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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.231 Lisboa jun. 2019

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2019231.04 

ARTIGOS

A integração dos “retornados” na sociedade portuguesa: identidade, desidentificação e ocultação

Integration of the “retornados” in the Portuguese society: identity, dis-identification, and concealment

Elsa Peralta*
https://orcid.org/0000-0003-1366-3797

*Centro de Estudos Comparatistas, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. Alameda da Universidade - 1600-214 Lisboa, Portugal. elsa.peralta@campus.ul.pt


 

RESUMO

Como resultado da descolonização estima-se que entre 500 000 e 800 000 colonos portugueses tenham abandonado a sua residência em África entre 1974 e 1979. Na sua maior parte, estas pessoas vêm para Portugal, onde foram nomeadas de “retornados”, um nome que adquire uma conotação pejorativa quando usado para identificar uma população, na sua maioria branca, subitamente deslocada devido ao colapso do sistema colonial português. Tendo por base fontes bibliográficas e de arquivo, bem como dados de entrevistas realizadas a esta população, este artigo procura abordar questões associadas a processos de identidade e de desidentificação desencadeados pela chegada dos retornados e pela sua integração na sociedade portuguesa.

Palavras-chave: descolonização portuguesa; retornados; integração, identidade.


 

ABSTRACT

It is estimated that as a result of decolonization between 500,000 and 800,000 Portuguese settlers left their residence in Africa between 1974 and 1979. For the most part, these people came to Portugal, where they were called “retornados”, a name that acquired a pejorative connotation used to identify a population of colonial migrants, mostly white, suddenly displaced due to the collapse of the Portuguese colonial system. Based on bibliographic and archival sources, as well as data from interviews with this population, this article addresses issues of identity and dis-identification related to the arrival of returnees and their integration into Portuguese society.

Keywords: Portuguese decolonization; returnees; integration; identity.


 

INTRODUÇÃO

Eu chegando cá a Portugal não foi nada agradável porque fomos confrontados com desdém, fomos chamados de retornados. Muitos não eram retornados como era o meu caso. Os meus pais, sim porque o eram, mas eu não. Eu era natural de Moçambique, não sou retornado. Quanto mais sou refugiado. Esse é o verdadeiro termo. Mas o desdém… foi assim que nos consideravam a todos retornados. Porque eu sou retornado, porque eu sou retornado… Vieram aqui agora tirar-nos o emprego, andaram lá a explorar os negros e agora vêm-nos estragar a nossa vida! Era tudo fantasia. Por falta do mínimo de educação, de civilidade, porque quando chegámos, encontrámos aqui uma diferença educacional muito grande. [Homem português, branco, nascido em Moçambique em 1953 e estabelecido em Portugal em 1975. Entrevista, outubro de 2015].

A súbita chegada a Portugal de centenas de milhares de colonos residentes na “África portuguesa” devido às descolonizações destes territórios é dos temas menos estudados e menos compreendidos da história portuguesa contemporânea. Fora algumas exceções, as quais permitiram sociografar precocemente o contingente populacional envolvido nestas migrações das descolonizações, até tempos recentes foram poucas as análises sistemáticas dirigidas a esta população e às várias dimensões associadas à sua integração e acomodação na sociedade portuguesa aquando e depois do seu retorno africano.[1] Apesar destas migrações da descolonização terem sido um movimento massivo com um grande impacto nas antigas nações colonizadoras e na vida destas populações[2] , este tópico esteve durante muito tempo ausente das agendas de investigação das ciências sociais (Smith, 2003, pp. 17-23). O caso português não foi exceção e, à falta de estudos mais aprofundados, a experiência dos retornados portugueses permanece ofuscada por tropos explicativos consensualizantes em torno da sua suposta miraculosa integração na sociedade de acolhimento, uma integração que se fez sem motivos de conturbação social dignos de menção e sem uma natureza problemática. Contudo, por debaixo destas leituras do senso-comum acerca do sucesso da integração dos retornados, reside uma memória fraturante em torno da descolonização portuguesa e do subsequente retorno, a qual, à falta de melhor integração nas grandes narrativas identitárias nacionais, encobre identidades estilhaçadas e subjetividades divididas, tal como é bem evidenciado pelo trecho da entrevista que acima se transcreve. Estas fraturas identitárias, se bem que diretamente relativas a estes migrantes da descolonização[3] , impõem um exame crítico mais vasto sobre processos de identidade e de desidentificação originados no impacto social, simbólico e político do fim do império e atravessam toda a sociedade portuguesa contemporânea.

Tomando por base pesquisa bibliográfica e de arquivo, bem como dados recolhidos através de entrevistas a esta população[4] , neste texto pretendem-se abordar e discutir estes processos de identidade e de desidentificação desencadeados pela experiência histórica e pessoal do retorno de África e pela sua acomodação na memória e na história de Portugal pós-colonial. Depois da devida contextualização das circunstâncias históricas e das condições materiais do retorno, serão analisados os diferentes conceitos de pertença usados para categorizar uma população que se define pela sua diversidade estrutural e no seio da qual podem ser identificadas diferentes trajetórias e perfis sociais. Serão também focados os processos de ocultação e invisibilização que concorreram para a integração dos retornados, ao mesmo tempo que se discutem as fraturas identitárias deixadas pela descolonização e pelo retorno nas grandes narrativas da identidade nacional portuguesa no período democrático. Um comentário final será dedicado a debater o recente advento memorialista na produção cultural e académica portuguesa em torno dos legados do fim do império, no seio de uma revisão crítica dos sentidos identitários acomodados no Portugal pós-colonial.

DESCOLONIZAÇÃO E RETORNO

Com o 25 de Abril de 1974 e o derrube do Estado Novo, Portugal tornava-se o palco da mais exemplar revolução popular da Europa Ocidental, uma revolução assente na promessa contida nos três “D” do seu programa: Democratizar, Desenvolver, Descolonizar. Cumprindo essa promessa, o novo Governo revolucionário põe fim às guerras coloniais que o regime colonialista do Estado Novo travava em África em três frentes - Angola, Moçambique e Guiné Bissau - contra os movimentos de libertação organizados nos territórios colonizados pelos portugueses.[5] O país juntava-se finalmente à “onda” das descolonizações iniciada após a Segunda Guerra[6] , a que o regime ditatorial teimava em resistir, à custa do sacrifício de milhares de vidas de ambos os lados do conflito.[7]

Imediatamente após o 25 de Abril existiam, contudo, diferentes leituras no que toca ao rumo a dar à descolonização. Se bem que “descolonizar” fosse um dos eixos do programa da Revolução, a verdade é que existiam diferentes posicionamentos relativamente ao papel histórico de Portugal enquanto agente colonizador. O direito das colónias à independência revelou-se uma questão sensível, acabando mesmo por ser omissa do Programa do Movimento das Forças Armadas. Por pressão do general António de Spínola, o Programa enuncia apenas o propósito vago de se lançarem “os fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz” (in Ferreira, 1994, p. 55). Eram estas promessas de paz que ecoavam nas colónias no pós-25 de Abril, promessas que eram ademais acalentadas pela expressão presente na declaração da Junta de Salvação Nacional feita pela voz de Spínola: “Garantir a sobrevivência da Nação, como Pátria Soberana no seu todo pluricontinental”.[8]

No quadro destes ecos pacificadores, nas colónias a notícia do 25 de Abril terá sido recebida com alguma indiferença e nalguns casos até com otimismo. Com efeito, o fim do regime da metrópole não parece ter sido muito lamentado, sendo inclusivamente visto como uma porta aberta para a liberalização económica, política e social destes territórios, que aparentemente continuavam a ser vistos como parte integrante de uma comunidade pluricontinental. Como nos evidencia a investigação desenvolvida por Bruno Góis tendo por base as notícias publicadas nos principais periódicos da metrópole e das colónias neste período, o 1.º de Maio era celebrado em Lourenço Marques como uma “exaltação da portugalidade”, o general Costa Gomes celebrava os “nascidos à sombra da bandeira de Portugal, quer vivam em Díli, Luanda, Pretória ou Paris”, dando Angola como exemplo de “luso-tropicalismo”, enquanto Léopold Senghor aclamava a “comunidade luso-afro-brasileira” (Góis, 2017, p. 94). Afirmações ou conceções que pareciam confirmar o consenso em torno da possibilidade da permanência das populações brancas nos territórios africanos. A ideia da sua saída parecia estar, assim, fora das perspetivas dos colonos, ou mesmo da imaginação política do novo regime de Portugal quando se começam a encetar as negociações com vista à descolonização portuguesa.[9]

Os termos da independência e da transferência da soberania são imediatamente negociados com os movimentos de libertação que haviam lutado contra as tropas portuguesas pela autodeterminação dos territórios colonizados. São estes movimentos que agora eram considerados os legítimos parceiros nas negociações para a independência com Portugal. Para Moçambique, a independência é negociada na Zâmbia com a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique)[10] e em 7 setembro de 1974 são assinados os Acordos de Lusaka. A independência do novo país é agendada para 25 de junho de 1975 e vários acordos são estabelecidos para a permanência das populações colonas brancas no novo país independente. Para Angola, as negociações para a transferência da soberania realizam-se em janeiro de 1975, na localidade de Alvor, no Algarve, Sul de Portugal, tendo o Acordo do Alvor sido assinado em janeiro desse ano entre o novo Governo português e os principais movimentos de libertação de Angola (MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola; FNLA - Frente Nacional de Libertação de Angola e UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola).[11] O Acordo estabelece os parâmetros para a partilha do poder entre o novo regime português e os três movimentos de libertação e a data para a proclamação da independência de Angola fica definida para o dia 11 de novembro de 1975.[12]

O ambiente das negociações acreditava-se pacífico e cordial e, sob a inspiração das ondas de mudança que então varriam Portugal, sonham-se utopias de governos multirraciais de feição federalista. À partida, os processos de transição da soberania seriam amplamente participados e coadjuvados pelo novo Governo de Portugal, tanto do ponto de vista da representação governativa quanto da vigilância militar. Esperava-se também a integração das populações brancas colonas residentes nesses territórios nos novos sistemas governativos ou, pelo menos, a possibilidade da sua permanência nos novos países independentes.

A realidade, contudo, revelou-se menos pacífica e as muitas tensões que se calavam no plano da negociação política acabaram por rebentar em conflitos concretos nas ruas e entre diferentes grupos políticos e populações. Em Moçambique, a relutância de grupos de colonos brancos e dos partidos dissidentes em reconhecer a FRELIMO como único representante de Moçambique independente, bem como as suas exigências no sentido de que o novo Governo fosse eleito em plebiscito, consubstancia-se em ações organizadas de insurreição colona contra o Governo da FRELIMO. O levantamento popular contestatário aos termos acordados para a descolonização de Moçambique do dia 7 de Setembro de 1974, bem como as ações contra-insurrecionárias que lhe seguiram, levantam uma onda de pânico, saque e morte que haveria de conduzir à fuga em massa de muitos portugueses do território, ora para a antiga metrópole, ora para territórios vizinhos, como a África do Sul e a então Rodésia.[13] De Moçambique, porém, a saída foi-se fazendo paulatinamente, até à independência a 25 de junho de 1975, ou mesmo depois desta, devido à permanência no território de populações colonas afetas à administração até à reestruturação dos respetivos quadros, tal como definido no acordo de Lusaka.

Em Angola, o processo de transferência da soberania revelar-se-ia mais complicado. A existência não de um, mas de três movimentos de libertação considerados legítimos herdeiros do Governo do novo país, cria um clima de tensão que é exponenciado pela sua recusa em deporem as armas. Angola torna-se um campo de batalha da Guerra Fria, no qual forças opostas, como a então União Soviética e Cuba, por um lado, e a África do Sul e os Estados Unidos da América, por outro, procuram impor a sua área de influência e controlo sobre o território.[14] De facto, pouco tempo depois do Acordo do Alvor ter sido assinado, os três movimentos envolvem-se numa luta sangrenta pelo controlo do país, dando início ao conflito armado que teve início nesse ano e que continuou, com alguns intervalos, até 2002: a Guerra Civil de Angola.

Num quotidiano progressivamente marcado pelo medo e pela violência, o pânico instala-se e começa-se a antecipar a saída dos muitos milhares de portugueses a residir em Angola. Precavendo uma possível saída, que nos primeiros meses de 1975 ainda se considerava incerta, começam a tratar da emissão de passaportes, a reservar passagens de avião ou de barco e a construir caixotes de madeira para acomodar os bens de uma vida em Angola. Milhões de caixotes que transformam Luanda numa cidade de madeira, à espera de ser transportada por barco até à metrópole e posta a salvo da pilhagem dos salteadores, tal como tão graficamente é descrito por Ryszard Kapuściński em Mais um Dia de Vida: Angola 1975 (2013 [1976]). Os mais avisados transferem capitais e investimentos enquanto é tempo e enviam a mulher e os filhos para umas “férias” na metrópole até as coisas acalmarem. A maior parte, porém, foi ficando, relutante em deixar para trás uma vida de trabalho e de privilégio.

Mas cedo se instaura um cenário de violência generalizado, com pilhagens, agressões, expropriações, prisões, perpetradas arbitrariamente por membros dos movimentos de libertação contra membros dos outros movimentos e/ou dirigidas aos colonos e aos mestiços, os primeiros por serem considerados colonialistas e os últimos por serem coniventes com o sistema colonial e com o explorador branco. O caos instala-se nas ruas. Falta água em Luanda, falha o abastecimento de bens essenciais, e o comércio e os serviços públicos colapsam. A fuga torna-se inevitável. Através de uma ponte aérea, que envolveu o exército e a aviação civil portugueses, com o apoio da aviação americana, russa, britânica, belga e alemã, 260 000 indivíduos foram evacuados de Angola entre meados de julho e novembro de 1975, nas vésperas da independência do novo país. Durante o pico da ponte aérea, uma média de 7 000 pessoas chegava todos os dias ao aeroporto de Lisboa (Kalter, 2016).

Como resultado da descolonização, estima-se que entre 500 000 e 800 000 colonos tenham abandonado a sua residência em África entre 1974 e 1979. Há quem fale em muito mais, mas os números são incertos. De acordo com os Censos de 1981, Portugal recebeu 471 427 imigrantes das ex-colónias, dos quais 290 504 de Angola (61,6%), 158 945 de Moçambique (33,7%) e 21 978 de outras ex-colónias (4,7%), embora, de acordo com o sociólogo Rui Pena Pires, que organizou esta estatística, não exista “coincidência absoluta entre a população assim recenseada e o número real de repatriados”, já que esta não inclui “os repatriados entretanto emigrados ou falecidos” ou os “não recenseados” (Pires, 1999, p. 185). Não inclui também os que “retornaram” à ex-metrópole só anos mais tarde, bem como os amplos fluxos de refugiados e imigrantes originários das ex-colónias que vieram para Portugal depois da descolonização, mas que foram excluídos da cidadania portuguesa. Embora estes últimos não se incluam stricto sensu na categoria de “repatriados”, tiveram ainda assim um deslocamento rumo à ex-metrópole motivado pela descolonização. Estamos, assim, perante um número muito elevado de pessoas, sobretudo se tivermos em conta que, em 1975, a população portuguesa metropolitana mal ultrapassava os nove milhões de habitantes. De acordo com a estatística de Rui Pena Pires, os contingentes repatriados representavam cerca de 5% da população do país. Mas se atentarmos ao diferencial populacional absoluto entre os Censos de 1971 e de 1981, verificamos um aumento populacional no país nestes dez anos na ordem dos 15%. Este aumento, não sendo exclusivamente devido ao repatriamento de colonos, será certamente relacionado com as migrações espoletadas pela descolonização portuguesa.

Estes números traduzem, sem margem para dúvidas, o volume da massa humana envolvida nas migrações da descolonização. Embora o caso português não seja invulgar nem seja uma exceção, já que se insere na onda de migrações rumo à Europa do pós-Guerra originada pelas descolonizações, o caso português destaca-se por ser a maior das migrações deste tipo em termos relativos. Mas, para além do fator quantidade, existem também fatores qualitativos que merecem destaque. Desde logo os relacionados com as próprias características da sociedade de acolhimento. Em contraste, por exemplo, com os Pieds-Noirs, que chegam a uma sociedade social e politicamente estabilizada e em processo de crescimento económico[15] , em 1975 Portugal era um país pobre e pouco desenvolvido, que tinha vivido quase 50 anos sob o apertado esteio de um regime conservador e ditatorial. Grande parte da população portuguesa dedicava-se a um setor agrícola pouco industrializado. Por cada mil crianças nascidas em Portugal no início da década de 70, 55 não completavam o primeiro ano de vida e a taxa de analfabetismo ultrapassava os 25%. Entre 1960 e 1975 cerca de um milhão e meio de portugueses viram-se obrigados a emigrar para fugir à pobreza e à fome, ora com destino à Europa desenvolvida, à França, à Alemanha, à Suíça, ora com destino às colónias africanas que então viviam um momento de grande desenvolvimento. Além disso, apesar do crescimento económico e do incremento da industrialização do país verificado a partir do início da década de 60, as guerras coloniais travadas em África sorviam uma parte considerável dos recursos orçamentais, impedindo o desenvolvimento social do país, ao mesmo tempo que incrementavam o sistema de vigilância e persecutório da ditadura, com censura da imprensa e polícia política. O 25 de Abril de 1974 vem pôr termo a estes constrangimentos, num contexto económico desfavorável devido a 13 anos de guerra e às ondas de choque da crise do petróleo de 1973, operando simultaneamente uma radical transformação da situação económica, social e política do país. Dá-se a nacionalização de vários setores produtivos e empresas e a ocupação de campos agrícolas a Sul. Ao mesmo tempo consuma-se a drástica redução do território nacional, que fica remetido às suas fronteiras europeias e interrompem-se as relações económicas com África. É neste cenário que se insere a chegada dos “retornados” a Portugal.[16]

MIGRANTES, RETORNADOS E REFUGIADOS

Os portugueses metropolitanos vêm subitamente chegar estes migrantes pós-coloniais, de barco ou por avião, carregando caixotes com tudo o que puderam salvar na confusão da fuga. Muitas pessoas, sobretudo as que vieram na ponte aérea, chegam destituídas, fugidas da guerra e da violência que se instala nos territórios coloniais, com a roupa que trazem no corpo e deixando para trás todos os seus bens materiais. Nos bolsos trazem “dinheiro macaco”, assim o designavam, dinheiro que subitamente nada valia na metrópole.[17] À chegada recebem um subsídio de acolhimento mínimo providenciado pelo Estado e são encaminhados para casa de familiares ou, na falta deste recurso, para pensões, hotéis, cadeias, parques de campismo ou quaisquer outras instalações que pudessem servir de alojamento aos muitos milhares que todos os dias chegavam, numa gigantesca operação de salvação e socorro providenciada pelo Estado e pela sociedade portugueses.

Na sua maior parte, estas populações estabelecem-se em Portugal, fazendo uso de laços familiares ainda não quebrados para prover ao acolhimento na antiga metrópole. A maioria era originária das regiões Norte e Centro interiores de Portugal[18] e tinha migrado para África nos últimos anos do colonialismo português.[19] Dado o perfil de migração recente, quando vêm para a metrópole muitos ex-colonos estabelecem-se num primeiro momento nos distritos de naturalidade (cerca de 53%), opção certamente condicionada pela necessidade imediata de apoio familiar na chegada e alojamento. Outros (cerca de 44%) optam por se estabelecer naquelas zonas que mais oportunidades ofereciam de acesso ao emprego e à habitação, como é o caso da Área Metropolitana de Lisboa (Pires, 1999, p. 187). Ainda outros recusam-se a ficar num país no qual não se revêm e onde perspetivam ser impossível recuperar o nível de vida que detinham nas colónias, preferindo seguir as rotas bem estabelecidas da emigração portuguesa, como os Estados Unidos, o Canadá, o Brasil ou os países da Europa Central onde estava já bem estabelecida uma comunidade portuguesa emigrada, como a França, a Suíça ou o Luxemburgo.

Em Portugal são chamados “retornados”, um nome que resulta da criação pelo Estado português, em 1975, do Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN), um organismo instituído para dar apoio à chegada e integração desta população.[20] Mas rapidamente o nome banaliza-se no senso-comum, adquirindo um sentido pejorativo e tornando-se um estigma. Nesse “Verão quente” de 1975, marcado por uma certa anarquia no Governo, nas Forças Armadas e na sociedade em geral, e também por crescentes tensões entre grupos de esquerda e de direita, a chegada repentina dos retornados foi recebida com hostilidade e ressentimento. Num país imerso num profundo e conturbado processo de mudança social e política nestes anos pós-Revolução e massacrado por 13 anos de guerras nas colónias, os retornados eram considerados aqueles por cujos privilégios tantos jovens metropolitanos tinham perdido a vida no conflito em África, tornando-se no bode-expiatório do colonialismo português. Além disso, num país pobre com um Estado Social praticamente inexistente, os retornados eram frequentemente vistos pelos portugueses metropolitanos como concorrentes num mercado de habitação e de trabalho já muito escasso. E os portugueses metropolitanos também se sentiam ultrajados com o facto de os retornados terem acesso a apoios especiais por parte do Estado, terem alojamento gratuito, por vezes em hotéis de cinco estrelas, ou terem acessos preferenciais ao mercado de trabalho. De uma forma geral eram malvistos pela população metropolitana. Eram acusados, por vezes de forma explícita e de outras de forma velada, de colonialistas e de exploradores dos negros, aqueles “contra” quem se tinha feito a revolução, os que auferiam dos privilégios de uma classe dominante opressora e exploradora. E eram vistos como uma população envolvida em atividades económicas pouco claras, em práticas sexuais permissivas, na prostituição, no consumo da cannabis. Eles, por sua vez, olhavam os portugueses metropolitanos com desdém, considerando-os conservadores, atrasados e de mentalidade retrógrada, ressentidos pelo estigma que lhes era dirigido.

Os próprios sentidos normativo e coloquial do nome de “retornado” comportam consigo um julgamento moral e ideológico. Nomear estas pessoas como retornados é considerar que regressam à sua terra natal como ex-colonos num território que ocupavam e exploravam, enquanto beneficiários do salazarismo e do sistema colonial. É, na verdade, por esta razão que muitas destas pessoas rejeitam o nome de retornado pelo sentido pejorativo que denota, segundo o qual o retornado é equivalente a colonialista. Rejeitam-no também por o considerarem inexato, alegando que em muitos casos já tinham nascido nas colónias, pelo que não poderiam “retornar” a um sítio de onde nunca tinham partido. Preferem antes considerar-se “refugiados” das guerras civis entre os movimentos de libertação e como vítimas da descolonização. Todavia, tanto o representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)[21] em Portugal como o Governo português de então, determinaram que estes migrantes não poderiam ser considerados refugiados nos termos da Convenção dos Refugiados de 1951, já que não atravessavam uma fronteira internacional, mas movimentavam-se dentro de um espaço imperial em declínio como cidadãos do país de destino.[22] Aparte o plano normativo, no campo social “refugiado” ou “retornado” são dois conceitos opostos de pertença, com diferentes cargas emocionais: se são “retornados”, regressaram à sua terra natal como ex-colonos de um território que ocupavam e exploravam, não como vítimas da violência que provocou o retorno, mas antes como seus perpetradores; se são “refugiados”, foram arrancados de casa, vítimas de eventos sobre os quais não tinham controlo, tendo, por isso, o direito de ver o seu sofrimento reconhecido.

Deslocados, repatriados, desterrados, refugiados da descolonização ou retornados são, em todos os casos, nomes que determinam uma categoria social única e abrangente que, contudo, acolhe no seu seio uma população atravessada por muitas divisões e heterogeneidades. São, com efeito, socialmente muito diversificados estes portugueses que vieram das colónias, evidenciando-se também diferenças nos seus perfis conforme as colónias de fixação. Nalguns aspetos, os migrantes da colonização não se distinguem dos migrantes que, numa primeira fase, se deslocavam para as Américas, ou que, numa segunda, se dirigiam para França e outros destinos da Europa Central. À semelhança destes, muitos migrantes coloniais estavam ligados ao setor primário, com baixos níveis de escolaridade e originários de distritos do interior e de vocação agrícola, como Viseu ou Guarda, sobretudo os contingentes recrutados para os colonatos e núcleos de povoamento agrário oficiais. Mas entre os migrantes coloniais contavam-se também largos números de indivíduos oriundos dos centros urbanos de Lisboa e Porto e com grau de instrução elevado, evidente nos casos dos jovens quadros saídos do ensino médio e superior que respondiam aos programas de recrutamento público ou de recrutamento empresarial. Ou, ainda, pessoas ligadas ao comércio e pessoas isoladas que viam na desigual sociedade colonial muitas oportunidades de mobilidade social ascendente (Castelo, 2009). Estamos, assim, perante um universo populacional muito heterogéneo, mobilizado em resposta a sucessivos e diversificados planos de povoamento e de desenvolvimento do colonialismo português em África que, em todos os casos, contribuiu para a instituição de um espaço social de privilégio profundamente desigual, que oferecia amplas oportunidades de ascensão económica e social. As suas diferentes trajetórias sociais terão tido certamente uma influência significativa nas respetivas condições materiais do retorno e subsequente integração na ex-metrópole. Além disso, enquanto indivíduos brancos constituíam a maior parte dos retornados, também houve um número significativo de negros, mestiços ou pessoas de origem indiana que vieram para Portugal, também com graus diferenciais de integração na sociedade portuguesa altamente condicionados pelo fator fenótipo.

INTEGRAÇÃO E OCULTAÇÃO

Apesar da catástrofe social que a chegada repentina à ex-metrópole de centenas de milhares de desalojados fazia anunciar, em poucos anos esta população torna-se praticamente invisível, dir-se-ia que como se tendo diluído na sociedade de acolhimento de forma perfeita. O número de retornados alojados por conta do Estado português decresce 77,5% em 1979 em relação ao pico das necessidades de alojamento registado em 1976 e a despesa total do Estado português na operação de apoio à integração dos retornados regista uma diminuição na ordem dos 90% nesse mesmo período.[23] Em 1981 o IARN é extinto e os retornados até então não integrados no mercado de trabalho e de habitação passam para o foro dos mecanismos de proteção da segurança social portuguesa.

Com a extinção do IARN, a categoria de retornado é suprimida do universo institucional português (embora o termo continuasse a servir para identificar esta população coloquialmente) e a sua existência desaparece do espaço público nacional (Dias, 2017). No calor dos acontecimentos, a ação dos retornados havia-se consubstanciado em formas concretas de reivindicação e afirmação. Tiveram lugar manifestações públicas de protesto, algumas das quais resultaram em confrontos com as autoridades, como aconteceu com a tomada de assalto de autocarros na Baixa lisboeta e a ocupação do Banco de Angola[24] , ou os confrontos com a Polícia Militar no Rossio, local onde muitos retornados se costumavam concentrar para expressar as suas reclamações.[25] Constituíram-se também associações em defesa dos seus interesses, como foi o caso das Comissões dos Deslocados do Ultramar, dos Refugiados de Angola, dos Desalojados Ultramarinos, do Movimento Nacional de Fraternidade Ultramarina e da Associação dos Portugueses Refugiados. Em fevereiro de 1976 foi criado um partido político - o Centro Social Independente (CSI) - integrado maioritariamente por retornados das ex-colónias. Os retornados criam também o seu órgão mediático - o Jornal O Retornado - fundado em 1975 para dar voz aos problemas e reivindicações desta população. Contudo, em poucos anos, tudo isto desaparece. Tanto as referidas Comissões como o CSI desagregam-se e desaparecem do espaço político. Em inícios dos anos 80 também o Jornal O Retornado deixa de ser publicado. A desinstitucionalização da categoria de retornado por parte do Estado com a extinção do IARN parece, assim, ter corrido a par com a “descomunitarização” desta população (Dias, 2017).

Com efeito, os retornados portugueses não se constituíram como uma força de reivindicação política ou como um movimento de afirmação de uma identidade distintiva. Aqui, o contraste com os Pieds-Noirs da Argélia merece ser assinalado. De todas as migrações das descolonizações ocorridas depois da II Guerra Mundial, aquelas que têm mais similaridades entre si são, precisamente, as da Argélia e as das colónias portuguesas em África. Em ambos os casos, tratou-se de movimentos populacionais massivos ocorridos num curto espaço de tempo, ao contrário do que aconteceu com os casos italiano, holandês ou britânico, que sucederam ao longo de vários anos e em diferentes fases. Ambos os casos, também, envolveram colónias de povoamento com populações europeias substanciais. Mas enquanto em França surge uma identidade Pied-Noir distintiva, tal movimento de construção identitária não é identificável no seio dos retornados portugueses. Muitos fatores terão contribuído para esta situação. Em França, mais do que em Portugal, o Governo minimizou a chegada dos repatriados da Argélia em 1962 e só muito tarde nesse ano reconheceu que um deslocamento populacional massivo tinha tido lugar, com consequências muito negativas do ponto de vista do acolhimento destas pessoas à chegada a França (Jordi, 2003). Além disso, a maior parte aportou a Marselha, por avião ou por barco. Tratando-se de populações fixadas na Argélia há várias gerações, com débeis ou inexistentes laços com a França metropolitana, a maior parte procurou estabelecer-se logo na cidade de Marselha. Ao contrário do caso português, caracterizado por uma relativa dispersão territorial, no caso francês a aglomeração no Sul de França favoreceu o desenvolvimento de um sentido comunitário nas populações repatriadas, sentido este que foi exacerbado pela polarização crescente entre os repatriados e os metropolitanos residentes em Marselha. Neste cenário, os repatriados começam a virar-se uns para os outros em busca de apoio e assistência mútua. Começam também a congregar-se em locais no centro da cidade e a usar identificadores grupais, como foi o caso do uso, pelos mais jovens, de uma boina como aquela que usava o General Marcel Bigeard, herói militar francês da Guerra da Argélia (Jordi, 2003).

Para além destas razões conjunturais que favoreceram a comunitarização dos repatriados da Argélia, existe também, de acordo com Andrea Smith, uma razão estrutural que pode ter contribuído para a criação de uma identidade Pied-Noir: ao contrário dos retornados portugueses, que eram exclusivamente originários de Portugal, existiam no seio dos repatriados da Argélia diversas origens nacionais. Com efeito, mais de metade dos colonos europeus da Argélia era originária de Espanha, Itália, Malta, Alemanha, entre outros países europeus, os quais foram naturalizados franceses em finais do século XIX (Smith, 2003, p. 15). Este fator, juntamente com o silêncio das autoridades e com as tensões com os franceses metropolitanos, teve importantes implicações na construção de uma comunidade Pied-Noir, com uma cultura e uma identidade distintiva. Ainda que, tal como no caso português, a sua integração seja considerada bem-sucedida, ficou por fazer a completa assimilação dos Pied-Noir na sociedade francesa, que continuam a ser concebidos como uma comunidade de exílio (Hubbell, 2015), que tem como acontecimento fundacional o repatriamento de 1962.

Pelo contrário, os retornados portugueses são considerados quer por políticos, quer pela comunicação social, como um caso de integração exemplar e de completa assimilação, um sucesso que muitos consideram mesmo miraculoso.[26] Segundo os analistas, este sucesso ficaria a dever-se a um conjunto de fatores relacionados. Em primeiro lugar, a generosidade da população portuguesa no acolhimento, que teria recebido os desalojados com o mais abnegado sentido de solidariedade nacional. Com efeito, embora os portugueses tenham recebido os retornados de forma hostil, a verdade é que os laços familiares ainda não quebrados na metrópole foram fulcrais no primeiro socorro e acolhimento aos retornados, que muitas vezes ficaram alojados em casa de parentes. O segundo fator teria sido a capacidade de iniciativa e luta do conjunto dos portugueses que regressaram que, ao invés de se terem prostrado em lamentações ou revoltado com a situação, tomaram as rédeas do seu destino e empreenderam em novos negócios para dar a volta à sua vida. Claro está que para que estes self-made men pudessem prosperar, foram fundamentais os muitos subsídios e programas de apoio que o Estado português colocou à sua disposição. E importa também sublinhar que esta representação dominante do retornado como empreendedor contém no seu seio muitas disparidades: nem todos têm histórias de sucesso por contar. Por fim, um último fator, na nossa opinião o mais determinante, tem a ver com a própria atuação do Estado português no desencadeamento do apoio ao acolhimento e integração desta população, através de subsídios de alojamento e alimentação, de mecanismos conducentes à sua integração no mercado de trabalho (como o Quadro Geral de Adidos) ou da criação de programas de atribuição de crédito com condições particulares (como é o caso dos programas geridos pela Comissão Interministerial de Financiamento a Retornados - CIFRE). Note-se que não existia em Portugal, à data da chegada dos retornados, um Estado Social como o entendemos hoje, pelo que se deve assinalar o tremendo esforço do Governo revolucionário na gigantesca operação de apoio aos retornados. Terão sido estas ações - que aliás contribuíram para a organização dos mecanismos políticos centrais do que podemos designar como Estado-Providência - que mais terão contribuído para invisibilização dos retornados a partir de inícios dos anos oitenta, dado o efeito que tiveram no travão do desemprego e da marginalização social desta população (Dias, 2017).

Proveniente do discurso político e jornalístico, a narrativa da completa integração dos retornados é geralmente corroborada pelo próprio discurso académico. Rui Pena Pires, no seu estudo sociológico sobre a integração dos retornados, fala mesmo na sua completa incorporação no espaço identitário português (Pires, 2003). Outros autores, embora corroborem genericamente a ideia de integração, têm, contudo, mostrado terem existido vários níveis de integração, os quais foram fortemente condicionados pelas variáveis “raça” e classe. É o caso do antropólogo Stephen C. Lubkemann, que realizou entrevistas a esta população entre 1990 e 1993 em Portugal, concluindo que a “raça” (enquanto marcador social) teve uma influência determinante nas modalidades e possibilidades de integração (Lubkemann, 2003). A maior parte dos retornados, além de beneficiarem da cidadania plena e do domínio da língua, não contrastavam com as demais populações portuguesas pela cor da pele, já que na maioria eram brancos. Este fator terá largamente facilitado a diluição destas pessoas na sociedade de acolhimento. Já para aqueles que detinham marcadores de diferença visíveis, negros e mestiços, essa diluição foi mais difícil.[27] Ao contrário dos retornados brancos, estes não tinham geralmente laços familiares e redes de acolhimento em Portugal, ficando assim mais dependentes dos mecanismos estatais de integração. Além do mais, mesmo quando detendo cidadania portuguesa, os retornados de ascendência africana eram essencialmente vistos como não-Portugueses por causa do seu fenótipo (Lubkeman, 2003). Numa sociedade que durante todo o século XX tinha sido quase exclusivamente branca, recai sobre retornados negros um estigma acrescido, que piora ao invés de melhorar com a chegada a Portugal de imigrantes provenientes das ex-colónias nos anos 80, geralmente situados em posições de desvantagem social e acometidos por diferentes formas de racismo. Os retornados negros, ao invés de cidadãos portugueses, passam a ser vistos como populações potencialmente imigrantes, dificultando a sua integração social e a sua assimilação cultural dentro das fronteiras da nação portuguesa. Entre retornados brancos, retornados negros e imigrantes são feitas representações sociais mútuas e existem diferentes níveis de interação social, as quais são simbolicamente mediadas por universos discursivos mais vastos relacionados com as ideias de nação, raça e território associadas à imaginação imperial portuguesa.

Mas os processos de diferenciação social que influíram na integração dos retornados não se resumem apenas a marcadores raciais. Como demonstra o estudo de Lynn Hoefgen, os retornados brancos também não eram um grupo unificado, existindo no seu seio diferenças sociais muito consideráveis. Com base numa investigação realizada no início dos anos oitenta numa localidade batizada por si com o nome fictício de Serra de Mouro, Hoefgen distingue três categorias de indivíduos, os “não-retornados”, os “retornados independentes” e os “retornados do IARN”, e define uma medida de “integração” para os “retornados” de acordo com a sua proximidade à situação dos “não-retornados”, nomeadamente em termos de alojamento, rendimento e bem-estar material. Conclui que os “retornados do IARN” têm níveis de integração social muito mais baixos, os quais correspondem largamente a uma também mais baixa situação social antes do retorno. Volvidos hoje mais de 40 anos sobre o retorno, continua a ser possível desenhar trajetórias sociais muito diversas no seio deste universo populacional. Com efeito, as entrevistas realizadas no projeto de pesquisa que enquadra este texto permitem concluir que, de uma forma geral, a vinda para Portugal representou uma mobilidade social descendente relativamente aos parâmetros de vida nas colónias e que esta queda raramente se inverteu com o tempo. Mas permitem concluir também, junto com Hoefgen, que aqueles que já ocupavam uma posição social mais baixa antes da vinda, foram aqueles cuja situação de vida mais se deteriorou em Portugal e que mais dificuldade de integração tiveram. Assim sendo, embora se possa genericamente dizer que os retornados se integraram bem na sociedade portuguesa, esta integração foi fortemente condicionada pela pré-existência de capitais sociais e pelo facto de serem ou não percebidos como brancos.

A representação dos retornados como um grupo homogéneo completamente assimilado na sociedade portuguesa contribui, assim, para invisibilizar as necessidades de integração de uma importante parcela desta população. Mas contribui também para a invisibilização das histórias dos retornados e de uma memória crítica sobre o retorno. Ultrapassados os conturbados anos do PREC[28] , a estabilização democrática e o desenvolvimento social e económico do país, especialmente após a adesão de Portugal à União Europeia em 1986, contribuíram para essa progressiva invisibilização, ao mesmo tempo que estabeleceram uma “conspiração de silêncio” (Zerubavel, 2006) em torno da descolonização e dos acontecimentos que marcaram o fim do império português. Através de um acordo tácito, socialmente estabelecido, capaz inclusivamente de vincular percursos sociais e políticos altamente assimétricos, estes acontecimentos foram, durante décadas, arredados do espaço público. Não se trata de silenciamento, porque nada foi verdadeiramente silenciado, não do ponto de vista dos processos coercivos de silenciamento. Também não se trata de amnésia. Trata-se de encobrimento. Os ditos retornados participam, por vontade própria ou por resignação, neste encobrimento, progressivamente omitindo o seu percurso e a sua condição quer do espaço público, quer do espaço das suas sociabilidades quotidianas. Neste processo, ser retornado deixou de ser, ou nunca sequer se constituiu plenamente, como um marcador de diferença ou uma categoria associada a uma identidade própria.

Este português outro que “retornou” é, assim, alguém que ocupa um lugar de desidentificação, fundando uma convivialidade assente na ocultação. Em função da força e da necessidade da integração, habituaram-se a não falar sobre a sua experiência e sobre a sua condição, tal como se habituaram a não falar sobre o colonialismo português e sobre a descolonização. Ocultaram-se pela “vergonha”[29] de terem sido colonos numa sociedade que se refundava num ethos anticolonial e os acusava de serem colonialistas. Ocultaram-se também pela “humilhação”[30] pelas perdas que sofreram, pela perda da terra, da casa, do carro, do cão, dos empregados, da vida boa que levavam, do privilégio que detinham, para terem de regressar sem nada ao local de onde tinham partido décadas antes. Ocultaram-se, enfim, pela ilegitimidade da sua própria experiência vivida aos olhos da sociedade em geral.

Talvez essa ocultação tenha sido indispensável à estabilização da radical transformação social e política que o país vivia então. Paul Connerton designa estes processos de “esquecimento prescritivo”, um tipo de esquecimento necessário para que a vida na polis tenha continuidade após momentos de grande rutura e conturbação (Connerton, 2008). No mesmo sentido, Benjamin Stora, abre o prefácio à obra coletiva Les Guerres de Mémoires, la France et son Histoire dirigida por Pascal Blanchard e Isabelle Veyrat-Masson, considerando que “Após períodos de grandes febres - levantamentos, guerras, revoluções, massacres, genocídios - as sociedades acumulam silêncios para que todos os cidadãos prossigam a sua vida em conjunto” (Stora, 2008, p. 7).

Talvez por isso não se tenha consubstanciado um corpus memorial sobre a experiência dos retornados na sociedade portuguesa. Apesar de terem surgido algumas publicações de autor, escritas no calor dos acontecimentos pela mão de alguns retornados, as quais, mais do que atos de memória, são tentativas de “repor” a verdade dos acontecimentos contra o que consideram ser as “falsidades” históricas engenhadas pelo regime revolucionário que governava o país, durante décadas não se verificou a afirmação de um campo memorial próprio sobre o retorno. A ação dos retornados foi preferencialmente canalizada para a realização de encontros e reencontros mais ou menos privados através da organização de jantares, piqueniques ou acampamentos, com lugar uma vez por ano, ou de dois em dois anos. Ao som de músicas e sabores de África, dá-se expressão nestes encontros a uma nostalgia resignada, ainda que dolorida, da vida que se deixou para trás. Ainda que se considerem vítimas inocentes de acontecimentos que ultrapassaram o seu controlo, não parece terem investido numa estratégia de vitimização para se afirmarem na sociedade portuguesa, ao contrário, por exemplo, da situação documentada por Claire Eldridge sobre os Pieds-Noirs em França (2010) e a sua enérgica ação através das muitas associações que os representam no sentido de redimirem a sua imagem de perpetradores para vítimas. Já os retornados, embora se considerem espoliados, resignam numa aceitação, aparentemente fatalista, do seu desapossamento, investindo emocionalmente numa nostalgia ativa em relação ao que ficou para trás, essa África de sonho de que é feita a imaginação imperial portuguesa. É por esta via que se integram no ethos nacional: a sua perda particular é simétrica à perda coletiva do império. A sua nostalgia por África não destoa da nostalgia pós-imperial portuguesa. No quadro desta interpretação, a ocultação a que voluntariamente se submeteram os retornados deve ser vista como uma estratégia de integração pela parte dos mesmos, lembrando com o antropólogo existencialista Michael Jackson, que “a sujeição deve ser considerada, a par com a agência, uma estratégia humana de sobrevivência” (Jackson, 2013, p. 19).

IDENTIDADE E DESIDENTIFICAÇÃO

Independentemente do maior ou menor sucesso da integração dos retornados e da capacidade de diluição destes, a descolonização provocou um embate cultural entre cidadãos da mesma nação, fundando uma fratura identitária na sociedade portuguesa. O encontro entre portugueses metropolitanos e portugueses ultramarinos é um encontro marcado por tensões, hostilidade e desconfiança mútuas, num momento em que o país está imerso num processo radical de transformação social e política e atravessado por agudas divisões ideológicas. Nas simplificações populares que então se generalizaram, as quais são tantas vezes reverberadas pelas vozes testemunhais da população em estudo, a esquerda revolucionária, mais ocupada com o processo político do país, teria ostracizado os retornados, acusando-os de colonialistas e exploradores de negros e culpando-os pela guerra. Mas, mais do que isso, encará-los-ia como coniventes com o regime salazarista e como uma ameaça reacionária à revolução. Já os retornados, culpam a esquerda (do PCP ao PS) pelo seu infortúnio, considerando que esta conduziu o processo de descolonização de forma desastrosa, capitulando perante os interesses dos movimentos marxistas com quem conluiavam. Destilam ódio aos principais atores políticos da descolonização: Mário Soares, na altura ministro dos Negócios Estrangeiros, António de Almeida Santos, ministro da Coordenação Interterritorial, ambos do Partido Socialista, e o Almirante Rosa Coutinho, Alto-Comissário em Angola no período de transição, conhecido como o “almirante vermelho” devido à sua proximidade ao Partido Comunista Português.

Contudo, este ressentimento pelas perdas não compensadas raramente tem expressão no espaço político. Ao contrário do que acontece em França com os Pieds-Noirs e com a sua associação à Front National e à extrema direita francesa (Eldridge, 2010), não é claro, a partir da inquirição que se tem feito sistematicamente junto desta população, que se possa no caso português associar estas populações ao campo ideológico da direita radical. Desde logo, porque essa direita radical nunca se afirmou no espaço político português após o 25 de Abril. Nem sequer uma direita conservadora e mais moderada foi capaz de mobilizar esta massa populacional e cooptá-la como parte indubitável do seu eleitorado. Ainda que não existam estudos quantitativos sobre as inclinações de voto dos retornados e seus descendentes, os entrevistados inquiridos no âmbito do projeto de investigação que enquadra este texto, embora declarem depositar o seu voto preferencial nos partidos do centro-direita liberal (PSD) e da direita conservadora e católica (CDS), frequentemente também declaram depositá-lo no Partido Socialista (PS) ou mesmo no Bloco de Esquerda (BE). Apenas o Partido Comunista Português (PCP) nunca foi indicado pelos entrevistados como fazendo parte das suas opções de voto. Tendo em conta estes dados, pode-se afirmar que, também no campo das escolhas partidárias, os retornados diluíram-se nas tendências gerais centristas da sociedade portuguesa, com o domínio do “centrão” PS-PSD. Contudo, o campo das opções políticas desta população, sendo atravessado por muitas contradições e ambiguidades, merece um exame mais aprofundado, ainda largamente por fazer.

Com efeito, apesar da invisibilidade no campo político, muitas tensões são caladas no campo social, onde ressentimentos velados encontram expressão de protesto em formas de escárnio vertidas hoje em blogs e páginas de facebook contra os dirigentes das nações africanas tornadas independentes e contra os políticos portugueses que fizeram a descolonização. Nem pelo seu falecimento, em 2016, Mário Soares foi poupado aos opróbrios que, se bem que calados na esfera pública, têm plena expressão nestes fóruns. As manifestações de regozijo pela morte do antigo primeiro-ministro e Presidente da República de Portugal multiplicaram-se nas redes sociais, acompanhadas pela publicação de supostas declarações proferidas nos anos da descolonização por Mário Soares sobre os colonos portugueses. Teria Soares sugerido, numa entrevista à revista alemã Der Spiegel em 1974, abrir fogo sobre os colonos que não aceitassem o processo de independência.[31] E teria também Soares afirmado, conforme disseminado por um panfleto do jornal A Rua em 1977, supostamente escrito a partir de um artigo publicado no jornal Estadão de São Paulo, que a solução para os portugueses brancos de África seria “atirá-los aos tubarões”.[32] Não existem, contudo, registos de que alguma vez estas declarações tenham sido proferidas ou que foram proferidas com o sentido que se lhes quer atribuir. São, contudo, evidência de que o retorno de África e a descolonização são ainda um campo friccional, investido de uma forte carga emocional.

Em última análise, este campo friccional resulta de uma cisão identitária provocada pela descolonização e que atravessa a sociedade portuguesa até hoje. Esta cisão resulta da difícil acomodação da descolonização e do retorno nas duas grandes narrativas que fundam e sustentam a identidade portuguesa no período democrático. Por um lado, a narrativa do império e das descobertas, uma narrativa que continua até hoje a marcar os discursos políticos, as agendas das instituições culturais, a consciência histórica nacional e as banais aceções do senso-comum (Peralta, 2011). Segundo esta narrativa, tecida a partir dos últimos anos da monarquia e os primeiros da República, magnificada durante o Estado Novo, e continuada no período democrático, sobretudo a partir de meados dos anos oitenta, o império é fonte incontestável de orgulho pátrio, estando fortemente enraizada a ideia da bondade inata do projeto imperial português. Um império sem colónias, sem escravatura nem trabalho forçado, sem exploração, sem guerras e sem deslocamentos de populações, seja das populações autóctones ou das populações colonas. Numa conceção de um Portugal pluricontinental e plurirracial, as colónias portuguesas eram vistas, junto com Portugal, como uma grande família nacional e cultural, que coabitava sem fricções nem divisões raciais. Desta família faziam parte os portugueses brancos e os mestiços e negros “assimilados”, ou seja, todos aqueles que tinham interiorizado os hábitos e as ideias inerentes à cultura portuguesa. Todos os outros[33] estavam excluídos da cidadania portuguesa e dos direitos a ela inerentes.

A questão da cidadania acabaria por se revelar crítica aquando das independências das colónias, quando a Lei da Nacionalidade Portuguesa[34] é alterada. Regulando o direito à nacionalidade portuguesa dos nascidos e residentes nos antigos territórios portugueses em África, a nova Lei revogou o critério do solo e promoveu o critério do sangue, reservando a cidadania portuguesa aos indivíduos que provassem a ascendência europeia e assim dela excluindo, embora com algumas exceções, indivíduos pertencentes a outros fenótipos e culturas.[35] Ainda assim, prevalece em tempos pós-coloniais, quer na memória dos retornados, quer na retórica pró-colonial que alimenta projetos de cooperação entre Portugal e as ex-colónias, como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a Lusofonia, a ideia dos laços comunais, não racistas e harmoniosos, que uniam os brancos e negros que habitavam o território do império africano português. Esta interpretação, embora não seja verdadeira, é condicente com a representação de Portugal como o país das “descobertas” e não como um centro colonizador. Nesta narrativa, os acontecimentos que marcaram o fim do domínio colonial português em África, as guerras e o retorno, não encontram espaço de inscrição. Reconhecer estes acontecimentos, e integrá-los na memória nacional, obrigaria também a reconhecer que o império português foi colonial e não uma mera quimera histórica feita por argonautas e missionários que se lançaram à descoberta e à cristianização do mundo há mais 500 anos.

A par das narrativas das descobertas, existe outra narrativa que articula as formulações da identidade portuguesa no período democrático: a narrativa da “Revolução dos Cravos”, da herança democrática e de viragem para a Europa, que libertou o país do jugo do ditador e os povos oprimidos da chibata do colonizador. Embora sendo consensual entre os portugueses o mérito do derrube da ditadura salazarista por parte dos “capitães” de Abril, já a descolonização, para muitos tida como “exemplar”, deixou uma memória fraturante na sociedade portuguesa (Machaqueiro, 2015), que é resultado de um conjunto de tensões assinaláveis. Desde logo as causadas pelos seus efeitos imediatos, como sejam o repatriamento de milhares de colonos ou a escalada de conflitos nos novos países independentes. Mas as tensões associadas à descolonização evidenciam também as próprias tensões no seio das novas forças políticas que se institucionalizam no Portugal democrático. Ainda que o curso dos acontecimentos tenha resultado numa descolonização rápida, precipitada pela conjuntura internacional e pelo clima político do país - a “descolonização possível” - nunca ficaram sanados os ressentimentos dirigidos ao movimento revolucionário pela sua condução do que muitos (mormente os retornados) chamam a “vergonha” da descolonização. Por esta razão, a descolonização, pelas feridas que deixou, é dificilmente integrada na narrativa triunfante da “Revolução dos Cravos”, arrastando um silêncio que cala bem fundo no espaço público, embora encontre ampla expressão de protesto no campo das sociabilidades privadas e nas redes sociais. Resta saber se esta corrente de protesto tem a força de agremiação suficiente para se constituir como um universo concentracionário, mobilizável por agendas políticas populistas que hoje ganham cada vez maior expressão na Europa e no mundo. Até agora ainda não.

Em todos os casos, ficou por fazer a integração da descolonização e do retorno na memória coletiva do país, seja na narrativa da Revolução dos Cravos, seja na narrativa da nação imperial. Os retornados desestabilizam ambas as narrativas, trazendo colocada à pele a mácula de uma herança ilegítima, não inscrita no discurso da história e da memória. Uma herança que carece de palavras para ser tida como compreensível e sensata no seio das grandes narrativas identitárias nacionais, carregando consigo fantasmas que assombram identidades párias e subjetividades divididas.

COMENTÁRIOS FINAIS: MEMORIALIZAÇÃO E DESENCOBRIMENTO

Apesar do vazio memorial que a descolonização deixou na sociedade portuguesa, em anos recentes tem-se vindo a assistir a um advento memorialista sobre os legados que marcaram o fim do império português. A abertura deste campo memorial acontece a partir dos anos 2000 quando os ecos da teoria do trauma, com a consagração académica dos Estudos do Holocausto (Hirsch e Spitzer, 2010), começam a chegar à experiência emocional e subjetiva da guerra colonial. A partir de então, a proliferação de publicações, bem como o aparecimento de documentários, filmes, trabalhos de investigação e produção artística sobre a guerra, inscrevem plenamente o tema na historiografia e no senso-comum sobre o colonialismo português.[36]

Só então é que o retorno ganha um espaço de inscrição na memória nacional. Esse espaço é conquistado, primeiramente, ao terreno da nostalgia colonial, pela mão daqueles que, geralmente através de autobiografias ficcionadas ou romances testemunhais, memorializam o passado colonial como um “sonho dourado”, “um paraíso perdido”, que súbita e inexplicavelmente chegou ao fim.[37] É o caso do romance Os Retornados: Um Amor Nunca se Esquece de Júlio Magalhães, que enuncia os tropos mais comuns da narrativa vertida pelos retornados: a “vida paradisíaca” que se levava em África, o “tratar bem os pretos”, o sentimento de “traição” e o “ressentimento” relativamente aos políticos mais associados com os processos de descolonização e, por fim, o “trauma” do retorno, devido à forma repentina como este sucedeu e às dificuldades de integração na ex-metrópole, geralmente representada como “atrasada” e “escura” (Peralta, 2014).

O desencobrimento do “drama” dos retornados aconteceria de seguida, com a publicação do livro autobiográfico Caderno de Memórias Coloniais de Isabela Figueiredo, de 2009 e o romance O Retorno, de Dulce Maria Cardoso[38] , de 2011, ambas filhas de colonos e também elas retornadas. A série televisiva E depois do Adeus[39] , e ainda o filme Tabu, de Miguel Gomes[40] , exibidos em 2012, junto com o desenvolvimento de um cada vez maior número de investigações sistemáticas sobre o tema, dentro e fora do campo académico, inscreveriam definitivamente o tema do retorno no campo da cultura memorial portuguesa.[41]

Importa questionar o motivo pelo qual, tendo sido secundário durante tanto tempo, o tema do retorno passou repentinamente a receber a atenção dos públicos e os investimentos literários e académicos referidos. Presumimos ser possível identificar vários motivos relacionados e não apenas um para esta fulgurante memorialização. O primeiro motivo será o tempo. A literatura especializada indica que são geralmente precisos cerca de 25 ou 30 anos - o tempo de uma geração - até que uma comemoração autorreflexiva sobre passados traumáticos ou heranças difíceis tome lugar. Por exemplo, aquilo que hoje se pode designar como uma autêntica “paixão” pelo Holocausto, apenas começou a ter expressão a partir dos anos 70 do século XX. Com efeito, há necessidade de uma distância temporal suficiente em relação aos acontecimentos para possibilitar uma confrontação com o passado relativamente pacífica do ponto de vista social já que a excessiva proximidade pode fazer com que uma memorialização precipitada seja deflagradora de conflitos sociais. Existirá também um outro fator, este relacionado com a questão geracional: à medida que os protagonistas se começam a aproximar do fim das suas vidas, surge também uma urgência em contar as suas histórias. Esta urgência traduz-se, por um lado, numa ânsia de contar por parte daqueles que viveram diretamente os acontecimentos, sob pena de que a oportunidade seja para sempre perdida. Mas, por outro lado, esta urgência expressa-se também por parte dos “filhos do retorno”, os descendentes dessa geração que viveu a experiência em primeira mão. Não será por acaso que os atos de memorialização mais expressivos tenham sido protagonizados por pessoas que ainda eram crianças aquando do retorno, como é o caso de Isabela Figueiredo, Dulce Maria Cardoso ou Júlio Magalhães. Estes não padecem dos ressentimentos dos seus pais ou de uma nostalgia envergonhada pelo império perdido. Não é reconhecimento que procuram, mas sim compreensão. Através dos seus escritos agem socialmente no sentido de recuperarem a sua própria memória genealógica e, desta forma, um sentido de si enquanto agentes e participantes na história coletiva.

Talvez a crise económica e o confronto com a realidade histórica, social e económica do país tenham também criado o ambiente necessário para que o silêncio fosse quebrado e para que a definição hegemónica de Portugal enquanto nação pós-imperial fosse repensada. Neste movimento autorreflexivo involuntário, a experiência subjetiva e histórica da descolonização, das guerras coloniais e do retorno, torna-se passível de ser acomodada nos sentidos identitários que, em modos diversos, compõem a condição pós-colonial portuguesa.

 

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Recebido a 19-07-2017.

Aceite para publicação a 15-02-2018.

 

[1] Algumas exceções são Hoefgen (1985), Pires (1999) (2003), Rocha-Trindade (1995), Ovalle-Bahamón (2003), Lubkemann (2003) (2005) e Peralta, Góis e Oliveira (2017). Está ainda largamente por fazer a historiografia do retorno, empreendimento em curso tomado em mãos pelo historiador alemão Christoph Kalter, que prepara uma monografia histórica sobre o tópico (Kalter, 2016).

[2] Desde 1945 até à década de 70, uma população de cerca de sete milhões de pessoas “regressou” aos centros metropolitanos, à medida que as suas possessões coloniais em África ou na Ásia se iam tornando países independentes. Sobre este assunto v. Smith (2003).

[3] A terminologia adotada para designar o universo populacional aqui tratado tem em consideração o carácter normativo, os sentidos socialmente construídos e os entendimentos conflituais de nomes como “refugiado”, “deslocado”, “repatriado” e, sobretudo, “retornado”. Embora a utilização desta última designação se revele inelutável, já que é pelo nome de “retornado” que esta população é identificável no campo social, considera-se que a categoria cientificamente mais precisa é a de “migrantes da descolonização” (Lubkemann, 2002 e 2003; Smith, 2003). Stephen Lubkemann utiliza também a designação de “migrantes pós-coloniais” (Lubkemann, 2002), Andrea Smith “migrantes invisíveis” e Frederick Cooper “populações pós-coloniais” (Cooper, 2003).

[4] Partindo de uma investigação em curso financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia: Projeto Exploratório “Narratives of loss, war and trauma: Portuguese cultural memory and the end of empire” (IF/01530/2014) associado ao Programa Investigador FCT.

[5] Em 1961, um movimento anticolonial manifestou-se em Angola, marcando o início do que ficou designado por Guerra Colonial Portuguesa. A guerra de independência na Guiné começou em 23 de janeiro de 1963, por iniciativa do PAIGV (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), partido fundado em 1956 por Amílcar Cabral. Em Moçambique, as operações de guerrilha começaram em 1964.

[6] Portugal alinha-se assim com a vaga internacional da descolonização iniciada com a independência da Índia face ao Império Britânico em 1947, vaga que ganhou força internacional com a chamada Declaração Anticolonialista da ONU - Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral de 14 de dezembro de 1960.

[7] Sobre este assunto v. Reis (2013) e Oliveira (2017).

[8] Proclamação ao País Lida por Spínola (26-04-74), Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=mfa3 [Consultado em 06-01-2018].

[9] Para um maior desenvolvimento sobre os colonos e a descolonização de Angola e Moçambique, v. Pimenta (2015).

[10] Sobre a formação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), suas trajetórias e fações sociais e étnicas v. Brito (1988).

[11] Sobre os diferentes movimentos de libertação de Angola, sua génese e respetivos condicionamentos internacionais e étnicos ver Bittencourt (2000).

[12] Para um maior desenvolvimento sobre o tema das descolonizações portuguesas v. Jerónimo e Pinto (2014) e Rosas, Machaqueiro e Oliveira (2015).

[13] Sobre este assunto v. Machava (2015).

[14] Sobre este assunto v. Alexandre (2006) e Jerónimo e Pinto (2014).

[15] Embora a integração destas populações repatriadas da Argélia tenha sido economicamente difícil pelo facto de se terem estabelecido preferencialmente no Sul de França, uma região então assolada pelo desemprego. Sobre este assunto v. Jordi (2003).

[16] Para um retrato da sociedade portuguesa no período revolucionário v. Ferreira (1994) e Belchior e Alves (2016).

[17] No imediato após o 25 de Abril de 1974 são aprovadas medidas legislativas (Decretos-Lei 181/74 e 189/74) para impedir as já difíceis transferências cambiais dos territórios ultramarinos para a metrópole. Apenas estava garantida a equivalência cambial até um valor máximo de 3.000$00. Transferências superiores a este montante entre os diversos territórios nacionais eram penalizadas com pena de prisão. Mesmo no mercado negro era difícil conseguir trocas cambiais; quando se conseguia, operavam-se na base dos 80%. Neste quadro, o dinheiro das colónias deixa praticamente de valer na metrópole: chamavam-lhe “dinheiro macaco”.

[18] 32% são naturais do Norte do país, 36% do Centro, 20% da Região de Lisboa, 9% do Sul e 4% dos arquipélagos dos Açores e da Madeira (Pires, 1999, p. 186).

[19] Os primeiros colonos começam a estabelecer-se em África apenas em finais do século XIX, no contexto da “corrida para África”, quando o Estado português toma a iniciativa da criação de algumas colónias agrícolas e transporta a título gratuito algumas centenas de colonos (Castelo, 2009). No início do século XX, a população branca de Angola e de Moçambique não chegava à dezena de milhar. Só no pós-Guerra se assiste a um crescimento de monta dos fluxos migratórios rumo às colónias - seja graças ao desenvolvimento económico propiciado pela alta da cotação dos géneros coloniais (Clarence-Smith, 1990), seja por razão da nova política colonial posta em marcha para combater o movimento anticolonial e que se consubstanciou na intensificação do povoamento branco. O apogeu deste movimento migratório rumo às colónias - em especial Angola e Moçambique - acontece nos anos cinquenta e primeira metade dos anos sessenta, tendo-se mantido elevado nos 13 anos de guerra colonial, cifrando-se a população branca em Angola em 324 000 indivíduos em 1973 - em comparação com os 44 083 de 1940 -, e em Moçambique em 190 000 indivíduos em 1973 - em comparação com os 27 438 de 1940 (Castelo, 2009). Já em 1972, em plena guerra colonial e nas vésperas da independência, são tomadas medidas legislativas com o objetivo de desviar o fluxo migratório da Europa para a África portuguesa, através de ações de divulgação e de ofertas de emprego.

[20] O IARN foi criado em 1975 pelo Decreto-Lei n.º 169/75 de 31 de março para responder ao súbito e massivo afluxo de retornados que chegavam das ex-colónias, tendo sido extinto em 1981 pelo Decreto-Lei n.º 97/81, de 2 de maio. A história do IARN e da sua atuação durante esses anos está ainda largamente por fazer.

[21] United Nations High Commissioner’s Office for Refugees (UNHCR).

[22] Sobre este assunto v. Kalter (2017).

[23] IARN, Relatório 1 - Relatório de Actividades 1979, AHU_ACL_IARN.

[24] Diário de Notícias, 17-10-1975.

[25] Diário de Notícias, 25-09-1975.

[26] A título de exemplo veja-se a reportagem assinada por São José Almeida no Jornal Público com o título “Retornados: Uma história de sucesso por contar”, Público, 20-04-2014.

[27] Lubkemann estima que cerca de 25 000 a 35 000 retornados tinham ascendência africana (2003, p. 89).

[28] O Processo Revolucionário em Curso - PREC - designa o período revolucionário iniciado com o golpe militar de 25 de Abril de 1974 e concluído com a aprovação da Constituição Portuguesa, em Abril de 1976.

[29] “Vergonha” e “humilhação” são as palavras mais frequentemente proferidas pela população de retornados entrevistada para expressar o estado emocional que marcou a sua saída das colónias e a sua chegada e adaptação à sociedade portuguesa.

[30] O sentimento de humilhação é frequentemente evocado por esta mesma população para justificar o ressentimento em relação aos políticos que fizeram a descolonização e ao acolhimento pelos portugueses metropolitanos.

[31] Der Spiegel, n.º 34/1974.

[32] Estadão de São Paulo (15-05-1977, “edição nacional”, pág. 15).

[33] Cerca de 95% da população colonial de Angola e cerca de 98% da de Moçambique em 1960, eram considerados indígenas e regulados por um estatuto próprio - o Estatuto do Indigenato que vigorou até 1961.

[34] Decreto-lei n.º 308-A de 24-06-1975.

[35] Refira-se que o critério da descendência também prevaleceu, de forma reciproca, no desenho das respetivas Leis da Nacionalidade dos novos países independentes.

[36] Não é o objetivo deste artigo fazer uma revisão da produção literária, cultural e artística, institucional e não institucional, sobre os temas da guerra por não ser esse o âmbito deste artigo.

[37] A título de exemplo, refiram-se Magalhães (2008), Trabulo (2009) e Acácio (2009).

[38] Dulce Maria Cardoso, 2011, O Retorno, Lisboa, Tinta da China.

[39] Série televisiva produzida pela RTP que retrata Portugal no rescaldo do 25 de Abril a partir da saga da família Mendonça, uma família de “retornados” de Angola. Ver mais em http://www.rtp.pt/programa/tv/p28774#sthash.1WjX1vP1.dpuf.

[40] Ver em http://www.osomeafuria.com/films/3/35/

[41] No campo académico, destaque para Fonseca (2012), Øien (2013), Vieira (2013), Peixoto (2015), Rosales (2015), Kalter (2016) e Peralta, Góis e Oliveira (2017). No campo jornalístico, destacam-se, entre outros, os trabalhos de Rita Garcia (2011 e 2012).

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