SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número101Ed Soja, winner of the Vautrin-Lud International Prize 2015 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versión impresa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.101 Lisboa abr. 2016

 

COMENTÁRIO DE AUTOR


 

Capitalismo global e processos de regeneração urbana: homenagem a Neil Smith comentário sobre o colóquio internacional

 

 

Luís Mendes1

Geógrafo. Assistente convidado na Escola Superior de Educação de Lisboa. Investigador no Centro de Estudos Geográficos, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. E-mail: luis.mendes@ceg.ul.pt

 

 

O colóquio internacional “Capitalismo Global e Processos de Regeneração Urbana: Homenagem a Neil Smith” decorreu no auditório do Museu de Arte Contemporânea em Barcelona (MACBA), nos dias 14, 15 e 16 de setembro de 2015 organizado pelo grupo de estudos urbanos críticos “Espais Crítics”, coordenado por Abel Albet e Núria Benach. Contou com a apresentação de 32 comunicaçõesi, 5 das quais realizadas por conferencistas convidados (Maria Dolors Garcia-Ramon, Luz Marina García Herrera, Fernando Sabaté Bel, Eric Clark, Don Mitchell e Tom Slater), organizados num total de seis sessões temáticas e duas sessões plenárias. foi transmitido via streaming no site do Museu de Arte Contemporânea em Barcelona (encontrando-se disponível no canal Youtubeii) e contou com o financiamento do Ministério da Economia e da Competitividade e da Fundação Espanhola para a Ciência e tecnologia, e ainda com a colaboração do próprio MACBA, da Editora Icaria e das Universidades de Barcelona, Autónoma de Barcelona e Aberta da Catalunha.

A conferência foi organizada em homenagem a Neil Smith, distinto geógrafo crítico escocês, estabelecido nos EUA e que morreu prematuramente em 2012. O seu trabalho sobre a emergência crescente do capitalismo global, o quadro conceptual que construiu sempre dialecticamente a partir do espaço, das políticas de escalas e do desenvolvimento desigual capitalista, e as suas críticas contra as estratégias do capital sobre os processos de regeneração urbana e gentrificação, produziram uma enorme influência sobre os estudos geográficos (urbanos) mas também no restante mundo académico das ciências sociais. Tanto o seu trabalho teórico, como o empírico, é constantemente citado e estudado em todo o mundo. a sua militância e activismo em várias causas pela luta do direito à cidade e à habitação e de participação em movimentos sociais urbanos de resistência à gentrificação ainda hoje é um exemplo de compromisso e envolvimento para muitos cientistas sociais críticos, de levar o pensamento à acção, como referiram os organizadores na sessão de apresentação.

A iniciar os trabalhos destas jornadas de três, a primeira sessão temática com uma conferência por parte de Francesco Indovina e Oriol Nel.lo “Gentrificación: ¿desastre, necesidad, oportunidad? Para una crítica sobre el uso del concepto en los países de europa del sur”. Na intervenção os autores admitiram que a denúncia da gentrificação alcançou enorme sucesso recente na literatura académica, no entanto, a aplicação desmesurada do termo a muitos e diferentes processos sociais urbanos está a contribuir não só para a sua “desnaturalização científica” (termos dos autores) como também para conclusões políticas de utilidade duvidosaiii. foi apresentada uma visão crítica do uso da noção de gentrificação nos países do sul da Europa, sobretudo em Barcelona e Veneza, pondo em evidência as fricções que surgem entre a aplicação indiscriminada do conceito e a ignorância das realidades do terreno, o que pode acabar por acarretar conclusões erróneas e até contraproducentes do ponto de vista do progresso político em direcção a uma maior igualdade social nas cidades. apelando a que se evitem os esquemas que reduzem a gentrificação à tríade comum de “desastre, necessidade ou oportunidade”, num corolário político que varia entre a impotência, a renúncia ou os aplausos, afirmou-se que o medo da gentrificação não deve ter um efeito inibidor sobre os governos e os movimentos urbanos transformadores. Ao invés, deve ser uma oportunidade para uma gestão dos processos de reestruturação urbana a partir do governo público, da municipalização do solo urbano e da acção colectiva, fortificando a relação entre as instituições e os movimentos de cidadãos que vão conquistando espaços institucionais, alargando as bases para uma transformação urbana em benefício da maioria.

O enfoque dado na gentrificação promovida pelo próprio Estado ou poderes públicos em geral (state led gentrification) foi precisamente a tónica das conferências seguintes da primeira sessão. Anne Clerval demonstrou para Paris como as políticas públicas de mix social e de um discurso ideológico que prevendo a miscigenação de géneros, etnias e gerações nos espaços públicos dos bairros de habitação social, mesmo que não intencionalmente, acabam por ser a mais eficiente estratégia na territorialização de uma gentrificação soft, dissimulada e sub-reptícia, gerada por consenso social, desmobilizando eventuais resistências e lutas sociais contra o processo.

No mesmo sentido seguiu a intervenção de Hamish Kallin que, através do recurso a três anos de pesquisa empírica sobre a regeneração urbana conduzida pelo Estado em Edimburgo, reafirmou o papel nuclear das políticas públicas como facilitadoras de gentrificação. O Estado, ao fazer uso da estigmatização territorial, da generalização de mecanismos de endividamento a nível dos territórios locais, do indivíduo e das famílias, legitima o proliferar da rent gap, amarrando a cidade contemporânea aos movimentos de circulação de capital fictício de tal forma que exacerba a necessidade “natural” e “inevitável” da gentrificação. O imperativo para o qual o autor apela é o de vermos para além da linha divisória “Estado / Economia” e considerar a gentrificação tanto como uma estratégia governamental como uma estratégia de acumulação capitalista, que assegura a extracção e apropriação privada do excedente colectivo, através de uma socialização dos custos e privatização dos lucros.

Charnock et al., debruçaram-se sobre as transformações no uso do solo para novas actividades produtivas, desconstruindo o modelo do projecto “Barcelona Smart” como exercício de captura de rendimentos de monopólio, impulsionada pela compulsão de instituições do sector público, entidades financiadoras, proprietários fundiários e promotores imobiliários para a maximização de lucros que exploram todas as oportunidades mediante mobilização da terra como um activo financeiro.

Na única comunicação portuguesa do colóquio, João Queirós, da Universidade do Porto, debruçou-se sobre o outro lado da fronteira da gentrificação: o da população autóctone dos bairros e sobre a qual se abatem os efeitos mais agressivos do processo. O autor avaliou as consequências das políticas urbanas e habitacionais na cidade centro do Porto, a partir da análise das evidências recolhidas junto dos antigos moradores do centro histórico, entretanto desalojados e deslocados. Procurou compreender como estas populações lidam nas suas experiências de vida com uma fronteira da gentrificação que conquistou o seu lugar de existência, à custa do desalojamento e expulsão.

As comunicações, da segunda sessão do primeiro dia exploraram novas e velhas fronteiras da gentrificação. Eva Pérez falou sobre as novas fronteiras da gentrificação comercial em Madrid, argumentando que a desvalorização do comércio tradicional se tem feito ao mesmo tempo que se promove uma progressiva “turistificação” do centro da cidade com novos modelos de negócios que visam um sector da população de maior rendimento, o que representa um sinal e um vector de processos de gentrificação deslocando as fronteiras do fenómeno para novas áreas urbanas. O comércio local, outrora marca característica dos antigos bairros e das relações sociais entre residentes, encontra-se agora na encruzilhada da renovação forçada ou morte, representando uma luta pelo espaço urbano, expressa na dicotomia entre o direito à cidade e o direito dos consumidores. Esta dinâmica comercial nasce de uma democratização do luxo que culmina com o desalojamento do comércio de proximidade, dos seus trabalhadores, clientelas e até relações sociais vernaculares.

Clara Sánchez et al., explorou a já tradicional relação da gentrificação com o movimento de patrimonialização. a autora explicou a reabilitação “fachadista” enquanto processo de desapropriação do espaço da classe trabalhadora e reapropriação do mesmo pela classe burguesa no centro histórico de Valladolid, declarado conjunto histórico artístico desde 1978. Jaime Jover-Báez centrou-se na produção de lugar e política de escalas (outro tema importante na obra de Smith), em dois aspectos. Por um lado, o papel das escalas na aplicação do capital imobiliário no âmbito de um regime de reescalonamento geoinstitucional mobilizado por programas comunitários de fundos estruturais europeus dirigidos ao urbano (como o Urban), neste caso de Sevilha, servindo de gatilho a processos de regeneração e consequente gentrificação. Por outro lado, na política de escalas presente nas estratégias anticapitalistas de combate à ofensiva neoliberal em espaço urbano levadas a cabo por associações locais de moradores ou activistas e movimentos sociais de resistência que crescentemente percebem as potencialidades e eficácias do trabalho em rede e da pluriescalaridade das lutas.

A terceira sessão temática dos trabalhos foi exclusivamente dedicada aos desenvolvimentos da teoria do rent gap e à relação entre movimentos cíclicos de capital e ambiente construído. Sònia Miro et al. inaugurou a sessão ao apresentar como a crise urbana abriu oportunidades para uma destruição criativa do capital aplicado ao ambiente construído, articulada através de novas engenharias financeiras, desde 2008, quando a bolha imobiliária explodiu e as cidades espanholas ficaram imersas por um intenso processo de desapropriação e desalojamento, por via de execuções de hipotecas e despejos de inquilinos. A autora conclui pelo surgimento de toda uma nova configuração social que acentua a insegurança urbana, a precarização do direito à habitação e consequentes conflitos sociais desencadeados.

Marc Morell, também numa abordagem inovadora, inspirando-se em esboços etnográficos, descreve o trabalho colectivo desenvolvido pela classe trabalhadora e pelas novas classes médias em bairros gentrificados em Palma de Maiorca e olha para as relações de classe contidas na hipótese da rent gap. Complementando o contributo de Neil Smith, defende que cada um dos momentos rent gap de desinvestimento e de reinvestimento são trabalhados por diferentes grupos sem consciência que na realidade formam uma classe trabalhadora que produz mais-valias para outras classes. Contra a mera descrição da espacialização da luta de classes que a gentrificação representa e que está já sobejamente explicada, existe uma necessidade de politicamente explicar como a espacialização intervém na luta urbana que produz as próprias classes.

Na manhã do dia 15 de Setembro, a quarta sessão recupera os argumentos da anterior, mas faz uso de metodologias mais qualitativas de pesquisa urbana, como a observação directa e participante e até intervenções artísticas, que surgem como dispositivos interessantes de investigação-acção.

Laura Elias parte do conceito de “gentrificação generalizada” (a new built gentrification ou a super gentrification) e desenvolve as funções da política e das finanças na produção habitacional, expondo o caso de Berlim no pós-crise de 2007. Com relação ao capital global, o conceito de financeirização torna-se essencial para compreender a gentrificação enquanto estratégia generalizada e como transformação da função do ambiente construído nos processos de acumulação de capital. A autora defende a regeneração urbana como uma das principais fontes de benefícios financeiros no mercado global e assenta a sua tese em quatro pontos: 1) a internacionalização dos mercados imobiliários que resulta em perspectivas de preços que não se apoiam na procura local; 2) um maior acesso ao sector imobiliário por parte de investidores de grande capital transnacional fictício e especulativo; 3) as elevadíssimas expectativas de taxas de retorno do capital investido, mesmo num período de crise económica, favorecem a aposta em comportamentos e engenharias de risco financeiro e especulativo; 4) agravamento da especulação imobiliária e aumento desmesurado dos preços devido a uma base fictícia de um sistema de acumulação apenas financeira que reproduz as próprias espirais especulativas que lhe estão na origem, as de um “capitalismo de casino”.

Francesca Governa et al., mediante uma interessante abordagem etnográfica e visual, apresentou uma exploração empírica e metodológica feita por Murat, um colectivo de geógrafos, fotógrafos e cineastas, todos reunidos sob o acrónimo que significa “Multiplicity Urban Representation Amazing Theory”. Esta exploração decorreu em Belle de Mai, uma parte do “troisième arrondissement” de Marselha, bairro pobre e multicultural, de grande riqueza étnica e social, mas entretanto gentrificado. a experiência teve como resultado a produção de um documentário, intitulado «Murat. O geógrafo», sobre a cidade, a pesquisa urbana, e os descontentamentos e desejos dos membros do colectivo. apresentou-se como uma experiência inovadora que atravessou as fronteiras entre a geografia, o formato de documentário tradicional e formas de storytelling. Discutiram-se as representações do bairro num documentário, em que a observação direta e outras metodologias qualitativas de pesquisa urbana foram misturadas numa apreciação performativa do espaço urbano para compreender a «riqueza» da cidade como um espaço de convivência da multiplicidade.

Catharina Thörn et al., fez uma apresentação saída de um livro fotográfico chamado “The Urban Frontier”, baseado num projecto de pesquisa realizado ao longo de cinco anos, documentando a demolição e reconstrução de uma antiga área industrial (Kvillebäcken) em Gotemburgo. Este lugar que sempre encerrou importantes lógicas de coesão social e actividades comerciais para populações e famílias de baixo estatuto socioeconómico, parece estar em vias de extinção com a regeneração urbana implementada. Durante este projeto, documentou-se todo o processo de planeamento, nomeadamente as intricadas relações entre o município e o sector privado, sobretudo os proprietários de imóveis, bem como as consequências nefastas para as pessoas que usufruíam do espaço e que acabaram por ser desalojadas. Brian Rosa dá conta do mesmo processo mas em Manchester e de como o ímpeto da regeneração urbana, desencadeado pela necessidade do planeamento estratégico em resolver os problemas resultantes da desindustrialização massiva da cidade, justifica o avanço da fronteira da gentrificação ideológica na cidade pós-industrial, através da hegemonia de uma economia simbólica do turismo e do lazer que torna o espaço amnésico à memória das classes trabalhadoras e à sua cultura (i)material.

A quinta sessão abriu, uma nova fronteira no estudo do processo: a chamada “gentrificação ecológica”, que representa, na actualidade, um verdadeiro dilema e contradição para o discurso dos activistas de defesa do ambiente. Isabelle Anguelovski demonstrou como em Boston, no Rio de Janeiro ou em Medellín, a matriz discursiva pró-sustentabilidade do planeamento municipal legitima intervenções de regeneração urbana estruturais de limpeza e criação de amenidades ambientais em áreas-problema da metrópole, apresentando a preocupação com o verde, a ecologia e a qualidade de vida. Todavia, à medida que os valores fundiários voltam a subir, os investidores imobiliários voltam a interessar-se por essas áreas e tiram proveito de uma rent gap ambiental, gerando gentrificação e consequente desalojamento dos moradores de longa data. Esta questão arrastou a discussão da produção da natureza para o centro da reflexão sobre os elementos do capitalismo e das suas formas inovadoras de acumulação num governo urbano cada vez mais neoliberal. Esta tendência é a de mercantilizar o próprio ambiente para o subverter numa fronteira de produção capitalista do espaço, usurpando com isso a ideologia dos próprios movimentos de defesa do ambiente, como frisaram igualmente Pietra Perez (com base em exemplos da Amazónia brasileira) e Andrei Cornetta (na economia de baixo carbono).

No fim do dia 15, a sexta e última sessão deu conta de algumas estratégias dos movimentos sociais urbanos de resistência e combate às formas de gentrificação hegemónica. À semelhança da conferência de Tom Slater, Kirsteen Paton et al. traça o quadro biopolítico de austeridade pós-crise das políticas de habitação do Reino Unido e demonstra como a gentrificação se subsidia da extracção de valor não só da terra mas também da vida social em geral, com a redistribuição dos custos da dívida pública pela população e com a afirmação de um programa punitivo para os mais pobres sobretudo ao nível do cenário fiscal, com cortes nos benefícios para aquisição de habitação e remoção de protecção legal ao direito à habitação, fazendo aumentar dramaticamente o número de pessoas sem-abrigo e as expulsões e desalojamentos.

Cristina Nacif et al. falou das novas formas de gentrificação no Sul Global, explorando o exemplo da reestruturação da área portuária de Rio de Janeiro, cujas expropriações e desalojamentos cedo provocaram lutas e conflitos urbanos. Defendem os autores que a emergência da gentrificação generalizada como projecto revanchista de políticas urbanas neoliberais não se dá sem mudanças nas escalas das resistências e oposições políticas à pacificação urbana que se tem vindo a verificar no Brasil. Para o efeito, os autores socorrem-se de informação que recolheram no arquivo do Observatório de Conflitos Urbanos, de periódicos de imprensa e da análise de conteúdo da legislação urbanística da cidade do Rio.

Sónia Ferraz denunciou os dispositivos da arquitectura violenta anti-mendigagem que têm proliferado por diversas cidades brasileiras, ao abrigo de medidas de “higienização social” do espaço urbano que têm como principal objectivo expulsar os sem-abrigo, os pobres ou outros grupos sociais indesejados de áreas entretanto regeneradas e revalorizadas, para bem da naturalização de um modelo de civilidade de consumo, reproduzido através de um sentimento de insegurança urbana que é capitalizado pelo mercado imobiliário para legitimar essas intervenções revanchistas de regeneração.

A última sessão plenária das jornadas, contou com a participação de Eric Clark e Don Mitchell, como conferencistas convidados. Eric Clark proferiu a comunicação “Making rent gap theory not true”, desmascarando como o fundamentalismo e a tirania do mito do Mercado tem afectado tremendamente a vida social urbana, através da financeirização do espaço, abrindo as portas à profunda permeabilidade da produção, da troca, do consumo e de todas as esferas da vida humana às lógicas de privatização e mercantilização, ampliando o controlo do biopolítico pela finança. As mudanças no ambiente construído são determinadas cada vez mais pela rent gap, onde esta pode ser criada e apropriada. Curiosamente, Clark vai preocupar-se em indagar as práticas sociais e as culturas políticas dos espaços alternativos, do bem comum e do consumo colectivo, onde a tese rent gap não se aplica e tentar perceber o que os torna distintos enquanto espaços contestatários.

A apresentação de Don Mitchell visou desenvolver uma teoria mais completa da interligação dialéctica entre a luta de classes e a circulação do capital na produção desigual de espaço urbano. Para isso, esboça uma revisão de vinte e cinco anos de pesquisa sobre os sem-abrigo, os motins, os protestos e outras formas de lutas sociais contra as políticas revanchistas de Nova Iorque, genericamente aceites por um consenso social caracterizado por um autoritarismo populista e criminalização/punição dos sem-abrigo, em particular, desde 1980 até à actualidade e, em geral, no espaço público nas cidades norte-americanas, pesquisa que Neil Smith ajudou a lançar ainda em 1990. Enquanto os exemplos foram maioritariamente provenientes dos Estados Unidos, o autor elaborou argumentos amplamente aplicáveis à compreensão de urbanismo global revanchista da gentrificação.

No dia 16 foram organizadas três saídas de campo a partir do MACBA para conhecimento das principais operações de regeneração urbana que têm contribuído para a turistificação do Bairro do Raval e que contou com a participação de especialistas, activistas, movimentos e associações de bairro, com visitas guiadas por: Mercè Tatjer, intitulada “Da fábrica ao apartamento turístico”; “planos de regeneração urbana no bairro do Raval”, por Teresa Tapada e “Do plano de Cerdá à rambla do Raval”, guiada por Vicente Casals.

Este colóquio procurou fomentar o debate científico do fenómeno da gentrificação à escala regional do sul da europa, mas com extensões a outras cidades europeias e sul americanas, e por essa via promover um diálogo intraeuropeu, mas também ibero-americano. Pretendeu, também, estimular o encontro entre os académicos que estudam o processo e que se encontram muito frequentemente à margem daqueles que produzem a teoria da gentrificação no centro do mundo anglo-saxónico, donde continuam a brotar os estudos mais inovadores sobre o processo. A adesão ao call for papers desta conferência internacional foi muito significativa, confidenciou a organização, com a inscrição de dezenas de participantes, com origens geográficas diversas (mais de 20 países de 3 continentes), acompanhados por um número igualmente esmagador de propostas de comunicação, que inclusive tiveram de ser rejeitadas mediante rigoroso processo de selecção, mesmo depois do alargamento previsto pela organização de 20 para 30 comunicações admitidas.

Coincidindo com o lançamento do volume 6 da série “Espacios Críticos” (Icaria Editorial) – “Neil Smith: Gentrificación Urbana y Desarrollo Desigual” – organizado por Luz Marina Garcia Herrera e Fernando Sabaté Bel (Universidade de La Laguna), a conferência destacou os temas, conceitos e perspectivas que caracterizaram o trabalho de smith com interesse alargado a todos os académicos, estudiosos ou interessados pela teoria social urbana e as transformações da cidade. Celebrou-se, assim, o vivo trabalho que o autor deixou, sendo de destacar, especialmente, a brilhante conferência trazida por Luz García Herrera que, num tom emocional mas de grande rigor intelectual, nos deu a conhecer os vários eixos do projecto geográfico de Smith.

A conferência contou com a presença de importantes especialistas internacionais no estudo da gentrificação e na reflexão de Neil Smith, numa discussão colectiva que foi aberta não só à participação de académicos e investigadores de universidades de todo o mundo, mas também a todos os interessados, activistas e representantes de movimentos de cidadãos e de bairro. Este colóquio parece ter consolidado, por um lado, um conjunto de fronteiras importantes no mapeamento conceptual da gentrificação, com extensão a casos da Europa do Sul e da América Latina. Contudo, por outro lado, rasgou outras fronteiras que desenham novas frentes de estudo e de pesquisa futura do fenómeno, nomeadamente: o papel ambíguo do Estado e das políticas públicas de reabilitação urbana, que ora promovem e estimulam, ora refreiam e constrangem a gentrificação; o contributo duvidoso deste processo para o mix social e residencial das unidades de bairro e várias comunidades; a evolução dos cânones, metodologias e paradigmas científicos que têm vindo a dar forma à investigação sobre a gentrificação; o alargamento do conceito de gentrificação, não só presente nas dinâmicas do mercado de habitação, mas também na turistificação e na regeneração comercial (conceitos polémicos de gentrificação comercial e turística), com efeitos na geografia social da cidade. Este alargamento elástico do conceito da gentrificação responde às próprias mudanças de escala, de formato e de protagonistas no processo tal como ele ocorre na sua forma urbana contemporânea. a expansão territorial, pluriescalar e glocal da gentrificação, não só a outras áreas da cidade para além do centro histórico, como também a cidades de todo o mundo, evidencia isso mesmo.

Acima de tudo, este encontro provou que a obra smithiana, com mais de 30 anos, criou, per si, um paradigma e escola de análise urbana sobre o fenómeno da gentrificação, tendo influenciado de forma marcante o pensamento que se produziu na, da e para a teoria crítica urbana nos anos vindouros. A obra de Neil Smith continua a convidar o repensar das estruturas profundas nas quais assentam os novos padrões de (re)desenvolvimento urbano e de desigualdade socioespacial, sobretudo à luz dos tempos incertos presentes de crise capitalista mundial.

 

 

NOTAS

iDe algumas das quais faremos aqui uma breve síntese.

ii www.youtube.com/watch?v=-5uUYXc2Was

iiiEsta percepção foi amplamente corroborada pelo Professor Horacio Capel na sessão seguinte.

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons