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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.232 Lisboa out. 2019

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2019232.15 

RECENSÃO

Figueiras, Rita

A Mediatização da Política na Era das Redes Sociais,

Lisboa, Alêtheia Editores, 2017, 112 pp.

ISBN 9789896229078

João Carlos Sousa*
https://orcid.org/0000-0002-5529-4849

* CIES, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. Av. das Forças Armadas - 1649-026 Lisboa, Portugal. joao.carlos.sousa@iscte-iul.pt


 

A Mediatização da Política na Era das Redes Sociais surge como o corolário de um já longo trajeto no domínio da comunicação política por parte de Rita Figueiras. Com este trabalho procede à atualização e sistematização de um conhecimento vertido em diversos trabalhos mais parcelares (2008; 2015), mas também em obras com campos de abordagem de pendor macroestrutural (2012; 2014). Recentemente aprofundou a reflexão em torno do comentário político televisivo (2019), chamando a atenção para a relevância destes espaços no ecossistema mediático português.

O tema da obra em análise gravita em torno do triângulo: sistema político, mediático e sociedade civil. A autora estabelece um nexo de causalidade entre as patologias da democracia (diminuição da confiança na política) e o acentuar das contradições entre a dimensão normativa e funcional da democracia (2017, p. 5),

defendendo a emergência de três fontes de tensão: não cumprimento das expectativas de bem-estar; impotência do Estado; crescente hiato entre a adesão à democracia e o desempenho das instituições.

Através do conceito de produsage advoga que há uma crescente hibridez entre produtor e consumidor de conteúdos noticiosos na web 2.0. e são identificadas três posições teóricas relativamente à interação entre internet, participação política e democracia: distópicas - a internet é vista como meio de replicar as desigualdades existentes na democracia, criticando a ênfase dada à tecnologia; otimistas - argumentam que a tecnologia vem colmatar falhas estruturais dos regimes democráticos, através da interatividade; conetividade; horizontalidade; síntese - integração das potencialidades das tecnologias dentro dos constrangimentos estruturais (2017, pp. 8-9).

Os media sociais diversificaram os mecanismos extraparlamentares de escrutínio do poder ao desempenharem uma importante função de reconhecimento, contribuindo para a visibilidade e publicidade de determinadas questões. A relação entre política e jornalistas pauta-se pela ambivalência: cumplicidade e confronto. Na era da política 1.0 os políticos podiam controlar a sua visibilidade e ainda controlar os media. Na política 2.0 a tendência aponta para uma aproximação entre atores políticos e os media.

Alega que atravessamos uma época da mediatização, definindo-a como “(…) meta-processo pelo qual as práticas quotidianas e as relações sociais nas sociedades contemporâneas são crescentemente moldadas pelos media, levando outras instituições e atores a usarem-nos como uma arena para as suas atividades”. No campo dos media observa-se uma dupla transformação: consolidando-se como instituição social; contaminando as restantes esferas da atividade social. Recorrendo à teoria neo-institucionalista advoga que os media deverão ser “(…) definidos como um conjunto de regras e rotinas que perpassam as diversas organizações de media” (2017, pp. 11-12).

A mediatização da política assenta em três dimensões: produção de eventos; adaptação discursiva e gestão da visibilidade mediática. No seio da abordagem funcionalista pode-se entender a mediatização da política como consequência da especialização funcional. Em última análise pode-se alegar que existem maiores níveis de imbricamento entre as diversas instituições. A mediatização do sistema político pode ser tida como a resposta dos media face à incapacidade de tornar visível a sua atividade. A opinião pública surge, neste contexto, como o conceito charneira na ligação entre o sistema mediático e o sistema político. A opinião pública é definida como: “o soberano ‘secreto’ e a autoridade invisível da sociedade política”. Concluindo que “a mediatização da política refere-se, assim, às mudanças ao nível dos critérios de decisão e das racionalidades subjacentes à ação política” (2017, pp. 14-15).

No primeiro capítulo, a autora começa por identificar os critérios de distinção entre a mediatização da política e o sistema político, permitindo-lhe caracterizar a lógica da política: valores, normas e regras. Apresenta duas formas de perspetivar a política: o poder é o fim último da política e os programas são os meios para o alcançar; o poder é um meio para o fim último de implementar políticas consonantes com um programa ideológico. A opção por uma delas tem implicações na definição das “lógicas da política”. Estas são operacionalizadas nos seguintes aspetos: processos; práticas; regime político; atividade política; estratégia política. Fatores distintivos da “lógica da política”: interesses; valores; recursos; legitimidade; instituições relevantes. Estas dimensões assumem distintos pesos mediante as idiossincrasias da sociedade (2017, pp. 20-21).

No plano político, uma das transformações passa pelo facto de os partidos deixarem de corresponder às clivagens sociais e políticas. “Em seu lugar surgiu um tipo de política baseada em pacotes de políticas específicas propostas pelos partidos” (2017, p. 22). A Nova Política dos partidos assenta em: “política da confiança”; ênfase no carácter e credibilidade dos atores políticos. “Como forma de compensar isso, os partidos e os seus líderes passaram a retirar dividendos políticos das falhas de carácter (reais ou presumidas) dos seus oponentes e a violação dos códigos de conduta tornou-se uma arma cada vez mais eficaz na luta pela vantagem política” (2017, p. 23), resultando na proliferação de escândalos políticos com visibilidade mediática. Critérios de julgamento dos atores políticos: integridade; credibilidade; capacidade (2017, p. 24).

Em consequência, as campanhas eleitorais tendem a enfatizar os traços éticos dos candidatos. Por seu turno, os oponentes tendem a explorar situações que ponham em causa a credibilidade dos opositores. Assistindo-se a uma forte correlação entre cobertura de escândalos e anos eleitorais. O escândalo político assume-se como componente da Nova Política - política da confiança (2017, p. 26).

O segundo capítulo “A mediação da política” começa ao postular a ideia de que a mediação política corresponde a um estádio inicial e de menor interferência e conexão dos media com a política. A mediação em antagonismo com a mediatização e/ou colonização da política diz respeito a um tipo de interferência muito limitada, no tempo e espaço, embora ela permita a desvinculação da publicidade e visibilidade da copresença dos atores políticos e das suas audiências. Até ao advento da imprensa escrita, a publicidade e a visibilidade eram indissociáveis, mas com a imprensa assistiu-se à sua dissociação. No final, a autora faz a distinção conceptual: “a mediação descreve o acto concreto da comunicação através de um meio num contexto social específico, enquanto a mediatização se centra no plano das mudanças nas instituições sociais e culturais (a política, a justiça, a escola, o trabalho, entre outras) e nos modos de interação decorrentes do processo de mediatização” (2017, p. 36). A mediatização assume-se enquanto etapa mais avançada da mediação, de forma a dar guarida à dinâmica transformadora que os media incutem às restantes estruturas sociais, e à política em particular.

O capítulo “A mediatização da política” começa por descrever o movimento de aproximação dos atores políticos à lógica dos media com a finalidade de controlá-los e obter “boa imprensa”. A partir da distinção de mediatização simples e mediatização reflexiva são explicados os contornos da primeira, através da qual são classificados os temas de interesse político (2017, p. 39).

Duas fases históricas de autonomização dos media e do jornalismo: opção por um estilo de escrita objetivo em detrimento do literário; distanciamento relativamente à esfera política. Defende ainda uma perspetiva homeostática sublinhando a estabilidade da estrutura mediática. A alteração numas das três componentes da lógica jornalística implica alteração em todas e na produção noticiosa (2017, p. 43). Na segunda metade do século XX assistiu-se à americanização do jornalismo: acentuar da componente comercial; aligeiramento editorial da atividade política; enfatizar das personagens e imagem. Por outro lado, existiram fatores internos de mudança no jornalismo: aumento da escolaridade dos jornalistas; expansão e concentração dos meios de comunicação social; maior especialização; incremento do recurso a sondagens.

A lógica dos media pode ser definida em torno de três eixos: incremento da competição comercial e económica; crescente afastamento relativamente à esfera política; aumento da tecnologia utilizada na produção e difusão de conteúdos noticiosos. A consequência mais visível é o modo como o jornalismo passou a enquadrar a política, como “um jogo” dando corpo à “política de confiança”, onde prolifera a cobertura de escândalos políticos, contribuindo para um crescente cinismo por parte dos consumidores ao enfatizarem os aspetos competitivos e estratégicos da política (2017, p. 53).

Na segunda secção é desenvolvido o conceito de mediatização reflexiva. Num esforço de aproximação à lógica dos media, os atores políticos iniciam automediatização, correspondendo “(…) ao esforço que o sistema político e os atores políticos têm desenvolvido no sentido de dominar as regras que governam o acesso ao espaço público” (2017, p. 60). Adequação do desempenho dos atores políticos aos padrões comerciais dos media: na imagem que os atores políticos projetam de si através da personalização da luta política; nas técnicas de dramatização; simplificação do discurso político. A mediatização reflexiva é deste ponto de vista a passagem de uma conduta reativa para um modo de lidar pró-ativo com os media.

Na última secção, discute-se a teoria da política colonizada, que consiste num estádio maior de evolução da relação entre os media e a política, assumindo-se a total dependência desta relativamente àqueles. A “diferença entre a política mediatizada e a política colonizada é que, no primeiro caso, os atores políticos percebem os media como uma entidade externa à atividade política” (2017, p. 70). As manifestações da colonização da política pelos media passam por: relativização do poder dos atores políticos; perda de qualidade no processo de decisão; seleção de estratégias que visem a resolução dos problemas e escolhas políticas. As consequências desta tendência assentam na compressão do tempo político; alteração dos temas e dossiês em debate; interiorização dos tempos mediáticos; redução da política às dimensões facilmente mediatizáveis; anúncios prévios de medidas políticas a tomar; política do tempo imediato; interferência dos media em círculos de negociação restrita; emergência do info-entretenimento e das soft-news e o novo papel da sátira no campo político. Em última instância falamos de democracia dos media, processo pelo qual se entende que “(…) a natureza da política tem sido transformada como resultado do seu desejo insaciável de cumprir as regras e os códigos dos meios de comunicação mainstream”, concluindo que “neste novo regime as acções políticas são sistematicamente legitimadas pelo facto de se terem subjugado às regras do sistema dos media” (2017, p. 84).

Embora se assista à crescente imbricação entre os media e política, a autora é taxativa ao concluir: “(…) a incorporação da lógica dos media na ação política não deve, então, ser perspetivada como um fim em si mesmo, mas como um meio para outros objetivos” (2017, p. 97).

Em conclusão, podemos realçar os seguintes aspetos do livro em análise: (1) Singularidade e originalidade - a obra procede a uma pertinente sinalização das principais teorias, bem como dos contributos conceptuais relevantes para a reflexão em torno das transformações ocorridas na área de interceção entre a política e os media. (2) Linearidade e evolucionismo - o desenvolvimento teórico indicia alguma rigidez na passagem dos vários estádios da relação entre política e os media, não considerando de forma veemente as idiossincrasias de cada país ou ecossistema mediático. (3) Historicista - embora não seja um dos objetivos, a obra percorre as fases históricas mais marcantes do jornalismo e dos media e as sucessivas transformações do papel destes na publicidade e visibilidade da esfera política. (4) Redes sociais - fica-se sem perceber de forma nítida a ligação do processo de mediatização da política com as redes sociais digitais. Investigações futuras encarregar-se-ão de propor um modelo que avalie o papel influenciador dos novos media sobre os atores e instituições políticas. (5) Política de confiança - conceito relevante no qual são sintetizadas algumas das nuances introduzidas pela aproximação da política aos media e que induzem a uma permanente avaliação de traços de carácter dos atores políticos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FIGUEIRAS, R. (2008), “O comentário político e a política do comentário”. In M. L. Martins, e M. Pinto (orgs.), Comunicação e Cidadania - Actas do 5.º Congresso da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Braga, Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho, pp. 111-132.

FIGUEIRAS, R. (org.) (2012), Os Media e as Eleições: Europeias, Legislativas e Autárquicas, Lisboa, Universidade Católica Editora.         [ Links ]

FIGUEIRAS, R., ESPÍRITO SANTO, P. e CUNHA, I. F. (2014), Democracy at Work: Pressure and Propaganda in Portugal and Brazil, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra.         [ Links ]

FIGUEIRAS, R. (2015), “Anatomia do comentário: corrupção, noticiários e destinatários”. In Media e Jornalismo. Corrupção Política Media e Democracia, 26(14), pp. 1-8.

FIGUEIRAS, R. (2017), A Mediatização da Política na Era das Redes Sociais, Lisboa, Alêtheia.         [ Links ]

FIGUEIRAS, R. (2019), O Efeito Marcelo: O Comentário Político na Televisão, Lisboa, FFMS.         [ Links ]

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