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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.112 Lisboa dez. 2019

https://doi.org/10.18055/Finis18833 

COMENTÁRIO DE AUTOR


 

Azares y Decisiones Recuerdos Personalesi

 

 

Jorge Gaspar1

1 Investigador Efetivo do Centro de Estudos Geográficos, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT), Universidade de Lisboa, Professor Emérito do IGOT, Universidade de Lisboa, Rua Branca Edmée Marques, 1600-276, Lisboa, Portugal. E-mail: jorgegaspar@campus.ul.pt

 

 

Azares y Decisiones, um título que resume, com rigor, uma vida, a vida.

Senti ao ler estas memórias o fascínio da releitura, do retorno a tantos momentos, lugares e pensamentos, de que é feita uma vida e dos possíveis reencontros que ocorrem com a minha própria vida.

Logo que recebi o email do Horácio anunciando a chegada das suas memórias, não resisti à imediata abertura do ficheiro… o título escolhido, Azares y Decisiones, trouxe-me à mente a obra de Jacques Monod (biólogo e químico, e Nobel da Medicina de 1965) e a sua obra que fez escola nos anos 1970: Le Hazard et la nécessité. Essai sur la philosophie naturelle de la biologie moderne. Cheguei a este livro em 1970, apresentado por Orlando Ribeiro em pequenas tertúlias que promovia no Centro de Estudos Geográficos. Pois aqui está um primeiro encontro. Ora a capacidade de decisão dos humanos é tão limitada que só pode ocorrer nos acasos que vão acontecendo nos seus percursos terrenhos. O resto, que é quase tudo, do nascimento à morte, sem esquecer o antes e o depois, faz parte da necessidade.

Como é natural, Horácio deu um espaço importante à dimensão científica e académica da sua vida, onde nos descobre como chegar à estruturação de algumas das suas obras mais difundidas e, por isso, estes Azares y Decisiones constituem também uma obra necessária para a abordagem à obra científica de Horácio Capel. Quando me enviou este texto disse-me que esperava, assim, incentivar-me a tomar uma iniciativa semelhante. De resto, em múltiplos encontros, especialmente em pequenos passeios que fizemos por Lisboa e arredores, - por onde passou a minha vida – Horacio sempre me incitava a que eu escrevesse sobre essas experiências, desde menino da muito tenra idade… nunca cheguei a arriscar-me a pegar na pena ou no teclado do computador… mal sabia eu que Horacio já tinha a sua empreitada em mente, se não mesmo no papel: em boa hora.

Também por isso, mas sobretudo porque nos nossos percursos académicos existem muitos paralelismos, agora, ao ler as suas memórias, frequentemente chamei as minhas, ainda que soltas, sem organiza ção, sem um quadro organizador. Desde logo seria interessante comparar as nossas viagens de juventude, que creio terem tido impactos significativos na vida de um e de outro. Para mim foram extremamente decisivas na vida universitária, intelectual, política e pessoal.

Vale a pena ler com detenção a introdução: vida, profissão e ciência. No fundo, os transes porque Horacio Capel fez passar as suas recordações, antes de se decidir a escrever as memórias. De grande utilidade para todos os candidatos – talvez quase todos os académicos/universitários. Horácio conta-nos logo que teve muita sorte na vida. Esta constatação parece-me fundamental para a função: vê-se que não tem contas a ajustar com ninguém, nem consigo próprio.

 

I. INFANCIA Y JUVENTUD EN LORCA

Mas como em tudo, nada é só assim! E o percurso geográfico de H. Capel é também um percurso necessário, como evidenciam estas memórias, que são a um tempo os percursos de uma vida e os percursos da Geografia, desde logo percursos geográficos, bem demonstrados no itinerário de Lorca a Múrcia, passando primeiro por Albanchez onde se faz a primeira descoberta de um tema chave na obra de Horacio Capel: Ciudad y Campo. Depois a subida na hierarquia urbana, Múrcia a Barcelona.

A explicação da aprendizagem da grande cidade do Mediterrâneo – aprender a cidade é necessário para aprender a universidade e entrar na Geografia – na Faculdade de Filosofia y Letras, no Departamento de Geografia, com suas gentes, companheiros e grupos de trabalho. Daí para o mundo, começando pelo “mundo editorial”, até chegar à Geocrítica: um caso edificante, um caso de estudo a fazer.

As memórias, mais ainda quando assumidamente recordações, representam o resultado de um exercício de seleção, naturalmente processado pelos mecanismos da memória. No caso de Horacio Capel, necessariamente informado pela sua condição de geógrafo e de cidadão preocupado com a justiça social, nos “ondes” da vida e das coisas. Isto fica logo esclarecido nas opções do primeiro capítulo: Infancia y juventude en Lorca, em que a memória reteve com um rigor impressionante os pormenores da vida de uma pequena cidade (Lorca) nos tempos que se seguem à Guerra Civil, mas também todo o ambiente, as paisagens, da cidade e do seu alfoz – pobres e ricos, recordando mesmo as paisagens sonoras, em que destaca alguns pregões, que também fazem parte das minhas memórias de criança, pela mesma altura, no periurbano do Campo Grande, em Lisboa: “afiadores”, “ferro velho”, “pele de coelho”, ou o apontamento dos saltimbancos, com a mísera cabrinha equilibrista…

Os apontamentos sobre a vida quotidiana na pequena cidade de Lorca são precisos e despertam impulsos comparatistas, por exemplo, sobre o abastecimento de leite in situ, como em Lisboa, ou a proximidade da produção hortícola. Apesar da Guerra Civil, e por isso, das feridas mais acentuadas e de algumas carestias materiais, a memória da Lorca de Horacio Capel não diferirá tanto da que pode persistir num rapazinho de uma cidade portuguesa de então.

São muito fortes as impressões sobre as dificuldades sociais, “Ricos e Pobres” … o “trabalho infantil”, todavia mais frequente e intenso no campo do que na cidade… lá como cá. E lá como cá, os anos 1950 trazem a modernização das infraestruturas e das atividades económicas, mas também do quadro social: escolaridade obrigatória, honor ários de trabalho, habitações, saúde, tempos livres (o futebol…) mas também a memória das emigrações transoceânicas, com seus sucessos e desgraças.

Ficamos com a ideia de que a qualidade do ensino primário e secundário em Lorca terão contribuído com as bases essenciais para o percurso universitário e o desenvolvimento científico e literário de Horacio Capel. Impressiona particularmente a qualidade de um certo número de docentes do Institutoii de ensino secundário. Ainda aqui poderíamos estabelecer algum paralelismo com o nível de alguns liceus portugueses, inclusive nas cidades de áreas rurais mais recônditas.

é muito interessante o facto de Horacio Capel ter dedicado um capítulo ao ócio nesta fase da sua vida em Lorca. Por aí se vê a importância das atividades dos tempos livres, tanto para o lazer como para a formação cultural. é também esclarecedor o papel da Igreja e dos seus representantes. Por vezes as recordações e os comentários de Horacio surpreendem positivamente se pensarmos que estamos numa cidade de 15 000 habitantes, depauperada por uma terrível guerra fratricida, onde ainda assim havia lugar para o cinema, para o teatro, para o excursionismo, para a leitura.

 

II. MURCIA Y LA UNIVERSIDAD

O capítulo dedicado a Múrcia e à formação universitária de base é crítico e esclarecedor sobre o que era uma cidade média, capital regional, com a sua identidade própria e uma burguesia ainda muito ancorada na terra, do que decorria não só a política, como a importância da religião, cujas tensões atingiam a Universidade.

A sombra franquista que obscurecia a Universidade, numa cidade que à imagem da própria Espanha estava condicionada e controlada, talvez tenha contribuído para o desenvolvimento em Horacio Capel, do seu conhecido fino sentido de humor que lhe permite o sábio exercício da crítica – caráter que começa a aflorar neste capítulo. Como escreve na página 60: “A pesar de toda la represión, hubo gente que fue capaz de tener independencia intelectual.” As alterações, para melhor, no sistema de recrutamento das universidades contribuiu para tais sucessos, mormente nas “… disciplinas que no se consideraban peligrosas.”

O ambiente “de esa pequeña y no muy brilhante ciudad de Murcia” é evocado e confirmado de forma exemplar, pelo recurso a documentos literários e cinematográficos, mas sobretudo atrav és de uma memória viva de fatos experienciados. Até que se chega a um ponto crucial: Juan Vilá Valenti “ejemplar en el cumplimiento de las obligaciones, y se convertió en un modelo de comportamento universitário.” (p. 68).

Das experiências realizadas durante o período de estudos em Múrcia, que incluiu as primeiras participações em reuniões científicas, em que por vezes acompanhava Vilá Valenti, destaco o verão de 1962, três meses passados na Alemanha, em Duisburgo, a trabalhar numa fábrica de ladrilhos, onde se gorou a vontade de aprofundar os conhecimentos de alemão, já que a maioria dos companheiros de trabalho eram italianos e espanhóis… mas em que aprendeu muitas outras coisas.

Após a conclusão da Licenciatura é contratado como docente, e com a ida de Juan Vilá Valenti para a Universidade de Barcelona, alargam-se as suas responsabilidades no curso de Múrcia. Inicia os trabalhos para o Doutoramento, sobre “La red urbana de Murcia”.

Seguiu-se o Serviço Militar, ainda assim, correndo pelo melhor, pois devido às boas classificações de partida consegue um lugar em Ibiza, onde passou uma bela temporada, entre outros afazeres, a ler o Pio Baroja! Em 1966 visita Israel e trabalha num kibutz. A viagem acaba por mudar as suas ideias de partida, “Fui a Israel con muchas simpatias previas… volvi como pro-palestino.” (p. 85).

 

III. LA UNIVERSIDAD DE BARCELONA Y LA CREACIóN DE LOS ESTUDIOS DE GEOGRAFíA

é ainda em 1966 que ingressa na Universidade de Barcelona, a convite de Juan Vilá Valenti. Alargam-se os horizontes da geografia vivida (Barcelona e Catalunha), mas também da geografia-ciência, e aqui enfatiza a múltiplas excursões com Pierre Deffontaines, além do relacionamento com Robert Ferras. é a introdução à Catalunha, profunda no tempo, mas ali tão perto na geografia. A Catalunha das masías e dos hereus. Das belas paisagens e das boas comidas. Mas também a Catalunha de Mercedes Tatjer: Todo lo que he hecho durante el último medio siglo no habría sido posible si no hubiera tenido a mi lado a mi mujer…

Seguem-se importantes contributos sobre a evolução dos estudos geográficos na Universidade de Barcelona, muito úteis para uma confrontação com o que se passou noutras universidades, nomeadamente na de Lisboa, e que só não o iniciamos aqui pelo desenvolvimento que tal implica. é em 1973 que se dá a cisão da Faculdade de Filosofia e Letras e o aparecimento da Faculdade de Geografia e História.

Continuam os contributos para a História da Geografia na Universidade de Barcelona: Revista de Geografia, El equipo urbano y los proyectos de Cine Urbano. Assim como o registo de iniciativas editoriais, algumas em colaboração com Juan Vilá Valenti. Para de novo nos dar uma janela para a envolvente política: “El final del franquismo y la transición política”.

Neste capítulo, Horacio Capel dá ainda conta de uma das suas atividades prediletas, a editorial, em que promoveu várias coleções e outras iniciativas, até à icónica “GeoCrítica. Textos de Apoyo”, que em sucessivas atualizações chega renovada até aos nossos dias.

Citando Fernando Pessoa, Horacio levanta a questão do valor das viagens e do seu uso e abuso. Claro que para geógrafos académicos viajar confunde-se muito com a ida a congressos…mas Horacio valoriza mais os contactos prolongados com geógrafos e departamentos de Geografia. é neste contexto que faz uma prévia avaliação do Programa Erasmus que promovi e coordenei ao longo de vários anos e que segundo Horacio era muito exigente para os professores de 4 universidades: Copenhaga, Barcelona, Genebra e Lisboa. Mas os impactos dessa rede Erasmus foram muito positivos e prolongaram-se no tempo.

 

IV. DE NUEVO LA VIDA, LA FAMILIA Y LOS AMIGOS

De forma recorrente, Horacio volta à sua vida pessoal, para nos dar conta, em amena cavaqueira, da família e dos amigos. Começa, entretanto, por nos falar da sua vida “ordenada”, vivendo sempre próximo do local de trabalho e nunca prescindindo de uma sesta (de cama!), o que lhe permitia trabalhar mais horas. A família é clássica, mulher, três filhas e cinco netos. é cativante como apresenta Mercedes, companheira em tudo, geógrafa notável, esposa irrepreensível.

Este capítulo será, como outros, de grande utilidade para apoio a investigações sociológicas sobre a Espanha na segunda metade do século XX. Capel não só nos mostra de forma amena e sentida a sua vida, como assume posições de natureza pessoal, social e política. As notas sobre o dia a dia familiar, em que nos fala do acompanhamento das filhas, da creche à universidade, do dia a dia do trabalho, das férias e dos passeios, valorizam sobremaneira este excelente documento sociológico, gerando uma fantástica empatia entre o cientista e o leitor.

A última parte do capítulo é dedicada aos netos que, como se vê, Horacio tem acompanhado de muito perto, na sua condição de “abuelo canguro”, função que n ão só exerce com agrado, mas que considera como que um dever geracional, pois ele e Mercedes também beneficiaram dos “avós cangurus” das suas filhas…Mas o que torna um capí tulo como este ainda mais atraente é o facto de amiúde Horacio deixar comentários de natureza geográfica, sociológica e política. Neste capítulo, o sétimo, Horacio decidiu tratar temas de particular interesse, que entendeu destacar: imprensa e televisão, a Catalunha, a correspondência, o acaso na vida. Particularmente interessantes no conteúdo, e também na forma como os apresenta, são as páginas que dedica aos livros e à sua biblioteca pessoal. Muitos de nós, que adquirimos muitos livros e que lhes dedicamos afeição, tendemos a sobrevalorizar esse património. Valem, pois, as considerações de Horacio Capel como contributos para uma reflexão mais ampla e que importaria discutir no âmbito das políticas públicas: da cultura, da ciência, do livro, da vida social.

é também neste capítulo que se inclui um pequeno texto lapidar sobre a Catalunha e a sua relação com Espanha, texto que merece a maior difusão, para que talvez se abram as mentes e se compreenda o que há de mais importante para todos, incluindo os portugueses (pp. 272-274). Transcreve a propósito uns versos de Salvador Espriu, “que invoco a España, bajo el nombre de Sepharad:

recorda sempre això, Sepharad.

Fes que siguin segurs els ponts del diàleg

i mira de comprendre i estimar

les raons i les parles diverses dels teus fills.”

Os derradeiros capítulos, oito e nove, apresentam uma síntese comentada, crítica, de dois grandes domínios da atividade científica de Horácio Capel: A Cidade e as Redes T écnicas Territoriais e Geografia, História da Ciência e Filosofia.

O autor revisita a sua obra, balizado em autores tão diversos como Max Weber ou Yi Fu Tuan ou Michel Rochefort, Raymond Dugrand e Robert Dickinson, que o influenciaram diretamente nos trabalhos que o conduziram à dissertação de doutoramento. Além do seu interesse para a história do pensamento geográfico, estes capítulos mostram como se estabelecem as relações entre o mestre e os discípulos.

A história das redes energéticas e dos transportes ferroviários ajudam a compreender a evolução do sistema capitalista, inclusive os sistemas urbanos e os processos de inovaçã o e de difusão. é neste contexto que ocorrem naturalmente as discussões em torno do futuro das cidades: “el futuro de las ciudades es el futuro de la humanidad”. Nestes como noutros domí nios são realçados os trabalhos de colaboradores e discípulos, mormente ao nível das dissertações de doutoramento e da sua projeção, tanto na investigação como no ensino universitário. Assinala-se a relevância dada em múltiplos projetos de investigação aos diferentes corpos de engenharia, cuja ação foi decisiva para as transforma ções do território: engenheiros florestais, engenheiros agrónomos e engenheiros militares.

Particularmente aliciante é o enquadramento e a justificação que nos apresenta para as opções estruturais que escolheu na sua obra magna Filosofia y Ciencia en la Geografia Contemporânea, siglos XIX-XX. Nomeadamente porque privilegiou Ernst Cassirer com a sua contraposição entre positivismo e historicismo (320), em detrimento de perspetivas como a de Thomas Kuhn – A estrutura das revoluções científicas, ou a de Michel Foucault e dos seus epistemes (323).

Pero, ante la necesidad de concluir la obra, me atreví a hacerlo citando

a Ernest Cassirer, que en su obra sobre El problema del conocimiento,

había examinado la contraposición entre los dos grandes ideales del

conocimiento que se enfrentaron en el siglo xix, el ideal de las ciencias

matemáticas de la naturaleza y el ideal que proclama la primacía del

conocimiento histórico. Este filósofo concluía que ‘la filosofía crítica en

vez de pronunciar un fallo favorable a uno de los litigantes, tiene que

contentarse con comprender y defender los intereses de ambos’, ya que

‘si bien las dos posiciones se excluyen entre si en cuanto dogmas, consideradas

como principios y orientaciones del conocimiento no sólo

pueden coexistir, sino que se complementan mutuamente’.

Tras de lo cual añadía yo:

Es probable que sea ésta la actitud más adecuada para aquellos

que al examinar las polémicas de la Geografía contemporánea

reconocen, a la vez, la validez de los argumentos de unos y

otros contendientes. Para los que, en cambio, se inserten

decididamente en una de las concepciones en liza, el examen

atento de la racionalidad de la parte contraria le permitirá

rectificar las propias convicciones y aceptar la parte de razón

en las críticas que les dirijan los contrarios.

Claro que as revoluções não se operam apenas pela ação de um cientista, como escreve Horacio Capel (324), mas os fatos já são bem conspícuos: Horacio Capel deu um grande impulso ao pensamento geográfico, sobremaneira na Península Ibérica e na América Latina, através de um percurso singular, congregando em diferentes momentos e sob diferentes temas de pesquisa, verdadeiros discípulos, assistentes e ouvintes: os que seguiam o mestre ou tão só vinham/iam assistir às práticas e ouvir/ler a palavra do mestre.

 

V. A UTOPIA CAPELIANA

Para lá das memórias ou talvez cruzando memórias: conheço Horacio Capel há mais de meio século! Conhecimento que se tem vindo a aprofundar e a intensificar, passando da obra para o autor e do autor para o Ser Humano. Neste percurso o que noto como traço mais continuado e em crescendo é o do utopismo: em relação à Geografia e aos seus praticantes, onde se inclui a sua utilidade e potencial de intervenção política (na polis); mas também a crença na importância da formação integral do indivíduo e da sua capacidade regeneradora. Mas também a utopia tecnológica, as evidências que procura no passado, nas leituras da História, alicerçam a crença num futuro melhor – em que caberá uma maior utilidade da Geografia.

Mas o utopismo estende-se também ao enraizamento geográfico, por exemplo, na crença dum papel potencialmente elevado para as línguas ibéricas, inclusive na difusão do trabalho científico…Um utopismo com concretizações notáveis, de que a Galáxia Geocrítica é talvez a principal conquista e agora a Geocritiq - Plataforma Digital Ibero-Americana para la Difusión del Trabajo Científico.

É o mesmo espírito, realista e esperançoso, que evidencia no seu UN EPILOGO NECESSARIO onde, após se manifestar agradecido com a homenagem que recebeu após o jubileu, em que destaco a notável obra Horacio Capel, geografo, coordenada por Vicente Casals y Luis Urteaga, Barcelona, 2015, nos deixa o que li como contributos para um testamento:

- Cataluña otra vez

- El futuro del Mundo y los Jubileos

- Hacen falta planes para construir el Futuro

Agora, nestas memórias Horacio Capel opta por explicar a sua ação como geógrafo, retomando os momentos fulcrais da sua valiosa contribuição para o progresso das ciências e em particular da Geografia e da História. é uma obra esclarecedora do seu percurso humano e científico, o que a transforma num documento fundamental para a abordagem da obra científica do autor de e para o entendimento da ciência geográfica no espaço espanhol e latino-americano.

É preciso lê-lo, fechar o livro (fig. 1) e refletir – sobre uma vida tão rica e complexa, feita simples, ao alcance de todos, pela palavra de um grande contador de histórias: Horacio Capel.

 

 

 

NOTAS

i Capel, H. (2019). Azares y Decisiones. Recuerdos Personales [Chances and Decisions. Personal Memories]. Madrid: Ediciones Doce Calles.

ii José Ibañez Martín.

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