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Revista Diacrítica

Print version ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.26 no.2 Braga  2012

 

Um modo de fazer filosofia: A Ontologia Histórica de Ian Hacking

João Ribeiro Mendes*

*Universidade do Minho, Departamento de Filosofia, Braga, Portugal

jcrmendes@ilch.uminho.pt

 

RESUMO

Como expressou o filósofo canadiano Ian Hacking, «There are many ways to do philosophy.» (Hacking, 2002: 25). Neste ensaio de cunho mais descritivo-reconstrutivo que argumentativo procuro: (a) retratar a sua Ontologia Histórica como um método filosófico sui generis que faz significativo uso da história; (b) mostrar a especificidade da sua proposta, nomeadamente em relação à proposta homónima de Michel Foucault e ao denominado programa de investigação da Epistemologia Histórica; (c) evidenciar como a sua aplicação pode servir para renovar a compreensão de temáticas filosóficas clássicas, nomeadamente do muito debatido problema da natureza da racionalidade científica.

Palavras-chave: Ian Hacking, Ontologia Histórica, Estilos de Raciocínio Científico.

 

ABSTRACT

As Canadian philosopher Ian Hacking uttered himself, «There are many ways to do philosophy.» (Hacking, 2002: 25). In this more descriptive-reconstructive rather than argumentative paper I aim: (a) to depict his Historical Ontology as a sui generis philosophical method that makes significant use of history; (b) to display the specificity of his proposal, namely in relation to the homonymous proposal of Michel Foucault and the so-called Historical Epistemology research program; (c) to show how its use may contribute to renew the understanding of classical philosophical issues, namely the much discussed problem of the nature of scientific rationality.

Keywords: Ian Hacking, Historical Ontology, Styles of Scientific Reasoning.

 

«There are many ways to do philosophy.» (Hacking, 2002: 25), afirmou o filósofo norte-americano Ian MacDougall Hacking (n. 1936, Vancouver, Canadá)[1]. Talvez tantos, quantas as pessoas que a ela se dedicam, podemos acrescentar.

Alguns, contudo, afiguram-se mais frequentes. É o caso do analítico, que pratica sobretudo a clarificação conceptual e a avaliação da qualidade lógica dos argumentos; do dialético, que procura descobrir verdades mediante uma disciplina de perguntas e respostas; do fenomenológico, que intenta descrever o que há de essencial nos conteúdos das experiências conscientes particulares; do hermenêutico, que busca compreender, mediante o controlo dos preconceitos, as vivências e pensamentos de outros mediante a interpretação das suas narrativas; do histórico-crítico, que visa perceber as trajetórias espácio-temporais das ideias filosóficas, os contextos em que irrompem e mudam e como elas provocam transformações nesses próprios contextos; do transcendental, enfim, que pretende revelar os pressupostos ou condições de possibilidade de toda a experiência, cognição e ação particulares.

Outros, porém, resultam de alguma espécie de combinação entre vários destes modos acabados de elencar. É o caso da denominada “Ontologia Histórica” do dito autor que procura conjungir, em idênticas proporções, aspetos do analítico, do transcendental e do histórico-crítico.

Hacking declarou, numa entrevista, não gostar de falar do seu peculiar modo de fazer Filosofia. Mas não se eximiu também aí de apontar que a antologia com trabalhos seus das décadas de 1970, 1980 e 1990, que publicou em 2002, com o título Historical Ontology, seria o lugar mais indicado para apreendê-lo, em especial os primeiros quatro textos que a integram (Álvarez 2002, 56). Foi neles, por conseguinte, que particularmente me baseei para a elaboração deste ensaio.

1. Preceitos metodológicas fundamentais.

Formado na tradição analítica anglo-saxónica, mas também muito devedor da corrente francesa da Epistemologia Histórica, nomeadamente dos trabalhos de Gaston Bachelard e Georges Canguilhem (Hacking, 2002: 24), reconheceu Hacking que o autor que mais influência exerceu sobre o seu pensamento, em especial no que respeita a questões do domínio das ciências sociais e humanas, foi Michel Foucault (Álvarez, 2002: 53) [2].

Neste último se parece ter inspirado, desde logo, para formular dois preceitos que predominantemente tem vindo a adoptar na sua inquirição filosófica, a saber: (a) “observar” (take a look) os factos[3] e (b) “desfazer” (undo) problemas.

1.1. Observar os factos.

O pensador canadiano não é, como assinalou Marc Kirsch – assistente de Hacking no Collège de France –, um “intelectual de salão”, mas um “filósofo de campo” (2004-5: 42), alguém que gosta de esquadrinhar com minúcia os problemas que suscitam o seu interesse reflexivo ou, como expressa o adágio empirista que adoptou, de “observar os factos” neles envolvidos e não apenas teorizar sobre eles. Na entrevista supra referida, o próprio autor afirmou a esse respeito o seguinte:

«(…) una cosa caracteriza a mi trabajo. Un filósofo al que no nombraré se quejó una vez: "los filósofos nunca ‘le echan un vistazo’ a lo que discuten. Bueno, no del todo, Ian Hacking le echa un vistazo". Ésa es una afirmación verdadera al menos en lo que a mí concierne. No soporto no mirar a la rica complejidad del mundo en que estoy pensando. (…)» (op. cit, 56).

Este primeiro preceito, de caráter empirista, estabelece, portanto, que para se determinar o efectivo valor de certas conceções filosóficas, sobretudo das mais especulativas, é necessário confrontá-las com a realidade, buscando os factos que as suportam. Num exemplo relativamente simples que apresentou num artigo publicado em 1981, com o título “Was there ever a Radical Mistranslation?”, uma possibilidade implicada, como se sabe, nas doutrinas quineanas da indeterminação da tradução e inescrutabilidade da referência, Hacking confessou ter empenhadamente procurado sem êxito na literatura especializada exemplos de um tal alegado fenómeno de tradução radicalmente mal sucedida, resultado que, em seu entender, mostra que tal conjetura estimulou uma discussão estéril e inútil. Em consonância, acrescentou: «(…) Michel Foucault reforçou completamente a minha obsessão por atentar [nos factos]. (…) Foucault foi um apaixonado pelos factos: eu também.» (Hacking, 2007a: 38).

1.2. Desfazer problemas.

Mas Hacking privilegia também uma peculiar maneira de exercer a crítica filosófica. Na suposição de que a filosofia é uma atividade intelectual sobretudo empenhada na resolução de problemas, entende ser possível lançar luz sobre os mesmos mediante a realização de inquéritos arqueológicos; «One had to understand the prehistory of philosophical problems and what made them possible», disse, «in order to grasp the nature of the philosophical problems» (idem: 37).

Este preceito revela quiçá ainda mais que o anterior, do qual é complementar, a influência de Foucault. Com efeito, o maître à penser francês, vale recordar, descreveu esses inquéritos arqueológicos como estudos de “arquivos” (archives), isto é, de estruturas ou formas discursivas profundas que determinam as condições de possibilidade do conhecimento num período particular e que, por conseguinte, funcionam como “a priori históricos”, temporalmente limitados e factuais (Foucault, 1969: 168, 171) [4].

Ora, como a maior parte dos problemas filosóficos é de natureza conceptual, desfazê-los passa em larga medida por traçar a sua génese ou, melhor, revelar as condições que tornaram historicamente possível a sua elaboração, a sua emergência, num certo momento, no âmbito de uma determinada discursividade. Mais especificamente, desfazer um problema conceptual significa tornar manifesto que os enunciados que descrevem e usam um conceito não podem (em absoluto ou perenemente) ser nem verdadeiros nem falsos, uma vez que a sua semântica se encontra irremissivelmente dependente da formação discursiva (episteme, no idiolecto foucaultiano) em que são gerados, a qual ao mesmo tempo servem para construir. Como o próprio autor resumiu: «There are two ways in which to criticize a proposal, doctrine, or dogma. One is to argue that it is false. Another is to argue that it is not even a candidate for truth or falsehood. Call the former denial, the latter undoing.» (2002: 57)[5].

Assim, este singular modo de resolução de problemas conceptuais envolve a historicização dos mesmos, isto é, a respetiva condução aos seus contextos epocais de aparecimento e transformação sucessiva; em jeito de slôgane, declara Hacking: «(…) a concept is nothing other than a word in its sites.» (idem: 17) [6]. Trata-se, claro, de um modo de filosofar que faz amplo uso da história. Desfazer um problema conceptual é, pois, demonstrar que ele é resultante de uma construção histórica e, por conseguinte, que é coevo de um discurso sempre situado e circunscrito.

Dois breves exemplos servir-me-ão de ilustração. O primeiro, dado pelo próprio autor, é o de que a própria ideia da Filosofia constituir uma actividade reflexiva organizada em torno de problemas, longe de corresponder a uma prática intrínseca à mesma, só nos alvores do século XX foi inventada, «(…) "the problem" as definitive of a mode of philosophizing was canonized in English around 1910 with titles by G. E. Moore, William James, and Bertrand Russell (…)» (idem: 12; cfr., também, p. 35).

O segundo, apreendi-o em Gorz (1988). Com efeito, nesse clássico da sociologia laboral contemporânea, o seu autor mostra como o conceito de “trabalho”, tal como hoje o entendemos, não é uma categoria antropológica, mas uma invenção da modernidade ou, mais especificamente, do capitalismo industrial e que perceber isso, isto é, que se trata de um fenómeno recente, de uma construção histórica, é uma condição sine qua non não somente para a sua inteligibilidade como também para superar os paradoxos nele implicados (25 e ss.).

2. A Ontologia Histórica.

2.1. Para além de Foucault.

A expressão “Ontologia Histórica”, que Hacking escolheu para designar o seu peculiar modo de fazer filosofia, tomou-a igualmente do já referido pensador francês; mais precisamente foi buscá-la ao conhecido artigo “Qu`est-ce que les Lumières?”, onde Foucault a cunhou e usou somente duas vezes para referir o processo de constituição de nós mesmos enquanto indivíduos, “a ontologia histórica de nós mesmos” (1984: 8-9), jamais tendo voltado a empregá-la.

Todavia, o filósofo canadiano afirmou que a sua Ontologia Histórica ou, melhor, a sua versão da mesma, representa uma generalização da do seu antecessor, porque não se limita a examinar a constituição de nós mesmos como indivíduos, mas, para além disso, todo o tipo de constituições (2002: 4), isto é, de novos conceitos, novas práticas e novas instituições que criam novos espaços de possibilidades para a escolha e a ação humanas. Ele definiu-a da seguinte maneira:

«Historical ontology is about the ways in which the possibilities for choice, and for being, arise in history. It is not to be practiced in terms of grand abstractions, but in terms of the explicit formations in which we can constitute ourselves, formations whose trajectories can be plotted as clearly as those of trauma or child development, or, at one remove, that can be traced more obscurely by larger organizing concepts such as objectivity or even facts themselves. Historical ontology is not so much about the formation of character as about the space of possibilities for character formation that surround a person, and create the potentials for “individual experience”.» (idem: 23).

Em termos talvez mais simples: a Ontologia Histórica hackinguiana indaga a emergência não somente de conceitos e objetos em novos usos dados a palavras e frases em contextos específicos, mas também de novos padrões ou estilos de raciocínio inerentes a essas palavras e frases. Exemplos do primeiro caso são os conceitos de “probabilidade”, de “acaso”, de “abuso de crianças” e de “doença mental transitória”, que o filósofo canadiano explorou em The Emergence of Probability (1975), The Taming of Chance (1990), “World-making by Kind-making: Child Abuse for Example” (1992), Mad Travellers. Reflections on the Reality of Transient Mental Illnesses (1998), respetivamente. Estas quatro noções entram na categoria do que Hacking chamou “conceitos organizadores” (organizing concepts) (Hacking 2002: 18, 22), ou seja, que servem para coligar e estruturar determinadas ações, juízos e narrativas sobre elas.

Este modo de filosofar encerra dois momentos básicos. O inicial, que exige trabalho paciente de busca numa ampla variedade de tipos de sítios, das frases em que as palavras perquiridas são efetivamente (não potencialmente) usadas, procurando, ao mesmo tempo, no que concerne aos autores das mesmas, determinar com que autoridade as proferem, em que cenários institucionais, para influenciarem quem e com que consequências para eles. O seguinte que envolve a conjunção de raciocínio, imaginação e argumentação para habilmente sobrepujar a complexidade os factos coligidos e encontrar-lhes uma ordem (Hacking: 2002, 17).

Por outro lado, Hacking asseverou que em muitos aspetos a sua Ontologia Histórica é bastante mais limitada que a de Foucault, porque lhe «(…) lacks the political ambition and the engagement in struggle that he intended for his later genealogies.» (idem: 5), sendo «(…) more reminiscent of his earlier archaeological enterprises.» supra referidos.

2.2. Para além da Epistemologia Histórica.

O filósofo norte-americano clarificou ainda a relação entre o seu modo próprio de fazer Filosofia e a chamada “Epistemologia Histórica”. Gingras (2010) argumentou vigorosamente que esta expressão originalmente cunhada “Épistémologie Historique” «(…) is a label that clearly identifies a French tradition in epistemology [onde sobressaem Gaston Bachelard e George Canguilhem] where reflections on the nature of science is done in close relation with the analysis of historical cases.» (3) foi incorretamente apropriada pelas figuras fundacionais do Max Planck Institut für Wissenchaftsgeschichte (MPIWG), Lorraine Daston e Jürgen Renn, em meados da década de 1990, quando escolheram a designação “Historical Epistemology” para um novo programa de investigação resumido nas palavras da primeira como pretendendo levar a cabo «(…) the history of categories that structure our thought, pattern our arguments and proofs, and certify our standards of explanation.» (Daston, 1994 : 282).

Ora, segundo Hacking, a Epistemologia Histórica, assim definida, lida com conceitos que usamos para organizar domínios de pesquisa e de saber tais como “conhecimento”, “crença”, “objetividade”, “racionalidade”, “argumentação”, “demonstração”, “facto” e “verdade”, que, por serem muito gerais, tendemos a pensar neles «(…) as free-standing objects without history, Plato`s friends.» (Hacking, 2002: 8), mas que, sob estudo aprofundado, se percebe possuírem “memórias” e que a sua correcta análise «(…) requires an account of its previous trajectory and uses.» (ibidem).

O que Hacking, no entanto, contesta é que a linha de pesquisa encetada no MPIWG há mais de década e meia detenha o estatuto de uma epistemologia, seja no sentido de constituir uma busca dos fundamentos do conhecimento, seja no sentido de intentar uma análise e uma avaliação de teorias do conhecimento já formadas. No seu entender, seria mais apropriado considerá-la uma meta-epistemologia, dado que estuda conceitos que desempenham determinados papéis no pensamento sobre o conhecimento e a crença, como se se tratassem de objetos evolutivos e cambiantes, isto é, examinando as suas trajetórias históricas (idem: 10). Corolariamente, então, afirmou: «Historical meta-epistemology, thus understood falls under the generalized concept of historical ontology (…)» (idem: 9).

Enfim, pode dizer-se que a Ontologia Histórica de Hacking, por um lado, assume da Arqueologia do Conhecimento foucaultiana a paixão pelos factos, a atenção às formações discursivas e às suas transformações, algo que implica prestar atenção às descontinuidades epistémicas e que, por outro lado, almejando uma maior abrangência e radicalidade que a Epistemologia Histórica elaborada no MPIWG, nomeadamente porque estende a lógica das condições de possibilidade históricas a conceitos não somente epistemológicos, incluindo os meta-epistemológicos, ela mesma constantemente se sujeita a reestruturações, o que significa, noutros termos, que não representa uma instância da clássica ontologia perene, antes uma ontologia historicizada, onde o que conta como verdadeiro e real sucessivamente se renova e reconfigura. E pode dizer-se, em suma, que de modo algum ela visa constituir-se como o modo correto de fazer Filosofia, mas tão-somente como um modo fecundo de o conseguir, indo à raiz histórica dos problemas conceptuais de que este saber tipicamente se ocupa.

3. Um exemplo: a teoria dos estilos de raciocínio científico.

Um dos objetos privilegiados da Ontologia Histórica hackinguiana, é constituído pelos denominados estilos de raciocínio, o estudo da sua formação e desenvolvimento. Recorrendo às suas próprias palavras,

«Understanding the sufficiently strange is a matter of recognizing new possibilities for truth-or-falsehood, and of learning how to conduct other styles of reasoning that bear on those new possibilities. The achievement of understanding is not exactly a difficulty of translation, although foreign styles will make translation difficult. It is certainly not a matter of designing translations which preserve as much truth as possible, because what is true-or-false in one way of talking may not make much sense in another until one has learned how to reason in a new way. One kind of understanding is learning how to reason.» (Hacking, 2002: 171).

Que é, então, um estilo de raciocínio? Hacking indagou particularmente esta questão no campo particular das ciências. Fê-lo em vários textos publicados na década de 1980 – Hacking (1985), que condensa e revê Hacking [(1982) 2002] e Hacking (1983). Onde se encontra, porém, o tratamento mais maduro ou acabado que deu ao assunto é, porventura, no artigo intitulado “´Style` for Historians and Philosophers” ([1992] 2002). Continuou a desenvolvê-lo, na última década, sobretudo nos seminários que deu no Collège de France – cfr., e.g., 2003 – e numa série de conferências que proferiu na Universidade Nacional de Taiwan – cfr., e.g., 2007.

O conceito de “estilo de raciocínio científico”, como o próprio autor reconheceu, resultou por inspiração na noção similar cunhada por Alistair Cameron Crombie “estilo de pensamento científico” (style of scientific thinking) extensamente tratada no seu monumental Styles of Scientific Thinking in the European Tradition, publicado em 1994. Nesse ensaio, com efeito, o historiador da ciência inglês identificou seis instâncias dessa ideia equivalentes aos seis principais estilos de pensamento científico tornados manifestos até ao século XIX na tradição intelectual europeia, a saber: 1) o postulacional, estabelecido nas ciências matemáticas (gregas), para efetuar demonstrações dedutivas a partir de axiomas; 2) o experimental, desenvolvido para elaborar testes empíricos de controlo – mediante observação e medição – de postulados; 3) o modelacional, concebido para revelar propriedades desconhecidas de certos fenómenos através da construção de modelos analógicos com propriedades bem conhecidas; 4) o taxonómico, destinado à ordenação da variedade por comparação e classificação; 5) o estatístico, consistente na análise de regularidades em populações e no cálculo de probabilidades; 6) o genético, concebido para a derivação histórica do desenvolvimento de fenómenos naturais.

Todavia, vale assinalar que, quase seis décadas antes, Ludwig Fleck reivindicou em Entstehung und Entwicklung einer wissenschaftlichen Tatsache (1935), onde submeteu a análise a génese e a evolução do conceito de “sífilis”, que os factos científicos somente adquirem significado no âmbito do que chamou um “estilo de pensamento” (Denkstil) ou um “pensamento coletivo” (Denkkollectiv) – expressões empregues no próprio subtítulo da sua obra – pelo que, podemos considerá-lo, em certa medida, um precursor na abordagem de tal ideia. Um pouco estranhamente, só em Hacking (2001: 3) o autor admitiu a influência da noção desse epidemologista polaco na formação do seu conceito de “estilo de raciocínio científico”.

Há uma forte tendência para relacionar os estilos de raciocínio científico com os paradigmas kuhnianos. Ela deve ser, no entanto, reprimida, segundo Hacking, porque os primeiros, não apenas se aplicam a um campo de saberes mais amplo ou menos localizado que o dos últimos, como também, diferentemente destes, admitem mudanças cumulativas, no sentido em que o aparecimento de novos estilos de raciocínio não conduz necessariamente à supressão dos anteriores e, para além disso, possuem uma vigência temporal muito mais lata que os paradigmas (1985: 148-9). Mas, «Comparing “styles of scientific reasoning” to other catchphrases in circulation», acrescentou o autor, «I find it natural to lean less to Kuhn`s paradigms and more to Michel Foucault`s terms like “episteme” and “discourse”.» (idem: 149), na medida em que estas noções, particularmente a última, à semelhança da que propõe, referem domínios de conhecimento positivo específicos conformados por uma argumentação determinante da sua própria constituição.

Segundo Hacking, muito embora cada estilo advenha no decurso de um processo contingente que envolve «(…) little microsocial interactions and negotiations.» (2002: 188), ainda assim, acaba por autonomizar-se da sua própria história, convertendo-se em «(…) a rather timeless canon of objectivity, a standard or model of what it is to be reasonable about this or that type of subject matter.» (ibidem), um estatuto que, a prazo, deixa de ser problematizado e se torna amplamente reconhecido e confirmado.

Mas, para além desses aspetos atinentes ao modo como os estilos de raciocínio científico chegam à existência, Hacking atribuiu-lhes três caraterísticas fundamentais.

Desde logo que criem novidades ou possibilidades inéditas, nomeadamente, novos tipos de objetos, de proposições (ou modos de ser um candidato para a verdade ou falsidade), de leis, de classificações, de explicações (idem: 189).

Cingindo-nos aos dois primeiros elementos da lista – os mais elementares, no sentido em que os restantes, de algum modo, deles dependem –, temos, pois, que cada estilo de raciocínio científico funciona como condição de possibilidade para o ocasionar histórico de certos tipos de objetos e certos tipos de proposições. Porém, que quer isso exatamente dizer?

Quer dizer, por um lado, que, ilustrativamente, o estilo postulacional provocou o aparecimento de objetos abstratos, como sejam números fraccionários e polinómios, o estatístico de propriedades de populações, como média, mediana e moda, o taxonómico de unidades classificatórias como género e espécie.

E significa, por outro lado, que tais estilos segregam um discurso sem precedentes, composto por tipos de proposições indizíveis e inaudíveis até à sua gestação, precisamente porque os modos a eles acoplados de determinar a sua verdade-ou-falsidade, conditio sine qua non da sua entrada em existência, são incubados na/com a génese dos próprios estilos. Não pretendeu, assim, Hacking trivialmente sustentar que certas classes de enunciados apenas principiam a ser formulados formuladas numa determinada época ou a partir dela, mas, mais radicalmente que elas adquirem um estatuto proposicional somente quando outorgado por um estilo de raciocínio ou, o que dá no mesmo, apenas após a sua formação histórica e em consequência dela. Exemplos seus seriam os seguintes: “a soma de quaisquer dois lados de um triângulo é maior que a do terceiro lado” – proposição 20 do primeiro livro dos Elementos de Euclides (cfr. Kline, 1992: 95) – que não poderia ter sido enunciada antes do século sexto a.C., altura em que o estilo postulacional surgiu; “as evidências actuais de expansão do universo sugerem que no futuro ele se contrairá até atingir um ponto singular” – formulação da conjetura do padre-astrónomo belga Georges Lemaître, apelidada de hipótese do átomo primitivo, mais tarde rebatizada e popularizada como hipótese do “Big Bang”, base da cosmologia contemporânea, insuscetível de articulação até ao século XIX, período de formação do estilo genético (cfr. Singh, 2004: 156 e ss.).

Tal, como parecerá óbvio, implica que a maior parte das proposições no domínio das ciências se encontre subordinada a um estilo de raciocínio particular e, por isso, que o seu valor semântico não possa ser determinado nos termos de uma teoria da verdade como correspondência independente de e transversal a todo e qualquer estilo de raciocínio. Mas não implica, em contrapartida, que o efetivo valor de verdade ou falsidade dessas proposições seja estabelecido pelo estilo do qual dimanam, uma vez que ele se limita a definir quais dentre elas possuem “positividade”, ou seja, são dotadas da possibilidade de serem verdadeiras-ou-falsas, mas, antes, por intermédio da sua contrastação com o próprio mundo.

Uma segunda caraterística dos estilos de raciocínio científico, corolária, em parte, da anterior, respeita ao seu processo de fundamentação que, segundo Hacking, se processa em regime de auto-autenticação (self-authentication), ou seja, com cada estilo a decretar os seus próprios critérios de legitimidade e objetividade; nas suas palavras:

«The truth of a sentence (of a kind introduced by a style of reasoning) is what we find out by reasoning using that style. Styles become standards of objectivity because they get at the truth. But a sentence of that kind is a candidate for truth or falsehood only in the context of the style. Thus styles are in a certain sense “self-authenticating”. Sentences of the relevant kinds are candidates for truth or for falsehood only when a style of reasoning makes them so.» (2002: 191).

Hacking reconhece que esta ideia se encontra exposta à acusação de circularidade: só tomamos conhecimento de que determinados enunciados possuem um estatuto proposicional, são verdadeiros-ou-falsos, em razão da via, do estilo, que seguimos para o descobrirmos e sabemos que tal via, tal estilo, goza de correção, apenas porque nos conduz à descoberta da verdade-ou-falsidade dessas mesmas proposições. Todavia, o sofisma é mais aparente do que real, segundo ele, esvaecendo se deixarmos de pressupor a necessidade, por um lado, da existência de verdades originais, no seio do mundo, anteriores a e independentes de quaisquer estilos de raciocínio e, por outro lado, do surgimento destes se apresentar subordinado ao preciso propósito de trazer à enunciação, por assim dizer, tais verdades ônticas, passando alternativamente a admitir uma espécie de colusão justificativa radicada na simultânea origem e mútuo ajuste entre cada estilo de raciocínio como determinante das condições de verdade-ou-falsidade de certos enunciados e da fixação do efetivo valor semântico destes como confirmação da autenticidade daqueles. Por isso, concluiu:

«The apparent circularity in the self-authenticating styles is to be welcomed. It helps explain why, although styles may evolve or be abandoned, they are curiously immune to anything akin to refutation. There is no higher standard to which they directly answer.» (idem: 192).

A terceira caraterística dos estilos de raciocínio científico digna de reparo, estreitamente conectada à anterior, é a que concerne ao facto deles metabolizarem as suas próprias técnicas de auto-estabilização. São elas, aliás, de acordo com Hacking, que melhor os definem, porquanto afirmou: «Each style persists, in its peculiar and individual way, because it has harnessed its own techniques of self-stabilization. That is what constitutes something as a style of reasoning.» (idem: 194). Tais técnicas correspondem a procedimentos teórico-práticos destinados a assegurar a constância e a permitir a acumulação do conhecimento sobre os objetos próprios de um estilo. Elas afiguram-se, em princípio, bastante mais duradouras e muito menos atreitas a sofrerem alterações do que os respetivos conteúdos – o acervo de proposições positivas – a que se aplicam, mas, dado o seu frequente elevado grau de ajustamento recíproco, a tendência manifesta parece ser para ambos conservarem excecional invariância e estabilidade. E, por conseguinte, a inventariação e o escrutínio das técnicas idiossincrásicas de cada estilo, assim como o exame dos específicos modos como providenciam conhecimento estável e se tornam estalões de objetividade, constituiria a substância, segundo o autor, de uma disciplina que poderia justamente ser batizada de “Tecnologia Filosófica” (philosophical technology) (idem: 198).

Depreende-se do que foi dito que os estilos de raciocínio científico ou, melhor, a sua coexistência, consagra uma forma de relativismo. Sendo isto certo e assumido por Hacking, procurou ele, contudo, mostrar que se trata de um relativismo com peculiares caraterísticas, um “Anarco-Racionalismo” (Anarcho-Rationalism) como pretendeu designá-lo. Para o apreciarmos claramente, todavia, temos de contrastá-lo com a sua antítese, o denominado “Arqui-Racionalismo” (Arch-Rationalism).

Este último posicionamento epistemológico, de acordo com o autor, sustenta, em essência, e algo paradoxalmente, que muito embora os distintos tipos de raciocínio conhecidos se tenham vindo a revelar no devir histórico em diferentes momentos, esta sua marcha não conduziu ao seu relativismo, mas antes ao respetivo progresso convergente (idem: 150-1).

Numa estratégia argumentativa ousada, Hacking tentou demonstrar, em contrapartida, que as sementes de relativismo epistémico foram cultivadas no seio da tradição filosófica positivista, em aparência a mais proeminente expressão de Arqui-Racionalismo.

Retomando a convicção de Auguste Comte de que «(…) a branch of knowledge acquires a “positivity” by the development of a new, positive, style of reasoning associated with it.» (idem: 152), Hacking alvitrou que essa proposta fosse interpretada como sinónima de posse de um conjunto de proposições positivas, ou seja, «(…) propositions that are up for grabs as true-or-false.» (ibidem). Dito de outro modo, entendeu que no conceito comtiano de “positividade” se encontra antecipada uma caraterística fundamental de um “estilo de raciocínio científico”, nomeadamente a de ele estabelecer um novo tipo de proposições cujo valor de verdade/falsidade apenas pode ser decidido no seu âmbito.

Em continuação, repescou a conhecida máxima de Moritz Schlick, um dos consabidos pais fundadores do Positivismo Lógico, de que “o significado de um enunciado reside no seu método de verificação”, para mostrar que, da sua articulação com o conceito de “positividade” do pensador francês oitocentista pode resultar a ideia de que o caráter proposicional de um enunciado é determinado pelo estilo de raciocínio que delimita a sua verificabilidade (ibidem).

Por último, recuperou a conclusão de Michael Dummet de que não existe qualquer modo efetivo de apurar se um enunciado é proposicional, ou seja, verdadeiro-ou-falso, uma vez que o estabelecimento da sua bivalência só pode ocorrer por intermédio do seu significado e este é fixado no interior de um estilo de raciocínio (idem: 153).

Assim, sintetizou Hacking, isso significa que sendo a positividade consequência de um estilo de raciocínio, é este mesmo que cria a gama de possíveis enunciados candidatos a serem verdadeiros ou falsos; ou, de outro modo, que, embora o efetivo apuramento de quais proposições são verdadeiras e quais são falsas dependa de dados, ainda assim o facto de elas possuírem essa natureza resulta de um gesto histórico. Mas quer dizer, também, que, inversamente, a suposta racionalidade de um estilo de raciocínio, o poder que detém, por assim dizer, de decretar a verdade/falsidade de uma classe de proposições, parece insubsumível a uma crítica independente, simplesmente porque ela é completamente interna a ele mesmo (idem: 155).

Este relativismo, ao qual, todavia, a concepção hackinguiana dos estilos de raciocínio científico não pode nem pretende subtrair-se é, como disse, original e segundo o autor, sinónimo do que apelidou – não ocultando a sua ressonância feyerabendiana – um Anarco-Racionalismo, recapitulável nas seguintes cinco asseverações:

«1. There are different styles of reasoning. Many of these are discernable in our own history. They emerge at definite points and have distinct trajectories of maturation. Some die out, others are still going strong.

2. Propositions of the sort that necessarily requires reasoning to be substantiated have a positivity, a being true-or-false, only in consequence of the styles of reasoning in which they occur.

3. Hence many categories of possibility, of what may be true or false, are contingent upon historical events, namely the development of certain styles of reasoning.

4. It may then be inferred that there are other categories of possibility other than have emerged in our own tradition.

5. We cannot reason as to whether alternative systems of reasoning are better or worse than ours, because the propositions to which we reason get their sense only from the method of reasoning employed. The propositions have no existence independent of the ways of reasoning toward them.» (idem: 162).

Sobressaem, assim, neste enfoque, duas coisas: (a) uma redefinição do significado da objetividade científica – das condições exigíveis para a construção de proposições objetivamente verdadeiras/falsas respeitantes a um domínio de coisas estabelecido – proposto, doravante, não como determinável independentemente dessa espécie de molduras macro-epistémicas que constituem os estilos de raciocínio, mas, antes, como inapelavelmente gerado no e circunscrito ao seu âmbito; (b) um desfazer da visão da racionalidade científica como una e singular, abstrata e imutável, universal e absoluta, prontamente contrabalançada pela sua reconstrução como diversa e plural, contingente e evolutiva, particular e relativa, ou seja, como composta por um número cambiante de estilos de raciocínio, singrando historicamente cada qual, por auto-justificação e todos eles, sem uma instância externa de justificação ou de meta-justificação, apenas orientado, tal entendimento alternativo da racionalidade científica, por um princípio não normativo que somente estipula «(…) tolerance for other people combined with the discipline of one`s own standards of truth and reason.» (idem: 164).

 

Referências

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Notas

[1] Este filósofo menos conhecido entre nós, após ter realizado os seus estudos de graduação em Matemática e Física na Universidade de British Columbia, no seu país natal (1954-6) e em Ciências Morais na Universidade de Cambridge, Inglaterra (1956-8), doutorou-se em Filosofia, com apenas 26 anos, nesta mesma última instituição académica britânica. Lecionou em diversas universidades, incluindo naquelas em que se formou, assim como no Colégio Universitário Makerere no Uganda e na Universidade de Toronto, onde veio a tornar-se professor emérito em 2005. Os seus contributos intelectuais mais significativos ocorreram inicialmente nos domínios da Lógica, da Estatística e Probabilidades e da Filosofia das Ciências Naturais, onde publicou os hoje incontornáveis Logic of Statistical Inference (1965), The Emergence of Probability (1975) e Representing and Intervening (1983), e, mais recentemente, no da Filosofia das Ciências Sociais e Humanas, onde sobressaem Rewriting the Soul: Multiple Personality and the Sciences of Memory (1995) e The Social Construction of What? (1999).

[2] Acrescente-se que Hacking foi o primeiro anglófono a ser eleito, em 2001, para a prestigiada cátedra "Philosophie et histoire des concepts scientifiques" no Collège de France, originalmente detida por Foucault, que ocupou até 2006.

[3] Na nossa língua, o verbo “observar” não somente é sinónimo de “ver” como o é também de “atentar” e “cumprir”; assim sendo, “observar os factos” significa prestar-lhes atenção e obedecer-lhes.

[4] Parece ser, com efeito, a Arqueologia do Conhecimento foucaultiana, mais que a sua Genealogia dos Saberes que inspira Hacking. Recorde-se que a primeira tem por objeto o estudo dos discursos, eles mesmos, entendidos como práticas subordinadas a certas regras, atentando sobretudo na especificidade dos que são particulares e na irredutibilidade dos conjuntos de regras que os governam, e que reivindica que as crenças e as enunciações dos pensadores individuais são determinadas por estruturas conceptuais que se lhes encontram subjacentes num determinado período.

[5] Em termos bastante similares, Bourdieu (2008) afirmou que os «(…) falsos problemas socialmente constituídos como verdadeiros, em especial pela tradição filosófica (…)» (18), são muito difíceis de desfazer, porque «(…) não basta mostrar ou até demonstrar que um problema é um falso problema para fazê-lo desaparecer.» (ibidem).

[6] Tais sítios são, fundamentalmente, as frases em que a palavra é atualmente (não potencialmente) usada e aqueles que as proferem (com que autoridade, em que cenários institucionais, para influenciarem quem, com que consequências para eles enquanto oradores).