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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.105 Lisboa ago. 2017

https://doi.org/10.18055/Finis10404 

ARTIGO ORIGINAL


 

A emergência de microcervejarias diante da oligopolização do setor cervejeiro, (Brasil e Espanha)

 

The emergence of microbreweries in the face of the oligopolization of the brewing sector (Brazil and in Spain)

 

L’apparition de microbrasseries face à l’oligopolisation du secteur des bières (Brésil et en Espagne)

 

 

Silvia Cristina Limberger1; Antoni F. Tulla2

1 Doutora em Geografia pelo  Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGG) Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis-SC, 88040-900. E-mail: sillimberger@gmail.com

2 Catedrático em Geografia, Departamento de Geografia, Universitat Autònoma de Barcelona (UAB), Edifício B, 08193 Bellaterra. E-mail: antoni.tulla@uab.cat

 

 

RESUMO

A saturação do mercado de cervejas tradicionais nos países desenvolvidos a partir da década de 1970 trouxe novos elementos para a análise do setor. As grandes empresas passaram a estender seus mercados para países onde o consumo tornava-se crescente, assim como aumentaram os investimentos na diversificação da produção. No Brasil e Espanha, as empresas multinacionais chegaram nos anos 90 e os esforços para produzir novas cervejas concretizaram-se nos anos 2000, a partir da iniciativa de produtores caseiros e da criação de microcervejarias. Entretanto, a produção de cervejas especiais de alto valor agregado, também passou a ser estratégia das grandes empresas como forma de diversificação de seu portfólio de produtos. É importante mencionar que Brasil e Espanha apresentam formações sócio-espaciais distintas, e que, portanto, não é fácil realizar um estudo comparativo. Este estudo visa, sobretudo, demonstrar que a concentração de capital e a formação de economias de oligopólio são processos intrínsecos ao modo de produção capitalista e se difundem em qualquer sistema onde este predomine, do mesmo modo, que se intensificam os processos de criação de microcervejarias e de diversificação da produção.

Palavras-chave: Oligopólio cervejeiro; microcervejarias; diversificação da produção; Brasil; Espanha.

 

ABSTRACT

The saturation of the traditional beer market in developed countries from the decade of 1970 has brought new elements to the analysis of the sector. The large companies began to expand their markets to countries where consumption was increasing, as well as increasing investments in the diversification of production. In Brazil and Spain, multinational corporations arrived in the 1990s and efforts to produce new beers came to fruition in the 2000s, starting with the initiative of home producers and the creation of microbreweries. However, the production of special high-value beers has also become a strategy for large companies as a way to diversify their product portfolio. It is important to mention that Brazil and Spain have different socio-spatial formations, and that therefore it is not so simple to carry out a comparative study. This study aims, above all, to demonstrate that capital concentration and the formation of oligopoly economies are processes intrinsic to the capitalist mode of production and are diffused in any system where it predominates, in the same way, that the processes of creation of microbreweries and diversification of production are intensified.

Keywords: Brewer oligopoly; microbreweries; diversification of production; Brazil; Spain.

 

RÉSUMÉ

La saturation du marché traditionnel des bières dans les pays développés, depuis la décennie de 1970, a apporté de nouveaux éléments pour l’analyse de ce secteur économique. Les grandes entreprises ont étendu leur marché dans les pays où la consommation était croissante et elles ont consacré toujours plus d’investissements à la diversification de leurs produits. Au Brésil comme en Espagne, des entreprises multinationales apparurent pendant la décennie de 1990, leurs efforts pour développer la production datant surtout des années 2000, par initiatives locales de production etpar création de micro-brasseries. Entre temps, la production de bières particulières, de coût élevé, devint un autre objectif des grandes entreprises cherchant à diversifier leur offre. Mais il faut noter que les différences sociales et spatiales entre le Brésil et l Espagne rendent difficile toute étude comparative. On cherche surtout ici à démontrer que la concentration du capital et l’apport d’économies de type oligopole résultent d’un mode de production capitaliste qui se répand partout où ce système prédomine, alors même que les micro-brasseries se multiplient et que la production se diversifie.

Mots clés: Oligopole des bières; micro-brasserie; diversification de la production; Brésil; Espagne.

 

 

I.  INTRODUÇÃO

O Brasil é o terceiro país produtor de cerveja do mundo com produção de 140 460 milhões de hectolitros, cerca de 24,5% da produção do continente americano e 7% da produção mundial em 2014(The Barth Reports, 2000-2016). O setor representa 1,6% do PIB e 14% da indústria de transformação nacional; 2,2 milhões de postos de trabalho indireto (produção e transporte de matérias-primas e cervejas) e 1,7 milhões de postos de trabalho diretos na indústria; 50 fábricas e cerca de 300 microcervejarias, distribuídas principalmente no Sul e Sudeste do país. Nos últimos 10 anos, o setor cervejeiro brasileiro cresceu a uma taxa média de 5% ao ano(CERVBRASIL, 2015).

Enquanto isso, a Espanha constitui-se no décimo primeiro país produtor de cerveja com produção de 32 700 milhões de hectolitros, cerca de 6% da produção da União Europeia, e 1,6% da produção mundial em 2013 (The Barth Reports, 2000-2016). Possui 257 mil postos de trabalhos indiretos e seis mil postos diretos na indústria; 18 fábricas e cerca de 400 microcervejarias localizadas, principalmente, na região da Catalunha. O mercado sofreu com a crise de 2007 e retomou o crescimento somente no ano de 2014 com acréscimo de 3,3% no faturamento neste ano(Informe Socioeconómico del Sector de la Cerveza en España, 2014). Diferentemente do Brasil, a Espanha tem orientado a sua produção para o mercado externo, principalmente depois da crisei.

As diferenças no setor dos dois países se estabelecem, de forma geral, na quantidade produzida, no tamanho dos mercados consumidores internos e no comércio internacional. O Brasil possui 204 milhões de habitantes e um consumo de 62 litros per capita e a Espanha, com 47 milhões de habitantes, consome 48 litros per capita (The Barth Reports, 2000-2016). O consumo ainda é diferenciado pelo hábito da população. Em Espanha 100% da cerveja é consumida fora de casa, sendo 29,5% em embalagens de lata, 27,4% em barril e 43,1 em garrafa (Informe Socioeconómico del Sector de la Cerveza en España, 2014). No Brasil 70% da cerveja é consumida fora de casa e 30% em casa: 53% envasada em garrafa e 47% em latas (SICOBE, 2016). As grandes cervejarias espanholas orientaram-se, principalmente depois da crise de 2007, para o mercado externo. A Mahou San Miguel, por exemplo, exporta 15% da sua produção e é responsável por 75% das exportações da cerveja espanhola (pesquisa de campo na Fábrica da Mahou San Miguel em Alovera - Castilla – La Mancha/Espanha, 2015). Em 2013, Espanha exportou 1 490 milhões de hectolitros e o Brasil 1 098 milhões, porém, as exportações brasileiras evoluíram muito no decorrer dos anos 2000, pois eram apenas de 45 930 hectolitros no ano de 2000, conforme dados da FAO, 2014.

Entretanto, nos dois países formam-se economias de oligopólio. No Brasil, 67,9% do mercado é dominado pela empresa de capital belga AB InBev, maior grupo cervejeiro do mundo, subsidiada pela Ambev na América Latina. O restante do mercado está dividido entre a cervejaria de capital nacional Petrópolis, com 11,3% e os grupos internacionais Kirin com 10,8% e Heineken com 8,4% (Junior et al., 2015)ii. Em Espanha, o capital cervejeiro está dividido entre o grupo de capital nacional Mahou San Miguel, a qual detém 35,3% do mercado, seguido pela Heineken com 29,7% e a Estrella Damm com 24,7% do mercado (Informe Socioeconómico del Sector de la Cerveza en España, 2014).

O objetivo deste artigo é demonstrar a formação de economias de oligopólio no setor cervejeiro do Brasil e em Espanha e a importância da diversificação da produção proposta pelas pequenas cervejarias, as quais emergiram em meados dos anos 90 no Brasil e nos anos 2000 em Espanha. Dessa forma, os objetivos específicos são referentes à formação de economias de escala, à criação das microcervejarias e à capacidade competitiva que se estabelece entre o grande e o pequeno capital.

A metodologia da pesquisa consiste em trabalho teórico e empírico. Como aporte teórico utiliza-se a categoria da Formação Sócio-Espacial trazida para a análise da ciência geográfica por Milton Santos (1979; 1999), como uma adequação do método da Formação Econômica Social implícita nas obras de Karl Marx. O método da Formação Sócio-Espacial permite compreender as transformações de determinado espaço através da reprodução do capital – transformações nas forças produtivas e nas relações de produção – perpassando pela análise dos processos gerais e das especificidades de cada região.

Ainda como contributo teórico recorre-se a autores que analisam a constituição das economias de oligopólio por meio de uma visão global do desenvolvimento da grande empresa, levando em consideração a teoria da concorrência imperfeita, a qual concentra sua atenção sobre as condições de entrada de outras firmas, as inovações e descontinuidades tecnológicas, a diversificação setorial e de produtos e as suas influências sobre a acumulação das firmas. Dentre esses se destacam: Chandler, 1962; Labini, 1956; Baran, 1957; Lenin, 1899 e 1916 e Schumpeter, 1912.

Para o levantamento de dados secundários foram importantes os trabalhos de Poelmans e Swinnen, 2013; Barber, 2013; Kob, 2000; a base de dados conhecida como The Barth Report, 2014 e o Informe Socioeconómico del Sector de la Cerveza en España, 2014.

Os dados primários são oriundos da participação em feiras, festivais e eventos relacionados com o setor cervejeiro, onde foram entrevistados profissionais de diversas áreas do setor: empresários de microcervejarias e de produção de maquinário e matérias-primas; mestres cervejeiros; químicos; agrônomos, entre outros.

O trabalho de campo teve início no Festival Brasileiro da Cerveja realizado no mês de março de 2013 na cidade e Blumenau no sul do Brasil. Esse evento trouxe uma perspectiva geral do setor das microcervejarias e foram catalogadas e entrevistadas as 70 empresas participantes. Nesse mesmo ano, participou-se da XIII Feira Nacional da Tecnologia em Cerveja, no mês de junho, em Santo Amaro, no Estado de São Paulo, evento que trouxe para o Brasil as principais empresas do mercado mundial interessadas no mercado cervejeiro nacional. Ainda em 2013, participou-se do Festival Internacional de Cervejas Especiais (Mondial de la Bière), realizado no mês de novembro, no Rio de Janeiro, o qual apresentava ao consumidor algumas das principais microcervejarias brasileiras. Em 2014, aconteceu o Festival Brasileiro da Cerveja, onde observou-se o aumento do número de empresas, bem como do público participante.

A participação nas feiras e festivais e a interação com os indivíduos envolvidos na produção e distribuição das cervejas especiais serviram de base para direcionar a pesquisa e também para selecionar as microcervejarias visitadas. Os trabalhos de campo foram realizados nas microcervejarias no sul do país: Donau Bier, Insana, Seasons, Tupiniquim, Lagom, Irmãos Ferraro e Way Beer.

Os trabalhos de campo também ocorreram nas grandes cervejarias: Museu da Bohemia (Ambev) em Petrópolis/Rio de Janeiro novembro de 2013; fábrica da Kirin-Brasil em Itu/São Paulo, janeiro de 2014; Fábrica da Heineken em Ponta Grossa/Paraná, abril de 2014; cervejaria INAB (Indústria Nacional de Bebidas) em Toledo/Paraná, em abril de 2014; cervejaria Petrópolis em Petrópolis/Rio de Janeiro, janeiro de 2015.

Em Espanha, o primeiro trabalho de campo foi realizado no Barcelona Beer Festival, realizado em março de 2015, onde se obteve uma visão geral do segmento das microcervejarias através de conversas informais com os participantes no festival. Desse mesmo modo, participou-se da Feria de Cervezas Artesanas del Poblenou, em Barcelona, em junho de 2015 e as visitas às empresas foram realizadas nas microcervejarias Espiga, Ales Agullons e Moritz, na região da Catalunha. Outros trabalhos de campo foram realizados nas grandes cervejarias: fábrica da Mahou-San Miguel em Lleida (Catalunha, maio de 2015); fábrica do grupo Mahou-San Miguel em Alovera (Castilla-La Mancha, julho de 2015); fábrica de Estrella Damm em Barcelona (Catalunha, setembro de 2015) iii.

 

II. A DINÂMICA ESPACIAL E A FORMAÇÃO DAS ECONOMIAS DE OLIGOPÓLIO

A industrialização espanhola teve origem, assim como a brasileira, em pequenas fábricas de fundo de quintal que abasteciam, a princípio, o mercado local. Não só nesses dois países, mas também em outros com distintas características de suas revoluções industriais, a produção artesanal deu início ao processo de produção de mercadoria no modo de produção capitalista. A pequena produção mercantil constitui a base para o desenvolvimento do capitalismo e o artesão tem os mesmos interesses de classe dos grandes industriais, constituindo-se em um pequeno burguês que divide o seu tempo em diversas atividades e produzindo em pequena quantidade para um mercado regional, empregando, quando necessário, um pequeno contingente de mão de obra. A pequena produção implica no crescimento da divisão social do trabalho, em princípio, com a separação das atividades industriais e da agricultura (Lenin, 1899).

Embora os processos de desenvolvimento do capital se assemelhem por constituir uma lei, não ocorre de igual forma no mesmo espaço de tempo. Nas primeiras décadas do século XIX, nas regiões periféricas da península espanhola, já estava presente uma tradição mercantil e uma agricultura mais diversificada com maior grau de comercialização e exportações de produtos agrícolas. Esta acumulação agrícola deu origem à produção industrial e ao financiamento de obras de transportes e canais marítimos. Esse dinamismo esteve vinculado ao movimento mercantil dos portos de Bilbao (País Basco), de Santander (Cantábria), de Barcelona, Tarragona, Valencia, Alicante e Málaga (Mediterrâneo) e de Cádiz (Atlântico) (Barber, 2013) iv.

Em meados do século XIX, a Espanha passava por um processo de mecanização e formação de grandes empresas. O volume da produção têxtil foi multiplicado por dez, de 1820 a 1860. O país apresentava um grau de industrialização mais avançada do que países como a Bélgica e Itália. A modernização foi realizada com maior intensidade na região da Catalunha e Madrid, o que levou a concentração da produção nessas regiões. Embora a produção têxtil apresentasse índices de crescimento inédito, depois de 1850, apenas metade das empresas sobreviveram ao processo de modernização (Balclls, 1977).

No Brasil, no período entre 1873 e 1922, formava-se o pacto de poder da Segunda Dualidade Básica da Economia Brasileira caracterizada pela interrupção do tráfico negreiro e pela extensão do trabalho assalariado decorrente da imigração europeia. Os senhores feudais tornaram-se hegemônicos e o capitalismo mercantil constituiu o primeiro estágio do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Nessa fase, o capitalismo mercantil do centro do sistema capitalista introduzia mercadorias no país, enquanto o capitalismo mercantil nacional estimulava a conversão dos produtos da economia natural em mercadorias, incentivando a diversificação da produção interna por processos artesanais e manufatureiros como forma de substituição das importações. A pequena produção de mercadorias foi uma preparação para a industrialização substitutiva das importações, o mercado expandiu-se com a produção de mercadorias e não mais, simplesmente com a produção de subsistênciav.

Nesse contexto de modificação da estrutura econômico-social, eclodiu a indústria cervejeira no Brasil e em Espanha através da utilização de técnicas produtivas já experimentadas por países como Alemanha e Inglaterra. Isso não quer dizer que a produção cervejeira não existisse antes. Em Espanha, a produção da bebida teve início através da dinastia dos Austrias (Casa de Habsburgo – século XVI); no Brasil, a bebida era importada desde a vinda da família real em 1808 e passou a ser fabricada no mercado interno em meados do século XIX com a vinda de imigrantes europeus.

No Brasil, as cervejarias Brahma (1888) e Antarctica (1885), principalmente, já surgiram equipadas para produção em grande escala e alcançaram grandes extensões das regiões sul e sudeste do país. Pode-se observar, na figura 1, a localização das principais cervejarias brasileiras no período de 1880 a 1928 no território brasileiro e seus respectivos tamanhos. Conforme Kob (2000): a Brahma, no Rio de Janeiro, produzia 80 000 hectolitros por mês; a Guanabara (1912), Antarctica e Bavária (1877) em São Paulo, produziam respectivamente: 60 000, 50 000 e 40 000 hectolitros por mês e a Atlântica (1912) no Paraná, produzia cerca de 33 000 hectolitros por mês. Afirma Kob (2000) que, em 1920, o Brasil produzia cerca de 86% de sua cerveja no Sudeste e 12% no Sul onde se concentrava a maior parte da produção e da renda.

 

 

As diversas pequenas cervejarias espalhadas pelo território brasileiro, sobretudo na região sul do país, foram desaparecendo com o advento da industrialização. No sul do Brasil, poucas fábricas evoluíram para uma produção industrial na virada do século XIX para o século XX em decorrência da dificuldade de concorrer com as empresas Antarctica e Brahma, melhor localizadas e tecnologicamente superiores (Roche, 2000).

Desde a fundação, as empresas Brahma e Antarctica vêm ampliando seu capital através da compra de outras cervejarias concorrentes e de investimentos em novas fábricas em outras regiões do país. Ainda no início do século XX, adquiriram importantes cervejarias como a Guanabara e a Bavária. Em 1920, a Antarctica era a maior cervejaria brasileira com 1 300 trabalhadores e seu capital inicial já havia sido multiplicado por sete. Nos anos 1960, das 18 maiores cervejarias brasileiras trabalhando com maquinaria industrial, 9 haviam sido adquiridas por Brahma e Antarctica e 7 desapareceram do mercado.

Em Espanha, as primeiras grandes cervejarias, equipadas com máquina a vapor e direcionadas para a produção de cervejas de baixa fermentação, encontravam-se mais dispersas no território, como se pode observar na figura 2. Em Madrid, localizava-se a maior empresa, a cervejaria El Águila (1900) que, em 1917, era responsável por 25% da produção de cerveja espanhola com produção de 70 056 hectolitros por mês. Em Barcelona localizava-se a segunda maior cervejaria, a Estrella Damm, (1872) com produção de 38 045 hectolitros por mês. No sul de Espanha, em Andaluzia, foi fundada, em Sevilla em 1904, a cervejaria La Cruz del Campo (Cruz Campo), com produção de 29 528 hectolitros por mês em 1917. Outras pequenas cervejarias estavam dispersas no território espanhol como a Ernesto Petry (Moritz), a Luis Moritz (1889), em Barcelona e a Hijos de C. Mahou (1890), em Madrid.

 

 

O consumo de cerveja era bastante moderado em Espanha até ao final dos anos 50, quando então iniciou um crescimento considerável. Passou do consumo de 60 mil litros, em 1960, para 12 300 milhões, em 1970, e 25 800 milhões, em 1987. Em 1968, cada espanhol consumia 29 litros de cerveja ao ano e 67 litros de vinho; em 1987 consumia 67 litros de cerveja e 55 litros de vinho. O processo de crescimento e consolidação do setor se fez por empresas nacionais que concorriam entre si e intensificavam o processo de concentração de capital. Em 1957 existiam 57 fábricas de cerveja em Espanha, as quais produziram cerca de 17 050 milhões de litros, já em 1987, existiam 34 fábricas que produziram 70 000 milhões de litros (Parrondo, 2005).

No início dos anos 90, tal como ocorreu no Brasil, grandes grupos multinacionais do setor entraram no território espanhol: a Heineken adquiriu 51% do grupo El Águila e o grupo irlandês Guinness adquiriu a totalidade da cervejaria Cruz Campo. Outros movimentos de fusões menos agressivos ocorreram com a Cervejaria Damm, que teve 18% de seu capital adquirido pela Oetken e com a cervejaria Mahou que teve 30% de seu capital adquirido pelo grupo BSN. Em 1999, o grupo Heineken, que já controlava quase a totalidade da El Águila, adquiriu a Cruz Campo pertencente à Guinness, passando a controlar uma cota de 40% do mercado cervejeiro espanhol (Parrondo, 2005). Ainda em 1999, a Mahou adquiriu a totalidade da cervejaria San Miguel constituindo-se no maior grupo cervejeiro do país.

Na década de 90, as principais cervejarias brasileiras também realizaram parceriascom o capital externo. A Antarctica realizou uma joint venture com Anheuser-Busch a partir da criação de uma nova empresa dividida entre 51% do capital da Anheuser-Busch e 49% da Antárctica; a Brahma associou-se com a Miller Brewing Co., criando uma nova empresa no Brasil com capital dividido em duas partes iguais. A Skol Caracu (pertencente ao grupo Brahma) associou-se à Carlsberg para distribuição dos seus produtos no país.

No entanto, tais parcerias entre empresa nacional e capital externo foram se dissolvendo no decorrer da década. No ano de 2000 as cervejarias Brahma e Antárctica, que realizaram diversas aquisições no território nacional, fundiram-se formando a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev). Ela permaneceu como uma empresa de capital nacional até 2004, quando foi adquirida pela cervejaria de capital belga Interbrew, formando InBev, transformada em AB InBev em 2008 com a compra da cervejaria americana Anheuser-Busch.

Ainda no início dos anos 2000, a empresa canadense Molson adquiriu as ações da cervejaria brasileira Kaiser, vendendo em 2006 para a Femsa Cerveza, sendo adquirida pela Heineken em 2010. A partir de então, além da Kaiser, a Bavária, pertencente ao grupo Molson desde 2000, também faz parte do grupo Heineken (pesquisa de campo na cervejaria Heineken em Ponta Grossa/Paraná, 2014). Outra multinacional a entrar no Brasil nos anos 2000 foi a japonesa Kirin, através da compra da Schincariol, a segunda maior cervejaria do país (pesquisa de campo na cervejaria Kirin em Itú/São Paulo, 2014). Desse modo, grande parte do setor foi desnacionalizado nos anos 2000, restando apenas a cervejaria Petrópolis de capital nacional.

Observa-se, no quadro I, a síntese das quatro maiores empresas no Brasil e em Espanha, que dominam respetivamente 96% e 95% da produção nacional de cerveja, demonstrando a concentração do mercado em grandes empresas e a formação de economias de oligopólio.

 

 

As estratégias das maiores empresas, tanto no Brasil como em Espanha, estão diretamente ligadas à expansão do mercado e, consequentemente, ao aumento na escala de produção. Nos últimos anos, a Ambev adquiriu importantes cervejarias nos países vizinhos: Quilmes na Argentina, Companhia Cervejarias Unidas – CCU no Clile e Cervecería y Maltería Paysandú no Uruguai (Aginsky Consulting Group, 2010), e investiu na construção de novas unidades no nordeste brasileiro onde o consumo ainda é reduzido, mas encontra-se em ascensão. A Mahou San Miguel tem direcionado sua política de expansão para o mercado externo através de acordos com o grupo Carlsberg e Cronenberg, para produção e distribuição de suas cervejas na Inglaterra e Alemanha. A empresa adquiriu 50% das ações da cervejaria indiana Arian Breweries & Distilleries, localizada no estado de Rajastán (pesquisa de campo na cervejaria Mahou San Miguel em Alovera/Castilla La Mancha, 2015).

Os grandes grupos mostram interesse pela produção de cervejas diferenciadas e vêm incorporando em seu portfólio novas variedades da bebida. Por exemplo, a Ambev adquiriu em 2015 as microcervejarias Walls e Colorado e a Kirin adquiriu em 2010 a cervejarias Eisenbahn e Baden-Baden, todas fabricantes de cervejas especiais no Brasil; a Mahou San Miguel está trabalhando na construção de uma microcervejaria dentro de sua fábrica em Alovera para produção de cervejas especiais e, também, adquiriu 30% da microcervejarias norte-americana  Founders Brewing no ano de 2015, além das cervejarias espanholas Anaga, em 2004, e a cervejaria Alhambra em 2007 (pesquisa de campo na cervejaria Mahou San Miguel em Alovera/Castilla La Mancha, 2015).

 

III.        O SURGIMENTO DAS MICROCERVEJARIAS E A DIVERSIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO

O movimento das cervejas especiais teve início nos anos 1970 nos países desenvolvidos do sistema capitalista. Nos Estados Unidos, a liberdade de produzir cerveja em casa voltada para o mercado só foi conquistada em 1979, quando o presidente Jimmy Carter assinou a Lei Cranston, na qual os impostos de consumo federal e estadual foram alterados, habilitando os indivíduos a vender a sua cerveja a um pagamento mínimo da taxa de imposto. Porém, somente em 1984, a produção de cerveja nos “brewpubs” passou a ser legal em praticamente todos os estados do país (Carlson & Wehbring, 2011). Também, na Inglaterra, teve início, em 1970, um movimento a favor da autêntica cerveja Ale, em contraposição à massificação da cerveja industrial, promovido pela The British Beer and Pub Association (BBPA). Em consequência, surgiram milhares de micro e pequenas fábricas no país que se espalhou por toda a Europa.

O movimento de cervejas Premium nos Estados Unidos tem se desenvolvido através da “cultura da inovação”, que conheceu grande expansão com projetos avançados de hardware e software. É uma intensa inovação em produtos e processos em pequena escala. Pequenas e novas empresas têm sido entidades importantes na comercialização de novas tecnologias (Mowery & Rosenberg, 2005).

O Brasil e a Espanha não ficaram à parte desse processo. O movimento das cervejas especiais surgiu no Brasil no início dos anos 90, através da cervejaria situada no próprio bar, parceria que funcionou muito bem na Europa e nos Estados Unidos, mas não no Brasil, onde o bar, além de não fazer parte da cultura diária da população, tem alta taxa de impostos, a mesma aplicada às grandes cervejarias. Uma das microcervejarias que foi criada produzindo e vendendo a cerveja no mesmo estabelecimento foi a DaDo Bier do Rio Grande do Sul, fundada em três unidades: Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. As vendas se consolidaram, porém eram cobrados 80% de IPI (imposto sobre o produto industrializado) sobre o preço de venda ao consumidor final. No ano 2000, depois de realizar uma parceria para a distribuição dos seus produtos com a Ambev, as três fábricas-bar foram desmontadas e foi criada uma unidade produtiva em Santa Maria - RS somente para a produção. Tal mudança permitiu a produção de cerveja artesanal usando a mesma estrutura em grande escala com um custo muito competitivo. Para o proprietário da DaDo Bier, Eduardo Bier, é preciso ter, no mínimo, uma produção de um milhão de litros e ter uma cerveja tipo lager para sustentar o volume do negócio (Revista de Cerveja, 2012).

A partir de então, a estratégia da DaDo Bier passou a ser construir a sua marca e desenvolver uma produção em escala através da publicidade e da inovação em produtos. Os planos da empresa atualmente são investir em São Paulo e Rio de Janeiro através de negociações com as grandes redes como Pão de Açúcar, Wall Mart e Carrefour. Os projetos também estão voltados para a Zona Sul de Porto Alegre e Cais Mauá, também no Rio Grande do Sul.

Em Espanha, o processo de criação de microcervejarias tomou proporção em 2006. A primeira microcervejaria criada foi a Dougall’s, situada em Santander, no norte do país, que iniciou o procedimento de abertura da fábrica em 2003, mas o processo só foi consolidado três anos mais tarde, pois não existia uma lei para essa categoria de indústria. Entretanto, essa não foi a primeira tentativa de produzir cerveja especial no país. Ainda nos anos 1990, o inglês Steve Huxley, residente em Espanha estabeleceu uma fábrica-bar em Barcelona, mas, segundo ele, o negócio não vingou porque não se encaixava nas leis da indústria e, logo em seguida, o negócio foi encerrado (entrevista com Steve Huxley no Barcelona Beer Festival, 2015).

No quadro II, expõem-se as principais microcervejarias do sul do Brasil e da Região da Catalunha, Espanha. Pode-se observar que as microcervejarias no Brasil são maiores em quantidade produzida. Juntas, as quinze cervejarias brasileiras selecionadas apresentam uma produção de cerca de 2 360 000 litros por mês enquanto as espanholas apresentam juntas produção de 102 000 litros.

 

 

Pode-se observar também no quadro seguinte, que muitas empresas brasileiras surgiram nos anos de 2002 e 2003, período de crise do ciclo econômico endógeno brasileiro em que o setor apresentou queda na produção e no comércio internacional, bem como um aceleramento no processo de fusões e aquisições (análise dos dados de The Barth Reports (2014), sobre a produção de cerveja no Brasil e na FAO (2014) sobre o comércio internacional da bebida).

Tanto na região da Catalunha como no Brasil, o surgimento das microcervejarias pode ser entendido como uma alternativa frente à crise econômica. As microcervejarias podem promover o Desenvolvimento Local (DL) de pequenos produtores rurais, com interesse na produção de cervejavi. O surgimento de novas empresas em períodos de crise econômica significa que o mercado ainda é maior do que as grandes empresas possam abastecer, ou que, as pequenas empresas não interferem no desempenho do oligopólio por dedicarem-se a segmentos que não interessam ao grande capital (Steindl, 1972).

Conforme Casellas (2014), o Desenvolvimento Local é uma estratégia empresarial baseada na competitividade e na busca da optimização dos processos produtivos e da diferenciação dos produtos com base nos recursos do mercado local.

Nas microcervejarias, não necessariamente, os recursos para a produção vão existir no mercado local, apesar dos esforços e das iniciativas. Tais empresas podem apresentar efeito multiplicador no mercado local e regional, assim que vão despertando o interesse de novos investidores e outras atividades relacionadas, como a produção de matéria-prima e equipamentos. Por exemplo, pode-se citar a Lupulina, empresa de plantação e processamento do lúpulo, criada em Girona-Catalunha em 2012 com objetivo de atender o mercado local de cervejas artesanais (pesquisa de campo no Festival de Cerveza Artesana del Poblenou, 2015).

A fabricação e o conhecimento para a adaptação do maquinário para produção em pequena escala também podem ser realizados no mercado local-regional assim como a utilização de recursos do mercado local, como o guaraná, a erva-mate e a rapadura, no Brasil. O mercado local também pode contribuir com suas características peculiares viiligadas ao turismo, sobretudo o turismo rural, como por exemplo, a cervejaria La Vella Caravana localizada na região do Pirineo Catalán (catalunha espanhola) ou a microcervejaria Farol localizada na serra gaúcha, (Rio Grande do Sul/Brasil).

Em ambos os países muitos dos investimentos em microcervejarias surgiram a partir da iniciativa de cervejeiros caseiros. No Brasil, em muitos casos, a microcervejaria surgiu como a busca de diversificação das atividades industriais, sendo o capital inicial oriundo de outros negócios empresariais da família, como por exemplo, as cervejarias Bierland, Mistura Clássica, Colorado, Burgerman, DaDo Bier e Insana (pesquisa de campo no Festival Brasileiro de Cerveja, 2014). Em outros casos, o capital original adveio de investimentos próprios e a atividade cervejeira se constituiu na principal atividade da família como, por exemplo, as empresas Saint Bier, Borck, Falk Bier e Clain. Muitos dos empresários contam com o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES-FINAME), que traz como pré-condição ao empresário a compra de no mínimo 70% de maquinários e equipamentos no mercado nacional (pesquisa de campo no Festival Brasileiro de Cerveja, 2013).

Em Espanha, o capital original das microcervejarias, em geral, é oriundo de um grupo de sócios que realizaram investimento particular, como por exemplo, a microcervejaria Montseny que foi fundada por sete sócios e um capital inicial próprio de 200 mil euros. A Naparbier possui seis sócios, dentre eles uma família alemã; a HZT1L foi formada por sete sócios catalães; Espiga, La Sitgetana e Moska foram fundadas através de dois sócios. Embora seja recorrente, essa formação empresarial não é uma regra para as microcervejarias espanholas: a empresa Dougall’s de Santander foi fundada por um espanhol e um inglês, os quais possuíam outras atividades, e a produção cervejeira como atividade secundária. Também há algum tipo de financiamento através do banco La Caixa, embora não seja muito difundido no meio das pequenas cervejarias (pesquisa de campo no Barcelona Beer Festival, 2015).

O processo de produção das microcervejarias é semelhante no sul do Brasilviii e na Catalunha, apesar da diferença no tamanho das empresas e dos mercados nacionais. As microcervejarias brasileiras se concentram no Sul e Sudeste onde realizam a maior parte das suas vendas, mas recentemente, têm se direcionado ao Nordeste onde a renda e a possibilidade de consumir uma cerveja com maior valor agregado vêm aumentando. Também exportam para países vizinhos e, em alguns casos, para outros países (Bélgica e Japão, por exemplo). As microcervejarias alcançam um mercado mais limitado dentro do território espanhol, porém praticam com mais afinco a política de exportações para países vizinhos como Portugal, França e Itália (pesquisa de campo nas microcervejarias Espiga e Ales Agullons na região da Catalunha, 2015).

Algumas empresas não possuem fábricas, mas pequenos laboratórios experimentais onde elaboram as receitas que serão fabricadas em escala para o mercado por uma empresa parceira/terceirizada. Dedicam-se dessa forma, a pesquisa e desenvolvimento do produto. Na outra ponta do processo, as empresas que se dedicam à elaboração das receitas alheias, as quais contam com a diminuição de sua capacidade ociosa, como por exemplo, a Saint Bier no Brasil e a Vic Brewery em Espanha (dados de trabalho de campo).

As microcervejarias trazem a inovação de produtos como elemento central da produção. Para a grande empresa, a inovação em produtos é uma estratégia de diversificação do portfólio de produtos, assim como também são estratégias os acordos de importações de diferentes tipos de cervejas e da compra de outras cervejarias e outras marcas de cervejas.

O fenômeno do surgimento das pequenas fábricas de cerveja pode ser explicado pelo fato do setor constituir um oligopólio diferenciado, onde a forma predominante de disputa de mercado é a diferenciação dos produtos. A diferenciação do produto está associada aos investimentos de publicidade e comercialização no que se refere aos produtos existentes e a permanente inovação de produtos (P&D) no que se refere a novos produtos. Esse tipo de economia de oligopólio está mais preocupado em inibir a entrada de um novo concorrente do que com o grau de concentração técnica das suas fábricas. A natureza das barreiras à entrada não se prende a economias técnicas de escala, mas sim às economias chamadas de escala de diversificação “[...] ligadas à persistência de hábitos e marcas e, consequentemente, ao elevado volume dos gastos para conquistar uma faixa de mercado mínimo que justifique o investimento” (Possas, 1987, p. 175). No entanto, por ter um elevado potencial inovador e ausência de fronteiras bem delimitadas, esse tipo de economia não exclui a possibilidade de entrada de novas empresas concorrentes (Possas, 1987).

A análise do oligopólio diferenciado leva em consideração elementos diferentes do que a análise do oligopólio concentrado. Na análise do oligopólio concentrado podem ser excluídas as imperfeições do mercado e as preferências dos consumidores. Conforme Labini (1956) certo grau do monopólio está inserido na própria estrutura técnica das indústrias concentradas, independentemente das preferências, da ignorância dos consumidores e da incerteza dos produtores. Todavia, para a análise do oligopólio diferenciado, o elemento principal é dado pela preferência de certos consumidores para com os produtos de determinadas empresas, produtos que são ou parecem ser diferentes dos de outras empresas. É o que acontece com a cerveja, mesmo apresentando o mesmo processo de elaboração, cada tipo de cerveja se distingue por sua receita tornando o produto sempre diferenciado, ou mesmo, tornando produtos semelhantes diferenciados pela qualidade.

No oligopólio concentrado, existem barreiras criadas pela técnica que operam contra concorrentes potenciais. No oligopólio diferenciado, as barreiras à entrada são oriundas da diferenciação dos produtos. As barreiras no oligopólio concentrado são determinadas pela tecnologia e pela amplitude do mercado e no oligopólio diferenciado, pelos esforços de vendas necessários para conquistar um número adequado de consumidoresix.

As empresas marginais devem considerar as ações e políticas das grandes empresas: se o mercado se expande e as grandes empresas seguem a política de manter a cota de mercado, as pequenas empresas podem alargar suas vendas proporcionalmente ao crescimento do mercado, caso as grandes invistam para aumentar seu mercado, não há lugar para as pequenas. Nos momentos de crise, as pequenas empresas estão sensíveis a deixar o mercado ou serem absorvidas pelas grandes.

As microcervejarias podem ser diferenciadas da seguinte maneira: aquelas de produção artesanal, que não visualizam a expansão do mercado e fabricam um produto elaborado para um mercado específico, priorizando o controle de todo o processo produtivo e até mesmo da distribuição – caso da Ales Agulions em Espanha, e, aquelas que investem em tecnologias para expansão da produção com o objetivo de tornarem-se competitivas em âmbito nacional e até mesmo internacional – caso da Colorado, Backer, Wals, Invicta, Insana, Schornstein e Seasons no Brasil, e muitas outras, que surgiram muito pequenas, mas se expandiram logo em seguida.

 

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em ambos os países formaram-se grandes grupos cervejeiros dominantes no mercado nacional, com a diferença de que em Espanha o setor não sofreu o processo de desnacionalização, como ocorreu no Brasil onde, com exceção da cervejaria Petrópolis, as três maiores empresas foram adquiridas pelo capital externo nos anos 2000.

A saturação do mercado de cervejas tradicionais e a intensificação da concorrência no mercado mundial levaram a expansão dos grandes grupos para as economias periféricas em desenvolvimento. Além da expansão das economias de escala, as empresas passaram a dedicar-se à diversificação da produção no que compete às transformações no conteúdo nutricional da cerveja. Nesse processo, a fabricação de cervejas especiais de alto valor agregado, tornou-se interessante para a grande empresa, por isso, muitas cervejarias realizaram aquisições de microcervejarias ou investiram na construção de suas próprias microcervejarias. A AB InBev, maior grupo cervejeiro do mundo, por exemplo, comprou sete cervejarias artesanais nos Estados Unidos, dentre elas a Goose Island Beer de Chicago (Valor Econômico, 2016). As duas maiores cervejarias espanholas, Mahou-San Miguel e Estrella Damm, criaram pequenas cervejarias dentro de suas grandes fábricas de produção em massa.

A grande empresa oligopolista é tecnicamente mais avançada e inovadora do que a pequena empresa. Ela possui disponibilidade financeira, crédito fácil e equipe especializada. O que se pode observar através do trabalho de campo nas grandes cervejarias em ambos os países é que, além do poder de barganha que possuem na compra e venda do produto, dispõem de laboratórios equipados para desenvolver pesquisas de alto nível científico e de grande valor prático desenvolvendo alianças com universidades e órgãos de pesquisa, como por exemplo, a parceria da AB InBev com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) para a produção e transformação genética da semente de cevada.

Dessa forma, a permanência da empresa cervejeira marginal depende das condições de expansão da grande empresa e da extensão do mercado: i) se a demanda for favorável, ou pelo menos tão ampla quanto a expansão das empresas bem sucedidas, a participação das pequenas empresas é mantida e até pode aumentar o número de empresas acompanhando o crescimento do mercado; ii) se a acumulação interna das empresas bem-sucedidas empurrarem para a expansão além do que a demanda pode acompanhar, elas terão que conquistar uma parte da fatia do mercado ocupada pelas empresas marginais.

Entretanto a permanência da pequena empresa cervejeira no Brasil e em Espanha pode ser justificada pelo fato de que muitas são extensões de outros negócios industriais familiares e, portanto, estão vinculadas a alguma grande empresa; pelo fato de que o empresário deseja manter seu negócio mesmo que a atividade resulte apenas em lucros médios; pelo fato de que a atividade é encarada como hobby; ou mesmo, pelo fato de que a empresa seja tão pequena e produza uma bebida tão específica que não influencie na atuação da empresa líder.

 

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Recebido: dezembro 2016. Aceite: março 2017.

 

 

NOTAS

i A Espanha exportou 109.817 toneladas de cerveja em 2013 e o Brasil 139 033. Mas é necessário considerar que essa quantidade exportada pela Espanha é uma porcentagem muito maior da produção total do que a exportada pelo Brasil no mesmo ano (FAO, 2014).

ii Em janeiro de 2017 a Heineken adquiriu as ações da Brasil Kirin, detentora da Schincariol, tornando-se a segunda maior cervejaria do país, fator que vai remodelar a estrutura do setor.

iii Este trabalho é resultado do estágio doutoral realizado na Universitat Autònoma de Barcelona em 2015, o qual teve por objetivo investigar o desenvolvimento do setor cervejeiro espanhol, e, sobretudo o surgimento e desempenho das microcervejarias na década de 2000. A proposta de tese apresentada à linha de pesquisa Formação Sócio Espacial: Mundo/Brasil/Regiões do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina foi defendida em agosto de 2016 e intitulada “Estudo geoeconômico do setor cervejeiro no Brasil: estruturas oligopólicas e empresas marginais”.

iv Ver sobre a formação da indústria cervejeira em Santander em Barber (2015).

v Ver sobre dualidade básica da economia brasileira em Rangel (1981; 2005).

vi Ver mais sobre Desenvolvimento Local em Roucha; Tulla (2015).

vii Ver sobre como as atividades que agregam valor podem contribui ao desenvolvimento local em Tulla, Pallarès-Barberà, y Vera (2009).

viii Ver mais sobre microcervejarias no Sul do Brasil em Limberger (2013).

ix O obstáculo que torna difícil a entrada de novas empresas no oligopólio diferenciado não é tanto a dificuldade de se obter recursos financeiros para custear as despesas de venda, mas a dificuldade de se obter consumidores em número tal que não só permita recuperar os custos concretos de produção, mas também as despesas com a implantação. “Essa descontinuidade torna necessário garantir uma saída que seja suficientemente ampla e depende, além dos custos fixos técnicos, do custo fixo da implantação” (Labini, 1956, p. 67).

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