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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.108 Lisboa ago. 2018

https://doi.org/10.18055/Finis14742 

COMENTÁRIO DE AUTOR


 

Professor Doutor Ilídio do Amaral

 

 

Adriano Moreira1

1Presidente do Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa Professor Emérito da Universidade Técnica de Lisboa.

Quando recordo a oportunidade feliz de conhecer pessoalmente Ilídio do Amaral, já ele exercia, na data difícil que se seguiu à Revolução de 1974, as funções de Reitor da Universidade de Lisboa, na continuidade da vice‑reitoria que igualmente lhe tinha sido confiada, funções em que se manteve entre 1975-1980. Nesse tempo, já consagrado como um dos mais notáveis geógrafos portuguesas vivos, cuja vida foi sempre dedicada, consagrada e reconhecida valiosíssima para a valia desta ciência, em Portugal e fora dele. A sua bibliografia, ordenada até ao fim do século passado, conta 447 títulos, e esperamos pelo decurso do século sem bussola em que nos encontramos, para a completar, porque a sua atividade não parou de intensidade, nem de atualidade, nem de qualidade, tendo feito esquecer a surpreendente definição de sócio emérito da Academia das Ciências de Lisboa, para lhe ser conferido o título que lhe foi unanimemente atribuído. Pude colaborar com ele na desaparecida Universidade Internacional, da qual foi Reitor, sempre com demonstração do seu espírito cívico, porque se tratou do período em que a forte crise no ensino superior oficial acompanhou a inevitável crise política que o país viveu, e a iniciativa privada, nem sempre recompensada pelo êxito, chamou ao exercício homens com a capacidade diretiva que incluiu por exemplo Palma Carlos, e em que, no período em que assumiu tais funções, se distinguiu mais uma vez Ilídio do Amaral. Mas se o convívio pessoal, que frutificou em admiração e amizade, cresceu com proveito meu que com satisfação anoto, também quero confessar que foi surpreendentemente enriquecido pelo furtuito e conhecimento da leitura que tive oportunidade de fazer do livro de José Eduardo Agualusa, intitulado – Nação Crioula, publicado entre nós pela Coleção Mil Folhas em 2003, mas cuja primeira edição é de 1997. Ninguém é independente da sua circunstância, nela está sempre a da terra e gente a que de origem pertence, e Ilídio do Amaral, nunca esqueceu a sua Angola, e particularmente a sua Luanda, nem o seu povo, tendo escrito uma das mais importantes, e breve, história desse país de língua portuguesa, do qual é talvez o português vivo que melhor e profundamente conhece a sua misturada população, a herança pesada do passado e o futuro sonhado pelo presente que também não se afigura fácil. Mas esse excecional conhecimento, não afetou nunca a atitude científica, independente, serena, rigorosa, com que dedicou grande parte da sua vida aos estudos dos problemas ultramarinos, mantendo sempre a serenidade científica não afetada pelo amor inquebrantável à terra de origem. No referido livro de Agualusa, a última carta da senhora Ana Olímpia, diz o seguinte: “Estou na vida como numa varanda. Vejo na rua passarem as pessoas com as suas tragédias íntimas. Vejo-as nascer e morrer. Nestas terras ácidas a natureza conspira contra nós. Um homem morre, desaparece, e logo a sua obra inteira se corrói e se corrompe e se desfaz. Os palácios de hoje amanhã serão ruínas. Uma panela de sopa, deixada ao ar fermenta numa única noite. Os fungos crescem nos armários como plantas malignas e se os deixarmos ocupam inteiramente os quartos e as casas. A própria memória rapidamente se dissolve”. Não foi o que aconteceu com Ilídio do Amaral que até nos cargos desempenhados, com dedicação, êxito, e saber, gastou grande parte da sua vida ao estudo, compreensão, e diretivas de progresso, para as gentes da terra que não esqueceu, merecendo que muitas instituições o distinguissem com veneras destinadas a inscrevê-lo na história da ciência portuguesa. Durante cerca de vinte anos foi fundador e Diretor do Centro de Geografia do Instituto de Investigação Científica Tropical, membro da Academia das Ciências de Lisboa, da Academia Portuguesa de História, da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Associação de Geógrafos de Cabo Verde, multiplicando os prémios, menções honrosas, nacionais e estrangeiros. Mas sempre com o acento tónico nos temas tropicais, destacando-se Luanda dos seus amores, sem descanso no olhar atento, minucioso, e descobridor. É pena, e não resisto, levado pela inquietação das memórias da história portuguesa, a registar o lamento de que o destino do Instituto de Investigação Científica Tropical não lhe tivesse ficado entregue, para não termos de sofrer a sua história final, visto o que representava no património português. São frias as palavras que resumem a vida breve de cada um e frias são as palavras “Curriculares Resumidas” que procuram perpetuar a sua passagem pela terra, sobretudo a terra que temos a honra ser a nossa terra. Não resisto a lembrá-las: “Geógrafo, Professor Catedrático Jubilado da Universidade de Lisboa, na qual fez toda a carreira de docência e de investigação científica, e foi dela Vice-Reitor e Reitor (1975-1980). Também foi Reitor da Universidade Internacional. Nascido em Luanda (Angola), em Setembro de 1926. Estudos do primário e do secundário na sua cidade natal, estudos universitários em Lisboa. Durante algum tempo quadro do Banco Português do Atlântico (Lisboa) e do Banco Comercial de Angola (luanda). Como geógrafo, fixou os seus interesses nas Regiões Tropicais e percorreu vários territórios dessa faixa do Globo, nomeadamente os das antigas colónias portuguesas, em trabalhos de campo que constituíram bases da maioria da sua produção científica. Áreas de estudo preferidas: geomorfologia, geografia urbana, geografia histórica, geografia política. Docente e conferencista na sua Universidade, noutras do País e também em instituições congéneres no estrangeiro. Orientador de dissertações de licenciatura, de teses de mestrado e de doutoramento, membro de júris de concursos académicos em várias universidades. Diretor e colaborador de projetos de investigação científica. Colaboração prestada a diversas organizações internacionais como consultor. Membro de corpos diretivos e de comissões de instituições coordenadoras e financiadoras de I & D (presidências), e também de revistas científicas nacionais e estrangeiras, tendo sido co-fundador de algumas. Participante em numerosas reuniões científicas em Portugal e no Estrangeiro. Foi Presidente da Comissão Nacional de Geografia, filiada na União Geográfica Internacional e, mais recentemente, durante cerca de vinte anos, fundador e Diretor do Centro de Geografia do Instituto de Investigação Científica Tropical. Responsável pela organização de exposições, colóquios e conferências de aspetos relacionados com as Regiões Tropicais. Membro Efetivo da Academia das Ciência de Lisboa, e seu representante no Conselho Nacional de Educação. Membro de Mérito da Academia Portuguesa da História. Sócio Honorário da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa. Sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa. Membro Honorário da Associação de Professores de Geografia (Portugal) e da Associação de Geógrafos Cabo-verdianos (Cabo Verde). Tem diversos trabalhos premiados, outros com menções honrosas, e muitas citações em obras de autores nacionais e estrangeiros. Continua em plena atividade. Para sublinhar a serenidade do sábio professor anotarei que no agitado ano de 1974, publicou 16 trabalhos e em 1979 já se preocupava com os problemas das “Ciências Humanas na África Lusófona”, e continuou sempre preocupado com Angola e portanto com a maneira portuguesa de estar no mundo, sem nunca dar oportunidade à desesperança, à animosidade, antes, como sempre, cultivando o respeito pelo outro e não apenas a tolerância, o diálogo e não o conflito, a cooperação e não a intransigência, o saber e não a imaginação destrutiva. Depois de tantos anos de aposentação, este sábio sempre atento à realidade que teima em evoluir, não esqueceu os seus interesses da juventude, quando foi quadro do Banco Português do Atlântico (Lisboa) e do Banco Comercial de Angola (Luanda) e sempre atento à novidade surpreendente da circunstância nova que nos vai esmagando com a crise económica e financeira, neste globalismo de que sabemos o nome e pouco da estrutura, lançou-se com juventude renascida, no estudo da Geografia da moeda, com cujos originais de trabalho me tem beneficiado, e que espero que dentro em pouco tenha a publicidade que merecem. Dizia o primeiro sábio Reitor Eleito da Universidade do Minho, Padre Craveiro, que neste mundo apenas conseguiremos deixar, se felizes na ação, algumas pegadas na areia, que, julgo que imaginou, os ventos iriam apagando. Ilídio do Amaral pôde escrever na lembrança da história. A brisa destruidora não atingirá as marcas dos seus passos. As gerações futuras herdam um património inesquecível.

 

IGOT - Universidade de Lisboai17/11/2016

 

NOTAS

iDiscurso do Professor Adriano Moreira proferido no IGOT-ULisboa, em homenagem ao Professor Ilídio do Amaral, 17 de novembro de 2016 (VIII Conferências do IGOT - “África: Ambiente, População e Desenvolvimento”).

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