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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.26 no.1 Braga  2012

 

O Português Europeu e a colocação dos pronomes átonos

European Portuguese and the position of clitic pronouns

Maria de Fatima Vieira*

*Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas. Rio de Janeiro, Brasil.

fatima_ufrj@yahoo.com.br

 

RESUMO

A presente investigação versa sobre a colocação dos pronomes átonos em relação a um e a mais de um constituinte verbal, tendo como foco a modalidade oral do Português Europeu popular a partir de um conjunto de registros do fim do século XX. De cunho variacionista (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1994), a atual pesquisa, que busca sistematizar os parâmetros da ordem dos clíticos pronominais (KLAVANS, 1985), determina as variáveis linguísticas e extralinguísticas que se mostram relevantes em contextos com um e mais de um verbo. Para tanto, observa as ocorrências pré-verbal (Não se faz) e pós-verbal (Faz-se), em relação às lexias verbais simples, bem como as variantes pré-complexo verbal (Não se pode fazer), intra-complexo verbal (Pode-se fazer) e pós-complexo verbal (Pode fazer-se), nas estruturas com mais de uma forma verbal. O estudo conta com dados do Português Europeu extraídos do corpus CORDIAL-SIN, que contém registros orais da fala de informantes não escolarizados do final do século XX, coletados de diversas regiões de Portugal. Com o auxílio do instrumental técnico-computacional GOLDVARB-X, analisam-se sociolinguisticamente as ocorrências coletadas no material. Vale ressaltar que o presente trabalho colabora para a ampliação dos estudos referentes à colocação dos pronomes átonos, já que não só confirma resultados de pesquisas anteriores (Vieira, 2002), como tambémacrescenta informações a respeito dos padrões de uso do Português Europeu popular, ao determinar o condicionamento linguístico e extralinguístico das estruturas sob análise.

Palavras-chave: Colocação Pronominal, Sociolinguística, Cliticização, Português Europeu.

 

ABSTRACT

The present investigation concerns about object clitic pronouns positioning in relation to single word verbs and compound ones, keeping its focus on the oral modality of popular European Portuguese, departing from a set of records collected at the end of the twentieth century. Variationist nature (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968, LABOV, 1972, 1994) of the current research, which aims at providing information about the parameters of the clitic pronouns order (KLAVANS, 1985), determines linguistic and extra-linguistic variables that turn out to be relevant in contexts with single or compound verbs. For this purpose, pre-verbal (Não se faz) and post-verbal (Faz-se) occurrences, with single word verbs, as well as the variants pre-verbal complex (Não se pode fazer), intra-complex verbal (Pode-se fazer) and post-verbal complex (Pode fazer-se), in structures with more than one verbal form, have been observed. The study is supplied with European Portuguese data extracted from the corpus CORDIAL-SIN, which contains oral records produced by unschooled informants from several regions of Portugal, by the end of the twentieth century. With the assistance of the techno-computational program GOLDVARB-X, occurrences collected from the material have been sociolinguistically analysed. It's worth enhancing that the current work contributes to amplify the studies regarding object pronouns positioning, once it does not only confirm previous results (VIEIRA, 2002), but also aggregates further information respective to the usual pattern of popular European Portuguese, as it determines linguistic and extra-linguistic restrictions of the structures under analysis

Keywords: Pronominal order, Sociolinguistic, Cliticization, European Portuguese.

 

1- Introdução

O presente artigo tem como principal objetivo o estudo sociolinguístico da colocação dos pronomes oblíquos átonos na modalidade oral popular dialetal do Português Europeu (PE). Para tanto, observa-se o comportamento dos clíticos pronominais em entrevistas produzidas no final do século XX por indivíduos não escolarizados. Consideram-se estruturas com um e mais de um verbo, as quais serão chamadas, doravante, respectivamente, de lexias verbais simples e complexos verbais.[1]

No que se refere às lexias verbais simples, os dados que serão analisados poderão aparecer em próclise (Não se vive melhor aqui) ou ênclise (Vive-se melhor aqui).[2] Em relação aos complexos verbais, os dados poderão ocupar as seguintes posições[3]: pré-complexo verbal (Não se pode viver melhor aqui); intra-complexo verbal (Pode-se viver melhor aqui); e pós-complexo verbal (Pode viver-se melhor aqui).

De cunho variacionista, a investigação inscreve-se no arcabouço teórico-metodológico da Sociolinguística Variacionista, de orientação laboviana (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1994) e na proposta de parâmetros de cliticização (KLAVANS, 1985).

Klavans (1985) propõe categorizar as línguas do mundo segundo parâmetros de cliticização. Assim, a fim de investigar a natureza da dependência do clítico com seu hospedeiro, a autora (1985:97-98) propõe que atuem de forma independente os componentes sintático e fonológico, de modo que o hospedeiro sintático não precise ser necessariamente o hospedeiro fonológico do pronome átono. Dessa forma, os pronomes átonos podem estar ligados sintaticamente a um hospedeiro e fonologicamente a outro, o que permite, dado o recorte epistemológico proposto, o foco específico no componente sintático que se apresenta neste artigo.

Do arcabouço teórico-metodológico da Sociolinguística Laboviana, também chamada de Sociolinguística Quantitativa, ou Teoria da Variação e Mudança, adota-se o pressuposto geral de que o fenômeno da variação – que precede necessariamente o da mudança linguística – se dá em todos os sistemas linguísticos de modo não arbitrário. Em outras palavras, a variação é inerente à língua e não ocorre aleatoriamente, uma vez que variáveis do tipo linguístico e extralinguístico (des)favorecem o processo de variação e/ou mudança. Sendo assim, interessa fundamentalmente investigar o chamado problema das restrições linguísticas e extralinguísticas (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968) que puderam ser controladas.

Para o desenvolvimento da análise, foram coletados todos os dados de clíticos pronominais em lexias verbais simples e em complexos verbais produzidos por dois informantes (um homem e uma mulher) de dezesseis localidades do CORDIAL-SIN, corpus Dialetal para o Estudo da Sintaxe do Português Europeu.

As variáveis extralinguísticas que puderam ser estudadas, de acordo com as possibilidades oferecidas pelo corpus, foram a localidade e o sexo de cada informante. Levando-se em conta o sexo do informante e o número de inquéritos com 15 a 25 páginas disponíveis, foi possível considerar os dados de dois informantes de dezesseis localidades, dentre as quarenta e duas contempladas no CORDIAL-SIN, como pode ser observado no mapa a seguir:

 

 

Dentre essas localidades, foram coletados os dados de dois informantes[4] das dezesseis localidades, conforme se descreve abaixo:

8: MST - Monsanto (Castelo Branco) – Informantes: Amália e Ambrósio

11: OUT - Outeiro (Bragança) – Informantes: Astreia e Austrino

14: FIG - Figueiró da Serra (Guarda) – Informantes: Arnaldina e Apeles

15: ALV - Alvor (Faro) – Informantes: Aspácia e Ápio

21: PVC - Porto de Vacas (Coimbra) – Informantes: Cátia e Benedito

23: TRC - Fontinhas (Angra do Heroísmo) – Informantes: Celisa e Brás

26: LUZ - Luzianes (Beja) – Informantes: Clóe e Cirilo

27: FIS - Fiscal (Braga) – Informantes: Crescência e Confúcio

29: STJ - Santa Justa (Santarém) – Informantes: Deolinda e Danilo

32: GRJ - Granjal (Viseu) – Informantes: Ercília e Emanuel

33: CRV - Corvo (Horta) – Informantes: Filomena e Feliciano

35: MLD - Melides (Setúbal) – Informantes: Graciosa e Galeno

36: STA - Santo André (Vila Real) – Informantes: Hortense e Gotardo

38: CLH - Calheta (Angra do Heroísmo) – Informantes: Idalina e Heraclides

40: ALJ - Aljustrel (Beja) – Informantes: Iolanda e Herodiano

41: STE - Santo Espírito (Ponta Delgada) – Informantes: Isaltina e Idalécio

Mateus, Brito, Duarte, Faria e Frota (2003: 849-850) propõem para a variedade europeia, de forma geral, que “(...) a posição enclítica é o padrão básico, não marcado, e a posição proclítica é induzida por factores de natureza sintáctico-semântica ou prosódica.”

Acredita-se que a determinação dos fatores que efetivamente “induzem a posição proclítica”, bem como daqueles que favorecem/desfavorecem cada variante em contexto de complexos verbais, precisa estar fundamentada numa descrição das regras objetivas de uso. Deseja-se, portanto, por meio da presente investigação, colaborar para a descrição de uma variedade linguística ainda a ser bastante explorada no que diz respeito aos estudos sociolinguísticos.

Além do objetivo mais geral de expansão do conhecimento acerca da norma de colocação dos clíticos pronominais na modalidade oral do PE, pretende-se, também: (i) descrever, em dados orais contemporâneos, a variante mais produtiva das lexias verbais simples e dos complexos verbais no Português Europeu (próclise ou ênclise / pré-complexo verbal, intra-complexo verbal ou pós-complexo verbal), nos diversos contextos sintáticos, para que se possam estabelecer os parâmetros da cliticização pronominal do Português Europeu oral popular dialetal; (ii) identificar as variáveis linguísticas e extralinguísticas que determinam a opção por cada variante estudada; e (iii) verificar os elementos que funcionam, de fato, como elementos favorecedores da próclise, no caso das lexias verbais simples, e da variante pré-CV, no caso dos complexos verbais.

Algumas hipóteses gerais referentes à concretização do fenômeno foram postuladas inicialmente. Supõe-se, por exemplo, quanto à produtividade das variantes, que a ênclise, em relação às lexias verbais simples, seria a opção básica ou não marcada na fala dos portugueses, enquanto a próclise só seria utilizada em contextos morfossintáticos específicos, como propõem Mateus et alii (2003). No entanto, o que definirá a posição utilizada pelo falante será o contexto de ocorrência do clítico no corpus. Em relação aos complexos verbais, supõe-se que a variante intra-CV seria a mais produtiva, enquanto as variantes pré-CV e pós-CV seriam condicionadas pelo contexto morfossintático em que se inserem. A intra-CV poderia ocorrer com qualquer elemento antecedente ao clítico e com qualquer verbo principal. A pré-CV ocorreria apenas com elementos antecedentes que atraíssem o pronome átono e a pós-CV não poderia aparecer com o verbo principal no particípio, por exemplo. Ademais, os dados revelariam indícios de que o clítico em posição interna ao complexo se apresentaria apoiado na forma verbal auxiliar. No que se refere ao condicionamento do fenômeno, acredita-se que ao menos a natureza do elemento antecedente ao grupo clítico-verbo influenciaria na colocação dos pronomes oblíquos átonos nas lexias verbais simples e nos complexos verbais.

Em linhas gerais, a resposta às questões formuladas e o cumprimento dos objetivos propostos permitirão aferir se as descrições normalmente atribuídas ao PE se aproximam do uso verificado em variedades populares dialetais.

2. Análise dos dados

Nesta parte, encontram-se separados os resultados relativos às lexias verbais simples (2.1.) e os referentes aos complexos verbais (2.2.), tendo em vista que nestes foram encontradas três posições nos dados estudados (pré-cv, intra-cv e pós-cv) e naqueles apenas duas posições (próclise e ênclise). Vale destacar, ainda, que toda a análise se detém em restrições de natureza estrutural, visto que as duas variáveis extralinguísticas que puderam ser investigadas no corpus estudado – localidade e sexo – não foram selecionadas pelo programa GOLDVARB-X, o que evidencia que não são relevantes para o condicionamento do fenômeno no material investigado. Após a análise das lexias verbais simples e dos complexos verbais, a presente seção conta, ainda, com um breve comentário dos dados de interpolação (2.3.).

O GOLDVARB-X foi utilizado para o tratamento estatístico dos dados. Ele é responsável por fornecer o índice de aplicabilidade da regra variável de colocação pronominal, as frequências absolutas, os valores percentuais e os pesos relativos (índice estatístico que permite aferir o efeito de cada fator ponderado em relação à totalidade dos fatores) de cada contexto em relação às variantes do fenômeno estudado. Esse programa também seleciona, no caso de regras variáveis binárias (com apenas duas formas alternantes, como no caso das lexias verbais simples), as variáveis linguísticas relevantes em relação ao favorecimento de uma das variantes da regra variável, considerada como valor de aplicação.

Como não é possível realizar a rodada que seleciona as variáveis relevantes consoante pesos relativos, no programa Goldvarb-X, com a variável ternária/eneária – uma vez que as variantes desta não podem ser tratadas em conjunto –, optou-se por realizar a interpretação dos dados, no caso dos complexos verbais, fundamentalmente a partir dos resultados percentuais. Com os resultados obtidos das rodadas feitas pelo programa, pode-se: (i) verificar, em dados orais contemporâneos, a variante mais produtiva no Português Europeu em lexias verbais simples (pré-verbal ou pós-verbal) e em complexos verbais (pré-complexo verbal, intra-complexo verbal ou pós-complexo verbal), nos diversos contextos sintáticos, para que se possam estabelecer os parâmetros da cliticização pronominal do PE oral; (ii) identificar as variáveis linguísticas que determinam a opção pelas variantes pré-verbal, no caso das estruturas com uma só forma verbal, e pré-complexo verbal, no caso das estruturas com mais de uma forma verbal.

2.1. Lexias verbais simples

Encontra-se, nesta seção, a distribuição geral dos dados das variantes proclítica e enclítica nos contextos de lexias verbais simples. Em relação à colocação dos clíticos adjacentes a apenas uma forma verbal, foram encontrados 2.953 dados, sendo 1.033 em início absoluto de oração e/ou de período e 1.920 nos demais contextos.

Para melhor visualização e interpretação dos resultados, os dados em que os clíticos apareceram em início absoluto de oração e/ou de período – que por hipótese não apresentariam variação – foram separados na análise e serão apresentados no gráfico 1, enquanto os dados em que havia algum elemento antecedente ao clítico (demais contextos) serão mostrados no gráfico 2:

 

 

 

 

Nos contextos em que há algum elemento antecedente ao clítico, percebe-se que a diferença geral de produtividade entre as variantes proclítica e enclítica não foi significativa, sendo 52% dos dados em próclise e 48% dos dados em ênclise. Verifica-se, assim, que o que influencia a ocorrência de uma ou de outra variante é o contexto morfossintático em que o clítico aparece.

Será apresentada, nesta seção, a variável independente que se mostrou mais significativa para o condicionamento da colocação dos clíticos pronominais em lexias verbais simples, considerando-se como valor de aplicação a variante proclítica: “elemento antecedente ao clítico”[5].

Pode-se verificar, de acordo com o gráfico 3, que as partículas de negação, as preposições para, de, por e sem, os elementos de foco, elementos qu- em estruturas clivadas, as estruturas subordinativas e os advérbios são elementos favorecedores da variante proclítica. De outro lado, as preposições a e em, os SN sujeito, os sintagmas preposicionais antepostos, os elementos discursivos e as conjunções coordenativas desfavorecem a variante pré-verbal.

 

[6]

 

Vale destacar o forte favorecimento da próclise na presença das preposições para, de, por e sem (.97). Esse comportamento das preposições confirma em absoluto o que já foi atestado em Mateus et alii (2003), em que se advoga que há alguns casos particulares na ordem do clítico em frases não finitas e “o terceiro caso particular de colocação envolve o estatuto das preposições como atractores de próclise” (p. 863). As autoras ainda advertem que “a preposição a (...) não está marcada como atractor de próclise” (p.863).

A título de ilustração, pode-se observar, nos exemplos a seguir, o favorecimento da variante pré-verbal com as preposições[7] para, de, por e sem (como no exemplo 1, com para) e seu desfavorecimento com as preposições a e em (como no exemplo 2, com em):

(1) a. INF em volta da estopa e no fim metia entre a estopa […] e a correia para ficar preso, para se não soltar.

b. INQ Sim senhor. E era fivela que se dava? [FIS-Crescência-M]

(2) Fui eu que o criei. Tive-o mesmo em minha casa a criá-lo. O Estrabãozinho, fui eu que o criei. [GRJ-Ercília-M]

Também se mostrou fortemente atuante no condicionamento da variante proclítica a presença de elementos de foco (só, até, ainda e também). Percebe-se que sua atuação (.95) é maior do que a dos elementos subordinativos (.76). Para ilustrar a atuação de um desses elementos focalizadores, segue o exemplo 3:

(3) O tractor corta as pestanas às árvores. Os chocalhos, […] o gado, quando era de Inverno, as ovelhas soltavam-se às nove, dez horas, para não apanhar a maresia. Porque a maresia punha pieira e dava cabo das ovelhas. Só se soltavam no fim de enxugar. [STJ-Danilo-H]

Curiosamente, observa-se que as partículas de negação, os elementos qu- em estruturas clivadas e os elementos subordinativos, apesar de serem elementos “atratores” clássicos, também não registraram a próclise de maneira categórica; houve diversos dados em que o elemento antecedente ao clítico era um dos listados anteriormente e a colocação pronominal utilizada foi a enclítica, como se pode observar nos exemplos 4, 5 e 6, abaixo:

(4) Depois foi então lá uma rapariguinha que chamam-na a Etelvina – que é solteirona, coitadinha –, e foi-me atalhar com o azeite [...] [GRJ-Ercília-M]

(5) a.INQ2 Como é que é essa moída na máquina?

b. INF Moía, que é só torresmos. Tiro o torresmo da vasilha, aqueço […] e passo na máquina. E o meu marido faz sanduíches e gosta. E se sirvo-lhe assim inteiro, ele não gosta do torresmo. E moído, dá. Come. [CRV-Filomena-M]

(6) INF1 Cá da nossa costa, pois eu quase todos os peixes tenho apanhado. Às vezes, uma pessoa não vem-lhe à cabeça o que possa ser. [ALV-Ápio-H]

Em relação aos advérbios, verificou-se leve favorecimento à próclise (.53). Curiosamente, constatou-se que a forma é a responsável pela maioria dos dados em próclise. Dos 48 dados com essa variante, 32 têm como antecedente o advérbio , como demonstra o exemplo 7 a seguir:

(7) INF Não, mas […] isso é brincadeira. Às vezes, ainda está no começo e já vão e dizem: "Ah, já se está quase pronto que o rabo já veio"! […] Isso agora é uma brincadeira, porque a gente não escolhe e não põe assim no fundo. [CRV-Filomena-M]

Registrou-se, no entanto, certa oscilação no comportamento do advérbio . Apesar de a maioria dos dados que tem como antecedente esse advérbio realizar a variante proclítica, há dados enclíticos também[8].

Na presença dos demais advérbios encontrados no corpus, como depois, antigamente, cá, aqui, amanhã, aí e agora, a variante utilizada foi a enclítica. Destaca-se o fato de o advérbio depois ser o mais utilizado em todo o corpus. De 80 dados com advérbios realizando a variante enclítica, 59 têm como antecedente tal advérbio, como demonstra o exemplo 8:

(8) INF Se não gosta com o pimento, não deite. E depois de estar […] as sopas migadas, deita-se água, mexese muito bem e prova se está bom de sal. Depois deita-se o pão, que o pão já tem sal. Tem que provar é o caldo. Depois tapa-se ali um bocadinho. Depois serve-se. É o uso cá do Alentejo. [ALJ-Iolanda-M]

Pode-se constatar que a produtividade da forma adverbial depois se relaciona à natureza dos dados; no contexto de narração de fatos, comum no corpus, o entrevistado utiliza amplamente essa forma para a marcação da sequencialidade de episódios.

Os outros elementos analisados – sintagmas nominais sujeito, sintagmas preposicionais (complementos antepostos), elementos discursivos e conjunções coordenativas – desfavorecem a próclise, como se pode verificar nos exemplos 9 a 12, a seguir:

(9) Eu conheço aqui um rapaz em Outeiro". "Então, como é que se chama o rapaz"? "[…] Foi meu colega". "Chama-se Arcidres". "É meu filho"! Olhe, o senhor agarrou-se a mim, beijou-me ele e ela também. Mas eu, eu arrebentaram-me as lágrimas por ver ali seis crianças, seis crianças! A mais velha podia ter alguns –sei lá –, alguns doze anos – se os tivesse –, doze a treze anos. Todos pequenos! Metiam alegria aquelas criancinhas! [OUT-Astreia-M]

(10) a. INQ1 Portanto, quando se faz a, quando se faz a matança do porco, o, o porco é todo ele aproveitado?

b. INF Todo! Fazem-se as morcelas… Do sangue faz-se as morcelas […]. Depois o molho é o fígado e o coração, e mais carne; ele faz-se um molho de fígado. A carne dos pés e outra, faz-se chouriço. Depois é o lombo de porco, é a costeleta… É tudo aproveitadinho, menos o cabelo! [CRV-Filomena-M]

(11) INF […] Até a casa do imperador. Quando chega a casa do imperador, os bezerros quando chegam à porta, os criadores pegam na cabeça aos bezerros e eu vou buscar a coroa do Senhor Espírito Santo e, com o ceptro, eu benzo os bezerros todos. Quer dizer, faço-lhe uma cruz na testa – não é? – e em cima […] da suã, depois vou arrumar e vai-se arrumar os bezerros. Nessa altura, há ali também uma distribuição de pão e vinho a toda a gente. [TRC-Brás-H]

(12) a. INQ E depois de estar morto, o que é que fazem?

b. INF Depois fazem [aí] uma fogueira com palha e chamuscam-nos e rapam-nos com uma navalha. Depois de estarem chamuscados, rapam-nos. Põem-nos em cima de um banco, rapam-nos bem rapadinhos, depois abrem-nos, tiram-lhes as tripas [e penduram]… [OUT-Astreia-M]

De acordo com o gráfico 3, mesmo nos contextos que desfavorecem a variante proclítica, alguns casos de próclise também são registrados. A título de curiosidade, observem-se os exemplos da variante pré-verbal mediante a conjunção coordenativa (exemplo 13) e alguns SN sujeito (exemplos 14 a 19), fator que agrega elementos de natureza diferente, como se descreverá a seguir.

(13) a. INQ1 Não há nada mais grosso que a estopa?

b. INF Há o tasco. Depois, sabe o que nós fazíamos às vezes? […] Claro, sempre cai uma febra do linho ao estar a espadar, e se enche a fiteira… Olhe, a minha mãe […] fazia colchões até […] dos tascos. Claro, urdia com o linho mas, o tasco, aproveitava-o… E às vezes fazia os fiadeiros, até se juntava a mocidade a fazer fiadeiros… [OUT-Astreia-M]

(14) a. Ora, cá não há casas […] de esgoto. Não há casas de nada disso. É uns para aqui, outros para ali, para onde se escapam, ao esconderijo. E o homenzinho deu-lhe vontade – é assim mesmo, pois dá a todos – de ir dar de corpo, e vai num instante ao pé da igreja, escapa-se ali […] a um sítio esconderijo. E lá, depois, foi limpar […] – para lhe pedir licença –, vai limpar o rabito e enrodilha as suas urtigas. Nós lhe chamamos urtigas. Enrodilhou-as… O homem era manco, fugiu, ele fugiu, que: "Ai Jesus"! "Ai, que ervas aqui há"! [Risos]

b. INQ2 É a pouca sorte. [STA-Gotardo-H]

(15) a. INF Mas a ocasião da matança… Chegou a matança – não é? –, o dia da matança.

b. INQ Pois.

a. INF Vem […] o 'matachim', o matador dos porcos – o matador dos porcos. Chamou-se o pessoal. De manhã toca […] a porem-se à lareira, ao lume, logo de manhã, […] a matar, nós lhe chamamos matar o bicho. Toca a beber aguardente e a comer nozes ou figos ou bolachas. [STA-Gotardo-H]

(16) INF2 "Diga-lhe que entre, que entre"! Todos lhe davam já as cadeiras melhores, a puxarem-lhe a cadeira. [GRJ-Ercília-M]

(17) a. INQ Não é… Não davam às pessoas para?…

b. INF Davam. Davam às pessoas conhecidas. Meu sogro – Deus lhe dê o céu […] –, […] ele só receava era a dá-lo no outro dia. A gente levava metade do dia: "Olha [ele]! Olha uma postinha de peixe. Olha uma postinha"… Dava a toda a vizinhança e às pessoas conhecidas. [CRV-Filomena-M]

(18) INF1 E eles [a botarem] e eu com a pressa – era eu e a mãe que Deus tenha –, Deus Nosso Senhor me perdoe. Eu com tanta lide, toca a chamar – [e mesmo] agora, está aqui assim, assim o dentista, o tal, e um doutor assim, assim. Ai Jesus, o que me custou! "Mas vamos lá embora"! "[Tu sabes]"… Eles a meterem-se comigo porque foi um desafio que tivemos. [STA-Gotardo-H]

Como se pode observar, os exemplos registram a próclise mediante a conjunção coordenativa e – em apenas uma ocorrência –e alguns SN como nós, todos, aquilo, Deus e Deus Nosso Senhor. Em relação aos tipos de SN, destaca-se o fato de a maioria dos dados de próclise mediante sujeito (10 dos 19 dados) ser composta pelas estruturas do tipo Deus, em estruturas que podem ser consideradas optativas (como Deus me perdoe). Das formas nominais com próclise encontradas, o pronome todos é descrito, em gramáticas como a de Mateus et alii (2003:855), como proclisador: “quantificadores distributivos e grupais como todos, ambos e qualquer induzem próclise.”. Deve-se ressaltar, entretanto, que dados de próclise diante de pronomes como nós e aquilo surpreendem, visto que esses elementos não são citados como elementos atratores na variedade europeia do Português.

2.2. Complexos verbais

Em todo o corpus analisado, há 444 dados com clíticos em complexos verbais com apenas um verbo auxiliar. Verificando-se o total de ocorrências, constatou-se que, em relação à forma do verbo principal, há 9 dados com o verbo principal no particípio, 51 dados no gerúndio e 384 no infinitivo. A tabela abaixo apresenta a distribuição do total de 444 dados de complexos verbais com apenas uma forma auxiliar de acordo com a variável dependente[9] e a forma do verbo principal – particípio, gerúndio ou infinitivo:

 

Tabela 1. Distribuição da variável dependente de acordo com a forma do verbo principal

Verbo Principal

Pré-CV

Intra-CV

Pós-CV

Total

Particípio

6 – 67%

3 – 33%

0 – 0%

9

Gerúndio

7 – 14%

42 – 82%

2 – 4%

51

Infinitivo

113 – 29%

213 – 56%

58 – 15%

384

Total

126 – 28%

258 – 58%

60 – 14%

444

 

De modo geral, observa-se que a variante intra-CV foi a mais produtiva em todo o corpus, com o total de 258 ocorrências. A segunda variante preferida foi a pré-CV, com 126 dados, e, por último, a pós-CV, com 60 ocorrências. Consoante a tabela 1, pode-se perceber, ainda, o comportamento nitidamente diferenciado dos complexos por forma do verbo principal. Enquanto as estruturas com particípio têm por opção preferencial a próclise ao complexo, as construções com gerúndio e infinitivo registram maior número de dados com a variante v1-cl v2. Os complexos com infinitivo evidenciam realmente a variabilidade do fenômeno nas três posições, enquanto as demais formas nominais não admitem (caso do particípio) ou admitem raramente (caso do gerúndio) uma das variantes, a v1 v2-cl.

A partir de agora, cada forma do verbo principal será analisada separadamente, em função das particularidades de cada estrutura. Vale ressaltar, ainda, que os resultados serão apresentados de acordo com a distribuição percentual e que o início absoluto de oração e de período não serão separados dos demais contextos, como se fez na análise das lexias verbais simples, tendo em vista o número reduzido de dados encontrados no corpus.

I) Complexos com particípio

Considerando os 9 exemplos com a forma do verbo principal no particípio, o gráfico 4 permite visualizar a distribuição das ocorrências por cada variante controlada.

 

 

Conforme se observa no gráfico, a variante pós-CV não ocorreu com o particípio, o que já era esperado, tendo em vista o caráter mais nominal dessa forma verbal. Nesse aspecto, os resultados condizem com a proposta das gramáticas tradicionais, que descartam a variante pós-CV com a forma participial.

Saliente-se que a quase totalidade dos dados com particípio se constrói com o auxiliar ter, tendo havido apenas um dado com o auxiliar ser em construção passiva. Quanto ao tipo de clítico, ocorreram as formas pronominais o, a, lhe, me e nos, o que impede qualquer comentário quanto ao padrão relativo à forma pronominal se.

Ressalta-se que a maior ocorrência da variante pré-CV (6 dados) pode ser explicada pela presença de algum elemento antecedente ao complexo verbal do tipo proclisador. A presença de partículas de negação e de estruturas subordinativas e clivadas, por exemplo, fazem com que a variante cl v1 v2 seja a mais utilizada, como se pode observar no exemplo a seguir:

(19) a. INQ E como é que se atalha a impingem?

b. INF1 Olhe: "[…] Impingem [rabiça], sai daqui". Se a gente tem comido, diz-lhe que ainda não comeu; e se a gente não tem comido, diz-lhe que já a tem comido. Porque eu já hoje… Por exemplo, eu ainda não tenho comido [GRJ-Ercília-M]

Verificou-se que, realmente, é a presença dos elementos supracitados que favorece essa variante. No entanto, há um exemplo em que, mesmo com a presença de elemento proclisador clássico (que) no contexto imediatamente anterior ao verbo, não ocorreu a variante pré-CV, mas a intra-CV. Ocorrências desse tipo corroboram o comportamento verificado nas lexias verbais simples: casos de ênclise em contextos com atrator:

(20) Uma senhora que lá vinha comigo, ali do Maxialinho, escorregou […] e deixou cair a cesta da louça. Já tanto trabalho que tinha-lhe dado e o dinheiro que ela tinha dado e escavacou tudo. Escavacou-se logo ali tudo! Depois estroncou uma perna. [PVC-Cátia-M]

Nos outros dois exemplos da variante intra-CV, como o que se segue, deu-se o comportamento esperado.

(21) a. INQ1 Mas elas perigam porquê? Ou tiveram uma queda, ficaram…

b. INF Não… Pode ser muito fácil uma queda. Eu uma ocasião tinha aqui uma, tinha aqui uma… No ano anterior tinha-lhe deitado bois porque ela dava muito leite; e depois vou abrir os regos a um meu vizinho, a saltar um portelo, saltar um portelo… [FIS-Confúcio-H]

A ausência de elemento proclisador antes do complexo verbal faz com que a variante pré-CV não seja concretizada. Com a impossibilidade de a posição pós-CV ocorrer, tendo em vista que se trata da forma verbal no particípio, a variante utilizada foi a intra-CV, aqui interpretada, consoante às tendências gerais do PE, como enclítica ao verbo auxiliar.

II) Complexos com gerúndio

O gráfico a seguir apresenta a distribuição dos 51 dados encontrados com a forma verbal principal do complexo no gerúndio:

 

 

Pode-se constatar que a variante menos produtiva nos complexos com gerúndio é a pós-CV (4%), com apenas 2 dados. Esse resultado não foi o esperado, pois a hipótese inicial era a de que não haveria qualquer ocorrência da variante v1 v2-cl com o gerúndio, tendo em vista a generalização proposta por Mateus et alii (2003:860):

Os complementos participiais e gerundivos de verbos auxiliares e os complementos infinitivos na construção de União de Orações representam os casos extremos de defectividade funcional, com Subida de Clítico obrigatória para todos os pronomes clíticos. (grifo nosso).

Enquanto os dados com verbos principais no particípio confirmam a proposta das autoras, como já se observou, os dados com verbos principais no gerúndio apresentam dois contraexemplos, quais sejam:

(22) a. INQ1 E a gemida é a que entrou no coiso.

b. INF E gemida é ao consoante […] da parreira. Geme-se. A gente vai gemendo-a assim com cuidado, com cuidado […] para não partir! [OUT-Austrino-H]

(23) a. INQ Sevete? O sevete era o quê?

b. INF Era engatado no cabo de trás da sebe, aqui, no cabo de trás. A gente quando queria descarregar o estrume, ou o milho – milho em maçaroca –,

a. INQ Pois.

b. INF quando vinha das terras a gente tirava-o […] e ia puxando-o. Depois engatava […] o cabeçalho por meio […] da canga dos bois, e empilhava o carro e aquilo descarregava tudo duma vez. [CLH-Heraclides-H]

Vale ressaltar que, nos dois exemplos com a variante pós-CV, o complexo verbal é ir + gerúndio e não há qualquer elemento proclisador. Por hipótese, o contexto morfossintático e o débil volume fonético dessas formas pronominais (constituídos de sílaba do tipo V – vogal) podem justificar a ocorrência da variante pós-CV. Por um lado, a variante pré-CV fica desfavorecida pela falta de elemento proclisador; por outro lado, a variante intra-CV seria desfavorecida em termos fonéticos, visto que a junção do verbo ir no presente do indicativo (vai) e no pretérito imperfeito (ia) com as formas o, a geraria uma construção sonora que, embora possível, não constituiria um padrão silábico prototípico do Português, já que contaria com três ou quatro sons vocálicos contíguos (Ex.: Vai-a gemendo / ia-o puxando). Obviamente qualquer hipótese relativa à natureza fonética do condicionamento mereceria uma investigação particular para ser cientificamente validada.

Em relação à variante pré-CV (14%), registraram-se apenas 7 ocorrências no corpus, como a exemplificada a seguir:

(24) INF Em vendo o dum vizinho e vem pousar ao meu, não sei se ele é meu, se não é. Agora para ser justamente, se o venho acompanhando, quase dou por ele. [STA-Gotardo-H]

Observou-se, em todos os exemplos, a presença de elemento que pode ser considerado proclisador no contexto anterior ao clítico, como a conjunção se (no exemplo anterior), o que, consoante a tendência da variedade europeia, justifica a ocorrência da variante cl v1 v2.

No que tange à variante intra-CV, a mais utilizada com o verbo no gerúndio, verifica-se que sua concretização se dá em 82% dos dados, o que equivale a 42 ocorrências. Para efeito de ilustração, observe-se o exemplo abaixo:

(25) a. INQ Mas a senhora diz 'blúsia'?

b. INF Pois, eu dizia… Agora já ninguém diz 'blúsia'. Ele disse, aquele dia: "uma 'blúsia'". E ela disse: "Anda cá. Então como é que se diz: é 'blúsia' ou é blusa"?

a. INQ Por falar em blusa, ainda bem que me fala nisso!

b. INF Eu vou-lhe descobrindo tudo. [STA-Hortense-M]

Ressalta-se que, em quase todos os exemplos encontrados no corpus, não se verificou qualquer elemento do tipo proclisador, o que constitui contexto desfavorecedor da variante pré-CV. Tendo em vista que a variante pós-CV não é favorecida pela forma do verbo principal no gerúndio, a variante intra-CV figura como a estrutura prototípica, preferencial nessa construção. O único contexto em que havia elemento antecedente ao clítico do tipo proclisador e em que se deu a colocação intra-CV está transcrito a seguir:

(26) a. INF2 […] A estrela da manhã?

b. INF1 A estrela da manhã nem em todos os tempos dá, nem em todos os períodos. Agora dá. Mas nem em todos os períodos dá a estrela da manhã. É como o cajado e o sete-estrelas. Eu tinha marcado. Parece-me que era a vinte e dois de São João que aparecia o cajado. E tinha marcado o período do antigamente […]. Mas agora já vai-me esquecendo. Sabia quando nascia o cajado e sabia quando nascia…[ALV-Ápio-H]

Verifica-se que, mesmo com a presença do elemento “atrator” , não houve a realização da colocação pré-CV, mas a v1-cl v2.

Ainda em relação à variante intra-CV, destaca-se que, mesmo com a presença de elementos intervenientes no complexo verbal, o clítico se encontra adjacente ao verbo auxiliar. Nos 5 exemplos com elementos intervenientes, como o que se segue, o clítico encontra-se no contexto anterior ao elemento interveniente, o que sinaliza que o padrão europeu de colocação dos pronomes é v1-cl v2, estando o clítico ligado ao verbo auxiliar.

(27) a. INF2 Eu parecia-me que ele que se escolhia que era antes de ir para o forno secar.

b. INF1 Não, mas também se escolhe antes de ir para o forno. Mas […] também estando muitos dias em casa, tem que escolher. E depois é então 'aventejado', joeirado e botado em bidões, e vai-se então tirando e fazendo, rodando ao moinho. [CLH-Idalina-M]

Em relação aos tipos de complexos verbais utilizados com a forma no verbo principal no gerúndio, a maioria dos dados é composta pela estrutura ir + gerúndio (43 das 51 ocorrências). Há apenas uma ocorrência com a forma vir + gerúndio, uma com a forma ficar + gerúndio e seis ocorrências com estar + gerúndio.

III) Complexos com infinitivo

Conforme já mencionado, a estrutura com o verbo principal no infinitivo é a mais produtiva – 384 dados – no corpus analisado. Para melhor visualização da distribuição das ocorrências pela variável dependente, observe-se o gráfico a seguir:

 

 

O gráfico registra um quadro variável nas três posições com a forma verbal no infinitivo, sendo a variante mais produtiva a intra-CV (56%), seguida da pré-CV (29%) e, por último, da pós-CV (15%). Verifica-se que a intra-CV foi a mais produtiva, pois a pré-CV ocorre quando há a presença de um elemento proclisador e a pós-CV não ocorre com o particípio e não é tão favorável com o gerúndio como verbos principais.

Como há maior quantidade de dados com essa estrutura, o estudo da colocação pronominal foi feito considerando-se a frequência dos fatores de duas variáveis linguísticas: (a) elemento antecedente ao clítico e (b) tipo de clítico.

a) Elemento antecedente ao clítico

 

Tabela 2. Distribuição das três variantes segundo o elemento antecedente ao clítico – complexos verbais no infinitivo[10]

Elemento antecedente ao clítico

Pré-CV

Intra-CV

Pós-CV

Total

Preposições para e de

7 – 100%

0 – 0%

0 – 0%

7

Elementos qu- em estruturas clivadas

40 – 87%

4 – 9%

2 – 4%

46

Partículas de negação

30 – 86%

3 – 8%

2 – 6%

35

Elementos subordinativos

17 – 77%

2 – 9%

3 – 14%

22

Advérbios

13 – 40%

11 – 33%

9 – 27%

33

Elementos de foco

3 – 37%

2 – 26%

3 – 37%

8

Conjunções coordenativas

2 – 4%

42 – 84%

6 – 12%

50

SN Sujeito

1 – 2%

38 – 73%

13 – 25%

52

Locuções adverbiais

0 – 0%

20 – 83%

4 – 17%

24

Elementos discursivos

0 – 0%

4 – 57%

3 – 43%

7

Início de oração e período

0 – 0%

87 – 87%

13 – 13%

100

Total

113 – 29%

213 – 56%

58 – 15%

384

 

Verifica-se que a variante pré-CV é mais produtiva – atingindo mais da metade dos dados – com as preposições para e de (100%), com os elementos qu- em estruturas clivadas (87%), com as partículas de negação (86%) e com os elementos subordinativos (77%). Com as preposições do tipo para e de, há apenas 7 dados e todos se encontram antes do complexo verbal. Para efeito de exemplificação, citam-se alguns dados com essas preposições:

(28) INF e tem dias certos de as ir levar e de as ir buscar. [CLH-Heraclides-H]

(29) a. INQ Semeava-se todos os anos?

b. INF Todos os anos. Agora […] tínhamos agora isto diferente de todo o mundo: as terras acolá, lá para cima, quando já não queriam produzir, nós íamos com os bois e os carros; ia-se buscar agora terra longe. […] A terra é pequena, mas lugares aí levar o dia para se ir buscar dez carradinhas de terra! Já viram os nossos carrinhos de bois aqui?

Com os elementos qu- em estruturas clivadas, as partículas de negação e os elementos subordinativos, a variante pré-CV é bastante produtiva, mas não é categórica, como era o esperado. Com essas estruturas, ocorreram 9 dados com a variante intra-CV e 7 com a variante pós-CV. Observem-se algumas dessas ocorrências a seguir:

(30) Eu tempero as panelas todas, provo e acho uma ou outra um pouco mais insonsa, já não vou-me temperá-la para as outras. Com uma concha, passo-as todas de uma para a outra, é uma mistura, e ao depois então torno a provar, porque [ele] pode haver uma que tenha um bocadinho de mais e outra que tenha de menos. [TRC-Brás-H]

(31) INF1 […] A gente, enquanto […] bago, chama-lhe carunha. Depois, desde que vai transformá-lo em vinho, desde que ele ferve e depois se tira o bagaço, então depois chama-se-lhe a grainha. Diz "é a grainha do"… [FIS-Crescência-M]

Destaca-se que, nesses dados, não há distância entre os elementos antecedentes ao clítico e o complexo verbal; assim, a ocorrência das variantes intra-CV e pós-CV nos exemplos supracitados evidencia que realmente não ocorreu o efeito proclisador dos referidos elementos.

Ressalta-se, também, que não parece ser o tipo de clítico o motivador das variantes intra-CV e pós-CV nos dados em que se esperava a variante proclítica, tendo em vista que se registram diversos tipos de clíticos.

De acordo com a tabela 2, constata-se que, com os advérbios, embora não haja mais de 50% de dados de cl v1 v2, ocorreu um pouco mais a variante pré-CV (40%) do que as demais (intra-CV = 33% e pós-CV = 27%). O fato de haver um número considerável de ocorrências da colocação anterior ao complexo verbal na presença de advérbios pode ser explicado pela presença do advérbio , que se comportou também nos contextos de lexias verbais simples como “atrator”, como demonstra o exemplo a seguir.

(32) a. INQ Não há nada a que chame estriga?

b. INF Estriga, depois eu já lhe vou dizer. Depois é assedado. [OUT-Astreia-M]

Vale destacar que, dos 13 dados com a variante cl v1 v2, dez têm como elemento antecedente o advérbio e três o . Todos os dados com estão proclíticos; com o advérbio , registra-se a mesma oscilação verificada nos contextos de uma só forma verbal, pois há dois dados que não estão com a variante pré-CV. Dessa forma, pode-se constatar que o advérbio atua às vezes como elemento proclisador e outras vezes não[11], enquanto o em todos os casos de complexos verbais se mostra como elemento proclisador.

Igualmente ao que ocorreu nas lexias verbais simples, o advérbio que não favoreceu a anteposição do clítico verbal ao complexo foi depois. Em todos os dados em que o elemento antecedente ao clítico era esse advérbio, deu-se a concretização da variante intra-CV ou pós-CV, como se pode observar nos exemplos 33 e 34:

(33) a. INQ1 Portanto, agora do… Eu vou-lhe perguntar assim os trabalhos que se fazem aqui ao longo do ano. Portanto, quem trabalha a terra, o que é que faz no mês de Janeiro ou Fevereiro ou Março?

b. INF A gente aqui é quase sempre o mesmo […] serviço que faz. A gente chega-se […] à altura […] da sementeira, faz a sementeira; depois faz a colheita […] lá para o mês de Outubro; depois chega-se a apanhar a azeitona, colhe-se a azeitona… [PVC-Benedito-H]

(34) E depois mais tarde quando as batatas nascem que estão a modo de sachar, eu sacho-as. Depois começo a dar-lhe sulfato. Se o tempo vai húmido, dá-se sulfato […] mais vezes, num intervalo mais pequeno; […] se vai mais seco, pode ser um intervalo maior. Vai-se andando […] até […] o ponto onde deixar de sulfatar. [CLH-Heraclides-H]

Com os elementos de foco (só, até, também e ainda), deu-se o mesmo número de ocorrências com as variantes pré-CV (3 dados) e pós-CV (3 dados). Houve apenas duas ocorrências com a variante intra-CV.

Em relação aos demais elementos antecedentes ao clítico, pode-se verificar que as conjunções coordenativas (4%), o SN sujeito (2%), os sintagmas preposicionais (0%), os elementos discursivos (0%) e o início absoluto de oração e de período (0%) não atuam no favorecimento da variante pré-CV. Nesses contextos, houve apenas 3 dados do clítico antes do complexo verbal. A variante mais produtiva com essas estruturas foi a intra-CV, seguida pela pós-CV.

Nas 100 ocorrências com o complexo verbal em início absoluto de oração e de período, não houve qualquer dado com a variante pré-CV, como era o esperado. Observem-se, a seguir, alguns exemplos desse contexto, com as variantes intra-CV e pós-CV:

(35) INF1 Depois, tira-se. Acabou-se de tirar, junta-se o bagaço todo, junta-se o bagaço todo… [OUT-Austrino-H]

(36) a. INQ1 Chama-se capacho?

b. INF Chamam-se capachos. E estão lá dois homens […] com os capachos [e ali] anda uma roda a andar e a massa a correr; chega a um certo ponto, fechou; […] põe nuns carros, que vai depois para a prensa; untouse outro, torna outra vez à roda; tirou-se aquele, torna a pôr-se, até que leva aí sessenta, ou setenta, ou noventa, ou aqueles que calhar – os capachos… Enchendo […] aquela quantia, […] põe-lhe a gente uma espécie dum prato […] de metal em cima… [OUT-Austrino-H]

Os exemplos apresentam o clítico pronominal no meio ou depois do complexo verbal, posições esperadas em início absoluto de oração e de período. Ao que tudo indica, as opções pelas posições interna ou posterior ao complexo verbal estão diretamente ligadas ao “tipo de clítico”.

b) Tipo de clítico

Na próxima tabela, pode-se averiguar a distribuição das três variantes de acordo com o tipo de clítico presente no complexo verbal:

 

Tabela 3. Distribuição das três variantes segundo o tipo de clítico – complexos verbais no infinitivo

Tipo de clítico

Pré-CV

Intra-CV

Pós-CV

Total

Formas contraídas

4 – 67%

2 – 33%

0 – 0%

6

Se apassivador

29 – 37%

49 – 63%

0 – 0%

78

Se reflexivo / inerente

9 – 32%

17 – 61%

2 – 7%

28

Se indeterminador

19 – 30%

42 – 67%

2 – 3%

63

me e nos

15 – 29%

34 – 67%

2 – 4%

51

te e lhe (s)

18 – 27%

38 – 57%

11 – 16%

67

o (s) e a (s)

19 – 21%

31 – 34%

41 – 45%

91

Total

113 – 29%

213 – 56%

58 – 15%

384

 

As formas contraídas registraram o maior índice da variante pré-CV (4 em 6 dados, 67%), tendo apresentado, ainda, duas ocorrências com a variante intra-CV. Deve-se atentar para a hipótese de que esse alto índice esteja relacionado à pequena quantidade de dados com essa estrutura. De qualquer forma, os exemplos demonstram que também as formas contraídas atendem o condicionamento da variável relativa à presença de elemento proclisador:

(37) INF […] E lá puseram mas depois, para começar a tecer, ninguém era capaz. Porque ela estava enfiada doutra maneira que enfiávamos nós. E eu entrei lá e disse assim: "Tem que ser assim". E é que fazia cruz para tecer e forte ficou. [Teci por aí assim] um bocadinho. Ela já me pediu que lha fosse a tirar. Mas eu não posso, não tenho vagar. Já há muitos anos que está lá aquilo, já estará por aí até podre. [OUT-Astreia-M]

(38) a. INQ1 O cartapaço é uma carapuça que se põe? De papel?

b. INF É. Há cartapaços muito lindos! Até os faziam das cartas de jogar, muito bonitos.

a. INQ1 Ah! Sim, sim.

b. INF Outras vezes, dum papelão bonito. […] Eu sei-lhos fazer os cartapácios. [OUT-Astreia-M]

Pode-se verificar que as formas pronominais apareceram antes do complexo verbal em contextos com a presença de elemento proclisador clássico (que), como no exemplo 37. No exemplo 38, em que não havia elemento antecedente ao clítico considerado como proclisador, a variante escolhida pelo informante foi a intra-CV.

No que tange aos demais tipos de clíticos, verifica-se que, de modo geral, a variante mais utilizada foi a intra-CV, seguida pela pré-CV e, por último, pela pós-CV. No que se refere à expressão das variantes pré-CV e intra-CV, os diversos pronomes – excetuando-se o, a – comportam-se de forma semelhante, com índices percentuais que distam no máximo em 10 pontos percentuais. Ao que parece, o uso de uma ou outra dessas variantes relaciona-se primordialmente à ausência (exemplo 39) ou à presença (exemplo 40) de elemento proclisador:

(39) a. INF2 Mas o alqueve é que se vai fazer no terreno.

b. INQ1 Pois. Portanto, mas também nunca dizia que ia alqueivar? Ou dizia-se que ia alqueivar?

a. INF2 Não. […] Vai-se fazer o alqueve, não é?

b. INQ1 Vai-se fazer o alqueve. [FIG-Apeles-H]

(40) INF Lá para diante. Lá no cabo lá da freguesia […]. Até a casa, ainda está lá uma nesguinha. Quando foi do abalo, avariou. E depois só estava cá a mãe – o marido já tinha morrido, que era o irmão da minha mãe, já tinha morrido e ela foi para a América, os filhos estavam todos na América, ela foi para a América… Ele morreu um agora há um ano. E eles vinham para cá, e iam ali – aqueles vizinhos, tinham muitos rapazes novos –, e a gente, já sabe, sempre se havia de entreter nalguma coisa. [CLH-Idalina-M]

Buscando observar o comportamento de cada pronome, verificaram-se algumas particularidades no que diz respeito aos clíticos o, a, e, em segundo plano (apenas no que se refere ao uso da pós-CV), às formas pronominais te e lhe.[12]

Somente os clíticos de terceira pessoa o (s) e a (s) concretizaram mais a variante pós-CV (45%) do que a intra-CV (34%). Observando-se os exemplos, pode-se averiguar que a posição proclítica é favorecida pela presença de elementos proclisadores e que a variante intra-CV possui um índice menor por causa da presença, em alguns tipos de complexos verbais, de elementos intervenientes, fazendo com que – possivelmente por razões fonéticas – esses pronomes favoreçam mais a variante v1 v2-cl. A título de ilustração, verifiquem-se os exemplos a seguir:

(41) a. INQ Quem deixa o milho na, na, no terreno, como é que faz à palha do milho?

b. INF […] Aquele que a não quer apanhar lá fica. [MST-Ambrósio-H]

(42) a. INF1 Não anda lá muito longe, não. Porque eu […] nasci completamente a baldear terras para semear arroz, para plantar.

b. INQ Pois, portanto já sabe isso tudo também.

a. INF1 Sei tratar dele, sei-o cozer e sei-o comer. [MLD-Galeno-H]

(43) INF A gente, porque aqui já é vinha, […] esta já é videira, eu fui a podá-la, podei-a, topa, topa, tem aqui uma vide, [OUT-Austrino-H]

Verifica-se que, no exemplo 41, há a realização da variante pré-CV mediante o elemento proclisador (que). No exemplo 42, o que ocorreu foi a variante intra-CV; ressalte-se que, nos dois dados desse exemplo, não há qualquer elemento interveniente, o que pode ter favorecido a ocorrência dessa variante. No exemplo 43, a variante preferida pelo informante foi a v1 v2-cl. Verifica-se que, nesse exemplo, há um elemento interveniente, fazendo com que a variante pós-CV tenha se concretizado, uma vez que, foneticamente, a variante intra-CV pudesse soar estranha.

Ainda que de forma menos produtiva, o pronome lhe(s) apresenta índice mais expressivo da variante v1 v2-cl (16%), o que pode sugerir seu favorecimento à variante pós-CV consoante esse resultado, favorecimento cujas motivações necessitam oportunamente ser aprofundadas.

Baseando-se no exposto acima, verifica-se que a colocação parece variar de acordo com o pronome encontrado no complexo verbal, particularmente no que se refere à ênclise ao complexo verbal. Ao que parece, os pronomes o(s) e a(s), em primeiro plano, e lhe, secundariamente, atuariam no condicionamento da variante pós-CV, fazendo diminuir os índices da variante intra-CV. Quanto ao se, destaca-se a possibilidade de a ênclise ao complexo estar relacionada preferencialmente aos casos de reflexivos/inerentes.

2.3. Breve comentário sobre os dados de interpolação

Como foram encontrados dados de interpolação no material investigado e alguns foram citados no decorrer do presente artigo, observaram-se, a título de curiosidade, todas as ocorrências de lexias verbais simples e de complexos verbais em que houve tal fenômeno para verificar os contextos de sua ocorrência.[13]

Mateus et alii (2003:866) trata da interpolação nos seguintes termos:

Outro traço que sobrevive no português europeu padrão moderno como resíduo de uma gramática antiga é a possibilidade de ocorrência do operador de negação frásica não entre um pronome proclítico e o hospedeiro verbal (...).

Este fenômeno, denominado interpolação, era generalizado no português antigo e clássico, podendo interpor-se entre a forma clítica e a forma verbal uma grande variedade de constituintes.

Constata-se que, segundo as autoras, a interpolação no Português Europeu padrão constitui resquício do passado e sobrevive apenas com a partícula de negação não. Elas destacam o fato de, no português antigo e clássico, poder ocorrer a interpolação com “uma grande variedade de constituintes”, ou seja, com elementos diversos e diferentes do operador de negação não.

No presente trabalho, foram encontrados 31 dados de interpolação nos contextos de lexias verbais simples e quatro nos de complexos verbais. Nas lexias verbais simples, a interpolação ocorreu mais produtivamente com pronomes, alcançando o total de 13 ocorrências. Os pronomes encontrados foram: eu (8 dados), ele (3 dados), ela (1 dado) e esta (1 dado). O segundo elemento com o qual houve um número significativo (dez ocorrências) de casos de interpolação foi a partícula de negação não. Os demais dados apareceram com advérbios (então, já, lá, agora, ontem e aqui) e um com locução adverbial (às vezes).

Nos contextos com os complexos verbais, como já foi mencionado, há quatro dados de interpolação: dois com a partícula de negação não, um com o advérbio e, ainda, um com o pronome ele maiso advérbio .

3. Considerações Finais

Em relação aos dados das lexias verbais simples, a atuação da variável elemento antecedente ao clítico revelou que as partículas de negação, as preposições para, de, por e sem, os elementos de foco, os elementos qu- em estruturas clivadas e os elementos subordinativos constituíram os principais favorecedores da variante proclítica. Vale lembrar que, em início absoluto de oração e de período, não houve qualquer ocorrência da variante pré-verbal, motivo pelo qual esses contextos foram separados dos contextos em que havia a presença de algum elemento antecedente.

Vale ressaltar, dessa forma, que o condicionamento da ordem dos clíticos pronominais em lexias verbais simples no corpus analisado é eminentemente linguístico. Saliente-se que as variáveis extralinguísticas investigadas – sexo e localidade – não se mostraram relevantes ao fenômeno, já que não houve a seleção desses grupos de fatores pelo programa.

No que se refere aos complexos verbais, em função do menor número de dados e por se ter privilegiado o fato de a alternância se dar de forma não binária, optou-se por interpretar os resultados percentuais das variáveis linguísticas investigadas, a saber: (i) elemento antecedente ao clítico e (ii) tipo de clítico.

Das 444 ocorrências, a maior parte ocorre com a forma verbal principal no infinitivo (384 dados), seguida pelo gerúndio (51 dados) e pelo particípio (11 dados). Considerando a totalidade das ocorrências, a variante mais produtiva no corpus foi a intra-CV, interpretada, nesta investigação, como ênclise ao verbo auxiliar, o que se fundamentou no fato de o clítico ficar adjacente a v1.

Confirmou-se, de modo geral, que não se dá a realização da variante cl v1 v2 nos contextos de início absoluto de oração/período, como se esperava, confirmando que a variedade europeia cumpre, de fato, o preceito de que pronomes átonos não podem figurar na primeira posição, tanto em lexias verbais simples, quanto nos complexos verbais.

No que tange aos dados com o verbo principal no particípio – quase todos com o auxiliar ter –, constatou-se que a variante mais utilizada foi a pré-CV, variante que, em todos os casos, contou com a presença de elementos “atratores”. Quando havia a ausência dessas estruturas, e em apenas um exemplo em que havia elemento proclisador, a posição intra-CV foi concretizada. De modo geral, pode-se ressaltar que o clítico sempre se encontra adjacente a v1 (configurando uma construção típica de subida do clítico) nos complexos verbais com particípio, antes ou depois dessa forma verbal consoante a atuação dos elementos proclisadores.

Os complexos com gerúndio – a maioria com o auxiliar ir – exibiram preferência pela variante intra-CV; a pré-CV foi concretizada, uma vez mais, mediante a presença de elemento proclisador, e a pós-CV foi realizada somente em dois dados (ambos com o clítico acusativo de 3ª pessoa o (s), a(s), o que pode estar relacionado a motivações fonéticas, o que demanda uma investigação específica). Ressalta-se, aqui, que, apesar de raros, esses dados contrariam a generalização proposta em Mateus et alii (2003), de que não se registraria essa variante nessa construção. Em linhas gerais, ressalta-se que, igualmente aos complexos participiais, os clíticos nos complexos com gerúndio se encontram, preferencialmente, ligados a v1.

Quanto aos diversos complexos com infinitivo, vale ressaltar que a variante intra-CV, a mais produtiva em todo o corpus, também foi a mais registrada nessas construções, com os variados tipos de clíticos (excetuando-se o, a, que aparecem mais comumente na posição enclítica ao complexo). A posição interna ao complexo é ainda mais favorecida na ausência de elementos proclisadores, com as formas verbais no particípio e no gerúndio, e na presença de elementos intervenientes. A respeito desses elementos, o estudo permitiu aferir que a posição prototípica da variante intra-CV no PE é adjacente a v1, configurando um caso de ênclise ao verbo auxiliar.

Em relação à variante cl v1 v2, verificou-se que alguns dos elementos antecedentes ao clítico a favoreceram fortemente, como as preposições para e de, os elementos qu- em estruturas clivadas, as partículas de negação e os elementos subordinativos. Dessa forma, mostra-se que o contexto morfossintático em que o clítico se insere é de extrema importância para a ordem dos clíticos pronominais no PE nas lexias verbais simples e nos complexos verbais.

Por fim, a ênclise ao complexo com infinitivo, pouco produtiva, parece ser a preferencial em estruturas com os pronomes o, a (s), conforme já se mencionou. Desses fatores, o que parece ser determinante, de fato, é a forma pronominal acusativa em questão, que, possivelmente por sua débil natureza fonética, apresenta comportamento destoante de outras formas pronominais, conforme se desenvolveu na análise dos dados.

Acredita-se, por fim, que o presente trabalho tenha contribuído para o conhecimento da colocação dos clíticos pronominais na modalidade oral da Língua Portuguesa na variedade europeia, além de ter colaborado para a ampliação dos estudos referentes ao tema, segundo a abordagem variacionista da Sociolinguística. Os possíveis e variados debates provenientes da descrição dos resultados ora apresentados ficam para outra oportunidade, em que o tempo e o espaço permitam maior aprofundamento das questões por ora apenas sugeridas.

 

Referências

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Notas

[1] Nesta análise, são consideradas todas as estruturas em que há mais de uma forma verbal desde que haja certo grau de integração sintático-semântica e que seja possível a alternância do clítico pronominal, sendo mantido o mesmo conteúdo básico em questão. Sendo assim, são considerados não só os complexos verbais formados por auxiliares de uso mais frequente, como ter, haver, ser e estar (CUNHA & CINTRA, 2007), mas também os chamados semiauxiliares e outros que atendem a poucos requisitos de auxiliaridade (MACHADO VIEIRA, 2004).

[2] Não houve qualquer ocorrência de mesóclise.

[3] Nos contextos de complexos verbais, parte-se inicialmente da linearidade da posição do clítico em três posições explícitas, o que tira de cena a ambiguidade de algumas construções que, a princípio, podem exibir pronomes enclíticos à primeira forma verbal ou proclíticos à segunda. É preciso salientar que essa opção metodológica não nega o postulado de que existem sintaticamente quatro posições possíveis para o clítico: ênclise/próclise ao verbo auxiliar e ênclise/próclise ao verbo principal. A eventual ocorrência de material entre os dois verbos constitui o melhor índice para a distinção de cada caso, o que, quando possível, foi utilizado para propor que, via de regra, o PE exibe ênclise a v1 quando o clítico se encontra em posição interna ao complexo.

[4] Ressalta-se que os nomes dos informantes são fictícios.

[5] Ressalta-se que o “elemento antecedente ao clítico” não é, necessariamente, o que está imediatamente antes do clítico, mas o que poderia exercer algum tipo de atração no contexto em que o clítico aparece. Por exemplo, em uma oração subordinada em que o clítico tem um sujeito exatamente antes dele, considera-se a conjunção subordinativa que introduz a oração e não o sujeito que aparece antes do pronome átono.

[6] Cabe esclarecer que, inicialmente, cada elemento antecedente, dado seu suposto efeito particular sobre a ordem dos clíticos, foi controlado em separado. Tendo em vista a semelhança dos índices percentuais de próclise, alguns elementos foram amalgamados em cada fator de modo a prover quantidade de dados viável para a análise multivariada.

[7] Vale destacar que que a atuação da preposição é, sem dúvida, diferente nos contextos com verbos na forma verbal finita ou não finita.

[8] Tal fato pode ser explicado pelo fato de o “lᔠpoder ter mais de uma funcionalidade, dependendo do contexto. O “lá”, por exemplo, pode ser um advérbio locativo ou apenas um marcador de ênfase, dependendo da frase em que ele apareça.

[9] A proposta do presente trabalho assume, como já se esclareceu, três variantes na análise da posição dos clíticos com complexos verbais. Sendo uma investigação de cunho eminentemente variacionista, o critério a ser seguido exige que se contemplem inicialmente em uma mesma variável dependente as estruturas que “dizem a mesma coisa” (Labov 1972) e apresentam formas diferentes. Embora não faça parte dos objetivos específicos deste artigo, o tratamento da regra variável não implica ignorar a interpretação formalista de que haja dois fenômenos envolvidos e que podem ser distinguidos: (i) subida vs não subida do clítico (correspondendo a primeira às variantes pré-CV e intra-CV, e a segunda à variante pós-CV) e (ii) no caso de subida do clítico, próclise (pré-CV) ou ênclise (intra-CV) ao verbo mais alto. Em etapa posterior da agenda de investigação, assumem-se duas possibilidades de abordagem contrastiva na análise dos resultados: (i) comparação dos dados relativos às variantes pré-CV e intra-CV com os dados que se descreveram para as lexias verbais simples; e (ii) comparação do conjunto total das variantes pré-CV e intra-CV com a variante pós-CV, para identificar a produtividade da subida/não subida do clítico.

[10] Vale destacar que a ordem da apresentação dos fatores de cada variável nas tabelas se baseia na frequência de dados da variante pré-CV encontrada.

[11] Isso pode ser explicado pela funcionalidade desse advérbio nas frases, como já se mencionou na análise das lexias verbais simples.

[12] Vale destacar que o pronome “te” não ocupou a posição pós-CV; há apenas dois dados com esse pronome e eles encontram-se nas posições pré-CV e intra-CV.

[13] Para o estudo detalhado do fenômeno da interpolação no corpus CORDIAL-SIN, veja-se a tese de doutorado de Magro (2007), que trata de todos os dados em que poderia ocorrer a interpolação e dos casos em que realmente houve a interpolação. Esta subseção pretende, apenas, apresentar os casos de interpolação encontrados nos dados analisados.