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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.109 Lisboa dez. 2018

https://doi.org/10.18055/Finis12065 

ATUALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA


 

Ruínas do vale do rio Hudson em Nova Iorque: marcas esquecidas da paisagem americana

 

 

Carlos Balsas1

1Professor Assistente no Geography and Planning da University at Albany, 1400 Washington Avenue, NY 12222, Albany, USA. E-mail: cbalsas@albany.edu

 

 

Ruinas são os legados de outras eras que ainda sobrevivem, umas no esquecimento, e outras na esperança de alcançarem o reconhecimento que lhes é devido, e a valorização predial e satisfação pessoal que daí pode advir (Edensor, 2001). Se ainda existem é porque apesar de estarem abandonadas alguém lhes reconhece o seu valor inato ou réstia de potencial quer patrimonial, histórico ou cultural e as salvou da demolição. Ruinas constituem elementos marcantes nas paisagens quer citadinas quer rurais. Cidades como Detroit, Cleveland e Buffalo têm muitas, algumas das quais estão a ser reapropriadas e renovadas para novas funções (fig. 1) (Apel, 2015).

 

 

As bacias hidrográficas e frentes ribeirinhas constituem unidades com características ímpares (Balsas, Kotval & Mullin, 2000; Balsas, 2018) que permitem não só a existência de ecossistemas complexos de fauna e flora, mas também leituras e interpretações de comportamentos individuais ou de grupo. Estas leituras são influenciadas pelo curso de água principal e seus tributários, a orografia subjacente e exposição das encostas, a morfologia urbana dos aglomerados, os espaços rurais, ou ainda os interfaces entre os espaços aquáticos e as suas margens.

O livro intitulado as Hudson Valley Ruins – Forgotten Landmarks of an American Landscape (Ruinas do Vale do Hudson – Marcas Esquecidas da Paisagem Americana), da autoria de Rinaldi e Yasinsac (2006), retrata cerca de oitenta ruinas existentes no vale do Rio Hudson entre a cidade de Nova Iorque e a capital do estado, a cidade de Albany (Kennedy, 1983). Se bem que o trabalho documental de história urbana, e levantamentos no terreno, tenha ocorrido principalmente no início do século XXI, tendo o livro sido publicado em 2006, os autores deram continuidade ao trabalho com uma exposição fotográfica patente ao público no Museu do Estado de Nova Iorque no complexo governativo da Praça Estadual do Império (Empire State Plaza) em Albany, de Agosto de 2016 até Dezembro de 2017.

O livro está organizado em quatro partes “geográficas” distintas: O segmento a montante, o segmento intermédio, as ruinas marítimas, e o segmento a jusante nas imediações da cidade de Nova Iorque. Para facilidade de explanação e catalogação, e à exceção do capítulo das ruinas marítimas, as três partes principais encontram-se subdivididas de acordo com os respetivos condados e as suas fronteiras administrativo-jurídicas, compreendendo dez unidades governativas distintas (de norte para sul: Albany, Rensselaer, Greene, Columbia, Ulster, Dutchess, Orange, Putnam, Rockland, e Westchester).

Podemo-nos interrogar sobre a utilidade de estudar ruinas urbanas e fluviais (Solis, 2013; Scheinfeld, Kanfer e Joselit, 2016). Contudo, rapidamente nos deparamos com as respostas óbvias de que muitos destes legados históricos representaram no seu apogeu momentos áureos civilizacionais, e na grande maioria dos casos mesmo inovações tecnológicas, arquitetónicas, sociais e até financeiras de grande monta. Como também acontece em muitos dos casos, alterações dos processos produtivos, habitacionais, religiosos, e de serviços modificaram as paisagens das cidades, dos campos, e até dos cursos fluviais fazendo com que algum edificado perdurasse no tempo, enquanto outro acabaria por se extinguir.

É importante também reconhecer semelhanças nos processos que levaram à construção destes elementos marcantes das paisagens e que em muitos casos se repetem em ciclos de abandono e degradação, diminuição das suas mais-valias, movimentos de preservação histórica condizentes à recuperação e, em alguns casos, mesmo renovação do que ainda resta de modo a salvaguardar não só o património histórico com valor arquitetónico mas também cultural e, em alguns casos, ainda sentimental.

A leitura do livro relembra-nos sobretudo duas características importantes sobre esta região nordeste dos EUA, e do estado de Nova Iorque em particular: em primeiro lugar, a sua relação intrínseca com os Países Baixos (Holanda), e a sua importância histórica na fundação da cidade de Nova Iorque (inicialmente chamada de Nova Amesterdão) e dos Estados Unidos, com Nova Iorque sendo uma das treze colónias que estiveram na génese da criação do país em 1776. Em segundo lugar, observa-se o papel importante das localizações ribeirinhas ao longo do rio Hudson no desenvolvimento da revolução industrial, com o rio a servir de elemento locativo que permitia o acesso fácil à água e ao gelo (no inverno) para processos de manufatura industrial e conservação, respetivamente. Para além disso, o rio permitia ainda a descarga fácil de efluentes industriais e domésticos, assim como o transporte rápido e acessível de matérias-primas, pessoas e bens ao grande mercado a jusante do rio, a área metropolitana de Nova Iorque, Nova Jersey, e a partes do estado de Connecticut.

Assim, as ruinas investigadas e exaustivamente caracterizadas do ponto de vista de história urbana constituem um legado fundamental não só para as gerações vindouras, mas sobretudo para aquelas que ainda têm oportunidade de fazer algo pela preservação integral ou parcial de muitas destas ruinas (Bunnell, 1977), com a possibilidade de garantir um futuro íntegro a edifícios, -fábricas, estações elétricas, quintas apalaçadas, castelos, mansões, igrejas, hospitais, prisões e hotéis-, talvez através de novas funções mais condizentes com as necessidades das gerações presentes.

A escola de pintura modernista conhecida como a Hudson River School (HRS), com as suas origens em meados do século XIX e liderada por nomes tão famosos como Thomas Cole, Claude Lorraine, e Frederick Church deu-nos a conhecer a estética campestre e bucólica das várias paisagens pristinas do vale do rio Hudson e das suas montanhas adjacentes, Catskills e Adirondack a oeste e a cordilheira do Taconic Range, a nascente. O livro Hudson Valley Ruins (HVR) mostra-nos não só o legado histórico que sobreviveu os processos de desenvolvimento urbanos e industriais que destruíram muitas das paisagens pintadas pelos artistas do HRS, mas acima de tudo, inventaria, cataloga, documenta e expõe o que ainda pode ser objeto de processos de salvaguarda histórica baseados em movimentos comunitários, de liderança autárquica e suprarregional alicerçados em valores de salvaguarda e renovação urbana.

É também de realçar que uma herança considerável do património cultural do vale do rio Hudson já foi destruída no âmbito de programas federais de renovação urbana durante as décadas de 1960 e 1970 tais como, o Urban Renewal Program e o Model Cities Program. Estes programas, pouco ou nada tinham em conta as histórias locais, e acima de tudo, tendiam a substituir o preexistente por noções de progresso baseadas em conceitos de urbanismo de base moderna que privilegiavam o edificado em altura e utilizavam tecnologias de transportes (automóvel, autoestradas e vias rápidas, elevadores e escadas rolantes) e de comunicação (telefone, telegrafo e fax) na estruturação dos aglomerados urbanos e nos estilos de vida dos seus habitantes (Blauweiss e Woods, 2016).

É possível distinguir localizações pontuais de antigos corredores, alguns deles entretanto eclipsados no tempo. Entre as primeiras localizações encontramos uma grande panóplia de estruturas edificadas com especial destaque para fábricas (Stott Woolen Mills, Alsen’s American Portland Cement Works, Brandreth Pill Factory), mansões (Federalberg, Bannerman’s Island Arsenal, Wyndclyffe), e edifícios institucionais (e.g. Methodist Episcopal Church, Sing State Prison, Yonkers Power Station). O canal Delaware-Hudson (D&H Canal: 1826-1898) com 108 milhas de distância que ligava Honesdale no estado da Pennsylvania a Eddyville perto do rio Hudson no condado de Ulster em Nova Iorque, assim como trechos de vias férreas e estações de comboio, constituem exemplos dos espaços canais históricos dedicados ao transporte de pessoas e bens.

A história do vale do rio Hudson em Nova Iorque está também ligada ao aparecimento dos movimentos ambientalistas nos Estados Unidos devido aos elevados níveis de poluição aí existentes assim como à liderança de organizações não-governamentais, como por exemplo, a Scenic Hudson (Hudson Cénico) e a Historic Hudson Valley (Vale Histórico do Hudson), que se esforçaram pela criação de mecanismos e politicas the proteção do ambiente e de paisagens sensíveis. O Hudson Valley Ruins (Ruínas do Vale do Hudson) é um livro bastante importante para compreender o surgimento de ruinas e o seu potencial histórico em contextos de revitalização urbana (fig. 2), assim como, em alguns casos, as frustrações inerentes a iniciativas goradas por falta de recursos, elevadas pressões urbanísticas, ou simplesmente falta de sensibilidade histórica condizente à salvaguarda sustentável de legados patrimoniais para as gerações vindouras (Scarce, 2015).

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Apel, D. (2015). Beautiful Terrible Ruins: Detroit and the anxiety of decline. Nova Brunswick: Rutgers University Press.         [ Links ]

Balsas, C. (2018). A novel approach to studying cultural landscapes at the watershed level. In I. Rosa, J. Lopes, R. Ribeiro & A. Mendes (Eds.), Handbook of Research on Methods and Tools for Assessing Cultural Landscape Adaptation (pp. 221-248). Hershey: Engineering Science Reference. doi: 10.4018/978-1-5225-4186-8.ch009        [ Links ]

Balsas, C., Kotval, Z., & Mullin, J. (2000). Historic preservation in waterfront communities in Portugal and the USA. Portuguese Studies Review, 8(1), 40-61.         [ Links ]

Blauweiss, S., & Woods, L. (2016). Lost Rondout: A story of urban renewal (film). Kingston: Lost Rondout Project.         [ Links ]

Bunnell, G. (1977). Built to Last - A handbook on recycling old buildings. Washington: The Preservation Press.         [ Links ]

Edensor, T. (2001). Haunting in the ruins: Matter and immateriality. Space & Culture, 11(12), 42-51.         [ Links ]

Kennedy, W. (1983). O Albany! Nova Iorque: Penquin Books.         [ Links ]

Rinaldi, T., & Yasinsac, R. (2006). Hudson Valley Ruins – Forgotten Landmarks of an American Landscape. Hanover: University Press of New England.         [ Links ]

Scarce, R. (2015). Creating Sustainable Communities: Lessons from the Hudson River region. Albany: State University of New York Press.         [ Links ]

Scheinfeld, M., Kanfer, S., & Joselit, J. (2016). The Borscht Belt: Revisiting the remains of America's Jewish vacation land. Ithaca: Cornell University Press.         [ Links ]

Solis, J. (2013). Stages of Decay. Munich: Prestel.         [ Links ]

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