípios da Justiça e não subjetivamente pela autonomia da vontade); e) ser «generalizável» (por ser «social», o contrato é inclusivo, diz respeito a toda a sociedade); f) ser «antiautoritário» e «antiestatista» e, por isso «anti-rousseuaniano» (advogando o princípio da soberania do povo, Rousseau perpetua o princípio de autoridade, considerado necessário para a manutenção da ordem social). As estas, poderíamos acrescentar uma outra condição, contida, aliás, nas anteriores, a de ser «oneroso», pois obriga cada uma das partes a dar ou fazer algo. Poderíamos, a estas, associar a caraterística de ser um contrato «positivo», factual, efetivamente realizado.

A estas condições, Proudhon acrescenta ainda uma observação relativa ao objeto do contrato, distinguindo contratos «domésticos, civis, comerciais ou políticos», advertindo que apenas destes últimos se trata e sintetizando a sua natureza nos seguintes termos:

«O contrato político não alcança toda a sua dignidade e moralidade senão na condição, 1.º de ser sinalagmático e comutativo: 2.º de se conter, quanto ao seu objeto, em certos limites», ajuizando que «estas duas condições, que é suposto existirem no regime democrático mas que, ainda aí, não são as mais das vezes senão uma ficção», pois na «democracia representativa e centralizada», como na «monarquia constitucional e censitária», assim como numa «república comunista», como a de Platão, o contrato não é igualitário e recíproco, mas antes «exorbitante, oneroso, aleatório» (Proudhon, 1863: 317).

No Principe fédératif, Proudhon expõe, pois, a sua teoria do contrato político, sendo o federalismo a diferença específica desta versão contratual.

A mundividência societária proudhoniana é, pois, contratualista e federalista. «Federação» é uma palavra-chave do léxico filosófico, social e político, proudhoniano. Afigura-se-nos que a inspiração da mundividência federalista proudhoniana não é, curiosamente, puramente social e política, mas sim, parece-nos, de inspiração bíblica. A Bíblia foi para Proudhon, como o próprio confessa, uma das suas três grandes fontes de aprendizagem e de inspiração. Interessou-o, também por esta razão, para melhor conhecer o sentido dos textos bíblicos, nomeadamente do Antigo Testamento, o estudo da língua hebraica. O termo latino foedus, de onde deriva o vocábulo federação, traduz a palavra «chave» hebraica berît, com 286 entradas no Antigo Testamento, canonicamente traduzida por aliança. Os autores latinos traduziram, pois, a palavra hebraica berît e a sua equivalente grega dithèkè por foedus, testamentum, pactum. Federação, pacto, pacto federativo, tornara-se também, no léxico e no sistema filosófico proudhoniano, termos «chave» (cf. Neves, 2006: 15).

«Federação» foi, evidentemente, a fórmula que Proudhon vislumbrou para traduzir a configuração do seu ideal societário. Uma sociedade «federada» seria uma sociedade justa e, por isso, livre e pacífica. «Federação» é, na esfera política, o equivalente da «Mutualidade», na esfera económica. Vale a pena atentar na definição que Proudhon dá da sua fórmula societária federativo, na obra que estamos a considerar.

“Fédération, du latin foedus, génitif, foederis, c’est-à-dire pacte, contrat, convention, alliance, etc., est une convention par laquelle un ou plusieurs chefs de famille, une ou plusieurs communes, un ou plusieurs groupes de communes ou Etats, s’obligent réciproquement et également les uns envers les autres pour un ou plusieurs objets particuliers, dont la charge incombe spécialement alors et exclusivement aux délégués de la fédération.» (1863: 318).

Sublinhando um traço característico e específico da sua teoria contratualista e demarcando-se da de Rousseau, o autor de Du Principe fédératif anota que o contrato de Rousseau, que é também a de Robespierre e dos Jacobinos, é «uma ficção de legista», apresentado como alternativa ao contrato de natureza jurídica divina, paterna ou sufragista.

Diferentemente do contrato rousseauniano, que é essencialmente normativo, hipotético, convencional, o contrato proudhoniano é «um pacto positivo, efetivo, que foi realmente proposto, discutido, votado, adotado, e que se modifica regularmente à vontade dos contratantes. Entre o contrato federativo e o de Rousseau e de 93 vai toda a distância que existe entre a realidade e a hipótese».

2.3.- Incompatibilidade dos paradigmas contratualistas rousseauniano e proudhoniano.

A questão antropológica, o problema de saber o que é o homem, qual a sua essência ou diferença específica, é, não apenas para Kant, mas também para Rousseau, mas também para Proudhon, a maior de todas as questões.

Para Rousseau, a diferença específica do homem é a liberdade, conjugada com a perfetibilidade. Para Proudhon, essa diferença é a Justiça, conjugada com a dignidade.

«A Justiça – afirma Proudhon - é a lei fundamental do Universo; tem a sua incarnação na consciência. Imanente à humanidade, é por ela que a Humanidade se faz e se desenvolve; é por ela que a humanidade se constitui, se renova, se regenera; […] de modo que a história mais não é que uma exposição da lei moral, um drama judiciário» (Proudhon, 1858:298).

Para um e outro, para Rousseau e Proudhon, o princípio, o construto ou instituto do contrato social é a condição necessária da garantia e da realização dessas essências ou diferenças antropológicas.

O contrato é, para Rousseau, de natureza ou matriz política e, para Proudhon, de natureza ou matriz económica. O princípio regulador ou a norma do contrato é, pois, para Rousseau, a liberdade e, para Proudhon, a Justiça. Diferente é também, para um e outro, a identidade dos contratantes: o cidadão e o governo, para Rousseau; o homem e o outro homem, para Proudhon.

Como decorre da definição rousseauniana do contrato, exposta no L. I, Cap. VI do Contrat Social, a função do contrato é a garantia da liberdade e da propriedade.

Proudhon define, em Idée générale, o contrato como «o ato pelo qual dois ou mais indivíduos acordam em organizar entre si, numa medida e por um tempo determinado esta potência industrial que denominamos a Troca» (Proudhon, 1851: 188).

O contrato rousseauniano é essencialmente jurídico, próprio do «regime das leis», associado ao sistema da «autoridade», ao passo que o de Proudhon é essencialmente económico, próprio do «regime dos contratos», associado ao sistema da «liberdade». Proudhon recusa o «regime das leis», próprio do contrato rousseauniano, porque são feitas sem a participação efectiva dos cidadãos, ao passo que o «regime dos contratos» é «o único vínculo moral que podem aceitar seres iguais e livres» (Proudhon, 1851: 238).

Duas questões incontornáveis tornam, pois, incomensuráveis os paradigmas contratualistas de Proudhon e de Rousseau: a questão do seu princípio ou matriz e a questão da identidade dos contratantes. Esta diferença faz com que Proudhon julgue o seu contrato como próprio do sistema da liberdade e o de Rousseau como refém do sistema de autoridade, governamental ou estatal.

O contrato social proudhoniano, porque «mutualista», porque bilateral, porque fundado na reciprocidade, na permuta de bens e serviços, regulado pelo princípio da Justiça, é um contrato antiautoritário, antiestatista e, por isso, anti-rousseauniano.

Rousseau ignorou, segundo Proudhon, a lógica do verdadeiro contrato social, atendendo apenas à sua dimensão política, descurando a dimensão económica, presente em todas as relações sociais. O contrato rousseauniano seria a razão da Revolução política ou dos direitos políticos de 89, ao passo que o de Proudhon seria a razão da Revolução social de 1848 ou dos direitos sociais. A Revolução de 89 foi reconhecidamente, também por Proudhon, um acontecimento luminoso e esperançoso da humanidade. Prenunciou, tal como João Baptista, o que havia de vir. Foi, porém, segundo Proudhon, sol que não nasceu para todos e não logrou fazer germinar as s ementes que lançou ao vento!

Proudhon contrapõe à, digamos, trapalhada da distinção rousseauniana de «vontade particular», de «vontade de todos», de «vontade geral» e das «leis» que as sustentam, a única vontade que reconhece: «a vontade que se exerce nos contratos bilaterais e que se replica até ao infinito da sociedade humana (Proudhon, 1851: 267-268).

Proudhon recusa igualmente, quiçá contra uma evidência difícil de refutar, que na base da sociedade civil, da convivência social, figura uma «convenção»: convenção do «respeito» pela pessoa e pelos bens do outro, regulado pela «lei». Para Proudhon, este tipo de contrato mais não é do que «ficção de legistas», suposta «convenção» tácita. Para Proudhon, o contrato é um ato positivo, efetivamente confirmado, manu propria, pelos contratantes.

Rejeitando a natureza «convencional», «fictícia» e «tácita» do contrato e advogando o seu estatuto positivo, Proudhon vê-se confrontado com o obstáculo e com a objecção decorrentes do reconhecimento da perfetibilidade do homem e das instituições, princípio não menos caro a Proudhon que a Rousseau, e a consequente necessidade de ajustamentos contratuais pontuais efetivos, de caráter jurídico, económico e social. Proudhon contornou este obstáculo e este argumento, conjeturando que, «no futuro, com a progressiva redução das desigualdades sociais e do desenvolvimento de uma cultura da justiça, será cada vez menos necessário organizar as relações sociais por meio de tais convenções formais e expressas, como se a humanidade tendesse para uma ordem ideal de confiança mútua, fundada na consciência pública privada, na ciência e no direito, sob o signo da justiça, garante dessa ordem e de todas as liberdades (cf. Cor., XIV, 32).

Proudhon é impiedoso na crítica do contrato rousseauniano, que acusa de ser responsável pela tirania estatista em que desaguam as democracias, subjugando a instância social e económica à instância política, ignorando os direitos sociais, do trabalho e do uso legítimo da propriedade.

O mínimo de alienação necessária reconhecida no contrato proudhoniano, não se identifica com a alienação total à comunidade de todos os direitos individuais, pressuposta no contrato rousseauniano; trata-se simplesmente de uma alienação provisória e parcial, no pressuposto de que o contratante receba mais contrapartidas do que as obrigações que contrai e, sobretudo, no pressuposto da salvaguarda da liberdade e soberania individual.

Arauto e militante da ideia de uma «democracia social», é evidente que o Contrato Social de Rousseau se antolhava a Proudhon como uma perversão, por ser, entre outras desfigurações, estatolátrico, absolutamente incompatível como o seu antiestatismo. Não surpreende, por isso, que considere e classifique o Contrato socialde Rousseau como «código da tirania capitalista e mercantil» (Proudhon, 1851: 133; Lubac, 1945:39).

A Justiça, e não qualquer outra ideia, é que é a «razão de Estado».

«O fim do Estado é o de organizar, de cumprir e fazer cumprir a Justiça. A Justiça é o atributo essencial, a função principal do Estado. A Justiça, lei do mundo material, intelectual e moral, tem como fundamento a Igualdade. Mas, nos dois primeiros períodos da civilização, no paganismo e no cristianismo, a igualdade não prevaleceu, mas antes o facto da aceitação da desigualdade das fortunas. […] Para explicar este estado de coisas, duas teorias se produzem: a teoria pagã do fatum, e a teoria cristã da Providência. Vimos em que consistiram uma e outra» (Proudhon, 1858:.220-221).

A grande acusação ou debilidade que Proudhon imputa ao Contrato de Rousseau é, em síntese, o facto de ele ser uma «ficção de legista». Que se trata de uma «ficção», é o próprio Rousseau que o declara com a primeira palavra do Cap. VI do Livro Primeiro:

«Imagino os homens naquele momento em que os obstáculos que a natureza lhes levanta à sua sobrevivência levam a melhor, em relação à força que cada homem pode empregar para se manter no seu primitivo estado. O primitivo estado deixa de poder existir e o género humano decerto teria perecido se não modificasse a sua maneira de agir».

Segundo Rousseau, que não assimila nem o contrato social à lógica dos contratos comerciais positivos, que regulam o comércio jurídico entre os homens, a obediência à lei é, pelo contrato, sinónimo de liberdade. Pressupondo o Contrato o acordo convencionado de todos os membros do Estado, na base do interesse comum, é erróneo, segundo os defensores do Contrato, falar-se de «dominação» e de «totalitarismo». Para Rousseau, portanto, o Contrato é penhor da liberdade dos cidadãos. Mas, não garante a Justiça, segundo Proudhon.

O contratualismo proudhoniano, como todo o seu «sistema» filosófico societário, tem como ponto de apoio arquimédico o princípio ou ideia de Justiça comutativa, tal como é definida no opus magnum De la Justice, princípio ou ideia indissociável dos imperativos da liberdade e da igualdade.

Tomando a ideia de Justiça como critério, Proudhon classifica as ideias identitárias dos Governos e dos Estados em três categorias: «1. Ideia de Necessidade, que é a da Antiguidade pagã; 2. Ideia de Providência, que é a da Igreja […]; 3. Ideia de Justiça, que é a da Revolução e que constitui, por oposição do governo religioso, o governo humano)» (Justice, 1858: 170).

4.- Contrato social e direito de propriedade.

«O primeiro que, depois de ter cercado um terreno, ousou dizer: Isto é meu e encontrou pessoas bastante simples para acreditarem nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civilizada. (Rousseau, 1755: 59).

«Se eu tivesse que responder á pergunta: O que é a escravatura? E respondesse sem hesitar: É o assassínio, o meu pensamento ficaria perfeitamente expresso. […] Porquê, então, a essa outra pergunta: O que é a propriedade? Não posso responder simplesmente: É o roubo, ficando com a certeza que me entendem, embora esta segunda proposição não seja mais que a primeira, transformada?» (Proudhon, 1840:)

Não é acidental nem circunstancial a relação do construto teórico do contrato social com a crucial e cruciante questão da propriedade. É, evidentemente, uma relação essencial e, por isso, indissociável. Parece que, não existindo a vontade e a instituição da propriedade, também não existiria a necessidade do contrato social. Esta evidência impôs-se, com menor ou maior acuidade a todos os pensadores contratualistas. Destacaremos, como exemplares, as teorias de Rousseau, de Locke e de Proudhon sobre este magno problema societário.

A questão da propriedade, primeira pergunta e primeira resposta do catecismo proudhoniano, não o é menos do catecismo de Jean-Jacques Rousseau. A abertura da «Segunda Parte» do Discours sur l’inégalité parmis les hommes, um dramático manifesto da Humanidade, formula esta questão e projecta os seus efeitos numa ondulação infindável, que incessantemente se repercute na nau da Humanidade. A invenção da propriedade marcou o «último período do Estado de Natureza» (Rousseau, 1755: 59) e inaugurou o primeiro período do Estado de Civilização.

O ato de propriedade prende-se, segundo a narrativa societária rousseauniana, com uma intrincada rede de processos antropológicos e sociológicos: o sentimento primordial existência e do cuidado da sua conservação» (Rousseau, 1755: 59); a aquisição que, para obviar às limitações corporais e prover à satisfação das suas carências, o Homem fez, com arte e engenho, de uma panóplia de úteis recursos tecnológicos e simbólicas práticas rituais (Rousseau, 1755: 66); o desenvolvimento, em simultâneo com a procura dos meios de sobrevivência, da faculdade da linguagem, da interacção comunicativa, de todas as faculdades mentais (Id., 1755: 69); o desenvolvimento da ideia e da prática da associação livre, da assunção de compromissos, em função de necessidades e interesses comuns; a invenção da agricultura, associada à sedentarização, e a instituição da habitação, da família, do amor conjugal e do amor paterno; a emergência da desigualdade, manifestada no convívio e na interacção social, pela evidência e reconhecimento de capacidades e competências individuais diferenciadas (Id., 1755: 62.64); a consolidação, no processo da humanização e da socialização, do «direito do mais forte», ligado ao «direito do primeiro ocupante».

Para resolver a antinomia da liberdade e da igualdade, problema crucial de Rousseau, como era, para Proudhon, a antinomia da liberdade e da autoridade, o «cidadão de Genève» evoca o advento do contrato social, pelo qual se operaria a «passagem do estado natural ao estado civil» ou do domínio do «instinto» ao triunfo da «justiça». É nos capítulos VIII e IX do Contrat Social que o autor equaciona e resolve o trinómio antitético sociopolítico da liberdade, igualdade e propriedade, segundo a fórmula do contrato social.

O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um ilimitado direito a tudo aquilo que o tente e possa alcançar; o que ganha é a liberdade civil e a propriedade daquilo que possua (Rousseau, 1762: 32).

Rousseau distingue, pois, a chamada «liberdade natural» (só limitada pela «força individual») da «liberdade civil» (limitada pela «vontade geral»), como distingue a «posse», que identifica com «efeito da força ou do primeiro ocupante», da «propriedade», que legitima pela instância de um «direito positivo» (cf. Ibid.).

Rousseau, como a generalidade dos contratualistas, não consegue legitimar, segundo Proudhon, o chamado «direito de propriedade», considerando que este se apresenta como princípio de legitimação de infundados factos consumados, como são os da apropriação pela «força» ou pela primeira «ocupação». «O direito de primeiro ocupante», que Rousseau fundamenta no estado de «necessidade» e na força do «trabalho», não deixa de ser direito de «facto consumado» e, por isso, impossível de legitimar pelo puro direito. As condições que Rousseau aduz para autorizar o «direito de primeiro ocupante», nomeadamente a condição bem subjetiva de que «não se ocupe mais do que a extensão necessária para viver», direito de «facto» que se tornaria «positivo» pelo contrato, também não constituiriam razão suficiente para legitimar o a legado direito de «propriedade».

Rousseau e Proudhon divergem radicalmente, nesta muito disputada questão do «direito de propriedade». A «posse», que para Proudhon é sinónimo de «uso», é, para Rousseau, sinónimo de «abuso», por ser resultado da apropriação pela força; a «propriedade» que, para Rousseau, é legitimada pelo contrato social e pelo consequente «direito positivo», é, para Proudhon, ilegítima, por ser sinónimo de «abuso». A «posse» legitima o «uso», a «propriedade» consagra o «abuso», por ser sinónimo de domínio absoluto.

Os argumentos que Jonathan Wolf (1996:202-205) aduz para refutar a teoria proprietária de John Locke servem igualmente para refutar a teoria rousseauniana do direito de propriedade[4].

Locke enuncia dois axiomas que os autores de Qu’est-ce que la propriété? e do Discours sur l’inégalité, evidentemente subscreveriam[5].. Mas, nem Rousseau nem Locke tiraram as consequências e tomaram as medidas consentâneas com os seus axiomas, merecendo, por isso, a crítica e a condenação de Proudhon.

O primeiro, o axioma (anti)proprietário - «Onde não houver propriedade não haverá injustiça» - correlaciona, pois, a ideia de «propriedade» e a ideia de «(in)justiça», considerando Locke esta «uma proposição tão certa como uma demonstração de Euclides, pois sendo a ideia de propriedade a de um direito a uma certa coisa, e a ideia que se designa pelo nome de “injustiça” a invasão ou violação desse direito, é evidente que estas ideias, assim estabelecidas, com estes nomes ligados a elas, permitem-me saber com tanta certeza que esta proposição é verdadeira, como sei que um triângulo tem três ângulos iguais a dois rectos». O segundo, axioma (anti)governamental ou (anti) estatista, que formula a incomensurabilidade das ideias de «governo» e de «liberdade» - «Nenhum governo permite uma absoluta liberdade» - julga-o Locke uma proposição tão verdadeira como «qualquer uma outra da matemática» (Locke, 1690: 755-756),podendo ser uma fórmula da antinomia dos sistemas da Liberdade e da Autoridade, que Proudhon equaciona magistralmente no Cap. I de Du principe fédératif, onde sentencia:

«A ordem política repousa fundamentalmente em dois princípios contrários, a AUTORIDADE e a Liberdade. […] Todas as Constituições políticas, todos os sistemas de governo, incluindo o federalismo, podem resumir-se a esta fórmula, o equilíbrio da autoridade pela liberdade e vice-versa. […] Quantas coisas, direis vós, numa oposição gramatical: AUTORIDADE – Liberdade! (Proudhon, 1863b:40.41).

Um estudo cronológico da obra de Pierre-Joseph Proudhon permite ao leitor verificar uma evolução progressiva na crítica e reabilitação da ideia e da instituição da propriedade, que o autor de Qu’est-ce que la propriété? (1840) e de Théorie de la propriété (1865) considera o epicentro da questão social oitocentista. Esta questão e estas duas principais obra que a ela dedicou abrem e fecham os parênteses do labor intelectual do grande filósofo socialista revolucionário francês do século XIX.

A crítica de Proudhon ao alegado direito de propriedade não tem paralelo na história do direito e na crítica e refutação dos argumentos dos economistas e dos juristas (os argumentos do direito natural, da lei civil, mesmo do trabalho).

Sem acabar por negar o princípio da propriedade, a justificação do seu direito, no sentido de «usar e abusar do que seu», é, para Proudhon, uma impossibilidade histórica e racional.

O que Proudhon acaba por questionar e negar não é tanto o princípio do direito de propriedade quanto questionar e afirmar a necessidade de um novo direito, o direito económico e social, cujo fundamento e racionalidade não cabe tratar, como é evidente, no âmbito desta reflexão.

Advertência que importa fazer, para tranquilidade dos advogados do sistema proprietário e estatista, é a de que Proudhon não defende a «colectivização» da propriedade, mas sim a sua «universalização», como já tivemos oportunidade de relevar em outros lugares (Fernandes, 2008: 107-157; 2009: 107-150; 2011: 367-389).

O que Proudhon questiona e nega, em síntese e conclusão, não é, pois, o princípio de propriedade, cujos benefícios ou aspetos positivos reconhece (valorização do homem pelo trabalho, domínio da natureza, união do homem e da terra, sustentação e segurança da família pela herança, garantia do «patriotismo» ou ligação a um território determinado), sem jamais se ver livre da imposição do reconhecimento da sua degradação e malefícios (rotura do equilíbrio entre o «interesse proprietário» e o «interesse público», apropriação desmedida da «mais valia» da «força coletiva» dos trabalhadores, rotura da relação social, desvirtuada em relação de «dinheiro» e «interesse».

Proudhon viu-se forçado, após a diatribe antiproprietária de 1840, por aduzidos e reconhecidos motivos de ordem psicológica, moral, jurídica, económica, a rever a sua posição inicial contra a «propriedade-roubo» em prol do reconhecimento da «propriedade-liberdade».

Desde a Primeira Memória, de 1840 (Qu’est-ce que la propriété?), , passando pelo Système des Contradictions économiques (1846), pelas Confessions d’un révolutionnaire (1851), por De la Justice dans la Révolution et dans l’Église (1858), , até à síntese geral e final de Théorie de la propriété, iniciada em 1861 e publicada em 1865, Proudhon instaurou e conduziu um processo sobre a propriedade, refundando-a pela «revolução» da posição do estatuto de «propriedade - roubo» para a posição de «propriedade – liberdade», perdendo o caráter da Primeira Memória e adquirindo o de «contra-poder» ao absolutismo de Estado.

Se o direito de propriedade é improvável e injustificado pelo argumento da sua «origem», torna-se legítimo pelo seu «fim».

Proudhon acabou por defender um sistema societário constituído por «pequenos proprietários iguais, autónomos e solidários», pautado pelo princípio do «direito social», pelo princípio da «mutualidade», pelo contrato social, não o «proprietário» e «governamental», mas o «mutualista».

Proudhon julga que o de Rousseau, mau grado a radicalidade da sentença antiproprietária que proferiu na abertura da «Segunda Parte» do seu Discurso sobre a desigualdade, nem, por isso, é menos proprietário, menos garante da propriedade, e menos governamental ou estatista, menos garante da aliança ofensiva e defensiva dos que têm contra os que nada têm, da «colisão dos barões da propriedade, do comércio e da indústria contra os deserdados da proletariado, juramento de guerra, enfim» (Proudhon, 1851: 192), inconsequências assacadas ao comum dos contratualistas, contra os quais o autor de Qu’est-ce que la propriété? (1840) se insurge. Proudhon acusa o contrato rousseauniano e afins, talvez com excessiva e desmedida severidade, quiçá com alguma injustiça, de ser «o código da tirania capitalista e mercantil» (Proudhon, 1851: 194).

Proudhon, que conhecia o episódio bíblico das tentações de Cristo, sendo uma dela a da «propriedade» ou do «ter», Proudhon que, por sua vontade, negaria tal direito e erradicaria tal pulsão, em nome da Justiça, da liberdade e da igualdade, viu-se constrangido pela «força das coisas», a reconhecer que «o povo, mesmo socialista, quer, diga o que disser, ser proprietário» e, por isso, recordando a adversidade que sentiu, na década que se seguiu ao sismo provocado pela publicação da referida «Primeira Memória» sobre a propriedade ou da tese da «propriedade» como sinónimo de «roubo», viu-se forçado a rever a sua posição sobre esta tendência invencível da natureza humana e a publicar, já postumamente, a sua Théorie de la propriété (1865), em que reconhece que o uso, que não o abuso, da propriedade, pode ser condição de liberdade, acabando por confessar o seu reconhecimento de vencido nesta batalha antiproprietária:

Depois de dez anos de uma crítica inflexível, encontrei sobre este ponto uma opinião das massas mais dura e mais resistente que sobre qualquer outra questão. Violentei as convicções, nada consegui sobre as consciências (1851: 271).

A questão social ou questão operária oitocentista resume-se toda, para Proudhon, no problema da propriedade. Esta antinomia económica foi a cruz da vida e da obra de Proudhon. Assumiu-a e carregou-a durante mais de um quarto de século, da primeira à última das suas obras.

Na Primeira Memória (1840), Proudhon refuta todos os argumentos clássicos alegados como legitimação da propriedade: teoria da ocupação ou do primeiro ocupante; argumento da lei civil; argumento do trabalho; argumento do consentimento universal e argumento da prescrição.

Poderíamos dizer que o sistema proudhoniano, toda a sua filosofia, mais não é do que uma monografia da propriedade, na sua plenitude semântica de jus utendi et abutendi e na sua promessa de liberdade. Como jus utendi, é sinónimo de posse, como promessa de liberdade, só é possível sob o sol da Justiça, no sistema mutualista e federalista.

Sintomático e curioso é que um e outro, Rousseau e Proudhon, reconheçam a invenção da Propriedade como o acontecimento fundador e nodal da Civilização.

O ato de propriedade, conexo com um complexo conjunto de instintos e eventos (sentimento da existência, cuidado da conservação, aquisição de recursos tecnológicos, desenvolvimento da linguagem e da interacção comunicativa, ideia prática da associação livre) afigura-se, pois, declaradamente a Rousseau, e obviamente a Proudhon, como princípio crucial da desigualdade.

Em conclusão.

A recorrente necessidade, real ou fictícia, justa ou desequilibrada, de (re)negociação das leis e contratos laborais; o reconhecimento da imperiosa acuidade de (re)negociação dos contratos das Parcerias Público-Privadas; a obsessão, com o alegado argumento do «estado de emergência» financeira, de questionar, suspender ou revogar «direitos adquiridos»; a colocação entre parênteses da Declaração Universal dos Direitos Humanos em nome da transcendência e omnipotência das leis do mercado, parecem indiciar que, no fundo, o que está em causa é a lei societária fundamental do contrato social ou da instituição do poder proprietário e governamental.

É óbvio que a questionação e refutação da lógica da chamada «teologia do mercado» não visam negar absolutamente a instituição da propriedade e do Estado, mas tão somente pôr em causa e refutar o seu absolutismo, concorrendo para a justa relativização e «debilitação» destas instituições societárias, para a operação da sua «catarse». Foi isto que pretendemos fazer nesta reflexão, motivados pela circunstância do tricentenário do nascimento do autor do Contrat Social, no 250.º aniversário da publicação desta obra emblemática do contratualismo moderno, contrastando duas teorias que se nos afiguram performativas no momento sociopolítico atual e que são expressivas de duas mundividência que nos parecem incomensuráveis, mas não exclusivas e, por isso, suscetíveis de ajudar a pensar e agir melhor no labirinto da crise financeira, económica e cultural que afeta, não apenas a Europa, mas, em diferentes escalas, o mundo dito «civilizado», mas nunca livre de recaída na barbárie do «estado de natureza», atualmente representado pelo «vírus» da corrução que põe em causa a sustentabilidade das democracia e do Estados social. Proudhon via no modelo do «regime de contratos» uma boa alternativa ao modelo rousseauniano do «regime das leis», orquestrado pelo princípio da fictícia «Vontade geral».

Quisemos mostrar e provar que a ideia de contrato social é nuclear e nodal no pensamento e no sistema societário de Proudhon, é uma das suas peças estruturantes e estruturais. Segundo o autor da Idée générale de la Révolution au XIXe siècle, o «regime dos contratos» sucede, pois, na sua mundividência, ao «regime das leis», inaugurando uma nova era jurídica, económica, social e política. A ordem social não se funda, assim, segundo Proudhon, no princípio da «lei», mas sim no princípio do «contrato», que muitos pensadores políticos reconhecem estar na base da civilização humana. Proudhon abomina o «regime da lei» porque o identifica com o da autoridade, instaurado sem a participação efetiva dos cidadãos, idealizando o do «contrato» porque é próprio do «regime da liberdade», porque é expressão do acordo das vontades, «o único vínculo moral que podem aceitar seres iguais e livres» (Proudhon, 1851:238).

Ao demolir o «regime da autoridade», Proudhon não diaboliza, porém, a ideia da ordem, como expressamente declara:

«Também eu quero a ordem, tanto ou mais que aqueles que se batem pela do seu pretenso governo, mas quero-a como efeito da minha vontade, uma condição do meu trabalho e uma lei da minha razão» (Proudhon, 1851: 203).

Proudhon é, também ele, um iluminista, um teórico e um militante da autonomia, da emancipação do homem da sua menoridade intelectual, segundo a legendária expressão kantiana.

Pugnando pela garantia da «liberdade», não salvaguardada, segundo observa, no «regime das leis», Proudhon nem por isso advoga o princípio da autonomia absoluta ou, melhor, da independência da vontade individual, como fundamento jurídico das obrigações contratuais, postulando a ideia de Justiça como superior ao princípio da liberdade, pois este pode ser instrumentalizado como legitimador de todas as injustiças. Ora, defende Proudhon, só a Justiça pode obrigar os homens. A Justiça, e não o livre arbítrio, é que é o princípio ou a norma reguladora do «contrato». O «contrato proudhoniano não é, pois, «livre», mas sim «justo». Proudhon pressupõe a possibilidade de um «preço justo» nas relações económicas, fundado no «tempo de trabalho». É evidente que os partidários do «sacrossanto princípio de liberdade contratual» e do sacrossanto princípio da «lei da oferta e da procura» não subscrevem este princípio de um «preço justo» nas relações comerciais, sociais e políticas. Não reconhecem uma instância superior e exterior à vontade e liberdade dos contratantes. Ora, para Proudhon, superior à vontade dos contratantes, é a Justiça, que não é uma simples «ideia», mas, sobretudo, uma «realidade», uma exigência ínsita na consciência do homem, uma «força» que os impele a respeitar, seja a que preço for, a dignidade do outro, o mesmo é dizer, a respeitar a própria dignidade na pessoa do outro, de que o equilíbrio ou equidade da prestação de bens e serviços é condição essencial.

Segundo Proudhon, Rousseau estaria entre os pensadores que não admitem, nas interacções sociais, um princípio superior à liberdade, uma qualquer instância superior à vontade dos contratantes. Ora, para Proudhon, esse princípio e essa instância existem: é a Justiça.

Antes, ou para ser o fundamento da sociedade, a Justiça é, segundo Proudhon, uma faculdade intrínseca a todo o ser humano.

«Faculdade do eu que, sem sair de seu foro interior, sente a sua dignidade na pessoa do próximo com a mesma vivacidade que a sente na sua própria pessoa, e se reconhece assim, conservando a sua individualidade, idêntico e adequado ao próprio ser coletivo» (Proudhon, 1858,I: 316).

Do ponto de vista estritamente jurídico, a justiça constitui-se e emerge como princípio constituinte do «contrato social», que Proudhon, reportando-se ao Código civil, concebe como «comutativo e sinalagmático», superiormente regulado pelo princípio da Justiça (cf. Proudhon, 1863: 315-316).

A mundividência contratualista, a idealização da sociedade como «regime de contratos» não são certamente invenção proudhoniana, mas encontraram no autor de Du principe fédératif um defensor e um arauto que não deveria ser tão ignorado.

 

Referências

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Notas

[1] 1.º- A Universidade de Rennes 1, França, por exemplo, subordina o seu Colóquio internacional, de 11 e 12 de maio de 2012, ao título «O Futuro do Contratualismo»; 2.º- Em Genève, terra natal do filósofo, a celebração dos 300 anos natalícios subordinada ao título «2012, Rousseau para todos», teve início no dia 19 de Janeiro e encerramento no dia 28 de Junho de 2012, dia do aniversário. Segundo Alain Grosrichard, presidente da Sociedade Jean-Jacques Rousseau de Genève, o filósofo «ainda causa preocupação, não nos deixando dormir tranquilos». Representando o olhar dos jovens cineastas, que conceberam a coleção de curtas metragens intitulada «La Faute à Rousseau» (A culpa é de Rousseau), Pierre Maillard sustenta que, «mais que um grande morto, Rousseau está mais do que nunca vivo, bem além das épocas e das gerações»». Finalmente, François Jacob, presidente das celebrações e diretor da Biblioteca Rousseau, insiste na pertinência das ideias de Rousseau, nomeadamente políticas, considerando que ele lançou a base intelectual da sociedade em que vivemos; 3.º- No Brasil, as comemorações do tricentenário do nascimento de Jean-Jacques Rousseau (28 de Junho de 1712) teem a sua sede na cidade de São Paulo, com programação conjunta dos departamentos de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e da Universidade de São Paulo (USP), com a participação dos departamentos de Filosofia de outras universidades (UNESP, UNIFESP, OSESP, TUCA) e com o apoio da Prefeitura de Genève, da Société Jean-Jacques Rousseau, dos Consulados da Suiça e da França em São Paulo e da Aliança Francesa, destacando-se, nesta programação, o colóquio internacional, de 17 a 21 de Setembro de 2012, com a participação de especialistas de universidades e centros de investigação estrangeiros; 4.º- Em Portugal, Paulo Ferreira da Cunha idealizou a realização, não de um, mas de dois colóquios internacionais, um em Junho e outro em Setembro de 2012, sobre um dos grandes temas do ideário rousseauniano: o Contrato Social. 4.º- Em Portugal, Paulo Ferreira da Cunha idealizou a realização, não de um, mas de dois colóquios internacionais, um em Junho e outro em Setembro de 2012, sobre um dos grandes temas do ideário rousseauniano: o Contrato Social; 5.º- Nos EUA, o Colorado College e a Rousseau Association organiza, de 13 a 15 de dezembro de 2012, o Colóquio do tricentenário do nascimento de Jean-Jacques Rousseau e do 250.º aniversário da publicação de Émile; 6.º- .A Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), em parceria com o Instituto Francês de Cabo Verde, promoveu, na semana de 11 a 15 de Junho de 2012, uma exposição e uma série de conferências sobre a filosofia de Rousseau, nomeadamente sobre a questão da origem das línguas; 7.º- .Na China, o 3.º centenário do «cidadão de Genève» será comemorado com, pelo menos, dois eventos, um em Cantão e outro em Nanquim.

[2] Em Portugal, o Centro de Estudos Lusíadas e o Departamento de Filosofia da Universidade do Minho realizaram, em parceria, no dia 30 de Outubro de 2009, um colóquio subordinado ao tema Actualidade de Proudhon – no Bicentenário do seu Nascimento, tendo sido publicadas as respectivas Atas (Gama, Org. e Intr.,2009)

[3] «Proudhon referiu-se repetidamente ao Contrato social de J.-J. Rousseau. Cf. nomeadamente De la Justice dans la Révolution et dans l’Église, 4.º Estudo, «L’État». No seu livro Pour connaître la pensée de Proudhon (Paris, 1947), G. Guy-Grand analisou claramente as razões que separam Proudhon do Contrato social de Rousseau, contrato imposto e induziram-no a preconizar um contrato social espontâneo, racional.

[4] Não é apenas Proudhon que põe em causa a coerência e consistência da argumentação proprietária de Locke. Recentemente, Jonathan Wolf, por exemplo, considerava infundados os quatro argumentos de Locke para legitimar o direito de propriedade: 1.º.- Argumento da sobrevivência – a legitimação da apropriação do usufruto (de frutos secos e frescos) não legitima a propriedade; 2.º- Argumento da «mistura do trabalho» ou da anexação de algo á natureza, pelo trabalho próprio – Robert Nozick observa que o facto da mistura de uma lata de sumo com a água do mar não legitima a posse do mar pelo proprietário da lata; 3.º- Argumento do «valor acrescentado» - o trabalho, se legitima a apropriação dos frutos da produção ou o valor acrescentado, não legitima a propriedade da terra, pois esta não faz parte do valor acrescentado; 4.º- Argumento do merecimento – Se o trabalhador merece os frutos do trabalho, se o trabalho legitima a posse da propriedade, não legitima a propriedade absoluta (cf. Wolf, 1996: 202-205).

[5] Os referidos axiomas de John Locke (1632-1704) encontram-se exarados no Livro IV, Cap. III do Ensaio sobre o entendimento humano.
«Onde não houver propriedade não haverá injustiça” é uma proposição tão certa como uma demonstração de Euclides; pois sendo a ideia de propriedade a de um direito a uma certa coisa, e a ideia que se designa pelo nome de “injustiça” a invasão ou violação desse direito, é evidente que estas ideias, assim estabelecidas, com estes nomes ligados a elas, permitem-me saber com tanta certeza que esta proposição é verdadeira, como sei que um triângulo tem três ângulos iguais a dois rectos. Outra proposição com uma igual exactidão é a seguinte: “Nenhum governo permite uma absoluta liberdade”; sendo a ideia de governo a do estabelecimento de uma sociedade sobre certas regras ou leis, que exigem conformidade com elas, e a ideia de liberdade absoluta a de cada um poder fazer tudo o que lhe agradar, posso estar certo da verdade desta proposição como de qualquer uma da matemática» (Locke, 1690: 755-756).