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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.233 Lisboa dez. 2019

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2019233.11 

RECENSÃO

Hindman, Matthew

The Internet Trap: How the Digital Economy Builds Monopolies and Undermines Democracy, New Jersey, Princeton University Press, 2018, 240 pp.

ISBN 9780691159263

Tiago Lima Quintanilha*
https://orcid.org/0000-0001-9189-481X

* CIES-IUL - Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (ESPP), ISCTE-IUL. Edifício Sedas Nunes, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal. tiago.lima@obercom.pt


 

Neste livro, Matthew Hindman prossegue[1] o seu trabalho de desconstrução do mito da internet como panaceia tecnológica para os problemas de um mundo fechado, monopolista e hierárquico, ao sublinhar a sua natureza desigual e distópica, que tende a ser depreciada pelos maiores entusiastas das novas tecnologias de informação e dos mercados descentralizados de produção por pares. Uma internet canonicamente compreendida (p. 36) como uma feira mágica de competição plena.

O autor começa por defender que, na base deste sistema desigual, está a economia da atenção que resulta num caldeirão de assimetrias onde os grandes players se consolidam, se fortificam, e acabam por secar tudo aquilo que está à sua volta.

Hindman (p. 3) considera que a internet, por se ter tornado tão popular, poderosa e ubíqua, nos leva a descurar o facto de ter falhado no seu objetivo original de eliminar hierarquias no processo comunicacional e nas suas trocas de informação, o que conduziu a uma compreensão errática do potencial iminentemente positivo desta tecnologia na eliminação de disparidades. Ao longo da obra, Hindman (p.5) sugere que o mundo digital não é assim tão diferente, e que a dominação por players mais poderosos e a replicação de assimetrias ocorrem hoje, tal como no passado. O autor (pp. 6-7) fala de uma incapacidade reflexiva que nos leva a desconsiderar os elefantes na sala - em alusão aos grandes players -, e defende que aquele exército de Davides empoderados que nos fora asseverado como “the end of big”, não constitui mais do que uma retórica de pensamento idealista e utópico dos entusiastas da internet.

Hindman sublinha o exemplo da receita publicitária para dizer que, apesar de a internet ser povoada por centenas de milhões de sites, os quatro grandes players (Google, Facebook, Microsoft e Yahoo) perfazem um terço do total de visitas registadas, levando à concentração da grande fatia do investimento publicitário. Ao concentrarem a grande fatia do investimento publicitário e do tráfego online, a atividade destes grandes players leva-nos à constatação tácita de que concentram também a atenção da grande maioria dos utilizadores de internet, numa relação bidirecional em que a capacidade de concentrar uma audiência que se recusou verdadeiramente a descentralizar com a chegada da internet (p. 7), redunda no fenómeno de concentração das receitas online por parte dos grandes players.

Desta forma, Hindman (p. 4) esclarece que é tudo uma questão de darwinismo digital, em que a sobrevivência dos vários atores envolvidos depende do grau de viscosidade (stickiness) desses mesmos players/firmas, isto é, a capacidade de atraírem utilizadores, de os reterem por longos períodos de tempo, e de os fazerem voltar de forma recorrente. Como principal consequência desta condição de viscosidade, aqueles que tiverem a capacidade de reter essa audiência, terão a capacidade de continuar a evoluir e a reinventar-se, respondendo àquilo que as audiências querem, mesmo que para tal tenham de gastar “montanhas de dinheiro” (p. 4) em produtos inovadores para reter essa audiência. Potenciam-se desta forma os designados feedback loops (positivos e negativos), nos quais os grandes e bem sucedidos players têm a capacidade de continuar a investir e tornar-se cada vez maiores, ao passo que os pequenos players continuam o seu percurso de desintegração e atomização.

Posteriormente, Hindman, entre os vários exemplos elencados ao longo do seu livro, aborda a forma como o Facebook se conseguiu destacar de outras redes sociais semelhantes, como o Campus Network, na primeira metade da década passada, apenas pelo facto de, numa fase inicial, ter conseguido reunir apoios e capital que os criadores de produtos competidores não foram capazes de obter, determinando desta forma a sua posição estável nos mercados onde atua.

O autor observa assim que a sua obra desafia o lado mais hegemónico dos debates público e académico que tendem a ser subsidiários da opinião de que o dinheiro não compra a atenção no ecossistema digital. Ao fazê-lo, Hindman sublinha a ideia de que esta relação entre dinheiro e atenção é uma interação constante na qual a capacidade de investir mais na melhoria da infraestrutura (p. 23), acaba por resultar na atração de audiência, num processo que nos pode fazer recordar a teoria da força gravitacional relativamente à capacidade que os corpos maiores têm em atrair tudo o que está à sua volta.

Hindman (p. 7) observa que os maiores websites atualizam e carregam mais rapidamente, são mais apelativos e de mais fácil utilização, são mais eficientes, têm uma capacidade de armazenamento superior, retêm mais publicidade e mais dados, e são mais ágeis a customizar conteúdos em função dos interesses dos seus utilizadores, aumentando assim o seu nível de viscosidade, o que não beneficia em nada a economia de pequena escala de produção de conteúdos.

Adicionalmente, da deteção do caldeirão de disparidades sustentado na internet pouco inclusiva, resulta, segundo o autor, a necessidade de detalhar as forças que promovem esta concentração na atenção da audiência. Este processo, a partir daquilo a que Hindman designa como a operacionalização dos novos modelos-melhores modelos (new models-better models), constitui-se como uma tentativa de corrigir os designados feedback loops da economia da atenção. Nestes novos modelos-melhores modelos, que Hindman descreve como tendo características simultaneamente diferenciadoras e complementares entre si, destacam-se as conceções de índole económica, formais e dedutivas, que visam atuar compreensivamente sobre as dinâmicas da economia da atenção. São exemplos, entre outros, a) a constatação de que os grandes players assumem uma posição dominante - condição de lock-in - mesmo quando os pequenos players, recentes e menos recentes, produzem conteúdos de maior qualidade capazes de satisfazer as preferências dos utilizadores; b) os maiores websites têm audiências mais estáveis - diariamente, mensalmente, anualmente -, e as audiências dos websites mais pequenos são mais voláteis; c) mesmo que novos websites acabem por emergir para mais tarde se desintegrarem, a estrutura global do tráfego online mantém-se fundamentalmente constante, no sentido em que o tráfego dos grandes players sofre oscilações mínimas - “the more things change, the more they stay the same” (p. 99); d) o tamanho do website é diretamente proporcional à sua viscosidade e à estabilidade representada no volume de tráfego que lhe está associado: o tráfego no Facebook e Google varia menos do que o tráfego da CNN ou do New York Times, que, por sua vez, oscila menos do que qualquer pequeno blog pessoal.

Em conclusão, esta obra, que o autor define como sendo uma elogia post mortem (p. 14) à internet causadora de afunilamentos democráticos, situa esta tecnologia como catalisadora de uma economia digital smithiana determinada pela concentração de poder dos mercados monopolistas, revelando aquilo que está na base de profundas disparidades marcadas pela componente de viscosidade online. Esta é, assim, uma análise que se estabelece como um manifesto denunciador de uma mão invisível digital que sustenta o capitalismo informacional, que protege a atividade dos grandes players e atomiza/asfixia os mercados de pequena escala.

Contudo, poder-se-á afirmar que o argumento geral usado peca por uma visão por vezes rígida e excessivamente economicista, projetada num pessimismo declarado relativamente à desvirtuação do objetivo primordial da internet que deveria ser o da eliminação das disparidades e hierarquias comunicacionais. Neste sentido, ao incorrer na análise primordialmente de cariz economicista, a abordagem àquilo que a internet pode fazer pela democracia, a partir do empoderamento dos cidadãos, da deliberação cívica, e através da redefinição das novas esferas públicas em rede, acaba por ser negligenciada, o que leva a uma discussão escassa, por parte do autor, sobre o potencial de afetação destes empoderamentos e agonismos potenciados pelas novas tecnologias de informação.

Tal como Hindman refere na página 10 da sua obra, “a discussão cívica e a ação coletiva estão no core das políticas democráticas”, o que o leva apenas em páginas dispersas do livro, a centrar quase timidamente a sua análise na complexa esfera pública em rede, sem no entanto relevar significativamente o potencial democrático de um mundo online empoderado, ao contrário daquilo que outros autores, como Manuel Castells (2012), definiram como o poder da tecnologia na forma de sistema tecno-social, no qual emergem e se consolidam importantes movimentos sociais, participativos e deliberativos (Dahlberg, 2007), em momentos de ataque às democracias e de antagonização das estruturas económica, política e ideológica das sociedades.

Por último, teria sido interessante ler o que o autor terá a dizer sobre os novos fenómenos de coopetição que resultam das novas relações entre algumas organizações de media (i. e. legacy media) e os grandes players (i. e. Google) da paisagem digital, num novo fenómeno que permite abandonar por instantes a discussão sobre a inter-relação beligerante entre os vários atuantes no mundo online.

Para todos aqueles que quiserem conhecer o lado menos entusiástico da internet, com exemplos claros e bem sustentados relativamente à forma como o caldeirão das assimetrias se edifica, esta é a obra ideal. Uma obra que, acima de tudo, tem o grande mérito de nos alertar para o facto de que a internet como universo sem barreiras, onde todos, e em qualquer parte do mundo, podem ser os criadores do próximo Google (p. 36), não é mais do que um conto de fadas com implicações na nossa própria mundividência relativamente à internet e àquilo que ela é enquanto artefacto tecnológico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTELLS, M. (2012), Networks of Outrage and Hope. Social Movements in the Internet Age, Cambridge, Polity Press.         [ Links ]

DAHLBERG, L. (2007), “The Internet, deliberative democracy, and power: radicalizing the public sphere”. International Journal of Media & Cultural Politics, 3(1), pp. 47-64.         [ Links ]

HINDMAN, M. (2009), The Myth of Digital Democracy, New Jersey, Princeton University Press.         [ Links ]

 

[1] Em 2009, o autor publicou a obra The Myth of Digital Democracy.

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