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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.103 Lisboa dez. 2016

https://doi.org/10.18055/Finis7077 

ARTIGO ORIGINAL


 

A cidade e a bicicleta: uma leitura analítica

 

The city and the bicycle: an analitycal reading

 

La ville et la bicyclette: une lecture analytique

 

 

David Sousa Vale1

Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design (CIAUD), Faculdade de Arquitectura, Universidade de Lisboa, Rua Sá Nogueira, 1349‑055 Lisboa, Portugal. E‑mail: dvale@fa.ulisboa.pt

 

 

RESUMO

A bicicleta é provavelmente o meio de transporte mais eficaz e racional para as deslocações urbanas, a par das deslocações pedonais, contudo representa geralmente apenas uma ínfima parte da repartição modal das deslocações urbanas. Com base numa análise de dados nacionais e europeus, apresentamos neste artigo uma leitura analítica dos factores que contribuem para a promoção da utilização da bicicleta em espaço urbano. Cinco factores são identificados: características urbanísticas, ambiente natural, factores socioeconómicos, factores psicológicos e custos generalizados da utilização da bicicleta. O seu conhecimento é fundamental para a promoção eficaz da utilização da bicicleta em espaço urbano, para a qual o planeamento regional e urbano tem um papel fundamental, igual ou mesmo superior ao papel do planeamento de transportes. Se bem que a distância a percorrer seja provavelmente o maior determinante para a utilização da bicicleta, a sua articulação com uma boa rede de transportes públicos permite o aumento da utilização de ambos, uma vez que estes modos de transporte podem ser complementares.

Palavras‑chave: Bicicleta; mobilidade ciclável; ambiente construído; urbanismo; mobilidade urbana sustentável.

 

ABSTRACT

The bicycle is probably the most effective and rational transportation mode for urban travel, besides walking. However, cycling only represents a small percentage of the modal division of urban travel. In this article, based on an analysis of national and European data, we present an analytical reading of the factors that contribute to the promotion of urban cycling. Five factors are identified: urban characteristics, the natural environment, socio‑economic factors, psychological factors, and the generalized cost of cycling. Increasing knowledge of these factors is essential to the effective promotion of urban cycling, for which urban and regional planning plays a fundamental role, equal to or even more important than the role of transportation planning. Although travel distance is probably the biggest determinant of urban cycling, the articulation of cycling with a good public transport network will allow an increase in both travel modes, as these modes of transport are complementary.

Keywords: Bicycle; cycling; built environment; urbanism; sustainable urban mobility.

 

RÉSUMÉ

Le vélo est probablement, outre la marche, le moyen de transport le plus efficace et rationnel de mobilité urbaine, mais il représente seulement une petite partie de sa répartition modale. Sur la base de l'analyse des données nationales et européennes, nous présentons ici une lecture analytique des facteurs qui contribuent à la promotion de la mobilité urbaine à vélo. Cinq facteurs sont identifiés: caractéristiques urbaines, environnement naturel, facteurs socio‑économiques, facteurs psychologiques et coûts généralisés de l'utilisation du vélo. Leur connaissance est indispensable pour une promotion effective du cyclisme dans les zones urbaines, pour lesquelles la planification régionale et urbaine a un rôle‑clé, égal ou même supérieur à celui de la planification des transports. Bien que la distance soit probablement le principal facteur déterminant de l'utilisation du vélo, son articulation avec un bon réseau de transports publics permettrait une utilisation accrue des deux, étant donné qu'ils peuvent être complémentaires.

Mots clés: Vélo; mobilité à vélo; environnement construit; urbanisme; mobilité urbaine durable.

 

 

I. INTRODUÇÃO

A bicicleta é provavelmente o meio de transporte mais eficaz e racional para as deslocações urbanas, a par das deslocações pedonais. Por um lado, a utilização da bicicleta proporciona benefícios colectivos como a redução da emissão de gases com efeito de estufa, redução da poluição sonora, redução do espaço necessário para a circulação e estacionamento dos veículos. Por outro lado, a bicicleta também proporciona benefícios individuais, nomeadamente ao nível da saúde e financeiro, mas sobretudo porque, do ponto de vista do tempo de deslocação, a bicicleta constitui o meio de transporte mais rápido para deslocações até 5 km, que constituem a larga maioria das deslocações em espaço urbano. Contudo, a sua utilização nas cidades da Europa e também em Portugal está longe de representar a maioria das deslocações diárias dos indivíduos, com exceções de algumas cidades do Norte da Europa onde representam mais de 30% das deslocações. Se bem que a escolha da bicicleta como meio de transporte é certamente explicada em grande parte por questões socioeconómicas e individuais, as características urbanísticas das cidades contribuem também diretamente para os níveis de utilização observados, o que significa que o urbanismo e o ordenamento do território desempenham um papel fundamental na promoção da utilização da bicicleta.

Neste artigo, pretende‑se exatamente explorar quais são esses factores urbanísticos que explicam os níveis de utilização da bicicleta em meio urbano, apresentando assim uma revisão da literatura sobre a relação entre o ambiente construído e a utilização da bicicleta. Ao contrário da crença popular, não são apenas factores físicos como o relevo e o clima ou factores culturais ou socio‑económicos que explicam a utilização da bicicleta. De facto, há uma série de factores urbanísticos como a diversidade funcional, a redução das distâncias entre origens e destinos, e a segurança na circulação que contribuem de forma substancial para que a bicicleta constitua um meio de transporte urbano representativo, os quais podem ser alterados com políticas urbanísticas que promovam o uso da bicicleta. O artigo encontra‑se estruturado da seguinte forma: apresentação das principais características de deslocações urbanas em bicicleta, apontando e explicando os três factores fundamentais que condicionam a utilização da bicicleta: distância, o relevo e a velocidade (ou tempo) de deslocação. De seguida são apresentados alguns dados de caracterização da utilização da bicicleta em espaço urbano, incluindo uma análise da utilização da bicicleta em Portugal no ano de 2011. São posteriormente apontadas as principais razões explicativas da escolha da bicicleta como meio de transporte urbano utilitário. O artigo termina apontando o papel que as políticas urbanísticas podem e devem ter na promoção da utilização da bicicleta.

 

II. A BICICLETA COMO MEIO DE TRANSPORTE

A bicicleta é um meio de transporte extremamente importante no contexto urbano, não só pelo seu custo reduzido de aquisição e utilização, bem como pelos impactos positivos que tem na saúde da população, seja na redução da obesidade, redução da poluição atmosférica e sonora, e ainda nos impactos positivos que tem no espaço urbano, pelo reduzido espaço necessário para a circulação e estacionamento dos veículos. Contudo, a bicicleta é por muitos encarada apenas como um veículo de desporto, recreio ou lazer e não como um meio de transporte diário. A variedade de bicicletas existente no mercado é muito grande, mas parte da população desconhece a oferta disponível e terá tendência para ver a bicicleta como um objecto de lazer para adultos ou para crianças. Isto obviamente em casos onde a utilização da bicicleta como meio de transporte diário é residual, como é o caso da maioria do território nacional.

Contudo, a bicicleta é em si mesmo um meio de transporte ‘completo', que deverá ser encarado com a mesma importância que se dá a qualquer outro. De igual forma, o meio de transporte pedonal – o simples ato de ‘andar a pé' – também deverá ser alvo da mesma importância, mas tanto o modo pedonal como a bicicleta – os designados modos ativos ou modos suaves – são muitas vezes ignorados nos processos de planeamento de transportes e mesmo nos processos de planeamento urbano. Enquanto modo de transporte, a utilização da bicicleta está desde logo condicionada por três factores fundamentais: a distância a percorrer, o relevo, fundamentalmente o declive e a extensão das zonas declivosas, e a velocidade da deslocação, esta última intimamente ligada ao tempo de deslocação disponível. Estes factores, por si só, não explicam a utilização da bicicleta, mas constituem limitações ou restrições importantes que poderão eventualmente impedir a sua utilização.

De acordo com dados da OCDE (1998)i, a utilização da bicicleta nos países da OCDE atinge o valor máximo da repartição modal para viagens curtas (até 5 km), para as quais a percentagem de utilizadores de transportes públicos é mais reduzida. A Holanda, Dinamarca e Suíça aparecem como casos onde a percentagem é mais elevada. Representando, no caso da Holanda, cerca de 39% das deslocações de até 5 km. De acordo com a mesma fonte, a distância média de uma viagem em bicicleta é de cerca de 3 km, mas nos países onde a utilização é maior a distância média percorrida também aumenta. Independentemente do valor médio registado em cada país, o que se observa em todos os casos é que a maioria das distâncias percorridas em bicicleta corresponde a valores de até 7,5 km e diminui de forma significativa a partir de 5 km de distância (Road Directorate, 2000; Transport for London, 2008), constituindo por si só uma das maiores barreiras à utilização da bicicleta (Madruga, 2012). Isto não quer dizer que não se consiga utilizar a bicicleta para realizar deslocações superiores, mas normalmente para estes percursos, a bicicleta já será usada apenas por alguns utilizadores mais aptos fisicamente ou em complementaridade com transportes públicos.

Quanto ao relevo, o parâmetro fundamental é o declive, nomeadamente declives acentuados, superiores a 5%, que condicionam o uso da bicicleta na subida pelo esforço adicional que obriga o utilizador de bicicleta a realizar para vencer estes territórios. Claro que, com a utilização de uma bicicleta com motor eléctrico (as designadas pedelecs) este problema deixa de se colocar, uma vez que o motor eléctrico adicional de uma pedelec realiza o esforço auxiliar necessário para vencer as subidas nas zonas com maior declive. Contudo, assumindo a utilização de uma bicicleta convencional sem motor auxiliar, o declive pode ser de facto um factor limitativo, nem que seja porque condiciona a percepção da possibilidade de utilização de uma bicicleta como meio de transporte urbano (Winters, Brauer, Setton, & Teschke, 2011). Mesmo assumindo que a percepção da barreira do declive possa estar errada, o que é facto é que a percepção que se tem das condições de circulação é fundamental para a escolha de um determinado meio de transporte, neste caso a bicicleta (Anable, 2005).

De uma forma geral, o declive ideal para o uso da bicicleta será o menor possível, preferencialmente inferior a 3%. Há valores de declive a partir do qual a utilização da bicicleta deixa de ser possível (ou desejável), que estão intimamente ligados à extensão de terreno que se tem que vencer em subida: quanto menor a extensão da subida, maior o declive aceitável, uma vez que o esforço físico adicional será realizado durante menos tempo (AASHTO, 1999) (fig. 1). Por outras palavras, estes limites máximos indicam que é possível circular de bicicleta em zonas com maior declive desde que as mesmas não tenham uma grande extensão.

 

 

Adicionalmente, os ciclistas escolhem o percurso com menor declive entre dois pontos, de forma a contornar estas limitações do relevo, pelo que os percursos mais utilizados pelos automóveis não são obrigatoriamente os mais utilizados pelos ciclistas. Mesmo assim, há percursos utilizados por muitos ciclistas que incluem escadarias públicas ou zonas de declive acentuado com curta extensão, normalmente quando nas escadas estiver instalada uma rampa ou calha para o transporte de bicicleta, pelo que o relevo, se bem que limitativo da utilização da bicicleta, não poderá ser considerado impeditivo da sua utilização. De igual forma, meios mecânicos auxiliares para o transporte de bicicletas em curtas distâncias com elevado declive contribuem de forma significativa para o aumento da utilização da bicicleta, uma vez que permitem aos ciclistas vencer subidas com declives acentuados com auxílio mecânico e circular sem esforço exagerado nas áreas com declives menos acentuados.

Finalmente, uma característica fundamental da bicicleta é a velocidade média de circulação, que irá condicionar a distância máxima percorrível de bicicleta num dado intervalo de tempo, e este constitui o factor limitativo fundamental da escolha modal. A velocidade média de deslocação em meio urbano em bicicleta, considerada normalmente de 15 a 16 km/h (incluindo os tempos de paragem em semáforos e cruzamentos), varia bastante em função das características do ciclista, nomeadamente a sua idade, e também em função do relevo e se este se apresenta como uma subida ou como uma descida. De uma forma geral, em áreas planas a maioria da população circulará de bicicleta entre os 15 e os 25 km/h, e uma percentagem mais reduzida circulará mesmo a mais de 30 km/h. Em áreas descendentes a velocidade aumenta para intervalos entre 30 e 40 km/h. Em termos de idade, os adultos constituem o grupo de ciclistas mais rápidos, com velocidade média de circulação entre 16 e 18 km/h, enquanto crianças e idosos circulam a menor velocidade de 6 a 8 km/h (Road Directorate, 2000). A propósito desta diferenciação de velocidades em função da idade, refira‑se que crianças e adolescentes constituem grupos de utilizadores importantes, uma vez que não necessitam da carta de condução e por isso a bicicleta constitui uma solução de mobilidade acessível e importante.

Se bem que à partida este valor médio de circulação (15 km/h) possa parecer baixo, é de referir que a velocidade média de circulação dos outros modos de transporte em meio urbano são também relativamente baixas, pelo que a bicicleta, em termos de velocidade média de circulação porta‑a‑porta é um meio de transporte muito competitivo – uma viagem de 5 km em bicicleta demorará em média cerca de 20 minutos a realizar. De facto, para deslocações até 5 km a bicicleta é o modo de transporte mais rápido, competitivo e flexível, uma vez que de bicicleta estaciona‑se “à porta” do destino, reduzindo o tempo (e o custo) total de deslocação, e não existem tempos de espera pelo meio de transporte, os quais, habitualmente, reduzem consideravelmente a velocidade média de deslocação (Dekoster & Schollaert, 1999; Translink, 2011).

Esta mais‑valia da bicicleta em relação a qualquer outro meio de transporte, para deslocações de até 5 km, que correspondem a cerca de 50% das deslocações nos países da União Europeia (Hydén, Nilsson, & Risser, 1999), tornam a bicicleta o meio de transporte mais adequado em espaço urbano, onde a maioria das deslocações são de curta distância e/ou onde é possível em grande parte das situações substituir um destino por outro localizado a uma distância inferior, caso exista. São exemplos destes destinos substituíveis grande parte do comércio, seja comércio diário alimentar ou não alimentar, comércio ocasional e mesmo algumas unidades de comércio excepcional, e ainda cinemas, teatros, unidades de recreio e lazer, entre outras. O local de trabalho será provavelmente o destino de maior dificuldade de substituição mas, por outro lado, a localização do local de residência poderá ser também um factor determinante para a utilização da bicicleta, como se verá mais à frente.

De facto, se bem que os dados atrás apresentados revelam que a bicicleta é um meio de transporte muito eficiente para deslocações curtas, o que é certo é que a utilização da bicicleta é um fenómeno bastante diferenciado de cidade para cidade. Em cidades como Copenhaga e a

Amsterdão, e de uma forma geral nas cidades de países do Norte da Europa como a Dinamarca, Holanda, mas também Finlândia, Suécia e Alemanha, a utilização da bicicleta é elevada, chegando mesmo a representar mais de 30% da repartição modal. Contudo, de acordo com os dados do Urban Audit de 2004, apenas em seis cidades da Europa mais de 30% da população utiliza a bicicleta nas suas deslocações pendulares casa‑trabalho: Groningen (Holanda), Copenhaga (Dinamarca), Oulu (Finlândia), Odense (Dinamarca), Leeuwarden (Holanda) e Enschede (Holanda) (fig. 2). As cidades referenciadas, bem como as que constituem o top 25 da utilização da bicicleta têm dimensões bastante diferenciadas, desde pequenas cidades como Leeuwarden com menos de 100 000 habitantes, até cidades como Amsterdão, Bremen e Roterdão, todas com mais de 500 000 habitantes, pelo que a dimensão da cidade, por si só, não explica as diferenças observadas.

 

 

III. A UTILIZAÇÃO DA BICICLETA NO TERRITÓRIO NACIONAL

Em Portugal, segundo dados do Recenseamento Geral da População de 2011, a bicicleta é utilizada diariamente por apenas cerca de 0,5% da população para as suas deslocações casa‑trabalho ou casa‑escola, e o automóvel particular domina a repartição modal, representando a escolha de cerca de 62% dos utilizadores. Note‑se contudo que os dados disponíveis referem apenas o modo de transporte usado em exclusivo e/ou mais frequentemente, pelo que poderá haver casos em que se utilize a bicicleta alguns dias da semana ou para aceder a uma estação de transporte público que não são contabilizados. Contudo, estes valores nacionais da utilização diária da bicicleta não são representativos das várias realidades locais, uma vez que a repartição por concelho é muito diferenciada, variando entre 0% nos concelhos de Mesão Frio e Penedono e 16,93% no concelho da Murtosa (figs. 3 e 4). De uma análise da distribuição nacional, a região de Aveiro (municípios litorais das NUTS do Baixo Vouga e Baixo Mondego) aparece destacada como um território onde a utilização da bicicleta é comparativamente elevada, com valores superiores a 5%, bem como uma faixa litoral que se estende, grosso modo, entre Espinho e a Lourinhã. Destaca‑se ainda a NUTS III da Lezíria do Tejo, na qual se realça o concelho da Golegã com 6,7%, e a faixa litoral do Algarve. Com excepção dos municípios de Aveiro e Ovar, o top 25 dos municípios que apresentam percentagens de utilização de bicicleta superiores correspondem a municípios pouco populosos, com menos de 50 000 habitantes, sendo que a maioria tem menos de 30 000 habitantes. Assim, de uma forma geral, pode deduzir‑se que a utilização da bicicleta em Portugal Continental está associada diretamente à orografia, e a municípios com características mais rurais, com menor população residente.

 

 

 

 

Uma análise mais detalhada por freguesia às Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto (AML e AMP), bem como à Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIM Aveiro), a região com mais utilizadores de bicicleta, volta a reforçar a ideia do relevo como factor fundamental da utilização da bicicleta (fig. 5). Adicionalmente, também se observa que nas áreas mais urbanas, sejam as próprias áreas metropolitanas em comparação com a CIM Aveiro, sejam as cidades de Lisboa e Porto em comparação com o seu hinterland respectivo, a utilização da bicicleta é inferior às zonas suburbanas e/ou mais rurais. De facto, nas áreas metropolitanas o valor mais elevado é de cerca de 4% nas freguesias do concelho da Póvoa do Varzim, na AMP, e de 2 a 3% nas freguesias dos concelhos da Moita e Montijo, na AML. Comparativamente, na CIM Aveiro os valores são bastante superiores, destacando‑se pela positiva as freguesias do concelho da Murtosa (onde se destaca a freguesia da Murtosa com 24,3%), de Ílhavo e de Estarreja, com valores superiores aos das freguesias do concelho de Aveiro. Assim, de uma forma genérica, pode‑se afirmar que em Portugal Continental a utilização da bicicleta em 2011 está fundamentalmente associada a áreas com declive pouco acentuado e com um carácter mais suburbano e/ou rural. Outros factores explicarão certamente esta associação, como desde logo as más condições de circulação em bicicleta que existem nas cidades portuguesas, associadas a maiores volumes de tráfego automóvel, o que aumenta a perigosidade da circulação em bicicleta. Contudo, a ausência destes dados impede uma leitura mais aprofundada das razões explicativas da utilização da bicicleta em Portugal.

 

 

IV. RAZÕES PARA A ESCOLHA DA BICICLETA

Tendo por base os dados apresentados anteriormente, torna‑se evidente que para realizar deslocações de até 5 km, em zonas planas ou de declive pouco acentuado, a bicicleta deveria dominar a repartição modal, uma vez que será o meio de transporte mais rápido para a realização dessas deslocações. Contudo, os dados apresentados, referentes à situação portuguesa à data do Censo de 2011, revelam uma situação diferente, pelo que será importante compreender as razões que poderão justificar estas diferenças. Note‑se que não é o nosso objectivo desenvolver modelos estatísticos explicativos dos valores registados, apenas apontar os factores teóricos explicativos, com base numa leitura analítica dos dados disponíveis. Um estudo com carácter explicativo dos níveis de utilização da bicicleta, desenvolvido para o total das freguesias de Portugal e capaz de proporcionar uma visão coerente e abrangente dos motivos significativos, seria algo bastante importante e interessante, mas extravasa o âmbito deste artigo.

Assim, em termos teóricos, podem‑se apontar cinco grandes conjuntos de razões explicativas da utilização da bicicleta como meio de transporte diário: as características urbanísticas do território, o ambiente natural, factores socioeconómicos, factores psicológicos, e os custos generalizados da utilização da bicicleta, nomeadamente custos financeiros, tempos de deslocação, esforço e segurança (Heinen, Van Wee, & Maat, 2010).

1. As características urbanísticas do território

Do ponto de vista das características urbanísticas do território ou características do ambiente construído – o que em língua inglesa normalmente se designa por built environment – existem três grandes grupos de factores que influenciam a utilização da bicicleta: a forma urbana, as infraestruturas cicláveis existentes, e as infraestruturas de apoio nos destinos (quadro I).

 

 

A forma urbana, encarada aqui no seu contexto mais alargado e não especificamente relacionada com questões de morfologia urbana, contribui para a utilização da bicicleta diretamente no que diz respeito a dois conceitos basilares: a proximidade e a conectividade (Saelens, Sallis, & Frank, 2003). De facto, a proximidade entre origens e destinos é fundamental para que a deslocação em bicicleta seja possível, uma vez que, como já foi referido, a bicicleta é utilizada fundamentalmente para deslocações até 7,5 km e em muito maior número em deslocações até 5 km, distância para a qual é extremamente competitiva. A conectividade, que reflete a facilidade da deslocação entre uma origem e um destino através da rede viária existente, é tão ou mais importante uma vez que em locais onde a conectividade é baixa as distâncias a percorrer aumentam substancialmente. A conectividade é normalmente medida em planeamento urbano pelo rácio entre nós e arcos de uma rede viária e/ou através da extensão da fachada de um quarteirão (Handy, Paterson, & Butler, 2003). Assim, de uma forma geral, quarteirões mais pequenos e uma rede viária reticular aumentam a conectividade de um espaço urbano, tornando a distância percorrível entre origens e destinos mais semelhante à distância em linha recta entre esses mesmos dois pontos.

Neste sentido, promover a proximidade de origens e destinos irá aumentar o potencial ciclável dos territórios – o que se pode designar como a ciclabilidade de um território, utilizado aqui de uma forma livre, para designar a “acessibilidade em bicicleta” de um território, que em inglês normalmente se designa como “bikeability” (Winters, Brauer, Setton, & Teschke, 2013). Desta forma, a dimensão da cidade é desde logo um parâmetro explicativo da utilização da bicicleta, uma vez que em cidades mais pequenas as distâncias médias são menores (a proximidade global entre origens e destinos é maior) e por isso mesmo a ciclabilidade do território será, à partida, maior do que numa cidade de maior dimensão, observando‑se de facto uma maior utilização de bicicletas em cidades mais pequenas (Martens, 2004; Rietveld & Daniel, 2004). Contudo, em cidades de maior dimensão também é possível utilizar a bicicleta, seja através do uso combinado com transportes públicos, neste caso sendo fundamental a distância entre origem e/ou destino até às paragens e estações, seja porque as localizações relativas de origens e destinos estão relativamente próximas entre si. Assim, a distância a percorrer é influenciada diretamente pela proximidade entre origens e destinos que, por sua vez, é consequência da densidade urbanística da cidade em si e também da (maior ou menor) mistura de usos que a mesma contém. De uma forma geral, cidades com densidades médias ou altas e onde as diversas funções e atividades não estão segregadas no território constituem espaços urbanos onde a utilização da bicicleta é favorecida, uma vez que as distâncias médias a percorrer são menores.

A terminologia associada às infraestruturas cicláveis ainda não está completamente consolidada e uniformizada em Portugal, sendo comum encontrar diversos conceitos para referenciar o mesmo objecto. Neste sentido, tomámos como base o trabalho de Alves (2005), o recente Plano de Promoção da Bicicleta e Outros Modos Suaves 2013‑2020 (IMTT, 2012) mas também literatura brasileira (Godim, 2010), adoptando e ajustando as definições apresentadas em duas categorias agregadas num conceito global – a ciclovia. Assim, usamos o conceito ciclovia para designar o conjunto das infraestruturas cicláveis, ciclopista ou pista cicláveliipara designar um espaço segregado de circulação, normalmente colocado à cota do passeio, podendo ser unidirecional ou bidirecional, contíguo ou afastado do lancil, e ciclofaixa ou faixa ciclável iii para designar um espaço de circulação de bicicletas localizado à cota da rua, sendo a sua segregação garantida apenas pela sua demarcação no pavimento. O Código da Estrada (Lei nº 116/2015, de 28 de Agosto) apresenta o conceito de “faixa de rodagem” como a parte da via pública especialmente destinada ao trânsito de veículos, pelo que uma “faixa ciclável” poderá constituir parte ou mesmo a totalidade de uma “faixa de rodagem”, a qual pode ser integralmente ciclável. Neste sentido, o temo ‘ciclofaixa' poderá ser mais claro do que ‘faixa ciclável' para designar a faixa dedicada exclusivamente à circulação em bicicleta. A grande diferenciação entre uma ciclofaixa e uma ciclopista é dada pela integração ou segregação da ciclovia na faixa de rodagem, materializada na ocupação (ciclofaixa) ou não (ciclopista) da faixa de rodagem pela ciclovia. Contudo, e tal como defendido por Alves (2005), o conceito de ciclável, no âmbito da rede viária urbana, pode e deve ser aplicado a diversos troços da rede viária que não apenas ciclovias. Por outras palavras, a circulação em segurança e conforto em bicicleta em espaço urbano não necessita de ciclovias em todas as ruas, mas sim de uma rede viária ciclável, que incluirá troços em ciclovia e outros troços que corresponderão à rede viária já existente.

Neste sentido, torna‑se importante identificar os critérios que devem orientar a escolha de determinada infraestrutura ciclável no espaço urbano, tendo por objectivo primordial garantir a segurança e conforto de circulação da bicicleta. De acordo com diversas referências internacionais (AASHTO, 1999; CERTU, 2008; CROW, 2007; GTZ & SUTP, 2009; NACTO, 2011; NTA, 2011; Road Directorate, 2000), mas também com recomendações nacionais (IMTT, 2011), esta escolha deverá ser realizada tendo por base o tráfego e velocidade de circulação registada e/ou desejada para a via em causa. Assim, as ciclopistas são boas soluções para áreas de elevada velocidade e tráfego, as ciclofaixas para situações de velocidade inferior, e soluções de coexistência deverão ser a solução típica para ruas onde a velocidade de circulação é inferior a 30 Km/h. A aplicação concreta destes princípios à hierarquia da rede viária urbana, através da qual as ruas do espaço urbano são classificadas em função do seu posicionamento num espectro mobilidade‑acessibilidade, implicará como princípio geral de planeamento que as vias estruturantes (arteriais, colectoras e distribuidoras) devem incluir ciclopistas ou ciclofaixas, mas para as vias locais (distribuidoras locais e vias de acesso local) o princípio deverá ser a promoção da coexistência entre bicicletas e outros veículos, sendo para tal necessário medidas de acalmia de tráfego nestas ruas de forma a que a velocidade de circulação seja igual ou inferior a 30 Km/h.

De acordo com várias referências, a existência de uma rede ciclável em espaço urbano está positivamente associada a um aumento do número de utilizadores de bicicleta (Forsyth & Krizek, 2011; Heinen et al., 2010; Winters et al., 2011). Esta associação positiva é justificada pelo aumento de segurança (real e percepcionada) do utilizador de bicicleta na sua circulação em conjunto com outros meios de transporte motorizados, mas também pelo acréscimo de segurança que as ciclovias podem trazer através de uma mudança de comportamento dos outros modos de transporte motorizados, uma vez que a bicicleta ganha uma visibilidade acrescida com a existência de uma rede ciclável. Refira‑se ainda que a existência de diferentes tipos de ciclistas em meio urbano, desde utilizadores experientes a outros menos experientes, crianças, idosos e outros utilizadores mais vulneráveis, pode justificar a redundância de soluções cicláveis. Assim, por exemplo, poderá justificar‑se que numa determinada rua se construa uma ciclofaixa mas também se garanta que a rede pedonal é ciclável, de forma a garantir que as crianças possam circular no passeio e os utilizadores mais experientes na ciclofaixa. Assim, para se obter uma associação positiva entre a existência de ciclovias e a utilização da bicicleta, não bastam haver ciclovias, há que garantir que as ciclovias existentes são adequadas à rede viária existente e aos utilizadores.

Para além das ciclovias, a utilização da bicicleta em espaço urbano está positivamente associada à existência de infraestruturas de apoio nos destinos, que não apenas infraestruturas viárias. Entre estas, são fundamentais a existência de estacionamento dedicado para bicicletas no espaço público e privado e ainda a existência de duches, balneários e cacifos nos locais de trabalho, estes últimos já uma característica arquitectónica dos locais, se bem que possam obviamente ser resultado de uma adaptação de um projeto existente.

Se bem que seja frequente o estacionamento de bicicletas em diversos elementos existentes no espaço público – como por exemplo postes de iluminação, semáforos, sinais de trânsito e outros – é fundamental a existência de estacionamento de bicicletas em espaço público para promover o seu uso. O estacionamento de bicicletas em espaço público tem duas funções fundamentais: por um lado sinaliza a presença da bicicleta no espaço urbano e regra o seu estacionamento, evitando conflitos com peões e com outros veículos, mas por outro lado aumenta a segurança do estacionamento em bicicleta. A possibilidade de roubo de uma bicicleta é sentida e apontada por várias pessoas como um factor desencorajador do seu uso, pelo que o estacionamento dedicado ganha um papel acrescido na promoção do uso da bicicleta.

Para que constitua um factor encorajador do uso da bicicleta, será necessário estacionamento para as mais variadas utilizações de bicicleta, às quais corresponderão diversas soluções técnicas diferenciadas. Por outras palavras, apenas uma oferta de estacionamento adequada à procura conseguirá induzir uma maior utilização da bicicleta, pelo que não há neste caso uma solução única capaz de satisfazer todas as necessidades. Assim, deverão ser previstas soluções de acordo com a duração necessária de estacionamento, que poderá variar entre alguns minutos e algumas horas, e pensadas para três tipos de locais fundamentais da deslocação em bicicleta: origens, percursos e destinos. Conforme descrito no quadro II, identificam‑se 4 tipos de estacionamento de bicicleta, em função da dimensão e duração do estacionamento.

 

 

Refira‑se ainda a este respeito que, especialmente no caso dos estacionamentos mini localizados no espaço público, é fundamental que os suportes de estacionamento permitam a amarração da bicicleta em dois pontos distintos, designadamente a roda da frente e o quadro num ponto e a roda de trás noutro ponto, pelo que os estacionamentos em ‘U' invertido (normalmente designados como “Sheffield”) são normalmente considerados os mais seguros e adaptados para o estacionamento em bicicleta (Vale, 2014). Contudo, qualquer outro modelo que permita a amarração em dois pontos e simultaneamente sirva de suporte à bicicleta será adequado.

Complementarmente ao estacionamento, refira‑se ainda que outros equipamentos podem ser determinantes na dinamização do uso da bicicleta (GTZ & SUTP, 2009). Locais de trabalho equipados com duches e cacifos para os seus funcionários merecem um papel determinante, uma vez que ao permitir que o trabalhador tome um duche no destino retira ao mesmo um eventual receio de chegar suado ao seu local de trabalho, suor este que poderá estar associado ao clima do local ou ao esforço despendido na deslocação em si mesma. C ontudo, refira‑se a este respeito que a transpiração causada pela deslocação é facilmente controlada através da redução da velocidade de deslocação em bicicleta, factor que os ciclistas conhecem e utilizam diariamente.

2. Condições ambientais

As condições ambientais influenciam diretamente a utilização da bicicleta, nomeadamente no que diz respeito ao relevo, clima e estado do tempo, e também pela atratividade cénica e lúdica que a paisagem tem para o utilizador de bicicleta.

O relevo de um território, designadamente o declive, é desde logo um factor predominante no uso da bicicleta. De uma forma geral, a ideia generalizada da população é que apenas é possível andar de bicicleta em cidades planas, se bem que, conforme descrito anteriormente, é perfeitamente possível vencer áreas com maior declive desde que as mesmas não tenham uma grande extensão (fig. 1), e para este efeito as características da bicicleta em questão são determinantes, designadamente o facto da bicicleta estar equipada com mudanças. Adicionalmente, e se bem que as cidades com declives menos acentuados apresentam níveis de utilização superior a cidades onde com declives acentuados (Rietveld & Daniel, 2004), o nível de experiência do ciclista é determinante na avaliação da importância (relativa) do declive, uma vez que ciclistas mais experientes até podem preferir áreas com maior declive, pelo prazer de realização e/ou de exercício adicional que vencer uma subida lhes pode trazer (Haworth & Schramm, 2011; Stinson & Bhat, 2005). Assim, e se bem que seja admissível afirmar que uma zona tendencialmente plana incentivará uma maior utilização da bicicleta, não se poderá afirmar que uma cidade com relevo mais acidentado impede a sua utilização. Nestes casos, o planeamento e a monitorização da utilização da bicicleta, bem como intervenções concretas em escadas ou ruas com maior declive ganham um papel ainda mais determinante, pois naturalmente nestas situações os modos de transporte motorizados (incluindo motorizadas e motociclos) podem ganhar um protagonismo acrescido.

Igualmente importante são as questões meteorológicas e climáticas. De facto, o estado do tempo pode condicionar a utilização da bicicleta, designadamente em dias com temperaturas muito baixas ou muito altas, vento forte ou precipitação elevada. Ao longo do ano, a utilização da bicicleta também apresenta variações, sendo normalmente mais elevada no verão, outono e primavera do que no inverno (Stinson & Bhat, 2004). Parte da razão para este declínio no inverno prende‑se com a temperatura, mas também com a redução do número de horas de luz natural, que obriga a que o regresso a casa seja realizado de noite (Gatersleben & Uzzel, 2007). Em relação aos efeitos do clima (regimes de temperatura e precipitação) há menos conhecimento científico, pelo que os seus efeitos são menos conhecidos. Presume‑se que climas moderados sejam mais propícios à utilização da bicicleta, se bem que em locais de climas frios, como por exemplo o Canadá, a utilização da bicicleta é mais elevada do que nos EUA (Pucher & Buehler, 2006). Climas muito quentes também podem ter um efeito negativo, se bem que nos países tropicais se registam também bastantes utilizadores de bicicleta.

No entanto, o ambiente natural também poderá ser um atrativo à utilização da bicicleta. Zonas com ambientes naturais atrativos como frentes de mar ou frentes ribeirinhas, caminhos ao longo de linhas de água contribuem positivamente para o aumento da utilização da bicicleta. Em meio urbano, estas zonas são normalmente sujeitas a intervenções paisagísticas de forma a constituírem os designados corredores verdes (Little, 1990). Se bem que estas zonas com carácter mais lúdico poderão apresentar uma utilização da bicicleta mais recreativa, não são contudo de ignorar os seus efeitos, pois a utilização lúdica constitui muitas vezes um primeiro passo para a utilização diária da bicicleta, e os ciclistas utilitários poderão incluir nos seus percursos diários alguns troços destes corredores verdes.

3. Factores socioeconómicos

Os factores socioeconómicos constituem normalmente variáveis significativas nos modelos que explicam a utilização da bicicleta, se bem que a direção da relação não é clara e a causalidade não é evidente (Heinen et al., 2010). Assim, apenas se poderão referir alguns princípios resultantes dos resultados da investigação existente. Desde logo, o sexo é apontado por vários autores como um factor explicativo, pois de uma forma geral, há mais homens do que mulheres a utilizar a bicicleta diariamente (Dickinson, Kingham, Copsey, & Hougie, 2003; Moudon et al., 2005). Contudo, em países onde a utilização da bicicleta é maior, esta tendência tende a desaparecer (Garrard, Rose, & Lo, 2008). Em relação à idade, os resultados são igualmente ambíguos, uma vez que tanto se encontram informações que apontam para uma diminuição da utilização da bicicleta com a idade como simultaneamente este factor não tem significado. Assim, dificilmente se poderá afirmar que há uma relação da utilização da bicicleta com a idade. Em relação ao rendimento, os dados são ainda mais contraditórios, pois tanto se encontra uma relação negativa entre a utilização da bicicleta e o rendimento, como uma relação positiva, como uma ausência de relação (Plaut, 2005; Pucher & Buehler, 2006; Stinson & Bhat, 2005). De facto, neste domínio tanto se poderão encontrar menos utilizadores de rendimentos menores justificados pelos custos da bicicleta e ausência de locais seguros de estacionamento, como também se poderão encontrar menos utilizadores de bicicleta com rendimentos superiores, justificado fundamentalmente por questões de status. Estas associações poderão contudo estar intimamente ligadas ao país em causa, uma vez que estes factores estão muitas vezes associados a questões socioculturais.

A posse de veículos contudo já pode ser apontada como um factor significativo. Neste caso, tanto a posse de um ou mais automóveis no agregado familiar está associada a menor utilização da bicicleta, como pelo contrário a posse de bicicletas está associada a maior utilização (Heinen et al., 2010; Plaut, 2005; Pucher & Buehler, 2006). Outro factor explicativo da utilização da bicicleta é a composição do agregado familiar. De facto, e se bem que existam vários acessórios para transporte de crianças, a presença de crianças no agregado normalmente aparece associada a menor utilização da bicicleta (mesmo que maior posse de bicicletas), tal como ter um horário de trabalho inferior a 40 horas semanais ou ter um estatuto social mais elevado (Moudon et al., 2005; Ryley, 2006).

Assim, assume‑se que as condições socioeconómicas terão importância na escolha da bicicleta como meio de transporte diário, se bem que a sua influência é ainda pouco conhecida. Certamente a influência estará relacionada com factores psicológicos e atitudes individuais associados ao estatuto socioeconómico do indivíduo, sendo eventualmente estes factores e atitudes mais relevantes para explicar a utilização da bicicleta em espaço urbano do que as questões meramente socioeconómicas.

4. Factores psicológicos

Os factores psicológicos são provavelmente a maior barreira à utilização da bicicleta em espaço urbano (Heinen et al., 2010). De facto, se para um individuo a deslocação de bicicleta é sinónimo de pobreza, de um determinado estilo de vida no qual não se revê, de algo apenas adequado a uma determinada idade ou classe social, ou apenas como algo esquisito ou estranho de realizar, esta associação constituirá uma barreira muito superior ao declive, clima, tráfego, segurança ou outro qualquer factor objectivo ou urbanístico, uma vez que neste caso a bicicleta deixa de ser vista como um meio de transporte viável para o indivíduo. Esta concepção negativa da bicicleta poderá estar assim associada a normas sociais, o que dificulta a sua mudança individual. Contudo, as normas sociais não são imutáveis nem universais, pelo que o que é considerado normal e aceitável num determinado momento e num determinado local poderá ser diferente de outro momento e/ou noutro local.

Para além das normas sociais, também relevantes são as questões das atitudes individuais. Andar de bicicleta, enquadrado enquanto comportamento individual, estará condicionado pelas atitudes que essa pessoa tem perante um conjunto vasto de factores, como o ambiente, a sustentabilidade, o estatuto social, etc. Assim, certas atitudes individuais poderão ser suficientes para justificar a escolha da bicicleta como meio de transporte, como por exemplo uma atitude pró‑ambientalista. Contudo, o contrário também é verdadeiro. Atitudes favoráveis à utilização do automóvel também podem ser suficientes para excluir a bicicleta como uma hipótese a considerar para a mobilidade urbana (Anable, 2005).

Finalmente, a percepção que os indivíduos têm das condições de circulação em bicicleta é tão ou mais importante do que as reais condições existentes (Rietveld & Daniel, 2004; Sener, Eluru, & Bhat, 2009). Neste aspecto são determinantes as percepções de segurança, seja no que diz respeito à segurança relativamente às condições de circulação com veículos motorizados, seja no que diz respeito à segurança pessoal dos indivíduos em relação a assaltos, roubos, etc. Assim, é extremamente importante conhecer eventuais percepções erradas de determinadas situações, bem como os factores que estão na base dessas percepções para se poder intervir de forma a que o impacto na mobilidade ciclável seja real.

5. Custos generalizados da utilização da bicicleta

O último conjunto de factores que explicam a escolha da bicicleta como meio de transporte diário urbano são os designados custos generalizados da utilização da bicicleta (Rietveld & Daniel, 2004). O conceito de custo generalizado, que advém da economia, procura refletir vários factores que determinam o comportamento dos indivíduos como níveis de serviço, conveniência e flexibilidade, conforto e duração da viagem. Tenta assim refletir, num único valor, vários aspectos que caracterizam o bem ou serviço, neste caso o meio de transporte em consideração num processo de escolha.

Com base nesta perspectiva, a utilização da bicicleta em espaço urbano é explicada através da comparação dos custos generalizados da utilização da bicicleta com os custos generalizados do uso de outros modos de transporte, conforme esquematizado na figura 6. Esta conceptualização da mobilidade em bicicleta é extremamente útil para planeamento de transportes e para planeamento territorial, uma vez que enfatiza o papel que as políticas de planeamento podem e devem ter na promoção da utilização da bicicleta. Estas devem seguir a estratégia designada como carrots and sticks ou push and pull, que passa por reduzir os custos da utilização da bicicleta (carrots) e simultaneamente aumentando os custos da utilização do automóvel (sticks) através de medidas muito variadas mas que passam, por exemplo, por cobrança de estacionamento, introdução de portagens nas cidades, etc.

 

 

Assim, é evidente que o Urbanismo e o Ordenamento do Território têm um papel fundamental na promoção da utilização da bicicleta em espaço urbano. São exemplos a forma urbana promovida, os regulamentos urbanísticos designadamente no que diz respeito às densidades, necessidades de estacionamento e mistura de usos promovida, e ainda a integração necessária da rede de transportes públicos com os objectivos de desenvolvimento urbano, através por exemplo dos designados nós‑lugares, que obrigam a olhar para cidade através da capacidade e oferta de transportes públicos e não da rede viária fundamental (Vale, 2013; 2015).

 

V. CONCLUSÃO

O conhecimento científico atual sobre a bicicleta em espaço urbano indica que a sua utilização está ligada às características urbanísticas do território, pelo que o planeamento regional e urbano tem um papel fundamental para a promoção do seu uso, igual ou mesmo superior ao papel do planeamento de transportes. Enquanto modo activo de deslocação, a maior barreira à utilização generalizada da bicicleta é certamente a distância a percorrer, uma vez que haverá distâncias a partir das quais os indivíduos já não conseguem realizar a viagem de bicicleta. Contudo, a utilização combinada de bicicletas e transportes públicos permite contornar a questão da distância, especialmente para viagens casa‑trabalho realizadas em hora‑de‑ponta para as quais são desenhados os sistemas de transportes públicos. Assim, a existência de um bom sistema de transportes públicos, permitindo o transporte de bicicletas e/ou locais adequados para estacionamento de bicicletas nas paragens e estações, faz com que a utilização da bicicleta aumente substancialmente, através de promoção de viagens multimodais. Se bem que extravase o conteúdo deste artigo, refira‑se contudo que há elementos fundamentais que devem ser seguidos na promoção (urbanística) da bicicleta, designadamente a política de estacionamento privado e público, as densidades de construção permitidas, a localização de grandes equipamentos colectivos e grandes superfícies comerciais, e ainda as regras quanto às possibilidades de alteração de uso e utilização do solo e das fracções. Adicionalmente, será sempre mais eficiente um pacote diversificado e complementar de medidas, programas e construção de infraestruturas, não bastando construir ciclovias e esperar que apareçam utilizadores (Pucher & Buehler, 2012; Wardman, Tight, & Page, 2007). Uma regra fundamental da promoção da bicicleta é que a mesma deverá ser orientada para determinados utilizadores e não generalizada, tendo em conta as suas especificidades e também assumindo que a mudança de comportamento é um processo contínuo (Prochaska & Velicer, 1997), pelo que as políticas devem ser orientadas à fase em que está cada indivíduo. Finalmente, podemos ainda argumentar que para além destes factores, as políticas de promoção deverão obedecer a especificidades territoriais e não estar sujeita a regras gerais aplicáveis a todo um território, uma vez que as necessidades serão certamente distintas em cada local.

Em Portugal, a realidade ao nível das redes de transportes públicos, bem como ao nível urbanístico, está longe de corresponder a um território favorável à bicicleta. Já tem havido algumas iniciativas ao nível dos transportes públicos, como por exemplo o BikeBus da Carris, a permissão de transporte de bicicletas em comboios suburbanos de Lisboa e Porto ou no metropolitano de Lisboa, mas muito ainda há a fazer para a integração da bicicleta com os transportes públicos, o que trará certamente benefícios para ambos. Ao nível urbanístico, recentemente tem‑se observado uma grande aposta por parte dos municípios, na construção de ciclovias. Contudo, na maioria dos casos, estas redes estão mal desenhadas, não estão conectadas, e ligam lugares recreativos, ignorando as necessidades específicas dos utilizadores de bicicleta para a realização de deslocações utilitárias. Em parte, a explicação deve‑se à falta de experiência por parte dos municípios, se bem que recentemente o IMT tem vindo a lançar diversas brochuras técnicas de apoio. Assim, a razão fundamental prende‑se seguramente com o facto da bicicleta ainda não ocupar um lugar igualitário aos outros modos de transporte no planeamento urbano e dos transportes, pelo que muitas vezes a rede ciclável ocupa o lugar ‘que sobra' e/ou o lugar ‘possível' na rede viária urbana portuguesa. Esta situação também se verifica no que diz respeito à rede pedonal, existindo diversos casos onde os passeios são muito estreitos e ainda contêm mobiliário urbano e sinalização rodoviária, dificultando ou mesmo impedindo a normal circulação dos peões. A promoção da bicicleta que se tem vindo a realizar em grande parte do território português sofre do mesmo problema, e muitas vezes ainda contribui para agravar as condições de circulação dos peões, construindo ciclovias em cima dos passeios, diminuindo assim a largura útil do passeio para circulação pedonal, em vez de se construir as mesmas na faixa de circulação dedicada aos veículos automóveis.

Quando a bicicleta e os peões conseguirem o lugar de primazia na hierarquia dos modos de transporte, conforme está subjacente nas políticas de mobilidade urbana sustentável, reduzindo a importância que atualmente tem o automóvel no desenho urbano das nossas cidades, certamente que se irão implementar soluções urbanísticas que conduzirão a um aumento significativo da utilização da bicicleta nas cidades portuguesas.

 

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Recebido: Julho 2015. Aceite: Outubro 2016.

 

 

NOTAS

iNão se conhece uma publicação mais recente que tenha dados da repartição modal desagregados por distância percorrida.

iiReferindo‑nos a “cycle path”, “cycle track”, “piste cyclable” ou “pista bici”.

iiiReferindo‑nos a “bicycle lane”, “bande cyclable” ou “carril bici”.

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