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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

Print version ISSN 0430-5027

Finisterra  no.90 Lisboa  2010

 

O modelo Barcelona: um exame crítico [i]

 

Patrícia Abrantes*

*Investigadora Auxiliar do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. E-mail: patricia.abrantes@campus.ul.pt

 

O Modelo Barcelona constituiu um marco fundamental no urbanismo de finais do século XX, seduzindo técnicos e políticos um pouco por todo o Mundo. Tal foi o seu sucesso que foi replicado em algumas cidades, com destaque para as latino-americanas. Entende-se por Modelo Barcelona o conjunto de intervenções de reestruturação urbana realizadas a partir dos anos 80 na cidade de Barcelona, com recurso ao planeamento estratégico e operacional e à gestão público-privada, numa perspectiva de desenvolvimento social e económico da cidade.

O livro El modelo Barcelona: un examen crítico do conceituado geógrafo espanhol Horacio Capel é o resultado aprofundado da investigação apresentada pelo autor em 2004 no Décimo Colóquio Internacional sobre Arquitectura y Patrimonio. Tendo como pano de fundo um colóquio sobre arquitectura e património, o autor não perdeu uma oportunidade, volvidos cerca de 25 anos do início do Modelo Barcelona, de reflectir sobre os seus aspectos positivos e, sobretudo, sobre as suas fragilidades, evidenciadas progressivamente a partir da aprovação da candidatura aos Jogos Olímpicos, em 1986. Através de um “olhar” experiente sobre o urbanismo produzido na cidade, com especial destaque para as obras mais recentes de regeneração e reabilitação da Ciutat Vella e de reconversão industrial do Poblenou, o autor questiona o modelo na sua componente urbanística, focando questões de estruturação espacial, social e institucional, oferecendo ao leitor os elementos necessários para reflexão. A análise do autor é enriquecida com a selecção de um conjunto de fotografias reveladoras das subtilezas espaciais, sociais e políticas do urbanismo praticado.

Os primeiros cinco capítulos enquadram as condições que conduziram ao desenvolvimento do modelo. A cidade do início de 80 revelava profundas carências de habitação e de equipamento social decorrentes da crise económico-industrial, que se vinha prolongando desde 1973, e de uma população numerosa, resultante dos fluxos migratórios das décadas anteriores. Findo o período franquista, numa época de forte reivindicação social, a cidade inicia uma política de resolução das suas carências mas, sem os meios financeiros necessários para produzir nova habitação, aposta na conservação e reutilização do espaço construído com projectos urbanos de pequena escala ao nível dos edifícios e do espaço público, tentando tocar todos os bairros da cidade, centrais e periféricos (capítulo 2). Solucionadas estas carências e com a progressiva estabilização económico-financeira, a que não é alheia a adesão à Comunidade Europeia em 1986, com a globalização da economia e a consequente necessidade de inserção das cidades no sistemas urbanos mundiais, Barcelona aposta num conjunto de estratégias para promover a sua atractividade internacional. A aprovação da candidatura aos Jogos Olímpicos em 1986 estimula projectos urbanos complexos e de grande alcance, com a indispensável participação da iniciativa privada (capítulo 3). O designado Modelo Barcelona tornou-se possível devido a um conjunto de particularidades políticas, sociais económicas e intelectuais. Na óptica do autor, torna-se excessivo intitular um processo com condições tão específicas de “modelo” e replicá-lo a outras cidades (capítulo 4 e 5). Cada cidade tem especificidades próprias, merecendo ser planeada localmente, pelo que no hay modelos, pero si enseñanzas útiles (Capel, 2005: 25).

Nos restantes capítulos o autor discute os vários conteúdos do modelo. A promoção de equipamentos urbanos e culturais de escala internacional, alguns com recurso à assinatura de arquitectos de renome (e.g. Macba, Fórum das Culturas) e a aposta na construção de uma cidade virada para a tecnologia e inovação e para a diversidade sócio-económica (e.g. 22@Barcelona, Villa Olímpica, Diagonal-Mar), trouxe grandes benefícios – mais turismo, mais empresas, mais habitantes –– mas também revelou fortes debilidades (capítulo 6).

No plano da estruturação espacial, o Modelo Barcelona é promovido como um modelo de cidade compacta (capítulo 7), apoiando-se em conceitos como reabilitação, requalificação, regeneração, novas centralidades, densidade. Contudo, a atracção de pessoas e actividades desenvolve-se de forma dispersa, impulsionada por proprietários rurais, promotores imobiliários e autoridades municipais. Neste sentido, o modelo de cidade compacta, concorre com o de cidade dispersa à escala metropolitana. À escala urbana, é questionado o paradigma de cidade compacta perpetuado pelo Modelo Barcelona. De facto, por força da especulação imobiliária, o modelo de cidade compacta faz-se em prejuízo dos espaços verdes, alguns semi-privatizados e outros condicionados a espaços exíguos (capítulo 8) bem como à custa do congestionamento de tráfego (capítulo 9) e da verticalização de edifícios (capitulo 13), mesmo, em áreas onde o que se propunha uma abertura para o Mar (e.g. Diagonal-Mar).

Na esfera social o modelo também tem sido posto à prova. Os grandes projectos de reabilitação urbana da Ciutat Vella e de reconversão industrial do Poblenou fazem-se em prejuízo das classes mais populares que, pelo preço elevado da habitação, deixam de conseguir aceder às áreas que outrora habitavam (Capitulo 10). A Villa Olímpica e a Diagonal-Mar no bairro do Poblenou são exemplos reveladores de situações sócio-espaciais conflituosas, defraudando os objectivos preconizados de diversidade socioeconómica.

No domínio técnico-institucional, são também apontadas sérias críticas. O desenvolvimento de parcerias público-privadas na realização e gestão de projectos urbanos contribuiu para o incremento de uma perspectiva economicista, voltada para a especulação imobiliária (capítulo 11) onde no siempre la negociación puede ser bien realizada, lo que con frecuencia repercute en beneficio de los interesses privados, que han obtenido tradicionalmente importantes rentas de la ciudad (p. 57). Às parcerias público-privadas junta-se o papel de técnicos e políticos (capítulo 14) e a ruptura com o planeamento urbano (capítulo 16). Assim, por um lado, o recurso sistemático a arquitectos e engenheiros, em detrimento de equipas pluridisciplinares, tem vindo a contribuir, em certos casos, para uma insensibilidade social e falta de visão do conjunto urbano. De la impresión de que la obsesión de los arquitectos por hacer obra nueva y por dejar su sello personal, unido a una falta de sensibilidad histórica o a la simple incultura, les lleva mucha veces a una total desvaloralización del patrimonio existente (p. 68). Por outro lado, não tem havido vontade de rever e utilizar os instrumentos normativos de actuação urbana e metropolitana de forma mais exaustiva e articulada, procurando integrar uma visão de conjunto. Em todo este processo perdeu-se a capacidade de diálogo entre técnicos, políticos e população, pelo que o autor conclui dizendo que é importante que Barcelona volte a poner a los políticos y a los técnicos verdaderamente al servicio de los ciudadanos, de sus aspiraciones y de sus necesidades (p. 106).

O Modelo Barcelona construiu parte importante do que é hoje Barcelona cidade e metrópole. Contudo, de um modelo com manifesta componente social, passou-se para um modelo que sobreleva a visão económica. O ponto de ruptura parece ser a aprovação da candidatura aos Jogos Olímpicos em 1986, construindo-se progressivamente uma cidade voltada para o exterior, em detrimento dos seus habitantes. Se não há modelos, há ensinamentos úteis, e de facto a análise crítica do autor conduz a uma reflexão sobre o ordenamento que se pretende para outras metrópoles. Duas questões sobressaem no desenvolvimento de um urbanismo voltado para o projecto urbano. Por um lado, a questão da participação pública. Impõe-se uma reflexão sobre como deverá ser considerada a participação do cidadão num processo que, cada vez mais, promove a gestão público-privada e a perspectiva económica. Por outro lado, a questão da escala. O urbanismo operacional faz-se sem uma visão de conjunto à escala alargada, impondo-se uma importante reflexão sobre as incidências de tais intervenções, da escala urbana à metropolitana.

 

[i] Capel H (2005) El modelo de Barcelona. Ediciones del Serbal, Barcelona.

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