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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  n.88 Lisboa  2009

 

As relações inter-regionais em Portugal e o “efeito-capitalidade”

 

José Reis[i]

[i] Professor Catedrático, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais. E-mail: jreis@fe.uc.pt

 

RESUMO – Discute-se neste artigo o tema das interdependências territoriais em Portugal. Partindo da inexistência de estudos sobre as trocas inter-regionais, coloca-se o problema em termos mais amplos, aludindo às sinergias de desenvolvimento entre regiões. Ensaia-se uma aproximação ao problema discutindo as relações resultantes da proximidade e das similitudes regionais. Usa-se informação por NUTS III e constata-se que, para além de um eventual efeito-capitalidade, a articulação sustentada entre demografia e economia tem expressões territoriais muito limitadas. Conclui-se que a natureza complexa das relações inter-regionais em Portugal exige importantes aprofundamentos metodológicos.

Palavras-chave: Portugal, relações inter-regionais, efeito-capitalidade.

 

Inter-regional relations in Portugal and the influence of the Lisbon metropolitan region

ABSTRACT – In this paper, we address the issue of territorial interdependencies in the case of Portugal. Given the lack of previous scientific work on inter-regional exchanges, the topic is approached from a broad perspective, by referring to the development synergies that can be found between the various regions. In particular, we discuss the specific relations that arise both from proximity and from regional similarities. Using data at the NUTS III level, we argue that, beyond the consolidation of a specific mode of development in the Lisbon metropolitan region, a sustainable articulation between demography and economy can hardly be found anywhere in the country. We conclude that the complex nature of inter-regional relations in Portugal calls for further methodological work.

Key words: Portugal, inter-regional relations, metropolitan influence.

 

Les relations interrégionales au Portugal et l’influence métropolitaine de Lisbonne

RESUME – Est ici discuté le thème des interdépendances territoriales au Portugal. Étant donnée l’absence d’études sur les échanges interrégionaux, le problème est posé en termes plus amples, concernant l’existence du développement coordonné des diverses régions. On recherche en particulier les relations résultant soit de la proximité, soit des similitudes entre régions. A partir de données présentées à l’échelle des NUTS III, on constate qu’il existe peu de relations significatives entre les caractères démographiques et économiques des régions, à l’exception de celle de Lisbonne. La nature complexe des relations interrégionales au Portugal exigera encore d’importantes recherches méthodologiques.

Mots-clés: Portugal, relations interrégionales, influence métropolitaine.

 

I. INTRODUÇÃO

Apesar do seu grande desenvolvimento, os estudos territoriais em Portugal apresentam, no entanto, uma lacuna significativa. As relações inter-regionais – isto é, as dependências recíprocas e múltiplas entre cada processo regional de evolução e os restantes – não têm merecido a devida atenção, não sendo fácil encontrar estudos nesta matéria. Esse défice regista-se tanto na informação estatística como na atenção dos investigadores, que têm preferido a análise comparativa regional ou a simples apreciação das características internas das regiões e das suas evoluções. Resta, portanto, saber de que modo é que o desenvolvimento da sociedade e da economia portuguesas assenta em sinergias inter-regionais e que forma é que estas assumem. Este é, em si mesmo, um programa de investigação que, por agora, não pode ter senão aproximações parciais.

Acresce que os estudos regionais e as análises dos impactos territoriais das políticas públicas, ao insistirem sobretudo na evolução dos espaços infranacionais, têm-se preocupado mais com o objectivo de averiguar os resultados alcançados na coesão ou na competitividade. Esta última dicotomia tem ganho centralidade – favorecendo o reforço de uma lógica correspondente de contraposição do económico ao social – e esse tem sido um factor de simplismo ou até de empobrecimento dos estudos regionais, em desfavor de uma perspectiva territorial complexa e mais exigente. Pouca atenção tem sido dada ao modo como as trajectórias e a intensidade do desenvolvimento numa dada região influencia as demais e é, correspondentemente, influenciado por estas.

É sabido que a reconstrução das relações de fluxos e de interdependência assenta em técnicas bem determinadas (as matrizes inter-regionais ou a determinação das áreas de influência urbana, por exemplo) e depende criticamente de informação primária que, apesar do recurso a procedimentos de estimação, não pode com facilidade ser deduzida. Mas, por outro lado, também é certo que a existência ou não de lógicas de interdependência entre formas de desenvolvimento territorial dentro de um espaço nacional pode assumir dimensões mais amplas e variadas do que as que aquelas técnicas indicariam.

Neste texto vai, assim, ensaiar-se uma avaliação exploratória do modo como podem ser encaradas as relações inter-regionais em Portugal e a base empírica que pode ser mobilizada para o efeito.

Admite-se, adicionalmente, que um dos temas a privilegiar na observação das relações inter-regionais contemporâneas em Portugal é o da existência ou não de um efeito-capitalidade. Sabe-se que a Grande Lisboa, como região da capital, tem no país um significado muito particular, reforçado nas últimas décadas, em virtude do crescimento e da inovação que aí se têm registado, habilitando-a para uma posição competitiva especialmente forte. Trata-se, assim, de averiguar se as relações inter-regionais apresentam sinais de que este efeito se pode consolidar no sentido de produzir também influência positiva noutras regiões do país.

 

II. HIPÓTESES, PERSPECTIVAS E INFORMAÇÃO

Para as finalidades enunciadas vamos apontar as seguintes hipóteses: (1) que as relações inter-regionais se revelam através de processos que assentam essencialmente na contiguidade espacial, originando sinergias que são a consequência de um efeito de proximidade; (2) que as relações inter-regionais podem ser mais amplas e assumir maior “liberdade espacial”, mas que as sinergias dependem criticamente do desenvolvimento prévio de estruturas territoriais compagináveis pela semelhança (efeito de similitude); (3) que as relações inter-regionais são uma consequência apenas mediata de processos de desenvolvimento com origens e lógicas dissociadas entre si (territorialização “irredutível”).

Para justificar e testar o primeiro conjunto de hipóteses vamos observar, primeiro, se há sinais da existência de sinergias de desenvolvimento entre regiões contíguas, evidenciando o referido efeito de proximidade. Depois, desenvolve-se uma metodologia que procura essencialmente reconstituir o grau de similitude dos espaços regionais no Continente português e averiguar, a partir daí, que tipo de relações inter-regionais é possível pressupor e como é que elas podem ser interpretadas. Para este fim, assume-se, em particular, que o que está essencialmente em causa é saber se o desenvolvimento metropolitano registado na Grande Lisboa pode também ser encarado como um processo que tem equivalentes e pode produzir impactos relevantes em outros territórios do país, originando assim interdependências regionais positivas. Finalmente, retoma-se a discussão que consiste em saber se outros comportamentos regionais, designadamente os que resultem de ancoragens territoriais do desenvolvimento, podem ser encarados como uma contra-tendência, oposta à que resultaria de relações inter-regionais fluidas e positivas originadas num espaço com dinâmicas de crescimento mais acentuadas.

Como se notará já de seguida, dedicamo-nos neste texto a assegurar um maior desenvolvimento à análise da hipótese da similitude, tratando as restantes apenas como elementos de uma contextualização mais ampla da problemática das relações inter-regionais.

Na análise consideram-se alguns outros pressupostos práticos, embora eventualmente simplificadores. O primeiro consiste em admitir que as NUTS III reflectem uma identificação aceitável da diferenciação territorial do país, isto é, correspondem a delimitações ou linhas de “fronteira” pertinentes e a constituições ou “identidades” espaciais justificadas (ou seja, interpretam a diferença entre territórios e a coerência de cada espaço).[ii] O segundo destes pressupostos é que a população, a criação e distribuição de valor, a especialização produtiva e a qualificação das pessoas são variáveis centrais para um exercício desta natureza.

Assim, para observar as estruturas territoriais e as relações inter-regionais, vamos considerar relevante a seguinte bateria de indicadores, para cada NUTS III:

a) as variações da população, do produto, do emprego e da produtividade no período 1995-2006[iii];

b) os valores absolutos dos indicadores de urbanidade e de intensidade técnica informacional em 2005[iv];

c) os índices de qualificações, de habilitações (Reis et al., 2009) e de poder de compra em 2005[v];

d) o peso na população no PIB e no emprego em 2006;

e) as componentes regionais e sectoriais da variação do VAB no período 1999-2003 e o peso das actividades de base económica não-primária na estrutura produtiva regional[vi].

Estes indicadores resumem-se nos quadros I e II que constituem a referência para as considerações quantitativas que se farão a seguir.

 

Quadro I – Indicadores de evolução económica por NUTS III. / Table I – Economic indicators by NUTS III.

 

Quadro II – Indicadores de peso, urbanidade e capacidade económica por NUTS III. / Table II – Relative weight, urban population and economic capacity by NUTS III.

 

 

III. CONTIGUIDADES ESPACIAIS E EFEITOS DE PROXIMIDADE

A primeira observação, utilizando os três primeiros conjuntos de indicadores acabados de referir, é a que nos revele a presença de manchas espaciais, isto é a presença de características que definam contiguidades territoriais. Procede-se através de dois passos distintos: o primeiro toma como ponto de partida a Grande Lisboa e o Grande Porto e procura ver que extensões pertinentes é que estas duas NUTS comportam; com o segundo passo procura identificar-se a presença de outras contiguidades significativas.

Com aquele primeiro exercício constata-se que, na proximidade do Grande Porto, as NUTS do Cávado e do Tâmega (e apenas estas), registam valores significativos de variação positiva da população, do emprego e da produtividade (e do PIB no caso do Cávado) e de duas das expressões de urbanidade que usamos. Mas não se observam valores relevantes dos restantes indicadores (intensidade técnica informacional e índices de qualificações, de habilitações e de poder de compra).

Já na proximidade da Grande Lisboa apenas a Península de Setúbal revela contiguidades num conjunto mínimo de dimensões (variação da população e do emprego, intensidade técnica informacional, indicadores de urbanidade e índices de qualificação, habilitações e poder de compra), podendo admitir-se que o Alentejo Litoral revela algum “contágio” espacial, atendendo às elevadas evoluções do PIB, do emprego e da produtividade.

As restantes situações em que se observam valores significativos destes indicadores apenas servem para revelar a posição específica do Algarve (nas quatro variações indicadas acima, no índice de poder de compra e num dos indicadores de urbanidade), do Baixo Mondego (urbanidade, índices de poder de compra, de qualificação, de habilitações e de quadros médios e superiores), do Pinhal Litoral (variações da população e do emprego e índice de urbanidade) e de Dão-Lafões (PIB, emprego e produtividade). NUTS como as do Baixo Vouga, Entre Douro e Vouga ou Serra da Estrela apresentam performances muito limitadas. Trata-se, portanto, de NUTS com débeis relações de contiguidade com as que lhes estão próximas, não configurando muito mais do que a individualidade de cada uma delas.

É também neste sentido que aponta um exercício de identificação de “clubes” entre as regiões portuguesas como o que foi desenvolvido por Barradas e Lopes (2007). Ao reunirem-se em clubes aquelas que apresentam estruturas económicas semelhantes concluiu-se que o crescimento regional revela a existência de “convergência de clube” – isto é, as regiões idênticas seguem idênticas trajectórias de crescimento.

Podem, assim, considerar-se como primeiras ilações relevantes as seguintes:

– os efeitos regionais positivos decorrentes das contiguidades espaciais com a Grande Lisboa e com o Grande Porto são territorialmente bastante limitados (os efeitos de proximidade das NUTS das duas áreas metropolitanas são escassos);

– apenas a Península de Setúbal parece manifestar uma relação minimamente intensa com a Grande Lisboa, não sendo notório que o mesmo aconteça com o Oeste, a Lezíria do Tejo ou o Alentejo Central (e só limitadamente parece acontecer com o Alentejo Litoral);

– o mesmo se passa relativamente ao Grande Porto, com o qual só o Cávado e o Tâmega parecem densificar as inter-relações para uma parte significativa do conjunto de indicadores que considerámos;

– no litoral do país entre as duas áreas metropolitanas, as contiguidades espaciais não parecem ultrapassar o circunstancialismo de uma proximidade relativamente frágil, não se observando a coincidência de dinamismos demográficos, produtivos ou organizacionais.

Resta agora saber se o pouco dinamismo das relações inter-regionais assentes na proximidade geográfica abre perspectivas para articulações territoriais não dependentes desta condição. Nesse caso, elas têm de substituir a contiguidade por alguma semelhança ou similitude.

 

IV. AS SIMILITUDES TERRITORIAIS

Um exercício de natureza bastante diferente é, pois, o da identificação de características estruturais das NUTS III minimamente compagináveis com as da região-capital (circunscreveremos agora o raciocínio a este aspecto). O desenvolvimento de natureza metropolitana que estamos aqui a pressupor – e que a Grande Lisboa evidencia nos últimos anos – teria as seguintes características: condições de partida em que, para além da massa e do peso próprios dos territórios metropolitanos, são também relevantes a aglomeração e a densidade populacional e a diferenciação de recursos humanos e produtivos; dinâmicas de evolução assentes numa espacial intensidade do crescimento e do reforço da qualidade do capital social disponível.

Assim sendo, o exercício básico inicial em que esta aproximação assenta é identificar no território continental os espaços onde – mesmo sem o padrão metropolitano – podemos encontrar elementos de massa e peso, de aglomeração e de densidade, com tendência para se reforçarem. Isso significaria que estamos perante territórios com potencialidades para se articularem com os mais desenvolvidos e beneficiarem de eventuais efeitos de spillover[vii].

Parte-se do pressuposto de que, para avaliar a natureza das relações inter-regionais, é necessário dispor de dois instrumentos básicos iniciais: um que defina a estrutura dessas relações em termos sincrónicos, fornecendo uma medida da estrutura e do peso das diferentes regiões; outro que reconstitua a dinâmica e a natureza dos fluxos inter-regionais.

Para o primeiro instrumento é essencial compreender os processos de aglomeração, as “economias” que daí resultam e a forma como estas evoluem e se desenvolvem, em cada região. Para o segundo importa tomar em conta os efeitos de cadeia que se estabelecem (ou não) entre as diferentes regiões, a partir das economias de aglomeração estabelecidas.

O terceiro instrumento é uma medida de resultados. O objectivo é obter um quadro referencial das relações inter-regionais para cada NUTS e para o conjunto do país. Procurar-se-á essencialmente definir, para cada região, o que é que pode ser estimado como activos (ou passivos) de consolidação regional, e activos (ou passivos) de inserção em fluxos territoriais inter-regionais. A resultante dará uma representação da qualidade das relações territoriais no Continente e das dinâmicas inter-regionais de desenvolvimento territorial em formação, avaliando a sua natureza e a sua estrutura.

1. Massa, peso e densidades no território nacional

O exercício desenvolve-se identificando, por NUT III, onde estão, no território nacional, os espaços que dispõem de um limiar de massa e peso relevante. A “capitalidade” desta perspectiva é forte e fácil de identificar. A massa que a Grande Lisboa representa no território nacional é assaz marcante e evidencia-se bem nos pesos que tem na criação de riqueza (31%), no emprego (22%), na população (19%) e no poder de compra (28%). Mas estes números tornam notório que, para além de massa e do peso, estamos também perante fortes fenómenos de geração de densidades socioeconómicas cujo significado revela que as economias de aglomeração obtidas por estes territórios são intensas: a proporção de riqueza criada é 60% superior à da população (no poder de compra, 45%; no emprego, 16%); as qualificações e as habilitações da mão-de-obra distanciam-se certamente das dos restantes espaços. Como é fácil observar, esta discrepância positiva não se vai encontrar em mais nenhum território do país.

A questão que importa esclarecer é se há outros territórios para os quais seja possível admitir uma relação de similitude com a capital. Face aos números anteriores e ao que é sabido, não é possível que isso aconteça através da massa que tais territórios constituam. De facto, constata-se que, considerando a criação de riqueza e a população, podemos estabelecer uma taxonomia do seguinte tipo:

a) Para além da Grande Lisboa, apenas o Grande Porto pode ser encarado como outra muito grande unidade sub-nacional (12% da riqueza, 12% do emprego, 12% da população e 14% do poder de compra).

b) Identificáveis com grandes unidades sub-nacionais encontramos oito territórios do país: três no Norte (Cávado, Ave e Tâmega), dois no Centro[viii] (Baixo Vouga e Baixo Mondego), dois em Lisboa e Vale do Tejo (Oeste e Península de Setúbal) e o Algarve. Trata-se de casos cujo peso no PIB e no emprego está compreendido entre 3% e 5%, enquanto na população está compreendido entre 3% e 7%. Quanto ao poder de compra situa-se entre 3% e 8%. Quer dizer, estes os territórios cuja massa se segue às da Grande Lisboa e do Grande Porto, não são, quando se considera o indicador de criação de riqueza, mais do que 10% e 17% da primeira destas NUTS e entre 23% e 34% da segunda. A desproporção é de facto muito grande.

c) São quatro as NUTS que podemos designar como médias unidades sub-nacionais. Uma no Norte (Entre Douro e Vouga), duas no Centro (Dão-Lafões e Pinhal Litoral) e uma em Lisboa e Vale do Tejo (Lezíria do Tejo). Os seus pesos na criação de riqueza e de emprego e na população do conjunto nacional são inferiores a 3%.

Evidencia-se assim que o território nacional assenta em massas territoriais significativamente diferentes. E assume-se o pressuposto de que – para o que está aqui em análise – esta característica é incontornável. Quer dizer, não parece aceitável que se pressuponham relações virtuosas entre uma região com uma natureza de “capitalidade” que se distingue fortemente no conjunto nacional sem que o parceiro dessa articulação disponha de uma escala mínima, dada pela sua massa.

Contudo, importa ainda interrogarmo-nos sobre outros elementos da “constituição” destes espaços territoriais, quer dizer, características adicionais dos territórios com massa significativa. Interessará saber se a sua natureza interna os dota de condições que viabilizem o peso que alcançam nos indicadores que usámos. O que aqui se pressupõe é que é também necessário que esses territórios possuam um mínimo de densidade socioeconómica (isto é, da capacidade para intervirem em interacções relevantes com outros territórios). Considera-se, adicionalmente, que os indicadores de urbanidade e de poder de compra, assim como as habilitações e as qualificações dos trabalhadores, associadas à proporção de quadros médios e superiores das empresas constituem, globalmente, uma aproximação à densidade que os territórios possuem, no sentido que acaba de lhe ser dado[ix].

Assim sendo, coloca-se como hipótese provisória que as unidades territoriais sub-nacionais que revelam condições e capacidades (isto é, massa, peso e densidade) para se inserirem em relações inter-regionais com a Grande Lisboa são o Grande Porto (que classificámos com a outra “muito grande unidade”), sete das oito “grandes unidades” e uma das “médias unidades”. Exclui-se o Tâmega que, apesar de ser uma “grande unidade”, revela escassas urbanidade, qualificações, habilitações e presença de quadros médios e superiores (para além de um grande diferencial entre poder de compra e peso demográfico). Acrescentou-se o Pinhal Litoral, cujo peso no emprego se associa a indicadores de urbanidade, habilitações, qualificações e quadros médios e superiores significativos. A lista é assim composta por: Grande Porto, Cávado, Ave, Baixo Vouga, Baixo Mondego, Pinhal Litoral, Oeste, Península de Setúbal e Algarve. Juntos, representam 40% da criação de riqueza, 43% do emprego e 45% da população e do poder de compra.

2. Capacidades relacionais dos territórios e factores de evolução

No ponto anterior já se assumiu que a massa,o peso ea densidade dos territórios (aqui encarados através das variáveis referidas) são condições importantes para avaliar o seu posicionamento nas relações inter-regionais e a dotação de capacidades de que eles dispõem. Agora trata-se de ver se é possível dispormos de variáveis que representem de modo mais directo as capacidades relacionais dos territórios e os factores de inserção em sinergias inter-regionais.

Vamos aqui encarar as dinâmicas dos territórios através da conjugação das suas dinâmicas demográficas e económicas (considerando nestas a criação de riqueza e de emprego e o aumento da produtividade). Para as identificar seleccionam-se os casos em que a evolução observada no período 1995-2006 é superior à média nacional em 10%.

Resulta desta análise que apenas no Cávado e no Algarve se regista a conjugação destas duas dinâmicas.

– De facto, as dinâmicas demográficas assinalam-se com significado no Grande Porto, no Cávado, no Tâmega, no Baixo Vouga, no Pinhal Litoral, no Oeste, na Península de Setúbal e no Algarve. Quer dizer, o aumento populacional significativo é um fenómeno metropolitano ou adjacente (as três primeiras NUTS referidas, a Norte, e, a Sul, as do Oeste e da Península de Setúbal), um fenómeno de alguns sistemas territoriais litorais associados a uma cidade média (Baixo Vouga e Pinhal Litoral) ou a um contínuo urbano (Algarve).

– Por sua vez, as dinâmicas económicas medidas através do aumento da criação de riqueza destacam-se no Cávado, no Dão-Lafões, na Serra da Estrela, no Alto Alentejo e no Algarve; esta dinâmica é reforçada pela criação de emprego em todos os casos anteriores com excepção da Serra da Estrela, mas, no Tâmega, na Península de Setúbal, nas outras duas NUTS III alentejanas e no Algarve, o aumento do emprego não tem correspondência num aumento equivalente do produto. O aumento significativo da produtividade acompanha o crescimento do produto em todos os casos, com excepção do Tâmega. Estamos assim perante dinâmicas económicas estruturadas (aumento simultâneo do PIB, do emprego e da produtividade) no Cávado, em Dão-Lafões, no Alentejo Litoral e no Algarve, o que configura uma clara situação de dispersão no território. As dinâmicas extensivas (aumento do emprego sem aumento significativo do PIB) registam-se tanto nas adjacências das áreas metropolitanas (Tâmega e Península de Setúbal) quanto no Pinhal Litoral e no Baixo Alentejo e no Alentejo Central. Isto é, não correspondem a um padrão territorial definido.

Em suma, estamos perante duas situações contrastadas: uma em que a dinâmica económica não tem uma base demográfica (quer consideremos a massa ou a evolução) – é o caso do Dão-Lafões, da Serra da Estrela e do Alto Alentejo; e outra em que a dinâmica demográfica não tem correspondência numa significativa evolução económica (Baixo Vouga e Oeste) ou em que apenas evolui o emprego, sem evolução significativa da produtividade (Península de Setúbal e Pinhal Litoral).

Por outras palavras, apenas se regista uma articulação sustentada entre demografia e economia no Cávado e no Algarve, o que nos deixa perante a possibilidade de serem bastante estreitas as bases para pressupormos a existência, no país, de estruturas territoriais consolidadas e dinâmicas que possam fortalecer um processo de criação de sinergias de desenvolvimento decorrentes de relações inter-regionais significativas e passíveis de aprofundamento rápido.

 

V. A BASE TERRITORIAL DO DESENVOLVIMENTO

Observámos, ao longo da análise, que as contiguidades e as similitudes, entendidas como bases para sinergias territoriais de desenvolvimento, são relativamente limitadas. Isso parece continuar a deixar um campo bastante amplo para a persistência do entendimento de que os processos infranacionais de desenvolvimento assentam em territorializações – isto é, em lógicas essencialmente centradas em localizações e determinadas por factores a elas inerentes.

Não desenvolveremos aqui este ponto de vista. Mas não deixamos de relembrar alguns argumentos recorrentes nesta matéria. Como se sabe, um exercício convencional consiste em decompor, para uma dada região, a variação de um determinado indicador em duas componentes: a que resulta do efeito na região do crescimento nacional (da influência da estrutura da economia nacional, portanto) e a que resulta da estrutura da própria região. Tomando como exemplo os crescimentos regionais (NUTS) do VAB, observa-se que há um largo predomínio das dinâmicas regionais sobre os impactos regionais das dinâmicas nacionais.

Pode dizer-se que a base territorial da economia compensa, em geral, os efeitos negativos da influência nacional ou que, quando estes são positivos, os amplia significativamente. É isso que se passa em 17 das 19 NUTS em que a componente regional é positiva. Curiosamente, nas seis NUTS III em que esta variável é negativa, só em duas a componente nacional é positiva – Grande Lisboa e Alto Trás-os-Montes.

Em sentido idêntico, constata-se que só sete NUTS III têm a sua economia assente em actividades exportadoras numa proporção igual ou superior à da economia nacional (actividade de base económica não primária, no quadro I)[x] . Quer dizer que “o dinamismo das regiões (NUTS III; entre 1995 e 2003) dependeu do efeito de arrastamento da procura local, que por sua vez é muito determinado pelo sector público” (DPP, 2007: 33).

Para além do que as estruturas económicas e a especialização produtiva nos indicam, há outros argumentos importantes para uma discussão sobre este tópico das territorializações do desenvolvimento. Certamente que as evoluções registadas nas componentes do sistema urbano nacional e os processos de aglomeração das populações à volta dos centros de escala regional ou sub-regional estão entre estes argumentos. Tal como, no mesmo sentido ou em sentido inverso, estarão as questões da conectividade territorial, directamente associadas às infra-estruturas de mobilidade dentro do país, cuja amplitude se alargou do modo que é sabido.

 

VI. CONCLUSÕES

O motivo mais substantivo que originou o exercício que aqui se desenvolveu – e que deve ser considerado como essencialmente exploratório – foi o de discutir se o desenvolvimento mais intenso de uma região pode produzir impactos positivos noutras, criando assim um processo de sinergias inter-regionais. Mais especificamente, teve-se em mente apreciar em que sentido é que as formas de desenvolvimento metropolitano (e especialmente da Grande Lisboa) podem desencadear um efeito-capitalidade de que beneficiem outros territórios infranacionais.

Na ausência de informação taxativa, directamente associada a esta questão, pareceu-nos que não restavam outras soluções que não fosse encarar o problema em termos metodológicos, mobilizando ao mesmo tempo uma base empírica que se revelasse pertinente.

Ensaiou-se, assim, se as relações inter-regionais deste tipo representam e desencadeiam um efeito de proximidade, expressando então os aspectos positivos que elas contenham predominantemente através da contiguidade espacial; se assentam num efeito de similitude entre regiões, aproximando então estruturas similares de diferentes regiões ou, finalmente, se nenhuma destas hipóteses é muito forte e devemos continuar a lidar com a noção de que a base principal do desenvolvimento regional é de natureza territorial e, portanto, os resultados que se alcançam em matéria de qualificação regional devem continuar a dar prioridade à própria organização de cada região. Neste caso, as relações inter-regionais seriam o produto apenas mediato de desenvolvimentos territoriais dotados de alguma autonomia.

Deve ficar claro – por todas as razões e, repete-se, pela natureza exploratória do exercício – que nenhuma destas hipóteses tem aqui confirmação ou negação clara, sendo os resultados alcançados apenas elementos intelectuais para que se aprofunde o tema e o conteúdo político que ele também encerra.

Contudo, há uma hierarquia de resultados que se deve assumir e sublinhar. Em primeiro lugar, os efeitos de proximidade, mesmo quando tomam como origem as formas mais intensas de desenvolvimento metropolitano, são relativamente limitados, não havendo razões claras para admitir que tal desenvolvimento é espacialmente generoso, transbordando para a sua envolvente imediata. Em segundo lugar, também não parece haver indícios fortes de que, ao contrário do que aconteceria no caso anterior, se estabelecem relações sinérgicas numa base de “liberdade espacial”, envolvendo regiões descontínuas mas similares. A forte dissintonia das estruturas espaciais não deixa muita margem para encarar uma perspectiva como esta, a partir da informação existente. Por isso, e finalmente, se assinalam aspectos que apontam para a persistência das formas territoriais de desenvolvimento.

A principal conclusão é, no entanto, a que aponta para ensaiar a construção de metodologias e para a produção de informação que tratem o problema directamente – e não indirectamente, como aqui se fez. O contributo deste texto procura, pois, ser duplo. Por um lado desencadear um trabalho de reflexão metodológica cujo aprofundamento pode partir dos elementos aqui apresentados, mas que tem de os ultrapassar amplamente. Por outro lado, inquirir sobre os termos em que importaria organizar um processo de recolha de informação directamente associada ao tema proposto.

Eventualmente continua a ser bom conselho admitir que a natureza complexa das relações inter-regionais em Portugal e a forma pouco simplificada como elas evoluem não nos dispensa de continuar a olhar para o país encarando-o como um conjunto plural e complexo cuja compreensão tem de atender às partes e ao todo.

 

BIBLIOGRAFIA

Barradas S, Lopes E (2007) Processos de convergência regional em Portugal: absoluta, condicionada ou clube? Planeamento e Prospectiva, 14: 23-64.         [ Links ]

DPP (2007) Os espaços do crescimento económico. http://www.dpp.pt/pages/files/Espacos_Crescimento_Economico.pdf [Acedido em 30 de Outubro de 2008].

Reis J, et al. (2009) Imigrantes em Portugal: economia, sociedade, pessoas e territórios. Coimbra, Almedina.

 

NOTAS

[ii] Como é sabido, pode aceitar-se que este pressuposto é razoável para uma boa parte das NUTS III, mas não para todas.

[iii] INE, Contas Regionais 1995-2006 e Estimativas Anuais da População Residente.

[iv] A informação dos Quadros de Pessoal do Ministério do Trabalho, em que o emprego vem repartido por CAE-Rev.2, foi agregada seguindo a proposta da OCDE de definição de classes tecnológicas. Depois, considerou-se que o emprego em actividades com “intensidade técnica e informacional” é a soma do das classes tecnológicas “alta tecnologia” e “alta intensidade informacional”.

[v] Estudo sobre o Poder de Compra Concelhio 2005, INE, 2007.

[vi] Usando dados de DPP (2007a).

[vii] Há efeitos regionais de spillover quando as actividades desenvolvidas numa dada região geram externalidades das quais beneficiam indirectamente outras regiões não compreendidas nas decisões originárias que desencadearam aquelas actividades. Um caso muito especial é o dos knowledge spillovers.

[viii] Consideramos aqui as grandes regiões de planeamento e ordenamento do território e não as NUTS II “acertadas” para fins de gestão dos fundos estruturais.

[ix] Para além destas, há outras questões a considerar, designadamente as que têm a ver com a base económica regional, a especialização produtiva e as cadeias de valor em que se inserem. Este é um dos caminhos que se seguirão para aprofundar e desenvolver a análise.

[x] Em DPP (2007) propõe-se uma análise da estrutura sectorial do VAB, por NUT III, que agrega as actividades segundo a sua natureza primária ou não primária, os tipos de mercados a que se dirigem, a sua natureza mercantil e a sua condição de elementos da base económica regional (isto é, da capacidade para se articularem com “impulsos extra-regionais).

 

Recebido: 05/11/2008. Revisto: 21/02/2009. Aceite: 27/02/2009.

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