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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.108 Lisboa ago. 2018

https://doi.org/10.18055/Finis12218 

ARTIGO ORIGINAL


 

Dominação e reprodução da automobilidade: a rede de auto-estradas das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto

 

Domination and reproduction of automobility: the motorway network of the Lisbon and Oporto Metropolitan Areas

 

Domination et reproduction de l’automobilité: le reseau autoroutier des Aires Metropolitaines de Lisbonne et Porto

 

 

Miguel Padeiro1

1Investigador Efetivo do Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, R. Branca Edmée Marques, 1600-276, Lisboa, Portugal. E-mail: jmpadeiro@campus.ul.pt

 

 

RESUMO

A mobilidade contemporânea é dominada pelo automóvel. Como sistema autoreprodutivo, a automobilidade tem-se reforçado ao longo do tempo, contribuindo para um conjunto de alterações sociais, culturais e geográficas. Neste quadro, as auto-estradas constituem um revelador da relação entre os territórios e o automóvel. Este artigo incide sobre as duas Áreas Metropolitanas Portuguesas (Lisboa e Porto), cuja rede de auto-estradas cresceu nas últimas três décadas de forma significativa. Com base numa revisão da literatura e nalguns dados estatísticos produzidos no decorrer de uma investigação em curso, providenciam-se pistas de reflexão acerca da realidade nacional. Os números mostram que as duas Áreas Metropolitanas ocupam uma posição excepcional no contexto europeu, com uma densidade de auto-estradas superior a 140km de vias por mil km2, equivalendo a um possível sobredimensionamento da rede em 35-42% face a outras metrópoles europeias. A expansão recente (2000-2016) da rede de auto-estradas mostra que esta situação não resulta só das necessárias políticas de modernização e de uma resposta automática ao desenvolvimento económico. Deve principalmente à ineficiente regulação da expansão urbana e à aceitação total, até um período muito recente, do automóvel como resposta às necessidades de mobilidade.

Palavras-chaves: Auto-estradas; automobilidade; Portugal; infra-estruturas; expansão urbana.

 

ABSTRACT

Contemporary mobility is dominated by the car. As an auto-reproductive system, automobility has been reinforced in the last decades, contributing to a set of major social, cultural and spatial changes. In this context, motorways reveal the relationship between territories and automobile. This paper examines the case of the two Portuguese metropolitan areas (Lisbon and Oporto), where motorway networks have grown significantly in the last three decades. Based on a literature review and on some numbers produced during an ongoing research, some ideas are explored on the Portuguese case. It is shown both metropolitan areas hold an outstanding position in the European context, with a motorway density above 140km per 1,000km2, equivalent to a possible oversizing in 35-42% comparing to other European cities. The recent expansion (2000-2016) of the motorway network suggests that this situation is not only the result of the necessary modernisation policies, nor an automatic outcome of economic growth. It is mainly due to the inefficient regulation of urban expansion and to the total acceptation, until very recently, of automobile as a response to mobility needs.

Keywords: Motorways; highways; automobility; Portugal; infrastructures; urban sprawl.

 

RÉSUMÉ

La mobilité contemporaine est dominée par l’automobile. En tant que système auto-reproductif, l’ automobilité s’est renforcée au cours du temps, contribuant à un ensemble de changements sociaux, culturels et géographiques. Dans ce cadre, les autoroutes constituent un révélateur de la relation entre les territoires et la voiture. Cet article porte sur les Aires Métropolitaines de Lisbonne et de Porto dont le réseau autoroutier s’est étendu de manière significative au cours des trois dernières décennies. À travers une revue de littérature et de quelques chiffres produits dans le cadre d’une recherche en cours, quelques pistes de réflexion sont proposées. Les chiffres montrent que les deux aires métropolitaines occupent une position exceptionnelle dans le contexte européen, avec une densité autoroutière supérieure à 140km de voies pour 1 000km2, ce qui équivaut à un possible surdimensionnement du réseau de l’ordre de 35-42% par rapport à d’autres métropoles européennes. L’expansion récente (2000-2016) du réseau autoroutier montre que cette situation n’ est pas seulement le résultat de nécessaires politiques de modernisation, ni d’une conséquence automatique du développement économique. Celle-ci doit surtout à l’inefficace régulation de l’ expansion urbaine et à l’acceptation totale, jusqu’à une période très récente, de l’ automobile comme réponse aux besoins de mobilité.

Mots clés: Autoroutes; automobilité; Portugal; infrastructures; expansion urbaine.

 

 

I. INTRODUÇÃO

O automóvel afirmou-se na primeira metade do século XX como um actor fundamental da mobilidade, influenciando a evolução dos territórios de uma forma inédita, incorporando-se em todas as esferas da vida individual e quotidiana, da vida política e dos sistemas culturais e económicos (Sachs, 1992; McShane & Hugill, 1994). No continente europeu, onde a configuração urbana herdada de uma longa sequência histórica manteve a importância económica, política e cultural da centralidade, o automóvel constituiu uma ruptura, facilitada pela emergência de correntes de pensamento (movimento moderno, pós-modernismo) favoráveis à hipermobilidade. No entanto, a seguir a décadas de fé no progresso económico e social associado a essa tecnologia, a constatação dos seus efeitos negativos colocou em contraponto a necessidade de regulação, senão da mobilidade, pelo menos dos seus efeitos externos e da sua dependência em relação a um modo cada vez mais considerado voraz e alienante (Buchanan, 1963; Conley & Tigar McLaren, 2009).

A questão tem ganho grande relevância política e científica nos últimos anos, como demonstram por um lado a afirmação de conceitos como o Transit-Oriented Development ou a Compact City (Cervero, Ferrell, & Murphy, 2002), e por outro as inúmeras tentativas de redução do uso do automóvel através da reformulação dos perfis viários, do estabelecimento de sistemas de portagens urbanas, da requalificação do espaço público ou de megaprojectos favoráveis a outros modos. Em Portugal também, alguns projectos de requalificação urbana têm rediscutido nos últimos anos, de forma por vezes tímida, o lugar do automóvel na cidade. Nem essas operações, que visam no entanto essencialmente áreas centrais, nem a multiplicação de planos de mobilidade a várias escalas, permitem vislumbrar uma diminuição significativa do uso do automóvel. Os sistemas de mobilidade e as formas urbanas associadas já criaram uma dependência tão forte em relação a este modo nas periferias urbanas que dificilmente operações urbanísticas localizadas preferencialmente em espaços centrais poderão alterar as tendências à escala metropolitana. Neste aspecto, o nosso país não é nenhuma excepção na Europa, não obstante a diversidade das situações.

No entanto, em poucas cidades europeias se coloca a questão com tanta acuidade como nas duas metrópoles portuguesas: as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto situam-se no grupo dos aglomerados urbanos mais bem servidos por infra-estruturas rodoviárias no contexto europeu, demonstrando uma supremacia automobilística particularmente marcada. Parte da explicação reside no desenvolvimento económico recente, no importante crescimento demográfico das áreas litorais e nas deficiências da regulação da expansão urbana (Domingues, 2006; Pereira, 2008). Estes factores chegariam para explicar o aumento das infra-estruturas no território, todavia não permitem compreender porque a oferta rodoviária das duas áreas metropolitanas ultrapassa de forma tão significativa os padrões europeus.

Este artigo aborda a automobilidade e o carácter proeminente das auto-estradas nas áreas metropolitanas portuguesas. Com base numa revisão da literatura e nalguns números produzidos no decorrer de uma investigação em curso, pretende-se aqui, mais do que proceder a uma análise quantitativa de dados, providenciar de forma mais distanciada algumas pistas de reflexão acerca da realidade nacional e dos factores explicativos.

Na secção que se segue discute-se o conceito de automobilidade e a forma como se imiscuiu na sociedade contemporânea. Reflecte-se, num segundo passo, sobre as duas áreas metropolitanas portuguesas de Lisboa e do Porto, procurando realçar as suas especificidades no contexto europeu e expondo a considerável progressão dos seus sistemas de transporte rodoviário. Por fim discutem-se algumas pistas explicativas no quadro de um sistema interpretativo possível, realçando a necessidade de aprofundar alguns aspectos em relação a um objecto que cristaliza polémicas políticas e financeiras de grande relevância.

 

II. INTERPRETAR A AUTOMOBILIDADE

1. A automobilidade como conceito e dispositivo

O conceito de automobilidade começou a formar-se com a deslocação do foco de interesse, inicialmente centrado no automóvel enquanto objecto tecnológico, para um sistema mais abrangente que inclui e relaciona o veículo com as modalidades do seu uso, as representações e os valores associados, os sistemas, materiais e imateriais, que o apoiam (Sheller & Urry, 2000; Urry, 2004). O automóvel deixa de ser a mera resposta social, automaticamente aceite, à inovação técnica e a necessidades de deslocações pré-estabelecidas numa relação causal de sentido único. Passa a inscrever-se num conjunto de correntes de pensamento, atitudes racionais e subjectivas, debates políticos e ideológicos, e afirma-se através da sua capacidade auto-reprodutiva, gerando as condições da sua própria indispensabilidade e aceitabilidade social (Gartman, 2004).

A emergência e afirmação da automobilidade tem várias interpretações possíveis, simultaneamente complementares e antagónicas, de fronteiras permeáveis. Estabelecem-se ao longo de linhas de clivagem determinadas pelo grau de desejabilidade do automóvel na perspectiva do indivíduo (desejado, forçado) e pela dimensão, ou escala, em que se centra a finalidade do automóvel. Na categorização aqui proposta (quadro I), cada elemento poderia ser deslocado de uma categoria para outra, dependendo essencialmente do ponto de vista do observador – o que torna as classificações ao mesmo tempo frágeis e necessárias.

 

 

Uma primeira linha de demarcação, transversal às quatro dimensões definidas, separa o carácter desejável e forçado do uso predominante do automóvel em termos individuais. Por “desejado”, entende-se a convergência directa entre os desejos individuais e a predominância do automóvel na mobilidade. Nesta primeira perspectiva, o willing consumer de Sanne (2002) adopta o automóvel de forma quase exclusiva porque lhe permite tirar o máximo partido das oportunidades existentes num tempo limitado e num raio de acção maior. Esta manuseabilidade do automóvel na mobilidade quotidiana é fomentada por um conjunto de motivos, dos quais um dos mais aparentes para o cidadão comum é a própria existência de uma potente e prática “máquina de andar”, da adaptabilidade e constância da inovação tecnológica, que têm propiciado aos condutores maior velocidade, conforto e autonomia, por um preço cada vez mais reduzido. A diminuição da fricção do espaço, o aumento do raio de acção possível, a possibilidade de se mover no espaço dentro de uma bolha estanque, sem contacto directo com o exterior, proporcionando uma sensação de segurança e conforto, de independência perante grupos sociais indesejados (Henderson, 2009), fizeram do automóvel um ajudante para a optimização e realização de um programa de actividades cada vez mais complexo, com um número variável de interacções sociais motivadas por necessidades díspares no tempo e no espaço. Sem ele, o número de interacções sociais e de oportunidades cai (Freudendal-Pedersen, 2009).

Não sendo clara a fronteira entre a automobilidade desejável e forçada, entre o willing e o locked -in consumer (Sanne, 2002), a complexificação da agenda quotidiana individual, que inclui maior tempo de lazer e mais oportunidades (sociais, profissionais, culturais), pode ser vivida de várias maneiras, de modo que um determinado nível de mobilidade medido em quilómetros percorridos ou em tempo gasto diariamente não permite por si só determinar nem o estatuto do indivíduo, nem o grau de constrangimento. A maior flexibilidade e a melhor gestão das deslocações é muitas vezes ilusória: a automobilidade não é apenas uma ajuda perante uma agenda cuja complexidade é independente do modo de transporte. Contribui ela própria para o aumento das deslocações em causa, e torna-se indispensável à sua realização (Freund & Martin, 1993). Cria uma complexidade que ajuda depois a resolver num ciclo de dependência difícil de quebrar.

É desta forma subreptícia que a automobilidade se insinua no quotidiano: com automobilidade forçada, entende-se a existência de forças exteriores ao indivíduo que o constrangem nas suas escolhas, limitam as suas opções e/ou exercem pressão de alguma forma sobre as suas decisões, alterando significativamente o universo de oportunidades (sociais, financeiras, culturais). A posse e uso do automóvel aparecem como resposta racional, mas sobretudo imposta e inevitável, ao ambiente social e material que o rodeia (Soron, 2009). Mas o automóvel constitui ao mesmo tempo um objecto carregado de sentido, significado e identidade (Gartman, 2004; Steg & Gifford, 2005; Meyer, 2011). O conceito de positional good, de bem que proporciona ao seu proprietário um ganho simbólico e um estatuto (Verhoef & van Wee, 2000) e lhe custa por outro lado um valor mais elevado que outras opções disponíveis, as quais poderiam ser preferidas na ausência de qualquer pressão social, constitui um exemplo da ambiguidade da relação entre a sociedade e o automóvel (Litman, 2009). Pode dar alguma satisfação ao indivíduo e até criar oportunidades sociais ou profissionais pela simples exibição de um automóvel de elevada cilindrada ou cujo requinte e estética valoriza o proprietário do veículo; mas pode também gerar dificuldades financeiras ou impedir outras aquisições devido ao peso orçamental que representa. Pode, por fim, constituir o resultado de uma pressão coercitiva em parte criada pelos múltiplos apelos ao consumo e pela necessidade de ser como os outros (Freudendal-Pedersen, 2009; Meyer, 2011). O reforço da auto-estima e do estatuto pode então conduzir ao sobre-consumo (Litman, 2009).

No fundo, a internalização de valores colectivos permite que o indivíduo não considere como coercitiva, mas desejada, a escolha modal favorável ao transporte individual, ou a escolha de um modelo mais caro do que necessário. Também se expressa em termos colectivos nas opções rodoviárias do planeamento urbano. De facto, o automóvel permitiu inicialmente corresponder ao velho desejo das populações urbanas de habitarem uma casa mais espaçosa e com quintal, a relativamente curta distância – mas fora – do centro. A “ countrified city” (Goldfield, 1997) aparece como a materialização imperfeita, organizada (Letchworth na Inglaterra, subúrbios norte-americanos) ou espontânea e descontrolada [loteamentos dos anos 1920-1930 nos subúrbios parisienses, Áreas Urbanas de Génese Ilegal (AUGI’s) portuguesas mais recentes] de um sonho idealizado nos projectos de Broadacre City de Lloyd Wright ou da cidade-jardim de Howard, e que constitui para alguns autores o principal motivo da suburbanização (Miller, 2001). Mas a “autopia ” (Wollen & Kerr, 2002), como expressão de um entusiasmo quase cego em relação à liberdade e autonomia que o automóvel permite, permanecerá profundamente ligada às visões urbanas e modernistas da Carta de Atenas de 1933, traduzindo-se nos grandes projectos urbanos das décadas de 1960 a 1980, independentemente da sua localização central ou periférica, em que ao produtivismo, à racionalização dos meios e às economias de escala permitidas pela elevação da altura e das densidades se associava a noção dos fluxos e da velocidade como elementos fundamentais da cidade taylorista, de mecânica simples e em constante movimento. Este paradigma modernista e funcionalista é, como os restantes elementos, de classificação ambígua: projecto colectivo, mas sobretudo elitista e tecnocrático, forjou formas urbanas e processos de governação, alimentou a dependência da sociedade em relação ao automóvel. Em ambos os casos, a crítica intensificou-se a partir da década de 1990.

2. A oferta rodoviária como alavanca da automobilidade

A auto-estradai inscreve-se cedo na agenda política como um elemento de afirmação da modernidade, particularmente em períodos de maior tecnocracia e elitismo de Estado. Ora instrumento de dominação (Lefebvre, 1974; Virilio & Bratton, 2006) e segregação social e racial (Bayor, 1988; Trumper & Tomic, 2009), ora instrumento de perequação inter-regional e elo de ligação visando a coesão territorial a várias escalas (Gandy, 1998; Graham & Marvin, 2001), o seu desenvolvimento constitui também um eficiente meio de acumulação de capital, não só graças ao alargamento das áreas de influência e ao aumento das oportunidades económicas que permite (Sheller & Urry, 2000; Jain & Guiver, 2001), como através da promoção da indústria do automóvel e das actividades – automotivas, hoteleiras, comerciais – directamente relacionadas com a expansão das redes (Seely, 1987; 2004; Seiler, 2009).

Os processos governativos dos territórios conheceram ao longo das últimas décadas rápidas e profundas mudanças. A crise do político e do projecto colectivo, que a hipermodernidade de Ascher (1995) ou a sociedade líquida de Bauman (2000) realçam, é marcada por uma maior individualização dos desígnios territoriais e a aceitação da incerteza como subtrato estruturante das decisões. Neste quadro, duas evoluções adquirem particular relevância no que respeita à multiplicação das auto-estradas.

A redistribuição dos poderes e a complexificação das interacções entre os vários tipos de agentes configuram a primeira grande evolução e põem em causa o papel da regulação pública e das políticas de transporte e de ordenamento. Esta horizontalização (Burgel, 2006), que aproxima uma diversidade de actores das instâncias do Estado e consequentemente enfraquece as suas margens de manobra, tem contribuído para a necessidade de legitimação de projectos baseada nos números, o que se reflecte na importância acrescida do leadership e da comunicação (Rosanvallon, 2013). A multiplicação de projectos emblemáticos responde a considerações cosméticas e afastam-se das problematizações complexas, evitando responder às reais necessidades de territórios cada vez menos legíveis. Um segundo efeito desta tendência é a abertura à concorrência entre grupos de interesse desnivelados quer em termos de conhecimentos, quer nas suas capacidades financeiras. O quadro de incerteza, que tem vindo a justificar a maior flexibilidade do planeamento, a sua maior adaptabilidade a novas circunstâncias e perante novas oportunidades, a sua renegociação permanente (Faludi, 2000), tende a aumentar o risco de acentuados desequilíbrios nas decisões, com a apropriação das políticas e das finalidades dos solos e das infra-estruturas por parte de alguns agentes económicos. As pressões exercidas por determinados grupos de interesse constituem, neste quadro, uma evolução inerente à horizontalização dos poderes.

Não tem sido suficientemente sublinhado, no entanto, que a incerteza reside em parte na volatilidade intrínseca do capitalismo financiarizado (Pike & Pollard, 2010). É que em paralelo – segunda grande evolução –, o referencial neoliberal alterou as modalidades da acção pública, os pressupostos da governação territorial e a relação de força entre o regime de acumulação e o desígnio colectivo redistributivo. As lógicas privadas no domínio dos transportes não constituem uma novidade, tendo imperado em muitos aspectos antes da emergência das políticas keynesianas da primeira metade do século XX. Mas a procura de eficiência dos serviços, a necessária universalidade do acesso e a geração de efeitos externos (Graham & Marvin, 2001) tendiam a privilegiar opções mais favoráveis ao sector público. Através da financiarização, tanto do sector imobiliário (Graham & Marvin, 2001; Aalbers, 2008; Sevilla-Buitrago, 2015) como do sector das infra-estruturas (Torrance, 2008; O’ Neill, 2013), as auto-estradas deixaram de ser apenas um equipamento de utilidade pública, transformando-se num activo financeiro (O’Neill, 2015) integrado numa carteira global concebida como estratégia de diversificação (Torrance, 2008; 2009). A segmentação existente entre o planeamento dos usos do solo e dos equipamentos de transporte altera os modos de governança territorial, podendo levar em última análise à diminuição da regulação pública. A popularidade, à escala global, das parcerias público-privadas (PPP) e a participação acrescida de investidores, quer directamente relacionados com a actividade (consórcios concessionários, construtores) quer oriundos do ramo financeiro (bancos, fundos de pensões), em decisões com forte impacto na organização territorial, geram uma elevada opacidade (Siemiatycki, 2006; 2007; Forrer, Kee, Newcomer, & Boyer, 2010).

 

III. INFRA-ESTRUTURAS RODOVIÁRIAS E MOBILIDADE NAS ÁREAS METROPOLITANAS PORTUGUESAS

1. O contexto nacional, favorável à automobilidade

Cada uma das quatro dimensões atrás apresentadas (projecto colectivo e social, espaço urbano, dimensão individual e familiar, automóvel) pode estar sujeita a forças contrárias cujo resultado é uma tendência favorável (+) ou desfavorável (-) à automobilidade (fig. 1). Se uma delas, o automóvel enquanto objecto técnico, é por natureza genérica e independente do contexto específico, seja regional ou nacional, as outras três variam no espaço e no tempo.

 

 

A dimensão urbana é talvez a mais marcante. Os processos de crescimento urbano das duas áreas metropolitanas portuguesas, Lisboa e Porto, apresentam diferenças substanciais (Gato, 2013). Configuram sistemas de localizações contrastados e reveladores de processos que encontram a sua origem no legado geo-histórico de regiões densamente habitadas (45% da população portuguesa).

Lisboa, que na primeira metade do século XX, constituía um núcleo urbano rodeado por vastas extensões de cariz rural e relativamente pouco povoado, recebeu a partir da década de 1960 intensos fluxos migratórios oriundos das regiões rurais do país (até 1975 principalmente), mas também das ex-colónias (a partir dessa data) (Barata Salgueiro, 1997). A intensa e descontrolada suburbanização deu origem à construção de cidades dormitórios constituídas por prédios de elevada altura e ao desenvolvimento desconexo e esparso de largas áreas de construção espontânea e familiar, por vezes inseridas em loteamentos de ruas geometricamente desenhadas (Barata Salgueiro, 1977; Silva Nunes, 2011). A população da AML aumenta assim em quase 65% em vinte anos, passando de 1,51 para 2,48 milhões de habitantes entre 1960 e 1981. No caso da região urbana do Porto, o crescimento ao longo do século XX foi mais progressivo e assentou na existência, já no início do século XX, de uma larga área circundante constituída por múltiplos núcleos rurais e urbanos onde se misturava a pequena indústria tradicional e a agricultura familiar (Breda Vázquez, 1992). Ao longo da segunda metade do século XX, o povoamento já denso e disperso alimentou-se mais da elevada natalidade do que do afluxo de populações exteriores (Gato, 2013), confortando uma estrutura policêntrica pré-existente (Rio Fernandes, 2003; 2004) marcada por uma relativa autonomia local em termos económicos e demográficos.

A organização espacial resultante apresenta importantes diferenças entre as duas regiões urbanas. Em Lisboa, a forte polarização exercida pela capital gerou uma estrutura centro-periferia relativamente clássica, em parte apoiada nos eixos ferroviários existentes. Se é certo que a dispersão das actividades e das populações tem diminuído o peso relativo de Lisboa, a centralidade da capital mantém-se e até tende a reforçar-se, revelada pela permanência das funções estratégicas e pela emergência de processos de gentrificação (Xerez, 2008; Mendes, 2017). No Porto, a maior complexidade das formas e das paisagens denota uma grande heterogeneidade de usos do solo e um tecido urbano mais difuso com uma proporção mais elevada de casas unifamiliares no total de edifícios (87% contra 72% na AML, em 2011, dados da Base Geográfica de Referenciação de Informação (BGRI) (INE, 2011)). A diversidade e sobreposição de funções (Domingues, 2006; 2009), a relativa dispersão espacial dos fluxos pendulares constituem a expressão visível de um conjunto policêntrico em que as cidades periféricas (Maia, Matosinhos, Valongo, Vila Nova de Gaia) negam à centralidade portuense um total predomínio.

A constituição das Áreas Metropolitanas prolonga em termos institucionais a diferenciação morfológica. De um lado, a Área Metropolitana do Porto (AMP) apresenta uma delimitação menos consensual, deixa de lado concelhos vizinhos (Paços de Ferreira, Paredes, Penafiel) com importantes relações funcionais com os territórios mais urbanizados e abrange concelhos rurais (Arouca, Vale de Cambra) com extensas áreas em situação de relativo isolamento onde a agricultura se mantém como principal actividade económica. A delimitação actual parece responder a desígnios políticos mais do que ao reconhecimento de uma coerência territorial (Rio Fernandes, 2004; Gato, 2013). Tal não acontece na Área Metropolitana de Lisboa (AML), cujas delimitações se mantêm quase intactas desde o início e onde o território abrangido recolhe consenso – sem no entanto que se tenha chegado, até hoje e tal como no Porto, a uma verdadeira coordenação regional no que toca ao ordenamento do território e às redes de transporte, devido à ausência de legitimidade política dos executivos, à escassez de recursos financeiros e à persistente predominância dos níveis nacional e municipal nas decisões (Rio Fernandes, 2004; Domingues, 2006; Portas, Domingues, & Cabral, 2011).

O nítido contraste entre as duas áreas metropolitanas não deveria no entanto fazer esquecer que ambas constituem o resultado original, quando considerado no contexto europeu, de dois aglomerados urbanos onde ainda predominam lógicas parcelares que não só dão à paisagem um aspecto de manta de retalhos (Soares, 2003; Tenedório, 2003), com terrenos vagos e expectantes a entrelaçarem-se com os espaços urbanizados, apresentando eles próprios volumetria variada e contrastadas configurações, paisagens urbanas muito abertas e especialmente fragmentadas (Barata Salgueiro, 1997; Domingues, 2006; Portas et al., 2011), reflexo de uma génese urbana muito menos que noutros países controlada por órgãos governativos e muito mais dominados por lógicas de laisser-faire e vontades privadas (Soares, 2003; Babo, 2006; Cavaco, 2007; Portas, Domingues, & Cabral, 2007; Pereira & Nunes da Silva, 2008), quer estritamente individuais e familiares, quer oriundas da promoção imobiliária (Silva Nunes, 2011).

Em paralelo, se a dimensão individual e familiar revestiu em Portugal um conjunto de transformações particularmente aceleradas a partir da década de 1980, a persistência de elevados níveis de iliteracia na sociedade portuguesa (Cabral, 2000) não favoreceu a eclosão de contra-perícias associativas nem a emergência de um contraditório face às orientações pré-estabelecidas. Fora do país, movimentos contestatários impediram em várias ocasiões a concretização de projectos de auto-estradas, num modo cada vez mais informado. Às famosas highway revolts dos anos 1970 (Mohl, 2004) sucedem, ao longo das três décadas seguintes, as contestações de grupos de moradores e de ambientalistas cuja multiplicação leva à eclosão de novas capacidades de negociação e a níveis de competências capazes de rivalizar com as equipas técnicas dos projectos (Barnes, Newman, & Sullivan, 2007). Em Portugal, a multiplicação das auto-estradas a partir de 1990 beneficia não só da fraca capacidade de contestação como, na verdade, do sucesso da retórica do desenvolvimento e da redução das assimetrias, bem patente nas reivindicações locais.

À escala colectiva, é inegável que a história institucional do país, a sua falta de experiência em matéria de planeamento urbanístico e ordenamento do território, associada ao conjunto de mudanças demográficas e migrações ocorridas ao longo das duas décadas anteriores, produzira efeitos de expansão urbana praticamente impossíveis de moderar (Soares, 2003; Catita, 2009). Por um lado, o discurso e a posta em prática de acções de modernização procurava reduzir o atraso de Portugal em relação aos demais países europeus. O desenvolvimento da oferta de infra-estruturas no território, num quadro de forte receptividade dos métodos da rentabilidade socioeconómica, constituíram aos olhos dos planeadores e dos decisores a resposta mais adequada às necessidades futuras. O país encontrava-se carente de auto-estradas, com apenas 36km de auto-estradas em 1974 (25km entre Lisboa e Vila Franca, 11km entre o Porto e Coimbrões) (Secretaria-Geral das Obras Públicas (SEOP), 1975). Pela mesma altura, vários países europeus já possuíam uma rede extensa (1  200km no Reino Unido, 1 500km em França, 4 000km na Itália, 6 000km na Alemanha), e na vizinha Espanha estava lançado o desenvolvimento da rede (400km) – a despesa pública rodoviária na Europa triplicara na década anterior (Brisa, 1972; MOP, 1972). O crescimento económico do país fazia prever, em paralelo, um aumento significativo da mobilidade e da taxa de motorização. A retórica da modernização e da recuperação do atraso é visível na maioria dos documentos de planeamento, projectos oriundos das várias entidades responsáveis pelos transportes, já no início dos anos 1970. As autoridades abraçam a ideia de que o desenvolvimento da rede de auto-estradas é um factor fundamental do crescimento económico e que tudo deve ser feito para avançar – e vice-versa: com o crescimento económico a acontecer a curto ou médio prazo, e com as taxas de motorização a disparar, é necessário adaptar a rede à realidade futura. A meta de 20km por milhão de habitantes é apontada como adequada tendo em conta o nível de PIB do país (SEOP, 1975). A crise energética e as dificuldades financeiras que o país atravessou em finais da década de 1970 não iriam demover o planeamento das suas orientações favoráveis ao modo rodoviário e consequentemente mais sensíveis às variações do preço do petróleo. As auto-estradas progridem (fig. 2). Curiosamente, apesar de tudo não é nas décadas de 1970 e 1980 que a maioria das auto-estradas é construída. Em finais de 1989, os territórios hoje constituídos pela AML e pela AMP contavam com cerca de 205km de auto-estradas, ¼ da rede actual.

 

 

Os padrões de mobilidade em ambas as áreas metropolitanas evoluíram em consonância com a estruturação da oferta. Embora a sua análise se revele sempre difícil na ausência de um inquérito à mobilidade desde 1998, é notório que o peso do transporte colectivo no número total de deslocações diárias sofreu uma redução abrupta entre 1991 e 2011, já iniciada na década de 1980, passando de 47% para 28% na AML e de 47% para 18% na AMP (quadro II). No mesmo período, o transporte em automóvel passou de 13% para 59% na AML e de 23% para 66% na AMP. Esta rápida evolução, já abundantemente comentada (Direcção-Geral dos Transportes Terrestres (DGTT), 2000; Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), 2003; Marques da Costa, 2007; Nunes da Silva, 2013; Mourato & Carvalho, 2014), remete para um desequilíbrio na escolha e financiamento das infra-estruturas nos territórios, e em particular para a omnipresença da rede viária com perfil de auto-estrada, que em ambas as áreas metropolitanas conheceu nas últimas três décadas uma evolução significativa.

 

 

Apesar disto, não se pode dizer que a automobilidade resultante tenha seguido à letra as injunções dadas pela oferta. O uso do automóvel em deslocações casa-trabalho mantém-se muito comparável com outras regiões urbanas de tamanho semelhante: estimada à escala das Áreas Urbanas Funcionais (FUA) no continente europeu, a proporção é de 58,7% na FUA de Lisboa, 66,9% em Setúbal e 66,0% no Porto (Urban Audit, 2011). Em áreas menos urbanizadas, as taxas de motorização seguem relativamente bem a densidade de vias rápidas (fig. 3). Em áreas de elevada densidade, essa relação já não existe.

 

 

Não se pode subestimar, na progressiva construção das duas redes rodoviárias de alta capacidade, o efeito da inércia na realização de projectos concebidos anos antes num contexto diferente (Gramling & Marvin, 2011), e que pode ter levado à teimosa postura de prosseguir a expansão da rede, mesmo quando esta estava a atingir um patamar que a colocava em pé de igualdade com os países e regiões que se queria imitar no que respeita ao desenvolvimento. Quando chegam os fundos europeus, o país apressa-se, entre outras coisas, na construção de auto-estradas. A necessidade de cumprimento das decisões expressas no PRN 1985 leva a um investimento massivo nas infra-estruturas rodoviárias (Pacheco & Costa, 2016). As décadas de 1990 e 2000 não fornecerão a ocasião para repensar projectos delineados ao longo das duas décadas anteriores. Portugal, no período 1990-1999, ocupa a primeira posição europeia em dois indicadores: progressão da rede de auto-estradas, multiplicada por 4, desmantelamento da rede ferroviária, com uma perda de 22% (EUROSTAT, 2002). Mas continua a planear mais auto-estradas, como é visível no Plano Rodoviário Nacional publicado em 1998 (PRN2000). Os projectos discutidos ao longo da década de 1990 não colocaram em causa a opção rodoviária, antes confirmando-o na perspectiva do reforço dos equilíbrios existentes, de uma melhor articulação dos sistemas intra- e interregionais, e da melhoria da cobertura territorial (Grupo de Trabalho Inter-CCR, 1992). Países de industrialização antiga já haviam questionado pela mesma altura, a pertinência das redes de auto-estradas, ao ponto por exemplo de surgirem, em França, observatoires autoroutiers (Plassard, 1977); a posição em Portugal manteve-se, ignorando a vasta literatura a que a discussão acerca da realidade das relações de causa-efeito entre as auto-estradas e os territórios atravessados estava a dar origem (Black, 2003), ignorando as orientações definidas à escala europeia (Pacheco, 2005). Deste modo não surpreende que, apesar dos pareceres do GATTEL (Gabinete da Travessia do Tejo em Lisboa) sobre o projecto de nova travessia do rio Tejo, a escolha tenha recaído sobre a variante mais a nascente, que mais favorecia a dispersão urbana e excluía a opção mista rodoviária e ferroviária. A Ponte Vasco da Gama é hoje apenas uma auto-estrada.

A expansão das Parcerias Público-Privadas (PPP) contribuiu para esta tendência no período mais recente. Portugal é na União Europeia o país que mais recorreu a este tipo de parcerias, tendo no sector rodoviário o principal alvo das mesmas – mais de 80% dos encargos totais do Estado em PPP (Cruz & Marques, 2011; Barbosa, 2012), uma preponderância a que não é alheia a urgente necessidade de investimentos associada aos limites de endividamento impostos pelo tratado de Maastricht (Viegas, 2012). A substituição de princípios de regulação pública por acordos privados (Dwarka & Feitelson, 2013) teve consequências territoriais inesperadas: a definição de nós de ligação a posteriori e ao critério dos parceiros privados, e a obrigatoriedade, prevista nos contratos de concessãoii, de aumentar o número de vias a partir de um determinado nível de tráfego, permitiram aumentar a oferta rodoviária (e os lucros associados) e impediram que se repusesse em causa a automobilidade. Foi neste contexto que os lanços Loures-Malveira e CRIL-Loures foram alargados em 2010 e 2011 (Barbosa, 2012). As PPP revelaram-se dispendiosas para o Estado (Cruz & Marques, 2011), cuja inexperiência nesta matéria levou a numerosas alterações aos projectos iniciais (Marques & Silva, 2008).

Por outro lado, é legítimo duvidar de previsões de tráfego e de custos persistentemente erradas e com elevado grau de opacidade nos debates públicos. Quase sistematicamente, as projecções subestimam os custos e exageram os tráfegos. Métodos deficientes ou escassez de dados não chegam para explicar esta realidade. Flyvbjerg (2008) nota que em 70 anos o nível de imprecisão dos custos previstos em projectos rodoviários não se alterou. A distorção estratégica, que visa legitimar os projectos, e o excesso de optimismo, ligado a predisposições cognitivas (Kahneman & Tversky, 1979), constituem duas causas frequentes, diferentes e complementares, de previsões artificialmente inflacionadas (Flyvbjerg, 2008; Bain, 2009), e explicam porque metade dos grandes projectos rodoviários sobrestimam em mais de 20% os tráfegos previstos (Flyvbjerg, Skamris Holm, & Buhl, 2005). Em Portugal, 65% de uma amostra de estudos de impacto ambiental sobreavaliaram o tráfego previsto (Mendes, 2012). O grau de pressão política e financeira existente à volta dos projectos tem certamente uma influência significativa no padrão de erros, conscientes ou não. A multiplicação de processos de renegociação dos contratos de concessão e a falta de comunicação relativa aos erros de previsão, quer de custos quer de tráfego, traduzem-se num custo acrescido para as instituições públicas (Baeza & Vassallo, 2010) e serão provavelmente outros contributos para a desproporcional expansão das redes de transporte.

2. Deficiências e exuberância do sistema rodoviário

A primeira fase do crescimento urbano assentou em grande parte em projectos de iniciativa individual e em autorizações avulsas (Pereira & Nunes da Silva, 2008). Neste contexto, e na ausência de níveis de motorização que justificassem o desenvolvimento de uma rede secundária que conectasse eficazmente as várias áreas em urbanização, a construção de vias de serventia local constituiu o principal modo de desenvolvimento da rede viária (Viegas, 2012). Como resultado, a rede rodoviária apresenta-se desequilibrada, com um nível secundário pouco desenvolvido, parte do qual foi sendo transformado nas últimas décadas em vias rápidas, caso das EN 249, EN 117, EN 250, entre outras (Paz, 2013).

O sistema de auto-estradas das duas áreas metropolitanas possui uma estrutura relativamente semelhante (fig. 4). A sua dimensão faz da AML e da AMP casos praticamente inéditos na Europa: tanto Lisboa como o Porto estão praticamente rodeados por três vias de cintura concêntricas embora incompletas e parcialmente entrecruzadas: Segunda Circular/IP7, Cintura Regional Interior de Lisboa (CRIL)/A33 e Cintura Regional Exterior de Lisboa (CREL)/A10/A13/A2 na AML; Via de Cintura Interna (VCI), A20 e Cintura Regional Exterior do Porto(CREP) na AMP – estas últimas juntam-se numa única auto-estrada (A41) a nascente do Porto. Em ambos os casos, um feixe de vias radiais completa o sistema, mais do que os três eixos ferroviários radiais de que cada cidade dispõe (Cascais, Sintra e Vila Franca na AML; Aveiro, Marco de Canaveses e Braga/Guimarães na AMP), e estas vias radiais são por sua vez interconectadas por pequenos troços que preenchem e recortam os últimos interstícios: na AML, são o IC16, a A40, a Recta dos Cabos d’Ávila e a Av. General Correia Barreto que, apesar da designação destas últimas, apresentam perfil de auto-estrada; na AMP, a Via Norte (Estrada Nacional) e as curtas A44 (8,8km) e VRI (apenas 3km) ligam auto-estradas de âmbito regional ou nacional. Nas duas áreas metropolitanas é notável a existência de auto-estradas próximas e paralelas (em Lisboa, A30/A1, A2/A33, A37/A16; no Porto, A29/A1, A4/A41). Por fim, alguns apêndices periféricos constituem o embrião da realização de projectos antigos por agora não concretizados mas que com alguma regularidade vêm na agenda mediática: Estrada Nacional 9 a Oeste da AML (Montelavar), que configura uma quarta auto-estrada concêntrica; A32 a Sudeste do Porto, esboço de uma paralela às A29 e A1 que poderia ligar a Albergaria-a-Velha/Sever do Vouga. O conjunto totaliza cerca de 446km na AML e 340km na AMP, segundo as estatísticas do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), da qual muitos troços apresentam tráfego médio diário anual (TMDA) abaixo de 10 mil veículos por diaiii.

 

 

Feitas as contas (quadro III), a AML constitui a segunda NUTS-IIiv com maior densidade de auto-estradas na Europa, com um total de 147,8km por mil km2, logo atrás da região de Bremen (178,9km por mil km2). Com 158,5km por milhão de habitantes, é também a sexta região mais servida das NUTS-II acima de 400hab/km 2. O caso da AMP não sobressai nas estatísticas europeias por não constituir uma NUTS-II: integra a NUTS-II “Norte”, que abrange toda a região Norte do país, com mais de 21 mil km2 . Os números não deixam de ser elucidativos: a AMP comparando com as NUTS-II, ocuparia a segunda posição em termos de densidade de auto-estradas, deixando portanto a AML no terceiro lugar, com uma densidade de auto-estradas de 166,5km por 1 000km2. Face à população servida, ficaria na segunda posição das NUTS-II de tamanho comparável (> 400 hab/km2), com um valor de 197,1km por milhão de habitantes.

 

 

Este conjunto de estradas com perfil de auto-estrada constitui portanto uma rede extremamente densa, ainda em evolução e muito acima do que se observa no resto da União Europeia. Para que a AML e a AMP se situassem dentro dos padrões europeus, seria necessário apresentarem uma densidade de cerca de 96km por mil km2, isto se se considerar o limite abaixo do qual se encontram 75% das NUTS-II comparáveis (designado percentil 75 ou quartil 3), o que já é bastante abrangente. Tal significa que seria necessário remover (ou que não tivessem sido construídos) 155,7km de auto-estradas na AML e 143,4km na AMP. Dito de outra forma, sugere-se aqui um possível sobredimensionamento na ordem dos 35% na AML e dos 42% na AMP, correspondendo a um total de 299km de auto-estradas e vias rápidas a mais, no conjunto das duas áreas metropolitanas, quando comparados com os padrões europeus. Esta situação afecta duas regiões metropolitanas contrastadas, como se constatou mais acima. É certo que a configuração urbana da AMP, além de uma densidade populacional um pouco mais baixa, favorece à partida uma mobilidade e uma rede de infra-estruturas mais difusas, que se reflecte nos números aqui observados, como também na distribuição espacial das áreas artificializadas (fig. 5). Mas a situação excepcional, à escala europeia, das duas áreas urbanas torna pouco provável a influência de factores meramente demográficos ou económicos (Padeiro, 2016b). É aliás notável a ausência de áreas artificializadas ao longo da CREP (fig. 5), o que se deve ao carácter recente do troço em causa mas também à orografia particularmente acidentada, a Leste do Porto. A CREP evidencia essencialmente um papel de desvio do tráfego em relação à área central. Já na AML (fig. 6), a difusão progressiva da rede rodoviária foi acompanhada, no período mais recente, por uma intensa urbanização difusa, nomeadamente perto das A33 e A2 (a sul do Tejo), bem como das A21 e A8 (Venda do Pinheiro, Malveira, a norte). Esta tendência para uma considerável expansão em redor das auto-estradas foi bem evidenciada em trabalhos anteriores, com elevadas taxas de crescimento do edificado nas proximidades dos principais nós (Padeiro, 2015; 2016a).

 

 

IV. DISCUSSÃO: PROMESSAS E INCERTEZAS

As áreas metropolitanas portuguesas evidenciaram uma tendência, generalizada às 4 dimensões referidas (fig. 4), para o aumento da automobilidade: inovações técnicas (independentes do contexto nacional), territórios em expansão, dinâmicas laborais, familiares e sociais favoráveis à complexificação das agendas quotidianas e ao alargamento das áreas de acção individual, urbanismo oportunista suportado por abordagens neoliberais. Estas evoluções marcaram a configuração das redes e as orientações dominantes até um passado recente. Torna-se hoje relevante a questão da sua persistência num quadro diferente, mais desfavorável ao uso do automóvel, mais receptivo aos argumentos ambientais e à reformulação dos espaços urbanos no sentido de uma maior multifuncionalidade e atractividade. Não se pretendendo dar respostas conclusivas, procurando-se antes esboçar pistas de reflexão para investigações futuras, o quadro dos vários sistemas interpretativos da automobilidade anteriormente sugeridos merece ser aprofundado no contexto nacional.

Em primeiro lugar, se as recentes e futuras inovações na indústria do automóvel permitem antever uma redução da emissão de poluentes e gases de efeito estufa (GEE) (Sperling & Gordon, 2009; Ager-Wick, Bhawna, & Hammer, 2016), nomeadamente através do desenvolvimento de veículos híbridos, eléctricos e/ou sem condutor (Chan, 2002; Anderson et al. , 2014), é pouco provável que desapareçam todas as preocupações relacionadas com a sustentabilidade: esbatendo-se a dependência do petróleo, não se contraria a do automóvel. Incessantemente valorizado (Horta, 2012) e aperfeiçoado, constituindo um sector de grande relevância na economia nacional (Monteiro & Moutinho, 2010), não é de todo improvável que continue a constituir um objecto tecnológico de grande atractividade para os indivíduos e de preferência para uma parte substancial das políticas (Steg & Gifford, 2005; Litman, 2014; Walks, 2015a), mantendo-se ou até acentuando-se as externalidades não relacionadas com emissão de GEE e poluentes: custos económicos da congestão, ruído, sinistralidade, desigualdades de acesso à mobilidade, aos recursos e oportunidades.

Em segundo lugar, as alterações progressivas dos valores associados à mobilidade e ao ambiente confrontam-se com duas evoluções potencialmente contraditórias. A chamada geração Yv dá sinais de recorrer menos ao automóvel (Polzin, Chu, & Godfrey, 2014). A alteração dos modos de consumo, a valorização de outros objectos tecnológicos (os digital natives da literatura anglófona), o crescente adiamento da constituição de famílias e as dificuldades na obtenção de um emprego estável explicam em parte estas mudanças (McDonald, 2015). Esta evolução é no entanto geograficamente muito variável (Sivak & Schoettle, 2012; Hopkins & Stephenson, 2014), e a sua continuação incerta: mesmo que estas modificações afectem substancialmente os padrões de mobilidade da população, os seus efeitos correm o risco de serem contra-balançados pelas dificuldades sentidas pelos jovens adultos em aceder ao parque habitacional das áreas centrais: a população entre 20 e 34 anos diminuiu 29,1% em Lisboa e 24,5% no Porto entre 2011 e 2016 (estimativa INE). Com o aumento dos valores imobiliários e a maior selectividade social dos residentes (Xerez, 2008; Mendes, 2017), o cenário de um aumento das taxas de motorização nas áreas mais centrais aparece plausível, enquanto a periferização das gerações mais novas produz efeito semelhante por necessidade e ausência de alternativas. Adicionalmente, tendo adiado a constituição de famílias, a geração Y acabará por realizá-la em poucos anos, contribuindo para um possível novo aumento do número de automobilistas (McDonald, 2015). Este duplo efeito contraditório merece ser examinado nos próximos anos, pela importância que reveste nas áreas urbanas portuguesas.

Do ponto de vista colectivo e institucional, a persistência de um sistema quase binário Estado/municípios, bem como o elevado grau de individualismo territorial intensificam-se num quadro favorável ao princípio de subsidiariedade. Na ausência de um órgão de coordenação regional ou metropolitana com decisões vinculativas e legitimidade política, os projectos de infra-estruturas limitam o debate a aspectos estritamente concorrenciais (ganha quem é servido, perde quem não é) e económicos (custos globais das operações e sobretudo custo de utilização para o automobilista). As questões de coordenação e coerência territorial, de expansão e dispersão urbanas ficam à margem do debate público, em parte porque, em última análise, o zonamento municipal ainda constitui o principal instrumento de decisão à escala local, o que tem favorecido a dispersão urbana e fragilizado quaisquer tentativas de reconsiderar o sistema de mobilidade no seu conjunto (Portas et al., 2011; Rio Fernandes, 2004; Domingues, 2006; Pereira, 2008; Nunes da Silva, 2013). Esta realidade permite, por um lado, que as auto-estradas sejam localmente mais cobiçadas do que contestadas, e por outro que uma administração local possa construir e financiar a sua própria auto-estrada, caso da A21 inaugurada em dois tempos (2005 e 2008) no concelho de Mafra. A A21, ausente dos PRN de 1985 e 2000, foi no entanto objecto de estudos da Câmara Municipal de Mafra e do ex-IEP na década de 1990. Na verdade, permite uma redução da distância em apenas 1km e um ganho de 12 minutos no percurso até Lisboa. Contribuiu sem dúvida para um relativo descongestionamento do centro urbano de Mafra. Deu no entanto origem a problemas financeiros, tendo sido várias vezes noticiadas as dificuldades da Câmara em saldar a dívida, em parte devido ao baixo tráfego registadovi.

Nesta última dimensão do projecto colectivo, o consenso que se gera à volta da necessidade de crescimento demográfico e económico à escala local constitui há muito um dos aspectos mais marcantes da génese urbana, com reflexos na produção de infra-estruturas de transportes. O crescimento enquanto finalidade em si inscreve-se sem dúvida na lógica da growth machine theory (Molotch, 1976), que designa o processo através do qual uma colisão de interesses formada por agentes públicos e privados convergem no objectivo de valorização do solo (Logan & Molotch, 2007; MacLeod, 2011). Num quadro de concorrência territorial exacerbada, a atracção de capitais, o desenvolvimento de serviços e a promoção imobiliária constituem objectivos largamente aceites e assumidos, principalmente se as contribuições salariais e as taxas de ocupação do solo representarem uma proporção importante das receitas fiscais. O imperativo do crescimento deu assim origem a todo um campo semântico institucionalizado em redor da valorização dos solos, em contradição com a lógica apregoada da reciclagem urbana. A retórica da utilidade pública, da oportunidade económica a não perder, da valorização dos recursos (mesmo quando se trata de artificializar áreas naturais ou agrícolas sob o lema da consciencialização ou da educação ambiental), permite enquadrar e legitimar a opção rodoviária como agente de crescimento. É que a auto-estrada, mais do que qualquer modo colectivo pesado, não só proporciona uma maior velocidade potencial como também – e sobretudo – permite a criação de novas oportunidades de valorização no mercado imobiliário, em áreas livres de construção. Oferece assim ao indivíduo a vantagem de ser mais prática e directamente à mão, necessita menos investimento e expande-se mais facilmente. Gera expectativas locais de crescimento económico (Pacheco, 2005; Padeiro, 2013), mesmo que o mesmo não se verifique na realidade (Pacheco & Costa, 2016). Apresenta contudo um efeito colateral: ao exacerbar a concorrência territorial para receber um nó de acesso, confirma e sela o consenso à volta do crescimento.

Os conceitos associados à irrecusável valorização dos solos podem revestir na realidade situações muito variadas que vão da verdadeira oportunidade até ao interesse puramente privado com forte componente de externalidades negativas. Revelam ao mesmo tempo a fragilidade das colectividades territoriais face aos argumentos de grandes grupos privados que poderão ameaçar localizar-se noutra localidade, se porventura lhes for vedada alguma vantagem, como um conjunto de infra-estruturas rodoviárias de acesso (Hrelja, 2011). Deste modo, tanto a preservação de espaços naturais ou agrícolas como a requalificação de territórios periurbanos noutros moldes esbatem-se perante a propensão generalizada para favorecer o crescimento (Walks, 2015a). A utilização do espaço como mero suporte logístico para as actividades económicas e financeiras, produção de lucro e finalidades individuais, gera deste modo uma evolução previsível. Se o território é considerado para uns, não só como expressão palpável de desígnios colectivos mas também como um bem a preservar per se, outros encaram-no, fora de qualquer visão de coerência territorial (Ferrão, 2010), como um suporte para ganhos pessoais (Clark, 1990). A dispersão urbana encontra-se associada, não sem algumas contradições, ao referencial neoliberal (Filion & Kramer, 2011). A larga aceitação social de soluções práticas – pelo menos para quem estiver mais bem preparado –, que não necessitam pedagogia urbanística nem problematizações aprofundadas, constitui a expressão mais evidente da combinação de preferências individuais na lógica da liberdade de escolha (Walks, 2015b).

 

V. CONCLUSÃO

Este texto procurou examinar a automobilidade e o sistema de auto-estradas nas duas áreas metropolitanas portuguesas, relacionando as observações com algumas pistas de reflexão, cuja exploração à luz de métodos empíricos ainda não foi suficientemente desenvolvida. Mostrou-se que, com uma densidade de auto-estradas superior a 140km de vias por mil km2, a situação da AML e da AMP corresponde a um possível sobredimensionamento das redes respectivas em 35% a 42%, comparativamente com outras metrópoles europeias. A expansão recente (2000-2016) da rede de auto-estradas sugere que esta situação não resulta só das necessárias políticas de modernização, conduzidas a partir da década de 1970, nem constitui a consequência automática de um desenvolvimento económico que levaria ao aumento das taxas de motorização. Deve principalmente à ineficiente regulação da expansão urbana e à aceitação total do automóvel como resposta às necessidades de mobilidade, até um período muito recente. É com base num sistema de localizações expansivo e na oferta, concebida em grande parte antes dos fundos europeus, concretizada nas duas décadas seguintes, que o automóvel se impôs, exactamente como Urry (2000) e Sheller (2004) afirmaram, e contribuiu de forma decisiva para formas urbanas para ele viradas.

É compreensível o desejo das autoridades e das populações em atingir um nível de acessibilidade razoável e, senão igual, pelo menos comparável com os vizinhos. A primeira fase, ainda nas décadas de 1970 e 1980, corresponde de facto à postura de modernização e convergência europeia geralmente sublinhadas. Todavia, esse desejo pode tornar-se contra-produtivo se a rede assim desenvolvida for demasiado densa e revelar alguma obsessão colectiva pelos grandes eixos e pela velocidade. A densidade actual, no caso das duas áreas metropolitanas portuguesas, inverteu totalmente as quotas de mercado do transporte público e privado, e ilustra bem o carácter desproporcionado do sistema (Conley & Tigar McLaren, 2009).

Os desafios que se apresentam hoje são particularmente complexos. As margens de manobra para as políticas públicas irem ao encontro de modelos viáveis, socialmente mais justos e ambientalmente mais desejáveis, são reduzidas. Devido à capacidade auto-reprodutiva da automobilidade, é pouco provável que se possa reduzir o peso do automóvel na mobilidade. Pode-se até legitimamente perguntar se voltar atrás é desejável: chegou-se a um tal nível de automobilização que a reversão pode vir a ser ainda mais prejudicial, socialmente, do que a adaptação. As recentes polémicas e contestações locais relacionadas com a política de mobilidade conduzida pelo executivo da Câmara Municipal de Lisboa, com a reformulação do eixo central, com a colocação de estações de bicicletas partilhadas ou ainda com a redução do número de lugares de estacionamento nalguns largos e praças locais, ilustram e confirmam o carácter auto-reprodutivo da automobilidade (Urry, 2000; Sheller, 2004): neste modelo, o elemento problemático é percepcionado como a solução pelos residentes, que vêem nas obras e nas alterações implementadas um ataque à sua mobilidade (Paterson, 2007).

Com a emergência de novos serviços, ainda em gestação, oriundos da economia partilhada, a resposta às necessidades de mobilidade dos mais vulneráveis poderá implicar políticas diferentes e não necessariamente baseadas nos transportes públicos que conhecemos hoje. Do ponto de vista da regulação dos solos, a requalificação das periferias passa por discutir o lugar do automóvel em espaços em que predomina. Mas a questão poderá já nem ser escolher entre reverter e adaptar-se: por inércia e por ausência de políticas que deveriam ser radicais, dispendiosas, polémicas, o mais certo é que não haja escolha nenhuma. Não significa que não se possa encarar medidas de atenuação: freeway removals à semelhança de experiências bem-sucedidas embora geralmente limitadas a áreas centrais (Seul, Portland, Milwaukee, Madrid) e a infra-estruturas não concessionadas; operações de costura territorial que consistem em cobrir troços existentes para reutilizar o espaço por cima, recriar ligações entre os dois lados dos eixos numa lógica de desfragmentação dos espaços de vida das populações. Esta lógicas requerem, em paralelo, que se contrariem o surgimento contínuo de ideias para novos troços e que se discutam os efeitos além dos simples impactes ambientais actualmente avaliados, e que se reconsidere a forma como os contratos de concessão favorecem a continuidade da supremacia do automóvel, seja através do contínuo e automático alargamento das vias existentes cada vez que atingem um determinado patamar, seja através da multiplicação dos pedidos de reposição do equilíbrio financeiro por parte das concessionárias.

A viabilidade de tais medidas, já por si só potencialmente polémicas, implica obviamente um quadro de acção alargado em que a contenção urbana é eficazmente assegurada: requalificação do espaço que vise as áreas periféricas, regulação dos processos de conversão dos solos, análise profunda do papel da corrupção nas evoluções urbanas, análise das lógicas subjacentes à construção de redes rodoviárias, transparência e controlo independente das projecções em projectos de transportes, são disso apenas exemplos. Todavia, pressupõe igualmente um maior controlo sobre as tendências de gentrificação e turistificação das áreas centrais, bem como sobre o processo de relocalização de actividades e residentes no contexto da subida significativa dos preços imobiliários. Estes processos, amplamente debatidos na comunicação social e na esfera política, têm vindo a aumentar simultaneamente o risco de evicção de populações mais vulneráveis (baixos rendimentos, idosos) das áreas centrais e a transferência da pressão urbana para áreas periféricas, aumentando deste modo as distâncias percorridas. Este último efeito poderia ter como consequência uma intensificação da dependência do automóvel, em contraponto do discurso dominante que faz da revitalização urbana um factor favorável ao uso dos modos suaves.

A alteração destes padrões pressupõe um conjunto de políticas radicais, transversais e controladas à escala, no mínimo, metropolitana. A coerência territorial e a participação – que começa com a pedagogia – são fundamentais para reconsiderar o papel da agenda neoliberal em matéria urbanística e de transportes, e para tornar efectivo o controlo e a regulação dos solos.

 

AGRADECIMENTOS

Este artigo resulta de um projecto de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia – FCT (IF/01291/2014).

 

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Recebido: junho 2017. Aceite: dezembro 2017.

 

NOTAS

iA definição legal da auto-estrada, inscrita no artigo 5º do Decreto-Lei n.º 222/98, 17 de Julho (Plano Rodoviário Nacional) é semelhante àquela adoptada pela Eurostat: é concebida especialmente para o tráfego de veículos motorizados, não pode ter cruzamentos de nível com quaisquer outras estradas ou vias ferroviárias, não é acessível a partir das imediações, excepto em pontos de acesso específicos, que incluem uma rampa de aceleração. As duas definições têm objectivos obviamente diferentes (legal no caso do PRN, produção de estatísticas comparativas à escala europeia no caso da Eurostat). As estatísticas da Eurostat incluem na extensão total as rampas de acesso, ao contrário do IMT. A Eurostat também inclui estradas com perfil de auto-estrada, mesmo que de acordo com as definições legais as mesmas não tenham esse estatuto. Isto explica que exista uma diferença nos dados disponíveis. Em 2012, a Eurostat ainda incluía um dado para a AML, que indicava uma densidade de 228km de auto-estradas por mil km2, o que correspondia a um total de mais de 650km de auto-estradas. Foi entretanto eliminado da base de dados publicada. Numa contagem recente obteve-se um total de 538km. Neste artigo, optou-se por trabalhar apenas a partir dos dados do IMT, correspondentes às estimativas mais baixas, mesmo quando se queria efectuar comparações europeias, sabendo que apenas se está a subestimar o carácter desproporcionado da rede da AML e da AMT. A diferença entre estatísticas com ou sem rampas de acesso ronda os 15-20%. Ainda assim, foram adicionadas algumas vias que apresentam perfil de auto-estrada apesar de não estarem incluídas nas contas do IMT: na AML, a Segunda Circular, um troço da Estrada Nacional 9 (variante de Montelavar), a EN10-8 (a nordeste de Setúbal) e a EN117 (parte da Recta dos Cabos d’Ávila); na AMP, apenas a A47 (ex-EN223, entre Feira e Maceda).

ii Os contractos de concessão com a Brisa (Resolução do Conselho de Ministros n.º 198-B/2008, de 31 de Dezembro), com a Ascendi (RCM n.º 39-E/2010, de 4 de Junho), com as Auto-Estradas do Douro Litoral (RCM n.º 188-A/2007, 28 de Dezembro), com as Auto-Estradas do Atlântico (RCM n.º 140-A/98 de 4 de Dezembro), com a Estradas de Portugal (RCM n.º 174-A/2007, 23 de Novembro) e com a Norte Litoral (RCM n.º 39-C/2010, de 4 de Junho) prevêem alargamento das vias a partir de 35 mil veículos (38 mil no caso da Ascendi e Norte Litoral) se se tratar de um lanço com 4 vias (2x2), e 60 mil veículos no caso de lanços com 6 vias (2x3). Em jeito de comparação, não há obrigatoriedade em França, estando apenas prevista a possibilidade de alargamento, a qual tem de ser justificada caso a caso e ser objecto de estudos prévios numa colaboração entre o concedente e a concessionária.

iii Baseados no TMDA (Tráfego Médio Diário Anual, dados IMT), é o caso na AML de vários troços da CREL (< 10 mil), do troço central da A33 (à volta de 6 a 8 mil), da A16 (alguns < 15 mil, outros < 10 mil), da A13 (na ordem dos 2-4 mil), da A21 (< mil entre Mafra e Ericeira, subindo um pouco nas proximidades de Malveira), da A10 (troços < 2 mil, os restantes < 10 mil). Na AMP, são vários troços da A41 (< 10 mil), da A32 (< 10 mil, com alguns < 5 mil), da A28 na chegada à Póvoa de Varzim.

iv Nomenclature of territorial units for statistics

v Também designada “millennials”, corresponde às coortes nascidas sensivelmente entre 1980 e 1995, embora a janela temporal varie de autor para autor (Howe & Strauss, 2009).

vi De acordo com vários órgãos de comunicação regional e nacional (Jornal de Mafra, O Mirante, TVI24, 31-12-2013).

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