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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.109 Lisboa dez. 2018

https://doi.org/10.18055/Finis15650 

ARTIGO ORIGINAL


 

Estudantes brasileiros no ensino superior português: construção do projeto migratório e intenções de mobilidade futura

 

Brazilian students in higher education in Portugal: migratory project and plans for future mobility

 

Les étudiants brésiliens dans l'enseignement supérieur au Portugal: élaboration de leur projet migratoire et intentions de mobilité future

 

 

Juliana Iorio1; Maria Lucinda Fonseca2

 

1 Investigadora Associada do Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, e Bolseira de Investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia da Universidade de Lisboa, R. Branca Edmée Marques, 1600-276, Lisboa, Portugal. E-mail: julianaiorio@campus.ul.pt

2 Professora Catedrática e Investigadora Efetiva do Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. E-mail: fonseca-maria@campus.ul.pt

 

 

RESUMO

O Brasil é, desde 2008/2009, o país estrangeiro com o maior número de alunos inscritos no ensino superior português, representando atualmente 32% do total dos estudantes em mobilidade internacional. Neste artigo procuraremos discutir as causas desse fenómeno, considerando as políticas governamentais e as estratégias de internacionalização das instituições universitárias, bem como as motivações individuais dos estudantes. O estudo baseia-se em informação disponível em fontes secundárias, nos resultados de um inquérito online, para além de entrevistas realizadas aos estudantes universitários brasileiros que residem, ou já residiram em Portugal. As conclusões do estudo indicam que o aumento dos alunos brasileiros no ensino superior português resulta dos efeitos conjugados de três fatores fundamentais: políticas brasileiras de fomento à mobilidade estudantil internacional; promoção de estratégias de captação de estudantes estrangeiros por parte das instituições de ensino superior em Portugal e, sobretudo, da partilha da língua portuguesa entre os dois países. Concluiu-se ainda que a capacidade de retenção desses estudantes em Portugal, após a conclusão dos seus estudos, é bastante reduzida, sendo que a maioria regressa ao Brasil ou reemigra para outro país, não só devido à falta de oportunidades de desenvolvimento de uma carreira profissional compatível com as suas habilitações em Portugal, mas também por razões pessoais e familiares.

 

Palavras-chave: Mobilidade Internacional de Estudantes; Brasil; Portugal; Ensino Superior.

 

ABSTRACT

Since 2008/2009, Brazil has been the foreign country with the highest number of students enrolled in Portuguese higher education. Currently, they represent 32% of the total number of international students. In this paper, we will discuss the causes of this phenomenon, taking into account the combined effects of the governmental policies and internationalization strategies of higher education institutions (HEI), as well as the students’ motivations. The study is based on information available on secondary sources, on the results of an online survey, as well as interviews conducted with Brazilian students, currently or previously residing in Portugal. The conclusions of the study indicate that the increase of Brazilian students enrolled in Portuguese higher education institutions, results from the combined effects of three fundamental factors: Brazilian policies to promote international student mobility, promotion of attraction strategies for foreign students, developed by Portuguese HEI, and above all, the sharing of Portuguese language between the two countries. It was also possible to conclude that the retention capacity of these students in Portugal, after completing their studies, is very small, and most of them return to Brazil or re-emigrate to another country. This can be explained by the lack of opportunities to develop a professional career compatible with their qualifications in Portugal, but also for personal and family reasons.

 

Keywords: International Student Mobility; Brazil; Portugal; Higher Education.

 

RÉSUMÉ

Depuis 2008/09, les Brésiliens constituent le plus important groupe d'étudiants étrangers inscrits dans l'Enseignement Supérieur au Portugal, soit 32% du total. Pour comprendre ce fait, on a analysé tant les politiques gouvernementales et les stratégies d'internationalisation des institutions universitaires que les motivations individuelles des étudiants. Cette étude est surtout basée sur des sources secondaires: un questionnaire en ligne et des entretiens menés avec des étudiants brésiliens résidant actuellement ou ayant résidé au Portugal. On montre que l'augmentation du nombre des étudiants brésiliens résulte de trois facteurs principaux: la politique brésilienne stimulant la mobilité internationale de ses étudiants, les programmes et stratégies de promotion adoptés par les institutions de l'Enseigner Supérieur portugais et, avant tout, la langue portugaise. On montre également que la plupart des étudiants brésiliens quittent le Portugal une fois leurs études terminées, soit pour retourner au Brésil, soit pour émigrer vers d'autres pays. Ce choix résulte tant de la difficulté de progresser professionnelles au Portugal, que de motifs personnels ou familiaux.

 

Mots clés: Mobilité étudiante internationale; Brésil; Portugal; Enseignement Supérieur.

 

 

I. INTRODUÇÃO

A capacidade de atrair e reter pessoas com elevada qualificação tem sido cada vez mais assumida por países, regiões e cidades, como um requisito para manter um alto nível de competitividade (Suter & Jandl, 2008). Neste sentido, Salt (1997) já havia referido que o aumento dos fluxos migratórios de trabalhadores altamente qualificados estava associado ao processo de globalização da economia e à nova divisão global do trabalho, dependendo mais das estratégias das empresas transnacionais, dos governos e das agências de recrutamento internacionais, do que das aspirações individuais dos migrantes. Posteriormente, também Brandi (2006) reforçou esta ideia, afirmando que a definição do tipo de migração passou a depender das linhas de orientação política e económica dos governos de cada país que, por sua vez, passaram a ser influenciadas por um quadro político e económico globalizado. Na mesma linha de argumentação, Spears (2014) referiu que o Brasil, visando obter um maior reconhecimento internacional e fortalecer laços com países que se encontravam no centro da economia mundial, aumentou os seus programas de mobilidade científica, conseguindo incentivar este tipo de migração. Assim, as universidades brasileiras passaram a ser vistas como os “motores” de uma economia em crescimento, e, com isso, a pressão para inovarem e contribuírem para o desenvolvimento do país fez aumentar o estímulo para a mobilidade internacional dos seus estudantes. Contudo, sem prejuízo da relevância dos fatores macroestruturais, de natureza política e económica, mais recentemente, outros autores debruçaram-se também sobre o papel das motivações individuais e dos efeitos das redes migratórias no desenvolvimento da mobilidade internacional de estudantes, docentes e investigadores do ensino superior, bem como de outros profissionais qualificados (Mazzarol & Soutar, 2002; Vertovec, 2002; Araújo, 2007; Delicado, 2008; Mazza, 2008; Brooks & Waters, 2010; Glover, 2011; Furukawa, Sihrakawa, & Okuwada, 2013; Videira, 2013; Minneci, 2018).

No que se refere à orientação dos fluxos de mobilidade internacional de estudantes, tem-se verificado uma maior diversificação dos territórios de destino, reduzindo a supremacia de países como os Estados Unidos da América e o Reino Unido (De Wit, Ferencz, & Rumbley, 2013; Raghuram, 2013). Em Portugal, Fonseca e Hortas (2011) já haviam constatado que a última década foi marcada pelo notável crescimento do número de estudantes internacionais do ensino universitário, nomeadamente do Brasil, Angola e Cabo Verde. Com base em dados fornecidos pela Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) do Ministério da Educação e Ciência (de Portugal), as autoras indicaram que havia um número crescente de estudantes provenientes do Brasil e mostraram como a relevância da semelhança cultural e linguística, para além das relações históricas, explicavam os padrões de mobilidade desses estudantes. Estudos mais recentes (Fonseca, Esteves, & Iorio, 2015; Fonseca, Pereira, & Iorio, 2016) concluíram que as políticas brasileiras de incentivo à mobilidade internacional dos estudantes e as estratégias de recrutamento de alunos pelas universidades portuguesas também foram importantes para o desenvolvimento deste fluxo migratório.

Neste artigo pretendemos aprofundar a análise das motivações dos estudantes do Brasil para estudar no estrangeiro e as razões da escolha de uma IES portuguesa, bem como avaliar de que forma o projeto migratório foi alterado em função da experiência vivida no país, nomeadamente a intenção de permanecer em Portugal, regressar ao Brasil ou emigrar para um novo destino após a conclusão dos estudos.

Importa clarificar que consideramos a mobilidade estudantil internacional uma migração, na medida em que, conforme referido por Videira (2013, p. 139), de acordo com a definição das Nações Unidas (1998), “(…) a migração internacional de um indivíduo implica que este se mude do seu país de residência atual para outro, por um período entre três meses e um ano (migração de curta duração) ou superior a um ano (migração de longa duração)”. Deste modo, ao longo do texto utilizaremos indistintamente os termos migração e mobilidade estudantil internacional.

O estudo baseia-se em dados que foram obtidos no âmbito de um projeto de doutoramento em curso, nomeadamente: i) entrevistas realizadas aos estudantes brasileiros que estavam (ou já tinham estado) matriculados num estabelecimento de ensino superior em Portugal; ii) um questionário online também dirigido aos estudantes. Assim, pretende-se responder às seguintes questões de investigação:

1. Quais são as principais motivações dos estudantes brasileiros do ensino superior para estudarem no estrangeiro e quais são as razões da escolha de uma universidade portuguesa?

2. Quais são as estratégias de captação desses estudantes utilizadas por Portugal e pelas suas Instituições de Ensino Superior (IES)?

3. Quais são as intenções de mobilidade futura destes estudantes? Regressar ao Brasil? Permanecer em Portugal ou reemigrar para outro país?

Partimos da hipótese de que o aumento do número de brasileiros no ensino superior português foi motivado pelo crescimento da economia brasileira, que estimulou políticas de fomento à mobilidade estudantil internacional, por estratégias governamentais e institucionais para a captação de alunos estrangeiros em Portugal e ainda pela partilha da Língua Portuguesa, pela proximidade cultural entre o Brasil e Portugal e pelas relações de cooperação entre IES brasileiras e portuguesas. Deste modo, o artigo inicia com uma breve revisão da literatura sobre a problemática em estudo, seguida da apresentação da metodologia. Em seguida, apresentam-se e discutem-se os resultados da análise da informação recolhida através do projeto supracitado, terminando com algumas notas conclusivas e questões para o futuro.

 

II. UMA BREVE REVISÃO DA LITERATURA

A decisão de migrar e a escolha do país de destino prendem-se tanto com fatores de ordem individual como com aspetos relacionados com o ambiente social, político e económico em que vive cada indivíduo (Zhou, 2015). Contudo, no caso da migração para estudo, a obtenção de novas competências linguísticas tem sido apontada como uma das principais motivações migratórias (Altbach & Knight, 2007; King, Findaly, & Ahrens, 2010; Staniscia, 2012; Videira, 2013), pese embora o facto de, segundo Zhou (2015), uma das causas de insatisfação dos estudantes internacionais ser, justamente, o desafio de escrever em inglês de forma proficiente, quando esta não é a sua língua materna. Nesta conformidade, pode admitir-se que a possibilidade de se exprimir na língua materna, ou noutra em que se tenha proficiência, também pode funcionar como um fator para a escolha do país de destino. Por isso, de acordo com Li, Findlay, Jowett, e Skeldon (1996), sendo o inglês a língua principal de ensino nas escolas em Hong Kong, não é de estranhar que a maioria dos alunos originários deste território que pretendam estudar numa universidade estrangeira, escolham os países de língua inglesa. De forma análoga, em virtude de a língua utilizada nas escolas brasileiras ser o português, compreende-se que um grande número de estudantes brasileiros do ensino superior escolha Portugal como país de destino.

Tal como a língua, os laços históricos e culturais também têm sido referenciados nos estudos sobre este tema, como fatores que também podem motivar a seleção do destino. Autores como Salt (1997), Mazzarol e Soutar (2002) e Glover (2011) referem a influência da proximidade cultural nessa escolha, enquanto outros, como Delicado (2008) e Brooks e Waters (2010) afirmam que os estudantes em mobilidade viajam à procura de capital cultural pelo que, conhecer outra cultura pode fazer mais sentido do que emigrar para um país culturalmente mais próximo da origem.

Mas para além dos fatores de ordem individual, aos quais podemos acrescentar a aquisição de novas “experiências”, o “conhecer novos lugares”, o “viajar”, o “lazer”, o “gesto de escape”, a “aventura”, impulsionada pela “busca pelo prazer” e pela “excitação” do desconhecido (King, 2002; King et al., 2010; Glover, 2011), a existência prévia de contactos sociais e familiares, as redes relacionais e/ou institucionais, também têm sido vistas como decisivas para a escolha do destino (Li et al., 1996; King, 2002; Vertovec, 2002; Delicado, 2008; Brookers & Waters, 2010; De Haas, 2010, Glover, 2011; Videira, 2013), já que é através destes contactos que o emigrante, muitas vezes, tem informações sobre o custo de vida e dos estudos, para além dos benefícios sociais que poderá obter no país de destino. Trata-se, portanto, do balanço que o estudante internacional faz entre o que tem e/ou poderá ganhar no país de destino, em detrimento do que não existe e/ou poderá perder, no país de origem (Mazzarol & Soutar, 2002).

Outro fator que tem sido bastante referenciado prende-se com a qualidade do ensino. Assim, autores como, Li et al. (1996), Delicado (2008), Glover (2011), Furukawa et al. (2013) e Videira (2013) relacionaram a qualidade e o tipo de cursos oferecidos, o prestígio da universidade e a posição que a mesma ocupa nos rankings internacionais, como fatores influentes da  escolha do destino.

De acordo com Salt (1997, p. 23), a captação de estudantes internacionais tornou-se “um grande negócio e fonte de rendimento” para as universidades e para o país de acolhimento. Também para Altbach e Knigh (2007, p. 292) “ganhar dinheiro é a chave de todo projeto de internacionalização”. Por isso, segundo o Education at a Glance (2016), como os países da OCDE tiveram que “encontrar vias alternativas, para além do investimento público, para financiarem o ensino superior”, o pagamento das propinas dos estudantes estrangeiros, que muitas vezes têm um valor mais alto do que o dos nacionais, constituiu-se uma dessas “vias”. No entanto, segundo Suter e Jandl (2008), a evidência tem igualmente demonstrado que, como as universidades exercem um impacto direto sobre o desenvolvimento económico, social e político da região à qual pertencem, para além da qualificação dos recursos humanos da região, começaram a preocupar-se com a mobilidade internacional dos seus estudantes, e com o recrutamento de alunos estrangeiros. Portanto, são fatores de ordem macrossocial que também podem estimular, ou não, a mobilidade estudantil internacional.

No que se refere à retenção dos estudantes estrangeiros após a conclusão dos estudos, Suter e Jandl (2008) referiram que esta só acontece mediante a oferta, direta ou indireta, de empregos no país de destino e a possibilidade de os estudantes poderem permanecer no país de acolhimento, por períodos determinados, para procurarem emprego ou criarem o seu próprio negócioi.

De facto, condições políticas e económicas favoráveis no país de destino podem contribuir para a retenção dos estudantes estrangeiros após a conclusão dos estudos. Contudo, deve salientar-se que tal como as condições de vida podem funcionar como fatores de atração e fixação destes estudantes no país de destino, se as expectativas não corresponderem à realidade, também podem estimular a saída do país (Zhou, 2015). Além disso, questões familiares e o background do próprio estudante podem determinar uma maior ou menor propensão ao retorno, permanência ou remigração (Hercog & Van de Laar, 2016).

 

III. FONTES DE INFORMAÇÃO E METODOLOGIA

Como já foi referido, este estudo integra-se num projeto de doutoramento, que procura responder a algumas questões sobre a mobilidade internacional dos estudantes brasileiros para Portugal.

Tendo como base a análise da informação disponível em fontes secundárias, mas também em dados qualitativos e quantitativos de recolha direta, foi possível não só contextualizar esses estudantes no ensino superior português, mas também analisar os fatores que motivaram a escolha de uma instituição de ensino superior em Portugal, e as intenções de mobilidade futura.

Assim, os dados da DGEEC e do Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF) foram os mais utilizados como suporte para esta caracterização, bem como para identificar e compreender as tendências de evolução face ao conjunto dos estudantes internacionais em Portugal.

O trabalho de campo, efetuado entre o segundo semestre de 2014 e o primeiro de 2015, compreendeu a realização de 42 entrevistas a estudantes brasileiros matriculados no ensino superior português, nos municípios de Coimbra, Lisboa e Porto (por serem os lugares que concentravam um maior número de estudantes originários do Brasil) e 10 a ex-alunos que tinham frequentado o ensino superior em Portugal e residiam no Estado de São Paulo ou Minas Gerais (em virtude de serem os Estados que, segundo dados do Programa “Ciência sem Fronteiras”, tinham enviado mais estudantes universitários para Portugal). Entrevistaram-se ainda 11 Diretores e/ou Vice-Diretores das IES portuguesas que, segundo os dados da DGEEC, tinham recebido maior número de estudantes de nacionalidade brasileira, entre os anos letivos de 2008/2009 e 2011/2012 (último ano disponível à data de realização das entrevistas). No entanto, não aprofundaremos o resultado obtido com estas entrevistas neste artigo.

Por fim, realizou-se um questionário online, dirigido a todos os estudantes brasileiros que, à data da realização do inquérito, residissem em Portugal há pelo menos 3 mesesii e cujo principal motivo da migração para este país tivesse sido o estudo. Este inquérito decorreu entre outubro de 2015 e janeiro de 2016, tendo sido obtidas 449 respostas válidas. Ainda que se tenha tratado de um inquérito não presencial e que a amostra tenha sido “não probabilística”, considerou-se que o elevado número de respondentes permitiu minimizar os riscos de um eventual enviesamento dos dados recolhidos. Além disso, como a maioria dos inquiridos disponibilizou um endereço de correio eletrónico de contacto, foi possível interagir com os respondentes sempre que necessário, clarificando algumas das respostas.

Como os dados da DGEEC já haviam mostrado, também na amostra obtida com o inquérito online, a maioria dos respondentes (60%) era constituída por mulheres. Apenas 3,1% dos inquiridos chegaram a Portugal antes de 2010, verificando-se, a partir dessa data, uma tendência de crescimento acelerado do número de brasileiros que vieram estudar para Portugal, sendo que 45,7% vieram em 2015, ou seja, mais 78,3% do que em 2014. Mais de metade tinha menos de trinta anos de idade, cerca de 2/3 eram solteiros e 26,7% eram casados ou viviam em união de facto. A maior parte veio para fazer o doutoramento e o mestrado plenoiii (30,7 e 26,7%, respetivamente). Contudo, em 2014 e 2015 observou-se um aumento elevado da percentagem dos que vieram para fazer a licenciatura e sobretudo dos que estavam integrados ao abrigo de programas de mobilidade entre instituições portuguesas e brasileiras (Graduação-Sanduiche).

 

ESTUDANTES BRASILEIROS NO ENSINO SUPERIOR PORTUGUÊS: ELEMENTOS CONTEXTUAIS

A presença de brasileiros em Portugal tem uma longa tradição, radicada nas relações históricas entre os dois países, desde os Descobrimentos e a colonização portuguesa. Contudo, até aos anos 1980, a imigração brasileira permaneceu pouco expressiva, ganhando apenas algum impulso após a entrada de Portugal nas Comunidades Europeias em 1986, com a vinda de profissionais qualificados e altamente qualificados (dentistas, profissionais ligados ao marketing, publicidade, novas tecnologias da informação e comunicação), alguns dos quais descendentes de emigrantes portugueses no Brasil. A partir de meados da década de 1990, desenvolveu-se uma segunda vaga de imigração do Brasil para Portugal, muito mais intensa do que a anterior, e constituída fundamentalmente por trabalhadores de baixa qualificação, muitos dos quais indocumentados, que exerciam atividades na hotelaria e restauração, construção civil e trabalho doméstico (Malheiros, 2007; Pinho, 2012; Fonseca, Pereira, & Iorio, 2016).

A migração de estudantes do ensino superior, embora presente ao longo destes dois períodos, desenvolveu-se sobretudo nos últimos quinze anos, dado que como referido anteriormente, segundo os dados da DGEEC, no ano letivo de 2008/2009, o Brasil passou a ser o país estrangeiro com o maior número de alunos inscritos no ensino superior português, posição que tem mantido desde essa altura. De acordo com a mesma fonte, em 2017/18, o número de estudantes brasileiros em mobilidade, matriculados nas universidades e nos institutos politécnicos portugueses ascendia a 11 913 (32% de um total de 37 198 estudantes em mobilidade internacional). Assim, como pode verificar-se nas figuras 1 e 2, o Brasil ocupava a primeira posição, no que se referia aos inscritos, em mobilidade de grauiv e a segunda, imediatamente após a Espanha, no caso dos inscritos em mobilidade de créditosv, representando, respetivamente, 38,6% e 16,3% do total de cada um desses grupos.

 

 

 

 

A redução drástica do número de nascimentos, que se tem verificado em Portugal ao longo das últimas décadas, vai refletir-se na diminuição do número de candidatos ao ensino superior, constituindo uma forte ameaça à sustentabilidade de algumas instituições universitárias e institutos politécnicos. Ainda que uma parte da redução do número de jovens que ingressam no ensino superior possa ser atenuada pelo crescimento do número de trabalhadores estudantes que procuram aumentar o seu nível de escolaridade e pela cada vez maior necessidade de formação ao longo da vida, essas novas procuras formativas não serão suficientes para compensar a redução do número de candidatos ao ensino superior, resultante da queda abrupta do número de indivíduos em idade “padrão” de frequência desse nível de ensino (18 aos 25 anos). Em menos de vinte anos o número de nados-vivos de mães residentes em Portugal, passou de 120 008, no ano 2000, para 86 154, em 2017, ou seja, sofreu uma redução de 28,2%.

Tendo presente os efeitos da dinâmica demográfica na tendência para a diminuição futura do número de candidatos nacionais ao ensino superior e a progressiva redução do financiamento público das universidades que tem vindo a observar-se nos últimos anos, as instituições de ensino superior começaram a desenvolver estratégias para a captação de novos estudantes internacionais (Fonseca et al., 2016). Deste modo, os Planos Estratégicos para o quadriénio 2011-2015 das Universidades de Coimbra e do Porto, bem como os sucessivos Planos de Atividades da Universidade de Lisboa a partir de 2014 já apresentavam objetivos muito claros para essa internacionalização. Para tal, referiam uma especial atenção aos estudantes provenientes dos países lusófonos, bem como a necessidade de protegerem e divulgarem a sua “marca” junto destes países. Por conseguinte, os diretores e/ou vice-diretores entrevistados reconheceram como estratégias de captação, uma melhoria na visibilidade e divulgação das suas instituições (através de reformulação dos respetivos websites, da inclusão em rankings internacionais e da presença em feiras e eventos a nível mundial), bem como no estímulo à cooperação com universidades estrangeiras.

Por sua vez, o Governo Português, através da implementação do “Estatuto do Estudante Internacional” em 2014, também procurou estimular o recrutamento de alunos estrangeiros, criando um “Concurso Especial de Acesso” para estes estudantes, e eliminando a concorrência com o “Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior Público”. 

O Brasil, com a criação do Programa de Mobilidade Internacional “Ciência sem Fronteiras” em 2011, conseguiu fortalecer os laços com alguns países neste domínio (Spears, 2014), entre os quais Portugal, mas este país deixou de aparecer nos editais deste Programa, em 2013, por não estimular a aprendizagem de um novo idiomavi. Assim, muitas IES portuguesas, temendo uma diminuição na captação desses estudantes devido ao fim do “Ciências sem Fronteiras” e a posterior promulgação do “Estatuto do Estudante Internacional”, decidiram fixar o valor das propinas bastante abaixo do máximo previsto neste Estatuto. Além disso, a partir de 2013, algumas dessas universidades passaram a considerar as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) no Brasil para o ingresso de estudantes brasileiros.

A Universidade de Coimbra foi a primeira a estabelecer um convénio interinstitucional, em 26 de maio de 2014, com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do Ministério da Educação brasileiro, com o propósito de utilizar os resultados do ENEM no processo de seleção dos estudantes que pretendam ingressar nos cursos daquela universidade. Atualmente, existem já protocolos semelhantes com 28 universidades e institutos politécnicos portugueses.

 

MOTIVAÇÕES PARA A MOBILIDADE INTERNACIONAL DE ESTUDANTES BRASILEIROS NO ENSINO SUPERIOR EM PORTUGAL

A decisão de ir estudar para uma universidade no estrangeiro é um processo complexo que resulta da interação de aspetos de natureza diversa, onde se incluem diferentes motivações individuais, as relações entre instituições de ensino superior dos países de origem e destino dos estudantes, e os fatores macroestruturais - económicos, sociais, políticos - com destaque para a crescente mercantilização e diferenciação do sistema universitário, que resulta num maior prestígio e valor das universidades melhor posicionadas nos rankings internacionais (Findlay, 2011; Fonseca et al., 2015).

Assim, com base nos resultados obtidos com o inquérito online e com as entrevistas efetuadas aos estudantes brasileiros que frequentaram uma IES portuguesa, analisaremos os fatores que motivaram estes respondentes para estudar no estrangeiro e as razões da escolha de Portugal e da universidade de destino.

A maioria dos inquiridos referiu ter vindo para Portugal sem bolsa de estudo (57,2%). Por conseguinte, apesar da redução de bolsas de estudo pelo governo brasileiro, em 2013, e do aumento das propinas para estudantes internacionais após a regulamentação do “Estatuto do Estudante Internacional” em Portugal, em 2014, a captação de estudantes brasileiros pelas instituições portuguesas de ensino superior continuou a aumentar, como observaram alguns dos estudantes entrevistados:

“Eu tenho visto muitos estudantes brasileiros indo pra fora, sobretudo Portugal. Até houve um momento em que a gente percebeu que, pelo facto de muitos estudantes estarem indo para Portugal, o Governo Brasileiro reduziu um pouco essa oferta de bolsas para lá”. (referiu M., que veio em 2012 para a Universidade de Coimbra, mas já regressou ao Brasil)

 “Havia muita gente na graduação que tinha ido por conta. Era o que mais havia! Havia gente com bolsa do Ciência sem Fronteiras (CsF) também, mas não eram muitos… Eu só conheci uma pessoa fazendo doutoramento com bolsa do CsF.” (referiu T. que veio em 2010 para a Universidade de Coimbra, mas já regressou ao Brasil).

Verificou-se, também, que dos 192 respondentes beneficiários de uma bolsa de estudo, 127 eram financiados por uma instituição brasileira. Numa sociedade baseada no conhecimento, ter uma experiência de estudo fora do país de origem deixou de ser opcional para se transformar em quase uma “obrigação” (Araújo, 2007; Mazza, 2008; Videira, 2013), fazendo com que, mesmo sem financiamento, cada vez mais estudantes brasileiros procurassem uma qualificação académica numa universidade estrangeira.

O aumento do fluxo migratório de estudantes brasileiros para Portugal foi acompanhado também pela diversificação das regiões de origem. Grande parte dos respondentes era originária das Regiões Sudeste e Nordeste do Brasil (fig. 3). Contudo, deve salientar-se que os inquiridos eram provenientes de todos os Estados brasileiros, com exceção de dois (Acre e Roraima).

 

 

No inquérito online, cujas perguntas eram de escolha múltipla, na questão “Quais foram as motivações para estudar fora do Brasil?”, destacaram-se dois conjuntos de respostas fundamentais: um relacionado com a formação académica, expresso em afirmações como - “Ter uma experiência académica no exterior”, “Enriquecer o currículo/ Forma de progredir na carreira”, “Estudar numa Universidade de (maior) Prestígio” e ter “Contatos com professores numa Instituição de Ensino Superior no exterior”) e outro associado ao desejo e à curiosidade de “Ter uma experiência de vida no exterior”, “Conhecer novos lugares (Viajar)” e “Conhecer outra cultura” (fig. 4).

 

 

No que se refere à escolha do país, as respostas à questão “Quais motivos fizeram você optar por Portugal como país de destino?” prenderam-se, maioritariamente com “A Língua” (71,3%), seguida de “A Cultura” (52,8%) e dos “Ganhos Sociais: menor custo de vida, mais segurança, melhores acessibilidades” (50,8%) (fig. 5).

 

 

A relevância da língua para a escolha de Portugal foi concordante com o que autores como Mazzarol e Soutar (2002), Glover (2011) e Zhou (2015) já tinham observado, relativamente a outros grupos de estudantes internacionais e a outros destinos, sendo também claramente expressa nas entrevistas efetuadas:

 “(…)eu pensei, para escrever uma tese noutra língua, eu vou ter imensa dificuldade, então para mim tinha que ser Portugal por causa disso. Eu até pensei em Espanha, mas escrever a tese em Espanhol, para mim, também seria complicado.” (M.C. veio para Coimbra em outubro de 2008. Entrevistada em Lisboa, em novembro de 2014).

Mesmo aqueles que disseram que tinham conhecimento de outro idioma, mas não o conseguiram comprovar, a língua acabou por ser um elemento decisivo, como referiu outro entrevistado:

“O Instituto Superior Técnico (IST) foi a minha segunda opção… A primeira foi uma faculdade na França… Mas aí eu não fui aceito… porque eu precisava que a minha professora fizesse um documento dizendo que eu sabia falar a língua, e como ela estava doente na época, não conseguiu fornecer esse documento… Eu podia ter ido para um país de língua inglesa, mas eu tinha que ter um diploma que comprovasse que eu sei falar inglês. Eu tenho um, mas que não é reconhecido… Então eu tive que escolher Portugal “forçado.” (L.E. veio para Lisboa em fevereiro de 2014. Entrevistado em Lisboa, em outubro de 2014).

Portanto, como também afirmaram alguns dos diretores e/ou vice-diretores entrevistados, o principal fator de atração dos estudantes brasileiros para Portugal é a inexistência da barreira linguística.

A “Cultura” foi outro dos fatores referidos por mais de metade dos inquiridos (52,8%) para optarem por Portugal como país de destino:

“Eu acho que o fator decisivo para a escolha de Portugal foi a questão cultural. Eu poderia ir para os Estados Unidos, apesar do meu inglês não ser muito bom… mas eu nunca quis ir para os Estados Unidos. Eu preferia muito mais ir para a Europa, e mesmo na Europa, eu preferia muito mais ir para um país latino do que, por exemplo, pra Inglaterra…” (J.V.B., veio para Évora em agosto de 2014 e já retornou ao Brasil. Entrevistado por Skype em março de 2015).

Já na questão sobre “Quais foram as razões para a escolha da UNIVERSIDADE para a qual você veio em Portugal?” os principais fatores referidos por 67,9% e 57,5% dos estudantes inquiridos foram: i) o “Prestígio da universidade/ Reconhecimento da mesma na minha área de estudos” e porque ii) “O Curso que eu queria fazer estava nessa universidade (Grade curricular mais atraente)”. Admitimos, portanto, que a escolha da IES se baseou fundamentalmente no seu prestígio e reconhecimento e numa estrutura curricular do curso pretendido considerada mais atraente (fig. 6).

 

 

Apesar de “O prestígio das universidades portuguesas” ter sido o quarto motivo mais apontado para a escolha de Portugal (41,2%), na avaliação de determinados aspetos dessas universidades, mais de um quarto dos respondentes avaliaram “O Curso” (28,1%) e “Os Professores” (25,8%), como “nem positivos, nem negativos”. Isto pode significar que, para estes alunos, o imaginário que tinham do ensino superior em Portugal (construído com base em redes de contatos com outros estudantes e nos rankings universitários), lhes criou expectativas superiores à realidade. Por outro lado, a apreciação que fizeram de Portugal e da cidade de residência, foi, no geral, positiva, nomeadamente no que se refere às condições de segurança, avaliadas positivamente por 93% dos estudantes que responderam ao inquérito online.

No ponto seguinte, veremos se a experiência vivida em Portugal se reflete na eventual alteração do projeto de mobilidade inicial desses estudantes e quais os fatores mais influentes na intenção de regressar à origem, ficar em Portugal ou partir para outro destino.

 

PERSPETIVAS DE MOBILIDADE FUTURA

A maioria dos estudantes inquiridos (62,8%) manifestou a intenção de regressar ao Brasil após a conclusão dos estudos; 9,8% disseram que pretendiam ficar em Portugal; 10% que desejavam ir para outro país, 15,8% ainda não tinham planos definidos para o futuro e 1,6% não responderam a esta questão.

As principais razões para o regresso prenderam-se com “questões familiares” (não querer ficar longe da família e amigos no Brasil) e com a “obrigatoriedade do retorno” (sobretudo para os que vieram com bolsa de estudo e para a modalidade sanduíche). Além disso, a falta de oportunidades profissionais compatíveis com as suas qualificações, bem como problemas para a prorrogação da autorização de residência, com permissão para o exercício de atividade profissional, também dificultaram a fixação destes estudantes em Portugal. A burocracia e os encargos financeiros para conseguir o reconhecimento das habilitações para exercício de atividade profissional foram outros dos obstáculos referidos pelos entrevistados.

“Eu vejo muitos estudantes em Portugal com 3, 4 pós-doutorados e ainda não concursados (ou seja, que não foram admitidos através de concurso para poderem ingressar como profissionais nas universidades). Eu acho muito difícil o mercado absorver a quantidade de pessoas qualificadas que têm em Portugal, pelo menos na universidade… A universidade não está contratando ninguém…” (M. veio para Coimbra em fevereiro de 2012 e já retornou ao Brasil. Entrevistada em Campinas/ São Paulo, em janeiro de 2015).

Alguns entrevistados reforçaram, ainda, a ideia de que se Portugal não tem conseguido reter nem os seus próprios jovens, muito menos conseguirá fixar os estrangeiros:

“Em 2009/2010 a sociedade portuguesa entrou em pânico com a crise e se tornou uma sociedade sem perspetiva para o próprio português…” (L. veio para Coimbra em setembro de 2008 e já retornou ao Brasil. Entrevistada em Belo Horizonte/Minas Gerais, em dezembro de 2014).

“Os jovens… a grande maioria, pelo menos aqui em Coimbra, saem de Portugal… Outro dia a gente estava até brincando, “O quê que Portugal mais exporta? Gente!” (L.P. veio para Coimbra em setembro de, 2014. Entrevistada em Coimbra, em outubro de 2014).

Por seu turno, os estudantes que gostariam de se estabelecer em Portugal afirmaram que a principal razão era a “Qualidade de Vida” no país:

“(… )poder andar na cidade, sem medo, isso faz com que a gente queira ficar em Portugal. Segurança e Transporte! Esse diferencial faz com que a gente abra mão de viver economicamente melhor, porque a qualidade de vida aqui acaba sendo melhor!” (J. veio para Lisboa em setembro de 2014. Entrevista realizada em Lisboa, em dezembro de 2014).

 

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da análise do que motivou os estudantes universitários brasileiros a completarem a formação superior fora do seu país, bem como do que influenciou a escolha de uma instituição de ensino superior portuguesa, este artigo permitiu demonstrar que a mobilidade internacional dos estudantes universitários é um processo complexo, resultante da interação de vários níveis de fatores macroestruturais, de natureza política e económica, bem como das estratégias de internacionalização das instituições universitárias e das motivações individuais desses estudantes.

Os resultados do estudo empírico do caso dos estudantes internacionais brasileiros confirmaram a valorização atribuída a uma experiência académica ou de vida no estrangeiro, na decisão de estudar fora do Brasil e a relevância da partilha da mesma língua, seguida pela vontade de conhecer outra cultura, na escolha de Portugal como país de destino. Os fatores mais influentes na seleção da IES prenderam-se com o seu prestígio, a existência de relações de cooperação, formal ou informal, com a universidade de origem, a possibilidade de obter uma bolsa de estudo e, por fim, as redes de conhecimento interpessoal com docentes ou estudantes que frequentam ou tinham frequentado essa instituição. Além das motivações de ordem individual, o crescimento da mobilidade internacional de estudantes brasileiros para Portugal ficou também a dever-se a uma conjuntura favorável da economia brasileira, que tornou possível não só o lançamento, pelo governo do Brasil, de um vasto programa de bolsas de estudo para fora do país, mas também permitiu que mais indivíduos tivessem condições para pagar os seus estudos fora do país. Simultaneamente, em Portugal, a conjugação da progressiva redução do financiamento das IES proveniente do Estado, com a diminuição do número de candidatos ao ensino superior nos anos da crise económica e financeira, bem como das perspetivas de redução da procura resultante da diminuição da natalidade, fez com que as universidades portuguesas começassem a desenvolver estratégias para a captação de estudantes internacionais, sobretudo dos países de língua oficial portuguesa.

No que se refere à capacidade de retenção em Portugal dos diplomados estrangeiros, verificou-se que as dificuldades da sua incorporação no mercado de trabalho foram fortemente agravadas pelos efeitos da crise económica e financeira de 2007/2008, já que os próprios portugueses, entre os quais muitos jovens, começaram a emigrar devido a falta de oportunidades laborais no país. Assim, a “fuga de cérebros” em Portugal atingiu os números mais altos desde os anos 1960 (Peixoto et al., 2016) e as IES portuguesas começaram a investir na atração de estudantes internacionais. No entanto, assim como havia acontecido com os jovens portugueses, também no caso dos estrangeiros, não foi possível fixá-los em território nacional, após estes concluírem os estudos. No caso específico dos estudantes brasileiros, apesar da recente crise política que se instalou no país, os diplomados em Portugal até 2015 ainda acreditavam que poderiam encontrar melhores oportunidades se regressassem ao Brasil, ou reemigrassem para outro destino, do que se permanecessem em Portugal. Considerando que a qualidade de vida em Portugal, com destaque para as condições de segurança, foi o principal fator de atração indicado pelos estudantes brasileiros que pretendiam estabelecer-se no país, importa agora analisar até que ponto a crise política e económica que o Brasil atravessa atualmente poderá afetar a mobilidade futura desses estudantes.

 

AGRADECIMENTOS

Este artigo resulta do projecto de investigação desenvolvido no âmbito de uma bolsa de Doutoramento: Trajetórias de Mibilidade Estudantil Internacional: estudantes brasileiros no ensino superior em Portugal (referência SFRH/BD/93887/2013).

 

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Recebido: maio 2018. Aceite: outubro 2018.

 

NOTAS

 

i Como, por exemplo, definiu a Diretiva 801 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2016. Esta Diretiva reconheceu a imigração de estudantes do ensino superior e de investigadores com origem em países terceiros, como uma “reserva de pessoas altamente qualificadas”, permitindo a permanência dos mesmos no país de acolhimento, num período até 1 ano após a conclusão dos estudos, para a procura de trabalho.

ii O período de, pelo menos, 3 meses, foi considerado tendo por base a definição das Nações Unidas (1998) que, segundo Videira (2013, p. 139), “embora não seja aceite por todos os académicos ou agências de estatística nacionais se tornou efetivamente muito consensual, a migração internacional de um indivíduo implica que este se mude do seu país de residência atual para outro, por um período entre três meses e um ano (migração de curta duração) ou superior a um ano (migração de longa duração).”

iii As modalidades “Sanduíche” são aquelas em que o aluno realiza somente parte do curso no exterior e as modalidades “Plenas” são aquelas em que o aluno realiza o curso integralmente no exterior.

iv Matriculados num estabelecimento de ensino superior português, que concluíram o ensino secundário num país estrangeiro e têm como finalidade a obtenção de um diploma (DGEEC - Inscritos em mobilidade internacional no ano letivo 2017/2018 - Mobilidade de Grau)

v Inscritos na mobilidade de estudo ou estágio, por um período de tempo, tendo como finalidade a obtenção de créditos académicos posteriormente reconhecidos na Instituição de Origem (DGEEC - Inscritos em mobilidade internacional no ano letivo 2017/2018 - Mobilidade de Crédito)

vi Informação disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/04/portugal-sera-excluido-do-ciencia-sem-fronteiras-diz-mercadante.html Acesso 24/03/2013.

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