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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.232 Lisboa Oct. 2019

https://doi.org/10.31447/as00032573.2019232.01 

ARTIGOS

Antiguidade e poder simbólico na praxe académica

Seniority and symbolic power in student hazing

José Pedro Silva*
https://orcid.org/0000-0002-0246-2626

Elísio Estanque**
https://orcid.org/0000-0003-4845-854X

João Mineiro***
https://orcid.org/0000-0001-6992-3397

João Sebastião****
https://orcid.org/0000-0002-2488-8775

João Teixeira Lopes*****
https://orcid.org/0000-0001-6891-7411

* EPIUnit, Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto. Rua das Taipas n.º 135 - 4050-600 Porto, Portugal. j.silva.pedro@gmail.com

** Centro de Estudos Sociais - Universidade de Coimbra. Colégio de S. Jerónimo, Apartado 3087 - 3000-995 Coimbra, Portugal. elisio.estanque@gmail.com

*** Centro em Rede de Investigação em Antropologia. Avenida das Forças Armadas, Edifício ISCTE-IUL - 1649-026 Lisboa, Portugal. joao.mineiro.6@gmail.com

**** Centro de Investigação e Estudos de Sociologia - Instituto Universitário de Lisboa. Avenida das Forças Armadas, Edifício ISCTE-IUL - 1649-026 Lisboa, Portugal. joao.sebastiao@iscte-iul.pt

***** Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Via Panorâmica s/n - 4150-564 Porto, Portugal. jmteixeiralopes@gmail.com


 

RESUMO

A praxe académica consiste num conjunto de rituais iniciáticos que abrange um largo número de estudantes do ensino superior português. Dela faz parte o exercício de poder assimétrico dos alunos mais antigos sobre os recém-chegados, uma lógica assimétrica que impõe uma hierarquia fundada na antiguidade. Este artigo analisa as manifestações, a origem e os mecanismos de legitimação e reprodução deste poder. Ele resulta da antiguidade dos estudantes mais velhos enquanto elementos de um grupo estabelecido, capaz de impor normas e barreiras, e reforça-se através de uma dimensão ritual e simbólica que o legitima e naturaliza, ocultando-o enquanto forma de poder.

Palavras-chave: praxe académica; antiguidade; poder; poder simbólico.


 

ABSTRACT

In the context of Portuguese higher education, hazing consists of a set of initiation rituals in which a vast number of students participate in. It involves the exertion of power by senior students over newcomers, in an asymmetric logic that imposes a seniority-based hierarchy. This article analyzes the manifestations, origins, and mechanisms of legitimation of this power. Such power emanates from the oldness of seniority of students as members of an established group, capable of enforcing norms and boundaries, and reinforces itself through a ritual and symbolic dimension that legitimizes and naturalizes it, thus concealing it as a form of power.

Keywords: hazing; seniority; oldness; power; symbolic power.


 

INTRODUÇÃO

O acesso ao ensino superior é muito valorizado na sociedade portuguesa (Guerreiro e Abrantes, 2007), sendo considerado um passo importante rumo a uma posição social favorável e um momento de emancipação, coincidindo geralmente com a entrada no ciclo que se encontra legalmente (e simbolicamente) estabelecido como o início da idade adulta em Portugal (18 anos) e representando o início de um período de maior autonomia face à família de origem. Trata-se, por isso, de um momento de mudança importante nas vidas de muitos indivíduos (Costa e Lopes, 2008).

Esta transição requer a reconfiguração das redes de pares e de suporte. Por vezes, ela é acompanhada pela primeira saída da casa dos progenitores, geralmente para outra localidade, o que traz novos desafios ao jovem, relativos à gestão do quotidiano e à necessária aquisição de competências para enfrentar a nova situação. Trata-se de um momento de autodescoberta e formação da personalidade que nem sempre é resolvido de forma pacífica (Freitas, Martins e Vasconcelos, 2003), colocando frequentemente os jovens numa situação de vulnerabilidade, incerteza e desorientação (Ferreira e Moutinho, 2007).

É neste contexto de mudança que um grande número de jovens encontra a praxe académica, uma realidade generalizada no ensino superior português. Enquanto fenómeno complexo e diversificado, a sua delimitação conceptual é difícil. Ele abarca um conjunto de costumes e tradições estudantis permanentemente reinventadas, da qual é parte importante um leque de práticas ritualizadas de receção aos novos alunos protagonizadas pelos estudantes mais velhos, indissociáveis do exercício de poder dos segundos sobre os primeiros (Estanque, 2016; Dias e Sá, 2013, 2014; Revez, 2000; Ribeiro, 2000). A praxe das várias academias, instituições e cursos contém diferenças relativas, entre outros aspetos, à sua relação com as autoridades académicas e associações de estudantes, às regras consagradas nos códigos de praxe, às nomenclaturas, aos modos de organização e às atividades promovidas. Contudo, aspetos como a submissão dos estudantes recém-chegados, a ritualização das interações, o tradicionalismo, a importância da hierarquia, o formalismo e o simbolismo exacerbados e a coexistência de momentos disciplinares e hedonistas conferem unidade às várias “praxes” existentes no país, podendo-se assim falar de praxe no singular.

O presente artigo interroga a origem e a natureza da lógica de poder que caracteriza a praxe, examinando a sua produção e reprodução. Trata-se de um questionamento resultante da constatação de um arbítrio que, apesar de precário porque dependente do consentimento daqueles sobre os quais é exercido, se reproduz eficazmente, ano após ano, e se expande para outras esferas da vida estudantil.

PONTO DE PARTIDA

Este artigo resulta de um estudo sociológico mais alargado sobre a praxe académica em Portugal, orientado por dois objetivos principais: (1) descrever, caracterizar e interpretar as diversas materializações concretas dos rituais de praxe; (2) conhecer e descodificar os significados da praxe para um conjunto alargado de atores sociais do sistema de ensino superior. Para isso, implementámos uma estratégia metodológica diversificada, integrando diferentes técnicas de recolha de informação. Administrámos dois inquéritos online, dirigidos aos órgãos de gestão das instituições de ensino superior e às associações académicas e de estudantes, o que nos permitiu obter um retrato geral do fenómeno. Depois, através de uma perspetiva comparativa que considerou os traços nucleares, mas também as diferenças contextuais e a diversidade da praxe, realizámos, nos primeiros meses do ano letivo de 2016-2017, trabalho de campo em seis academias do país: Bragança, Beja, Coimbra, Covilhã, Lisboa e Porto. Conduzimos 42 entrevistas semi-estruturadas com estudantes, ex-estudantes, dirigentes académicos, provedores de estudantes e dirigentes estudantis; realizamos 6 grupos focais com a participação de estudantes e dirigentes de associações estudantis e procedemos à observação in loco de diversos rituais de praxe. Foi ainda feito o levantamento e análise dos códigos de praxe elaborados pelos estudantes de diferentes instituições. A articulação destas técnicas permitiu-nos confrontar as interações observadas nos rituais de praxe com os discursos produzidos sobre elas e ainda com os significados cristalizados em documentos escritos. A análise apresentada neste artigo resulta desta abordagem metodológica plural, embora foquemos especialmente os dados recolhidos através das entrevistas e focus groups administrados a estudantes, antigos estudantes e dirigentes do movimento estudantil, da observação de rituais de praxe e da análise documental.

A PRAXE ACADÉMICA: UM FENÓMENO COMPLEXO

Emergindo em Coimbra na segunda metade do século xix e consagrando como tradição um conjunto de costumes estudantis antigos - logo, conferindo-lhes força vinculativa (Cruzeiro, 1979), a expressão “praxe” remete para um fenómeno complexo e multidimensional. Este relaciona-se com as particularidades da Universidade de Coimbra, a mais antiga e, durante muito tempo, única instituição de ensino superior do país, dotada de grande peso histórico e simbólico, mas é também marcado pela influência das culturas populares e da boémia (Cruzeiro, 1979; Frias, 2003; Nunes 2004; Estanque, 2016). A praxe apresenta semelhanças com rituais estudantis praticados noutros países (Oliveira, Villas-Boas e Las Heras, 2016), embora estes não existam em todo lado e se encontrem proibidos, pela sua natureza violenta, em alguns países (Dias e Sá, 2014). Tais rituais podem ser definidos enquanto um conjunto de rituais de iniciação e passagem a que os novos estudantes são sujeitos antes de serem plenamente aceites como membros do grupo (Dias e Sá, 2013, 2014; Nunes, 2004; Revez, 2000; Ribeiro, 2000). Esta definição enfatiza as práticas ritualizadas habitualmente designadas por “praxes” que constituíram o foco da nossa abordagem, mas não dá conta da multidimensionalidade do fenómeno. A praxe é também um mecanismo de socialização, na medida em que transmite ao novo estudante um conjunto de saberes sobre o grupo a que acaba de chegar, ao mesmo tempo que inculca um conjunto de valores (Revez, 2000) e disposições. Apresenta igualmente uma clara dimensão cultural, pois contém um conjunto de códigos, símbolos e práticas formalizadas que contribuem para a diferenciação social e valorização simbólica da academia e dos estudantes do ensino superior (Dias e Sá, 2013; Frias, 2003; Ribeiro, 2000; Cruzeiro, 1979). Esta vertente surge reforçada pela filiação na tradição, ainda que a praxe tenha sido, excetuando no caso coimbrão, inventada no passado recente (Revez, 2000) e esteja, em todos os casos, permanentemente aberta a modificações (Frias, 2003).

Podemos também pensar a praxe como uma instituição bastarda (Hughes, 1984, pp. 99-105), isto é, uma estrutura social durável, tolerada mas não totalmente legitimada, que satisfaz uma necessidade não preenchida pelas instituições legítimas. Neste caso, de acordo com o discurso de muitos dos estudantes e dirigentes associativos que entrevistámos, tal necessidade consiste na receção e integração dos novos estudantes do ensino superior, isto apesar dos vários mecanismos de integração implementados pelas instituições de ensino superior (Costa e Lopes, 2008) e associações de estudantes.

Finalmente, a praxe pode ser lida como um refúgio estudantil num mundo social turbulento: nas últimas décadas, o acesso ao ensino superior democratizou-se, mas a sociedade é atravessada por processos de individualização, precarização do trabalho e multiplicação dos riscos, gerando transições para a idade adulta complexas e instáveis (Guerreiro e Abrantes, 2007). Neste contexto, que ameaça a aura simbólica dos estudantes e torna os seus projetos de vida incertos, a praxe surge como uma ordem estudantil regida por valores e regras específicos que oferece um contexto de sociabilidade previsível e um vínculo a um grupo com uma identidade diferenciada, afirmada através de símbolos e práticas que exaltam a pertença, promovem a distinção social e elevam o estatuto desse grupo e de quem lhe pertence.

Os rituais de iniciação que integram a praxe académica assentam no exercício de poder dos elementos mais antigos do grupo sobre os mais recentes, numa espécie de teste à sua valia para integrar o referido grupo. Depois de “pagar” o direito de entrar no ensino superior com o seu desempenho escolar, o estudante “paga”, na praxe, o direito a ser aceite pelos pares como seu igual (Dias e Sá, 2013, 2014; Ribeiro, 2000). Esta prova de admissão contém um grau variável de violência física, simbólica e/ou emocional (Estanque, 2016; Oliveira, Villas-Boas e Las Heras 2016; Fávero et al, 2015; Nunes, 2004; Frias, 2003; Revez, 2000; Ribeiro, 2000); e dela fazem também parte momentos de sociabilidade marcados pelo ambiente festivo, a diversão e o consumo hedonista de álcool, remetendo para a boémia que, historicamente, marca as vivências estudantis (Estanque, 2016).

PRAXE, PODER E HIERARQUIA

A praxe é regida por relações de poder vincadas que não podem ser analisadas sem referência a uma estrutura hierárquica formalizada nos múltiplos “códigos de praxe”, expressa num conjunto de títulos e símbolos associados a cada posição e visível nos rituais praxísticos. Trata-se de uma hierarquia de estudantes rígida, polarizada e fundada na antiguidade. É certo que os modos de adesão à praxe são diversificados, havendo estudantes que se relacionam com ela de forma mais ou menos assídua e comprometida e que lhe atribuem um maior ou menor grau de seriedade e de importância nas suas vidas. Isto sugere formas de relação com o universo moral da praxe diferenciadas e mediadas pelos sistemas de disposições individuais previamente construídos. Não obstante, a adesão à praxe implica sempre que esta lógica hierárquica seja aceite em maior ou menor grau, uma vez que consiste na sua regra fundamental.

Ainda que dividida em múltiplos estratos, a hierarquia opera uma oposição fundamental entre os novos estudantes - os “caloiros” - que devem obedecer aos mais velhos e os estudantes mais antigos, aos quais é atribuído o direito de praxar e dar ordens aos primeiros, mas também o dever de os ajudar no seu processo de integração. Para além desta oposição, também ocorrem várias divisões hierárquicas entre os mais velhos. Em Bragança e na Covilhã, os estudantes com duas inscrições no ensino superior já não são “caloiros”, mas têm de aguardar mais um ano para poderem praxar. E, de um modo geral, há uma diferença clara de poder entre os estudantes com várias matrículas mas que ainda não excederam o número de inscrições necessário para terminar o seu curso (a designação mais comum, original de Coimbra, é de “doutores”) e os estudantes que já o ultrapassaram (cujo título original e mais usado é o de “veteranos”). Estes ocupam as posições cimeiras da hierarquia da praxe, concentrando o poder e participando nos organismos praxísticos com poder decisório. Entre eles é escolhido um estudante para o posto mais elevado da sua academia, com títulos como Dux Veteranorum (Coimbra e Porto), Ancião (Bragança) ou Imperatorum (Covilhã).

Refira-se que tais postos hierárquicos estão associados a estudantes do sexo masculino. Ainda que a praxe tenha ampla participação de mulheres, estas tendem a não ocupar os postos mais elevados da hierarquia. Em Coimbra, por exemplo, apesar de nenhuma regra formal o impedir, nunca uma mulher chegou ao posto de Dux Veteranorum e os participantes no Conselho de Veteranos são maioritariamente homens. Historicamente, a praxe associa-se a protagonistas masculinos e a uma cultura de virilidade (Estanque, 2016) que continua a marcá-la, não se dissociando de várias manifestações de machismo (Lopes et al, 2018). No seu imaginário, a mulher é uma figura secundária, geralmente reduzida a objeto de desejo (Estanque, 2016). Se a feminização do ensino superior trouxe uma maior participação das mulheres, estas são relegadas para um lugar simbólico desvalorizado e para posições subalternas (Fávero et al, 2015; Estanque, 2016).

A cada posto hierárquico da praxe correspondem uma nomenclatura e simbologia próprias. A hierarquia é consagrada por documentos que pretendem ter força de lei: os códigos de praxe. Neles são estipuladas as normas da praxe e as sanções correspondentes, assim como os títulos e símbolos associados a cada posição hierárquica. A formalização é um dos aspetos imediatamente reconhecíveis da praxe e uma das caraterísticas comuns às várias traduções concretas que o fenómeno assume em diferentes contextos do ensino superior. Contribui para lhe conferir uma unidade inspirada pela herança coimbrã, que coexiste com a diversidade local e a reinvenção da “tradição” numa relação de permanente tensão.

AS MANIFESTAÇÕES DO PODER NA PRAXE

O poder dos estudantes mais antigos é inseparável desta hierarquia e manifesta-se de várias formas: quem ocupa as posições hierárquicas privilegiadas pode definir o que é o “jogo” da praxe, determinar as suas regras, vigiar a conduta dos jogadores e punir quem desrespeitar as normas, decidir quem pode estar legitimamente no jogo e comandar cada jogada.

A respeito do poder de construir a praxe académica, é claro o artigo 1.º do Código de Praxe de Coimbra[1], que a define como “o conjunto de usos e costumes tradicionalmente existentes entre os estudantes da Universidade de Coimbra e todos os que forem decretados pelo Conselho de Veteranos da Universidade de Coimbra” (2013). Ao mesmo tempo que se atribui à praxe a força vinculativa da tradição, abre-se, paradoxalmente, a possibilidade de integração de eventuais novas práticas determinadas pelo Conselho de Veteranos.[2] Ou seja, através do Código de Praxe, o Conselho de Veteranos da Universidade de Coimbra, órgão responsável pela revisão do documento, atribui a si próprio o poder de reconstruir a qualquer momento a definição oficial de praxe vigente na academia.

Daqui decorre o poder de determinar as regras da praxe. Geralmente, a elaboração e a revisão do código de praxe estão a cargo dos estudantes que ocupam o topo da hierarquia. Apesar das suas limitações, quem está na praxe reconhece-o como o documento que baliza de forma legítima as práticas deste universo. Muitas vezes, o poder de organizar e implementar as atividades de praxe é detido pelas “comissões de praxe”.[3] Estes são grupos de alunos com várias inscrições no ensino superior, eleitos ou designados para coordenar as atividades de praxe num dado ano letivo. Mas nas interações de praxe, onde as regras e os planos são testados pela forma como os atores reagem a múltiplas contingências (Frias, 2003), é a palavra do estudante com mais matrículas que prevalece. Como nos disse um “veterano”: “no meio de uma discussão sobre um assunto que tenha a ver com praxe, prevalece a opinião do presente que tiver a maior hierarquia, esteja certo ou esteja errado, mas prevalece essa opinião”. Esta é a regra fundamental da praxe: o poder do estudante cresce à medida que aumenta o seu número de inscrições no ensino superior; àqueles que apenas têm uma matrícula cabe obedecer. Como nos revelou uma “caloira”:

Nós temos o nosso Dux que é o mais importante da nossa casa, depois temos o nosso conselho de veteranos, isto é tudo mais importante, depois temos os “veteranos”, os “doutores”, os “semiputos” e os caloiros que somos nós, e basicamente os que estão acima de nós podem mandar em nós, é basicamente isso, sim, nós lá não podemos mandar em ninguém.

O poder de quem está no topo da hierarquia da praxe permite também arbitrar conflitos, apreciar casos de eventual violação das regras e da conduta aceite em praxe, e punir os infratores:

[Entrevistador] Como é que se pode controlar a má praxe?

Pois. Isso já será muito complicado. Mas lá está: passaria sempre por uma informação em massa aos caloiros para eles saberem o que é que está dito no código de praxe, o que é que vem lá escrito, o que é que pode ou não ser feito. E sempre que sintam que algo não está de acordo com o que lá vem escrito e que os faça sentir de certa forma que estão a ser abusados, dirigirem-se imediatamente ao Conselho de Veteranos, que terá sempre uma palavra a dizer sobre essa pessoa que poderá estar a levar a cabo uma má praxe [“Doutor”].

O estudante punido tanto poderá ser um “caloiro” que desobedeceu a uma ordem ou teve uma conduta considerada indevida como um estudante mais graduado. As punições aos primeiros são as mais comuns e visíveis, podendo surgir por vários motivos: rir quando se deve estar sério ou falar quando se deve permanecer em silêncio; chegar atrasado; desobedecer a um estudante mais velho; não atingir os objetivos de uma determinada atividade; olhar para o rosto de um estudante mais velho quando isso é interdito; ser encontrado na rua depois de uma determinada hora de recolher obrigatório por uma patrulha de estudantes mais velhos (conhecida como “trupe” em Coimbra e “melícia” na Covilhã). As sanções podem ser coletivas ou individuais; entre as mais comuns contam-se o exercício físico, a permanência em posições que indicam submissão, e ainda correr ou saltar ao mesmo tempo que se repete “ri-me, fodi-me”. Em casos mais específicos, como quando um “caloiro” é apanhado na rua fora do horário permitido, a sanção pode passar pelo corte do cabelo (rapanço), por pancadas nas unhas aplicadas com uma colher de pau (unhadas) ou, na Covilhã, pela colocação de uma mola na orelha. Também existem “tribunais” ou “julgamentos”, rituais onde os novos estudantes são julgados por faltas que alegadamente cometeram durante a praxe. Os julgamentos são muitas vezes marcados por um ambiente intimidatório. A aplicação de sanções não é vista como uma demonstração gratuita de poder, mas antes como um exercício corretivo de comportamentos considerados errados. Esta perceção é partilhada tanto por “doutores” e “veteranos” como por “caloiros”:

Há uma diferença considerável entre uma pessoa educar e uma pessoa maltratar, acho que isto é relativamente óbvio. Ou seja, um pai que dá uma palmada no rabo a um filho não o está a maltratar, mas um pai que o enche de porrada e lhe bate com paus está a maltratá-lo. Nós não temos qualquer tipo de sanção física com os caloiros porque não faria sentido nenhum e regemo-nos muito pelo mesmo. Ou seja, uma pessoa que esteja a dizer a um miúdo para se pôr de quatro[4] não é considerado um abuso, faz parte da educação dele porque se ele se está a pôr de quatro é porque com certeza fez alguma coisa que não deveria ter feito. [“Veterano”]

Por exemplo, eu pessoalmente […] tenho uma personalidade muito forte e nunca fui de me calar assim perante qualquer pessoa. E lá [na praxe] eu percebi que às vezes é importante, [que] nós às vezes estamos melhor calados do que no fundo falar aquilo que não devemos. E às vezes lá, se falarmos, se dissermos aquilo que não devemos, somos castigados. E isso é mesmo uma preparação para o futuro. E nós, como adolescentes, temos aquele sentido de rebeldia, que somos melhores que os outros, eu sou adolescente e eu sei que nós somos assim. Estamos naquela idade assim um bocado parva, e eles lá ensinam-nos isso. [“Caloira”]

Este tipo de discurso revela-nos ainda que a praxe, aos olhos dos seus praticantes, surge como uma atividade que educa e socializa. O recrutamento de novos alunos para o universo da praxe começa logo no período de inscrições no ano letivo que se inicia. Os estudantes mais velhos, envergando o traje académico, concentram-se à entrada da instituição, abordando quem chega para se matricular e desafiando-o a juntar-se à praxe. Este processo pode conter alguma negociação, com os estudantes mais velhos a proporem aos mais novos que experimentem a praxe antes de tomarem uma decisão. Geralmente, os mais velhos adotam uma postura amigável e procuram estabelecer empatia, fazendo perguntas sobre o local de origem dos seus interlocutores e dando algumas indicações sobre a instituição e a cidade. Em alguns casos prestam apoio na realização de matrículas, momento em que também podem tentar o recrutamento.

Quem se recusar a participar na praxe é designado de “anti-praxe”. Porém, em vários contextos, a hierarquia reclama - e exerce - o poder de declarar um estudante “anti-praxe” à revelia.[5] A expulsão configura a mais pesada sanção aplicável no mundo da praxe, e não se limita aos “caloiros”. Ela confere, aos estudantes que se encontram no topo da hierarquia, o poder de escolher quem tem legitimidade para estar nesse mundo.

É fundamentalmente através da observação e descrição das interações que ocorrem nos rituais de praxe que se torna clara a dimensão de poder que esta comporta. Desde logo, destaca-se a existência de dois grupos com papéis opostos: o dos “caloiros” praxados e o dos estudantes que os praxam. Os elementos dos dois grupos apresentam-se quase sempre uniformizados: os segundos envergam o traje académico, enquanto os primeiros apresentam um vestuário com alguns traços comuns, reveladores da condição de “caloiros”.[6] Estes encontram-se dispostos de forma organizada, de acordo com as indicações dos mais velhos. No Porto, é comum ver os estudantes que praxam dispostos em redor desta formação, desenhando um círculo que impede que quem está dentro veja para fora e que quem está fora possa observar o lado de dentro. Quando os estudantes caminham pelas ruas mantém-se a separação assente na posição hierárquica: os “caloiros” circulam em fila e os mais velhos espalham-se em redor do cortejo, dirigindo-o.

Nos rituais de praxe, os estudantes mais velhos dão ordens que os mais novos executam. Dos “caloiros” não é esperada qualquer iniciativa, apenas que respondam a estímulos induzidos. Quando não estão a executar nenhuma ordem devem permanecer imóveis, silenciosos e atentos enquanto ouvem as instruções para a próxima atividade. Seguindo instruções dos mais velhos, amiúde permanecem em pé, olhando em frente, com as mãos caídas ao longo do tronco ou atrás das costas. Também é comum uma variação desta posição em que, ficando de pé, devem manter a cabeça baixa e o olhar direcionado para o chão. As ordens podem ser transmitidas com maior ou menor agressividade, revelada pelo tom de voz, expressões faciais, linguagem corporal e distância entre os corpos. Geralmente, os “caloiros” devem responder às perguntas que lhes são feitas de forma padronizada, dizendo “sim senhor doutor/veterano” ou “sim excelentíssimo doutor/veterano”. As atividades são dirigidas por um número relativamente reduzido de estudantes mais velhos. Aqueles que usam da palavra de forma mais frequente são geralmente portadores de uma moca ou colher de pau de grandes dimensões.

Em suma, as praxes são marcadas por formas de poder não contestáveis e assimétricas que se expressam através da aplicação de sistemas de regras marcadas pela discricionariedade. Estas afrouxam nos momentos festivos e hedonistas, mas não desaparecem: embora marcados por um menor controlo sobre os corpos e os gestos que se tornam mais espontâneos, eles são igualmente planeados e dirigidos pelos estudantes mais velhos.

QUANDO O PODER DA PRAXE A TRANSCENDE

Vários simpatizantes da praxe afirmam que o poder conferido a um estudante pelo posto hierárquico que ocupa é fictício, existindo apenas durante os rituais e mediante o consentimento dos “caloiros”. Logo, a hierarquia não será mais do que uma ficção regida por uma ordem própria que se dissolve quando o ritual termina. Mas, contrariamente a esta perspetiva, se esse poder atinge a sua máxima eficácia nas atividades de praxe, ele não se esgota nelas. Ainda que de forma precária, os seus efeitos fazem-se notar noutras esferas da vida estudantil.

Os estudantes que ocupam lugares de poder na hierarquia não só definem as regras da praxe, como também influenciam a construção da identidade dos estudantes que não participam nela. Assim, qualquer estudante que não queira aderir à praxe deverá declarar, de forma pública e oficial, que é um “anti-praxe”:

Cheguei a uma praxe do meu curso e disse: “olhem, pessoal, nada contra vocês do ponto de vista pessoal, mas eu sou anti-praxe, eu não quero mais participar nisto, não quero estar aqui”. Disseram-me que eu tinha de ir ao Conselho de Veteranos assinar um documento em como me declarava anti-praxe”. [Antigo estudante que se tornou “anti-praxe” enquanto “caloiro”]

Em alguns locais, como por exemplo Bragança[7], está prevista a publicação de uma lista com o nome de todos os estudantes “anti-praxe”. Esse estatuto transforma-se num rótulo que acompanha o indivíduo, numa dimensão da sua identidade enquanto estudante. As implicações de ser “anti-praxe” são determinadas pelos estudantes praxistas e, não raramente, encontram-se formalizadas nos códigos de praxe. Veja-se o exemplo de Bragança, onde o código de praxe (2009) prevê um amplo conjunto de restrições aplicáveis à vida académica dos estudantes com este estatuto, tais como a impossibilidade de envergar o traje académico ou de participar nas atividades organizadas pela associação académica. Estas disposições nem sempre são aplicadas, mas a sua presença nestes documentos confere legitimidade a quem as quiser implementar, e os impedimentos impostos aos alunos “anti-praxe”, não sendo universais, verificam-se efetivamente em algumas das situações estudadas, permitindo aos estudantes que participam na praxe penalizar aqueles que não o fazem e reforçando o seu poder:

Até podem nem gostar, até podem nem se sentir bem, muitos até choram, mas depois dizem assim: “quero fazer latada”; “quero trajar”, “quero fazer parte de um grupo”; “eu tenho que fazer praxe”. Ou seja, é aquela opção do género: tens aqui um papel à tua frente, se quiseres assinas e és anti-praxe, mas se assinares… [Antigo estudante praxista]

Os estudantes anti-praxe podem ainda sofrer outras penalizações, mais informais e por isso menos visíveis, por parte dos estudantes que praxam, relativas a um efeito de afastamento, ou até exclusão, que ultrapassa a praxe. Trata-se de uma consequência que parte dos estudantes identifica e que é relevante sobretudo nos contextos onde a praxe tem um papel mais vincado na estruturação das sociabilidades estudantis, como é o caso das instituições situadas em pequenas cidades e com maior peso de estudantes oriundos de outras localidades. Este afastamento pode ocorrer de forma pouco consciente, relacionando-se com a ausência do estudante de uma atividade fundamental para a construção da identidade diferenciada do grupo, ou pode ser ativamente promovido por quem praxa. De qualquer forma, ele cria muitas vezes tensões entre os estudantes com posicionamentos diferentes em relação à praxe:

[Entrevistado1] “E sente-se um bocado essa sensação que eles, os que estão na praxe são muito unidos mesmo, isso sente-se. Agora, em relação a nós não são muito unidos, ou seja, aquela ideia de integração que a praxe quer passar não é verdade, não é de todo verdade. E nós estamos a sentir uma pressão por eles agora, por exemplo.”

[Entrevistador] “Porquê?”

[Entrevistado1] “Nós somos diferentes, nós temos um grupo diferente, e eles estão-se a sentir ameaçados. E é assim, nós éramos todos amigos, eu pelo menos sentia que eu era amiga deles, um deles continua a ser meu amigo, o resto parece que me olha de lado.”

[Entrevistado 2] “Deixaram de falar para nós.”

[Entrevistado 1] “Da outra vez passou por mim uma das que estão na praxe, “deixa-me passar”, e eu, desculpa? Não percebi. Um - não sou tua caloira, dois - éramos amigas, não estou a perceber o que se está a passar, portanto não consigo compreender, eu não sei se é ódio que nós criamos.” [Focus group com estudantes que se tornaram “anti-praxe” enquanto “caloiros”].

A hierarquia da praxe reproduz-se, ainda que de forma atenuada, nas relações entre estudantes mesmo quando estes não estão envolvidos num ritual praxístico. Como a sociologia e a antropologia demonstram[8], os rituais produzem efeitos que instituem uma ordem social que os transcende. Quer isto dizer que as sociabilidades entre estudantes são marcadas, ainda que de forma subtil, pelas lógicas de poder que caracterizam indelevelmente a praxe. Isso é percetível, por exemplo, no trato mais formalizado, deferente até, que por vezes os “caloiros” dedicam aos estudantes mais antigos fora do contexto de praxe, tratando-os pelos títulos que decorrem dos seus postos hierárquicos. E é percetível também na forma como, em certas situações exteriores à praxe, os segundos podem mobilizar o seu poder hierárquico para obterem benefícios dos primeiros:

Agora, o jantar propriamente dito, ou agarrar em quatro ou cinco caloiros, “vá, oh caloiros, hoje vamos todos para minha casa, vamos fazer uma jantarada e depois sair à noite”, apesar de isso ser ambiente onde está presente a hierarquia da praxe, não é propriamente praxe. […] Foi a praxe que permitiu que houvesse uma relação entre aquelas pessoas […] eles conheceram-se na praxe, através de uma estrutura hierarquizada. É perfeitamente normal que essa questão esteja sempre presente, independentemente de estarem a beber copos ou a jantar em casa. E é perfeitamente normal que… pá, já que o caloiro foi para lá e esteve a comer, a beber e a divertir-se, no fim ajuda a arrumar a casa e a lavar a loiça. E os outros evitam fazer esse serviço. “Pá, oh caloiro, estiveste a comer e a beber, ‘tamos numa boa, agora lava a loiça”. Não vejo problema nenhum nisso [“Veterano”]

No Porto e na Covilhã, encontrámos casos em que a praxe procura impor restrições aos afetos dos seus participantes, proibindo as relações amorosas entre “caloiros” e estudantes mais velhos. A justificação apresentada para este impedimento relaciona-se com uma precaução contra eventuais abusos dos segundos sobre os primeiros - admitindo-se, consequentemente, que os mais velhos estão numa posição que o permite. Porém, esta justificação não pode aplicar-se aos casos em que a interdição se estende às relações amorosas entre “caloiros”. É comum, em contexto de praxe, definir o “caloiro” como uma criatura desprovida de sexualidade. Tal proibição leva esta definição para lá dos limites do humor, mostrando como as lógicas de poder presentes na praxe ultrapassam os rituais praxísticos. Atentemos nas palavras deste estudante:

Houve uma altura em que houve pessoas que faziam também uma espécie de caça às bruxas. Então quase que faziam a vida negra, porque o caloiro namora com a caloira, mandavam umas bocas e não sei quê. Para algumas dessas pessoas que eu conheço foi um bocado delicado. Do ponto de vista formal, o que é que se faz? Quer seja caloiros com caloiros ou caloiros com doutores pode-se fazer uma carta azul de 25 linhas a solicitar autorização para namorar com a bênção do padrinho e da madrinha, do Nosso Senhor e não sei quê, para mandar ao Conselho de Veteranos e ao Dux. [“Veterano”]

A praxe tem ainda uma influência ambígua junto da vida associativa (Lopes et al, 2018; Estanque, 2016). Envolvendo muitos estudantes em relações de poder e lealdade, os organismos de praxe podem influenciar de forma decisiva os processos eleitorais e assim condicionar as Associações de Estudantes. Alguns dirigentes associativos admitem que é possível, para um praxista com um posto hierárquico elevado, recorrer ao seu poder para mobilizar um elevado número de participantes na praxe para votar numa determinada lista, o que é especialmente relevante no atual momento de fragilidade do movimento estudantil (Estanque e Bebiano, 2007):

Do ponto de vista democrático é muito perigoso teres a praxe a manietar aquilo que poderá ser o resultado de uma eleição para a Associação de Estudantes […]. Eu acho que é uma ameaça real, e certamente já aconteceu em muitos sítios, haver uma instrumentalização da praxe como meio de se imiscuir no processo eleitoral. [Dirigente de uma Associação de Estudantes]

Resta-nos referir que o conteúdo moral da praxe académica molda a própria perceção da instituição escolar e do mundo do trabalho, a próxima etapa de transição. Em certo sentido, a praxe transcende o momento ritual na medida em que condensa e potencia disposições parcialmente construídas nos percursos anteriores de socialização, nomeadamente junto da escola, da família e dos media, no sentido de valorizar a acomodação aos arranjos institucionais vigentes, repetir e naturalizar fórmulas disciplinares de submissão e construir compromissos de trabalho em situações de interação onde o consenso se estabelece por obediência mais ou menos inquestionada a quem detém poder. Podemos, assim, falar da praxe como um projeto socializador total que, perante a míngua de alternativas, organiza os quotidianos estudantis e coloniza os mundos juvenis.

ANTIGUIDADE E PODER SIMBÓLICO

Descritas as relações de poder que marcam de forma indelével a praxe académica, indagamos agora sobre a sua origem. Poder-se-á pensar que ela se encontra nas interações repetidas, reguladas e previsíveis dos seus rituais; no entanto, o poder manifesta-se ainda antes do ritual, no primeiro dia em que os novos alunos chegam à instituição de ensino superior, e também sobre os estudantes que não aderem à praxe. Mais do que produzir as relações de poder, o ritual consolida-as.

Para Elias e Scotson (2001 [1965]), a antiguidade, entendida como um atributo das relações sociais, é em si mesma uma fonte de poder. Um grupo estabelecido possui coesão e normas, podendo impor barreiras. A entrada no grupo implica a submissão às suas normas, mas traz o benefício do seu carisma, requerendo o sacrifício de alguma liberdade pessoal em troca do estatuto conferido pela pertença. Um grupo antigo pode estigmatizar através de expressões eficazes apenas no contexto da relação de poder entre quem está dentro e quem está fora dele. Quando o diferencial de poder é muito elevado, os elementos exteriores ao grupo podem mesmo perceber-se a si próprios através dessas categorias.

Recorrendo a esta ideia, defendemos que o poder dos estudantes mais velhos está relacionado com a antiguidade das relações sociais que os colocam num grupo com um sentido de pertença vincado e normas próprias, capaz de impor barreiras e discriminar quem está fora. Este argumento é aparentemente frágil, tendo em conta que o estatuto de estudante é transitório e frequentemente efémero. Porém, devemos referir a importância fulcral, na hierarquia da praxe, da já mencionada figura do “veterano”, que pode prolongar a sua permanência na praxe durante largos anos.[9]

Mas a antiguidade assim entendida não explica, só por si, a reprodução de um poder precário e assente no consentimento, nem a sua aceitação, sem grande resistência, por parte de quem chega. Assim, uma primeira questão a ter em conta é a forma como, na praxe, os papéis se alternam rapidamente. Não só o estatuto de “caloiro” é transitório, como o mesmo estudante que, durante os rituais de praxe, dá ordens ao seu colega mais novo e o coloca em situações de desconforto, pode assumir o papel de “compincha” durante uma saída noturna, ou de “conselheiro” quando transmite ao mais novo informações sobre a vida académica, num processo sequencial de alteração de estatuto que contribui para a aceitação da hierarquia rígida.

Disse-me que praxe ocorre sempre à noite, até à meia-noite, e que é seguida de saídas para os bares (…). Esta era a “parte fixe” da praxe, quando os “doutores” se tornavam amigáveis, ofereciam bebidas aos “caloiros” e a hierarquia se dissolvia. [Conversa com um antigo estudante que se tornou “anti-praxe” enquanto “caloiro”. Diário de campo, Bragança, 06-10-2016]

Mas, para se compreender a aceitação destas relações de poder assimétrico, é ainda necessário convocar para a análise a relação entre o poder e a criação de visões do mundo legítimas. Wolf argumenta que o poder e os fenómenos simbólicos estão interligados num processo de permanente “trabalho simbólico” (1990, p. 593) que produz as categorias dominantes de perceção do mundo. Estas, por sua vez, contribuem para a reprodução das relações de poder existentes. A imbricação entre poder e esfera simbólica foi trabalhada também por Bourdieu através do conceito de poder simbólico (1989a, 1989b, pp. 7-16). Na sociologia bourdiana, este constructo surge sobretudo no contexto das lutas simbólico-ideológicas travadas pelas classes sociais; no entanto, ele condensa algumas ideias muito úteis para a compreensão da eficácia e reprodução do poder em contextos relacionais mais particulares, entre eles a praxe.

Para Bourdieu, o poder simbólico é produto de uma relação de poder pré-existente que permite ao grupo dominante impor uma visão do mundo social que apresenta os seus interesses como universais, contribuindo para a naturalização e legitimação dessa relação. Neste sentido, é o poder de construir uma definição do mundo e, através dela, o próprio mundo. E tem uma propriedade muito específica: uma vez que legitima uma relação objetiva de poder anterior, existe fora da consciência daqueles que subordina. Esta naturalização ocorre porque a relação de poder em causa se inscreveu previamente no habitus dos indivíduos, adequando-se, portanto, às suas formas de pensar e de agir. Logo, o poder simbólico promove a submissão voluntária mas inadvertida dos dominados, tornando-os cúmplices involuntários da dominação.

Com estas ideias em conta, argumentamos que as lógicas de poder da praxe são fundadas na antiguidade, relativamente a quem acaba de chegar ao ensino superior, das relações que unem os estudantes que praxam e reforçadas pelas práticas ritualizadas de praxe, por uma lógica de rápida alternância de papéis e, sobretudo, pela forma como o mundo da praxe se apresenta. Esta articula um conjunto de formalismos, discursos e símbolos que reforçam o poder apresentando-o como legítimo, benéfico para todos e até natural, obscurecendo a sua natureza arbitrária e tornando-o inquestionável.

A PRODUÇÃO DO PODER SIMBÓLICO

Como já se tornou claro, o universo da praxe é repleto de formalismos. A tendência para a formalização dos comportamentos revela-se na existência dos já referidos códigos de praxe e dos decretus (editais em que os órgãos que regem a praxe publicitam as suas decisões); nas regras estritas e pormenorizadas que existem em vários contextos praxísticos relativas ao modo como o traje académico deve ser envergado em diferentes ocasiões; na rigidez da hierarquia e na especificidade das nomenclaturas e outros traços que distinguem os diferentes postos hierárquicos; e também na formalização, já descrita, dos próprios rituais. Em suma, o formalismo acentua a praxe enquanto “cadeia de rituais” (Collins, 2004) marcada por repetições padronizadas no espaço e no tempo entre um número alargado de indivíduos, implicando agrupamento, criação de barreiras e símbolos de demarcação face ao exterior e partilha emocional, refletindo-se ainda em sentimentos grupais geradores de “efervescência coletiva” (Durkheim, 2002 [1912]). Os ritos de iniciação que marcam a praxe, ao encenarem papéis, sugerem que a segurança perfeita no contexto de chegada se baseia na ocupação de um lugar e um papel social pré-determinado.

A assunção desse papel implica o respeito pelas relações entre os níveis da hierarquia estabelecida. Ora, a elevada formalização que caracteriza o universo da praxe apresenta a quem chega uma ordem programada e não questionada pelos seus participantes - logo, legítima e pronta para ser prontamente aceite por quem chega ao grupo.

Os estudantes que praxam produzem um conjunto de discursos que contribuem para legitimar a praxe. Através das entrevistas e conversas em contexto etnográfico foi percetível um alinhamento entre aquilo que é dito por quem praxa e por quem é praxado, o que revela a eficácia das palavras enquanto forma de legitimação da relação de poder que as antecede. Assim, um primeiro tipo de discursos procura apresentar a praxe como algo que existe para benefício dos “caloiros”. Um bom exemplo consiste no argumento, já referido, que associa a praxe à educação destes.

Outros discursos identificam a praxe como uma forma de integração extremamente eficaz, através da qual é possível encontrar rapidamente uma rede de apoio e solidariedade e forjar relações pessoais duradouras. Citando um dirigente estudantil e praticante da praxe: “Quando alguém me mostrar um processo que integre tão bem os alunos como a praxe, eu sou o primeiro a dizer: eu não praxo mais, eu sigo esse processo.”

Um outro tipo de discurso legitimador comum é aquele em que a praxe surge como um processo que garantirá a eventual aquisição de disposições e competências úteis num futuro contexto profissional. Repare-se no alinhamento de posições entre o estudante mais velho e o mais jovem:

Todos vamos ser estagiários que nos vão mandar buscar café. Todos vamos ser as pessoas no seu primeiro emprego que têm de fazer horas extraordinárias e às vezes não remuneradas. O objetivo inicial é exatamente eles [os caloiros] meterem-se nesse papel, o papel de serem iguais aos outros. [“Veterano”]

No início o pessoal não ‘tá muito habituado a ter de se calar perante os outros. Então eles [os “doutores”] dizem que não é por mal, a maneira como eles falam. Eles dizem que na vida profissional vai ser mesmo assim, eles têm de se calar perante pessoas mais velhas, mais importantes. [“Caloira”]

Um quarto tipo de discurso legitimador assenta na redução da praxe a uma encenação. Esta é entendida de forma pouco séria e apresentada como um sistema de relações muito bem delimitado no tempo e no espaço, onde cada um desempenha um papel e obedece a normas que apenas fazem sentido nesse contexto. Por ser um acontecimento representado (no sentido teatral do termo), a praxe surge como uma ficção temporária e excecional que não cria efeitos duráveis e onde a assimetria de poder que ela impõe é aceitável.

Nós olhamos muitas vezes para os doutores. Só quando eles querem assim, não sei, pegar mais connosco… mas é em tom de brincadeira, em que dizem: “olha p’rós meus sapatos”, não sei quê, “não quero que conheças a minha cara”. Mas é muito em tom de brincadeira, não é muito sério. [“Caloira”]

As fragilidades deste discurso revelam-se quando o confrontamos com a já demonstrada propagação, ainda que matizada, do poder dos alunos que ocupam as posições cimeiras da hierarquia a outros aspetos das sociabilidades estudantis.

Um outro tipo de discurso legitimador é aquele que mobiliza a antiguidade do fenómeno, apresentando-o como tradição. Este remete para um costume com uma dimensão prescritiva e auto-justificado pela sua alegada continuidade no tempo. Este discurso adquire especial relevo em Coimbra, onde a praxe tem as suas raízes históricas. Mais do que isso, a tradição reforça o sentimento de uma identidade estudantil diferenciada e dotada de profundidade temporal, fortalecendo assim a pertença a um grupo que, na maior parte dos casos, é transitório.

Aquilo de que eu gosto mais na praxe de Coimbra é mesmo a ligação à cidade e à tradição. Eu valorizo muito porque nasci em Coimbra, cresci em Coimbra, e, como tal, a história de Coimbra diz-me muito e faz parte de mim. [“Veterano”]

A praxe tem uma história centenária em Coimbra, mas foi apenas em décadas recentes que se expandiu pelo país. Neste processo articulou-se a influência Coimbrã com várias fontes de inspiração locais (Ribeiro, 2000; Revez, 2000). E a praxe, para além de ter sido interrompida por duas vezes ao longo do século XX, é alvo de modificações constantes com a exclusão, inclusão e transformação de diversas práticas (Frias, 2003). Como nos disseram vários estudantes entrevistados, há que adaptar a praxe à realidade contemporânea em que ela se insere. Neste sentido, pode-se falar daquela como uma tradição inventada (Hobsbawm e Ranger, 1984), ou melhor ainda, permanentemente reinventada.

Por fim, devemos referir o discurso que apresenta a praxe como uma prática que dilui as diferenças socioeconómicas entre estudantes, colocando-os num pé de igualdade que contribui para criar laços de união e solidariedade:

O nosso modus operandi, no início, é muito o mesmo para todos. Não há preferidos, eles [os caloiros] são todos iguais e têm de perceber que o são. A maneira como o fazemos é irrelevante, porque a verdade é que todos eles vão ser tratados da mesma maneira, quer tenham uma personalidade, quer tenham outra. [“Veterano”]

É curioso encontrar, num fenómeno marcado por uma hierarquia rígida, um discurso que vinca a importância da igualdade entre os estudantes. Porém, se o ritual despe os “caloiros” das suas identidades, uniformizando o modo como se vestem e atribuindo-lhes nomes de praxe, colocando-os assim num patamar idêntico, ele também opera uma distinção clara entre este grupo e os estudantes mais velhos.

A legitimidade da praxe académica também é alimentada por símbolos. Os principais são conhecidos como insígnias de praxe: a tesoura, a moca e a colher de pau. Esta terá entrado na simbologia da praxe no início do século xx, substituindo a palmatória (Nunes, 2009). Todos eles representam o poder da hierarquia, associando-se às sanções impostas no contexto dos rituais, como o rapanço e as unhadas. A colher de pau encontra-se especialmente investida de poder e autoridade: nos rituais de praxe, o portador de uma grande colher de pau tem um papel especialmente relevante na condução dos acontecimentos. Os símbolos ligam ainda a praxe ao discurso da tradição, uma vez que em todos eles se inscrevem significados que remetem para usos e costumes dos estudantes de Coimbra de gerações passadas, como mostrou Nunes (2009).

Por sua vez, o traje tende a ser apresentado como um símbolo dos estudantes, e não da praxe. Existem grupos de estudantes não praxistas que o envergam e ele é muitas vezes usado por dirigentes de associações estudantis em aparições públicas. No passado, o traje foi o uniforme dos estudantes, mas hoje é valorizado enquanto símbolo de distinção social e de pertença identitária, permitindo a identificação imediata de quem frequenta o ensino superior. E está fortemente associado à praxe por diversas razões. Primeiro, ele consiste frequentemente na roupa que os estudantes mais velhos devem envergar quando praxam. Segundo, a praxe é o motivo mais comum para se vestir o traje. Finalmente, persiste em vários códigos de praxe o impedimento da utilização do traje por parte dos estudantes “anti-praxe”. Assim, o traje é mais um elemento que associa a praxe a uma ideia de identidade estudantil antiga e diferenciada.

A legitimidade que estes formalismos, discursos e símbolos fornecem à praxe, contribuindo para a naturalização do exercício de poder arbitrário, surge reforçada quando ela se associa, sobretudo em momentos cerimoniais com uma certa solenidade, a atores, espaços e momentos também eles investidos de legitimidade social. Quando a praxe se liga às receções oficiais das instituições de ensino superior aos novos alunos, quando os seus representantes surgem ao lado de dirigentes de associações de estudantes e de instituições de ensino superior e quando os seus rituais ocorrem em espaços das cidades portadores de uma forte carga simbólica, ela legitima-se aos olhos de quem a vê.

Não podemos ainda deixar de referir que, seguindo ainda a teorização do poder simbólico de Bourdieu, a aceitação das relações de poder da praxe como legítimas acontece também porque é coerente com disposições para a obediência previamente inscritas no habitus dos estudantes que a elas se submetem. Logo, a sua inculcação e sedimentação passam pela ação de outros agentes de socialização que atuam sobre os indivíduos. A este respeito, é relevante mencionar o papel das instituições de ensino. Aliás, a praxe encontra muita da sua inspiração nas lógicas de poder que historicamente marcaram, e em grande medida continuam a marcar, o ensino superior (Estanque, 2016; Frias, 2003). Veja-se a diferença entre os papéis do docente, detentor de conhecimento e de autoridade, e do discente, que deve absorver o primeiro e respeitar a segunda; ou os cerimoniais ritualizados que pautam a vida académica (como, por exemplo, as defesas de teses) e que reforçam simbolicamente o jogo de posições existente dentro da academia e, quando são públicos, a distância social entre quem lhe pertence e quem não lhe pertence. Curiosamente, ao mesmo tempo que reproduz de forma matizada estas lógicas, a praxe também as afronta, promovendo a sátira, gerando perturbações e provocando até a suspensão temporária da ordem institucional que marca as universidades e os politécnicos (Ribeiro, 2000).

CONCLUSÃO

A praxe académica é um fenómeno multifacetado, simultaneamente ritual de iniciação, agente de socialização, forma de distinção social, mecanismo de reprodução social, prática estruturadora de sociabilidades e imposição de poder. A sua compreensão implica uma análise que contemple os mecanismos de poder que nela operam e que fazem parte da sua essência. Esse poder resulta da antiguidade, em sentido sociológico, dos estudantes mais velhos, um grupo estabelecido capaz de definir e impor normas e excluir quem não as respeita. A dimensão prescritiva do ritual e o conjunto de discursos, significados e símbolos que fabricam a legitimidade das relações assimétricas que estão no seu âmago contribuem de forma decisiva para a aceitabilidade da praxe, tornando assim o exercício do poder menos dependente do consentimento consciente dos sujeitos, objetivando-o enquanto uma forma de poder que deve a sua eficácia ao facto de se apresentar como um estado de coisas natural e legítimo, isto é, como poder simbólico. Gera-se um poder estruturado, duradouro, capaz de se fazer sentir no mundo estudantil para lá da praxe e que reforça disposições para a obediência à autoridade geradas em momentos de vida anteriores, por agentes de socialização como a família ou a escola, e que poderão ser ativadas em contextos futuros, como o trabalho.

O poder simbólico depende de uma relação de poder anterior mas, como a praxe mostra, não radica necessariamente no jogo de posições do espaço social definido pela posse de recursos económicos e culturais. Tal como Elias e Scotson (2001 [1965]) demonstraram, as relações de poder entre grupos podem ter outras origens, designadamente a antiguidade das relações que unem os elementos dos próprios grupos. Esta confere coesão, pertença e estatuto, permitindo a imposição de normas de conduta, a exclusão e a desvalorização simbólica de quem não lhe pertence. A praxe académica corrobora a importância da antiguidade enquanto fonte de poder e a eficácia do poder simbólico enquanto mecanismo de legitimação do arbitrário e consequente enfraquecimento dos dominados.

 

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Recebido a 05-03-2018.

Aceite para publicação a 26-10-2018.

 

[1] A primeira versão do Código de Praxe de Coimbra data de 1957, o que faz desta a mais antiga e influente proposta de codificação da praxe.

[2]Na praxe de Coimbra, o Conselho de Veteranos é a assembleia dos “veteranos” presidida pelo Dux Veteranorum, um “veterano” eleito pelo Conselho como autoridade máxima da praxe. É um órgão com existência semi-formal (não tem existência legal mas possui símbolos próprios, um espaço físico no edifício da Associação Académica de Coimbra, é reconhecido pelos estudantes que aderem à praxe e dialoga com várias entidades que por isso o reconhecem, mesmo que tacitamente) que concentra em si o poder de definir e executar as normas que regem a praxe.

[3] Em alguns contextos, a “comissão de praxe” configura não um grupo de alunos que organiza e implementa um programa de praxe, mas sim o órgão mais poderoso da hierarquia: as terminologias da praxe variam consoante as academias.

[4] A expressão abarca um conjunto de posições de submissão similares, bastante comuns na praxe.

[5] Em Bragança, o artigo 64.º, n.º VII do Código de Praxe (2009) prevê esta possibilidade: “caso se justifique, o caloiro(a) pode ser declarado, unilateralmente, anti-praxe sendo esta ação exercida pelo Magno Senado de Praxe, com a Comissão de Praxe do respetivo caloiro”.

[6]Estes aspetos comuns são variáveis, mas é habitual os “caloiros” vestirem t-shirts ou outras peças de roupa padronizadas com as cores e o nome do curso e instituição que frequentam, exibindo por vezes um animal, como o burro ou o javali, e usarem acessórios como orelhas animalescas de cartão, chapéus ou funis na cabeça.

[7] Código de Praxe (2009).

[8] Sobre os efeitos sociais dos rituais, ver Lévi-Strauss (1971; 2005 [1962]), Durkheim (2002 [1912]), Collins (2004), Leach (1966), Rivière (1997).

[9]Como exemplificam, de forma particularmente visível, os estudantes que ocupam, à data do estudo, o topo da hierarquia da praxe de Coimbra, inscrito na Universidade de Coimbra desde o final da década de 1980, e da praxe do Porto, que ocupa essa posição desde essa altura.

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